domingo, 29 de novembro de 2015
quinta-feira, 26 de novembro de 2015
Capítulo 42
Checkmate
Xeque-mate
Tristan caiu de joelhos. O
sangue começou a escorrer pela ferida em seu ombro.
“Droga...”.
Em poucos instantes, duas
linhas de sangue escorriam até o chão. Uma passava pelo peito de Tristan e, a
outra, por suas costas. Gotas rubras atingiam o chão. Ao olhar para a esquerda,
Tristan viu a espada de Stor a poucos centímetros de seu pescoço.
—
O duelo não havia acabado ainda, criatura das Trevas. — O rei bárbaro disse ofegante. — Você deveria ter se
certificado...de que eu havia morrido. Se você tivesse feito isso...você teria
ganho o duelo. Você teria desferido um golpe final contra mim, mas...você foi
tolo. Você...presumiu que eu não haveria sobrevivido. Você...subestimou a minha
armadura. As minhas costas...bem, devo admitir que você fez um estrago nelas.
Você a destruiu...digo, destruiu as costas dela. Agora tenho alguns
arranhões...mas...isso não importa agora. Sabe por quê? — Stor riu. —
Por que você perdeu. Por que eu ganhei. Por que eu estou vivo. Por que
você...você logo estará morto.
O som de uma lâmina
atravessando pele e ossos foi o único que soou na sala por um instante.
—
Eu não faço a mínima ideia do que ele disse, mas vou presumir que ele ainda
acreditava que estava duelando. —
Disse Shadowing.
Com um movimento rápido, o
Demônio encapuzado retirou sua alabarda das costas de Stor. O rei bárbaro caiu
inerte no chão enquanto a arma de Shadowing desaparecia nas sombras. Com certa
dificuldade, Tristan se levantou. O guerreiro das Trevas, juntamente com
Migrasi e Gabriel, olhou para o Demônio.
—
Qual o problema? —
Shadowing indagou levemente irritado.
—
Não creio que devêssemos interferir em um duelo. —
Disse Gabriel em tom de reprovação. —
Principalmente em um duelo contra um rei.
—
Mas...
—
Não importa o motivo.
—
Eu...
—
Salvar a vida de seu amigo não justifica o que você fez, Shadowing.
—
Cale-se! — O Demônio
bradou. — Deixe-me
falar!
—
Idiota...eu acabei de falar. O que você fez...não é justificável. Então...nem
tente. Não gaste saliva, Demônio.
—
Gabriel... — Tristan
interveio. Em um instante, o guerreiro sombrio invocou uma Poção das Trevas e a
bebeu. A ferida em seu ombro se fechou. Seu rosto estava aparentemente mais
tranqüilo. Ele apoiou sua mão esquerda no ombro direito de Gabriel. —
Deixe-o falar. Não vamos causar nenhum tipo de confusão entre nós agora. Não se
esqueça que ainda estamos em território inimigo.
—
Bem... — O guerreiro
da Luz bufou. —
Certo. — Ele se
voltou para Shadowing. —
Justifique-se.
—
Parece que você não compreende a situação em que estamos, Gabriel. — O Demônio disse
claramente irritado. —
Estamos em uma missão de assassinato seguida pela invasão desse reino. Não há
tempo para brincarmos de duelar com algum bárbaro viciado em lutas.
—
Ora...aparentemente, temos visões muito diferentes quanto a ética durante a
guerra, Demônio. —
Gabriel bufou.
—
Nós certamente discordamos nesse quesito. —
Disse Tristan voltado para o guerreiro da Luz.
Gabriel se voltou em direção ao
guerreiro das Trevas. Tristan fitava o aliado com seriedade.
—
Apoiando seu amiguinho das Trevas, hein? —
Gabriel indagou com um sorriso sinistro no rosto.
