domingo, 1 de março de 2020

Poema - Amanhecer

E mais uma vez os ventos estão a rugir
Trazendo consigo chuvas que parecem sem fim
E mais uma vez eu não vou poder fugir
Os caminhos sumiram sob o céu de nanquim
E às vezes parece difícil até mesmo sorrir
Com os pensamentos irrompendo num motim
Quando tudo ao redor gira, prestes a ruir
Percebo que é muito mais que uma noite ruim

E mais uma vez vou tentar me proteger
Erguendo toda barreira que eu consigo
E mais uma vez vou acabar por me perder
Fingindo estar acolhido em meu abrigo
Fingindo que tudo não está prestes a ceder
Fingindo que não me distraia de meu castigo
Enquanto vislumbro miragens do amanhecer
Aguardando sem pedir conselhos dum amigo

E mais uma vez eu ouço os trovões lá fora
Mas permaneço sentado sozinho no escuro
E mais uma vez eu tento fugir do agora
Sonhando voar alto enquanto me censuro
Lentamente percebo que não vou embora
Enquanto não achar o que eu procuro:
Os primeiros raios de luz duma aurora
Para iluminar um coração inseguro

Nesse momento olho no espelho
Meu reflexo me parece atormentado
Nesse momento eu me ajoelho
Sinto que pelo mundo fui derrotado
A um morto-vivo me assemelho
Arrastando-me com o corpo cansado
Relembrando o brilho vermelho
Das chamas que eu havia apagado

Então finalmente pensei sobre o meu sorriso
E da felicidade que não tinha escassez
Então finalmente pensei sobre o meu paraíso
E de todos os seus calorosos clichês
Fazendo-me sentir falta até da falta de juízo
Que eu já exibi com tamanha altivez
E num instante assim, meio que sem aviso
Pensava sobre quem eu já fui uma vez

Então finalmente me lembrei daquele calor
Aquecendo-me a cada passo daquela dança
Então finalmente me lembrei daquele amor
Guiando-me para uma nova esperança
Levando-me para longe da minha dor
E preenchendo-me com perdida confiança
Obrigando-me a ser mais que um sonhador:
Meu paraíso não seria mais uma lembrança

Então finalmente me levantei do chão frio
Da minha escuridão saí, passo a passo
Então finalmente deixei meu templo sombrio
O tributo ao meu medo passado eu desfaço
Em meu coração, não mais aquele vazio
Agora um calor zeloso como de um abraço
E no horizonte, segue o eterno desafio
Porque o meu amanhecer sou eu que traço