—
Sim, mas não por sermos seres das Trevas. —
Tristan respondeu calmamente. —
Eu estou apoiando Shadowing por que concordo com ele. Estamos em uma situação
em que cordialidades são totalmente desnecessárias. Não se esqueça que temos
uma missão para cumprir. Não se esqueça que dois reinos contam com o nosso
sucesso. Não podemos nos dar ao luxo de falhar por que seguimos as regras do
inimigo. — Ele
sorriu. — Mas...não
se preocupe, caro Gabriel. Nossa aliança temporária está para se expirar...e
quando isso acontecer, nós voltaremos a ser inimigos...até que um de nós morra.
— Tristan invocou sua
espada e a apontou na direção do rosto do Escolhido de Leviathan. — Estamos entendidos?
—
Eu não gostaria que fosse de qualquer outro jeito. — Gabriel disse com um largo sorriso no rosto.
—
Espero não estar atrapalhando. —
Disse alguém no idioma das Terras do Norte.
No mesmo instante, Tristan,
Shadowing, Gabriel e Migrasi se voltaram na direção da voz. Um homem que
trajava uma armadura de ferro levemente enferrujada estava parado na entrada da
sala. Seus olhos eram azuis escuros. Sua barba rala e cabelos lisos eram
castanhos quase grisalhos. Em seu rosto, algumas rugas eram visíveis, porém,
eram bem menos numerosas do que as cicatrizes profundas, prováveis marcas de
batalhas vividas. No lado esquerdo de sua cintura, estava uma espada de aço ornamentada
com inscrições antigas. Em suas costas, uma lança feita inteiramente a partir
de um metal negro brandia o estandarte de urso.
—
Quem seria você? —
Gabriel se adiantou em perguntar.
—
Kloke, o conselheiro do rei. —
O homem respondeu. —
Por mais que ele raramente me ouça... —
Ele olhou para o Stor morto no chão alguns metros adiante e bufou. — Eu sabia que isso iria
acontecer... — Kloke
coçou a nuca. —
Bem...até que demorou para acontecer.
—
Ah...você...vocês está falando no nosso idioma? —
Shadowing perguntou.
—
Sim. — Kloke
respondeu com simplicidade. —
Eu sou um conselheiro, logo, tenho que ser um intelectual entre guerreiros que
só emitem grunhidos. Eu tenho que adquirir conhecimento e, para isso, tenho que
buscar várias fontes. Existem conhecimentos que passam entre vocês, ou até em
outros reinos, que não chegam até aqui. Por isso, aprendi alguns outros
idiomas. Aprendi sobre a cultura de vários povos. Enfim, eu me tornei o humano mais
inteligente que vocês poderiam conhecer.
—
Isso pra não mencionar o quão humilde e inseguro você é. — Tristan zombou.
—
Ora...sarcasmo, hein? —
Kloke arqueou uma sobrancelha. —
É um sinal de inteligência. —
Ele riu. — Mas duvido
que você demonstre mais algum sinal.
—
Presunçoso...
—
Você acha? — Kloke
sorriu. — Então,
prove que eu estou errado.
—
Ótimo. —O guerreiro
das Trevas sorriu.
Em uma fração de segundos,
Tristan se transformou em trevas e atravessou Kloke.
—
Pronto. — O Escolhido
de Nidhogg sorriu. —
Agora você está quieto.
Kloke caiu de joelhos com a
espada de Tristan cravada em sua barriga. O conselheiro do rei pousou suas mãos
sobre o cabo da espada, mas ele não tinha forças para fazer mais nada.
—
Eu não preciso ouvir o que você tem a dizer. —
Disse Tristan. — Você
não me tinha utilidade. Por isso, sendo você meu inimigo, eu o matei.
Comentários?
—
Ora... — Kloke cuspiu
sangue. — Você...é
bem lógico...devo admitir...
—
Obrigado.
—
Mas...como você pôde ter certeza...de que não tinha nenhuma utilidade...para
você?
—
O nosso objetivo aqui é claro. Matar o rei. Chamar a atenção de vocês. Matar
alguns bárbaros em uma emboscada. Tomar a cidade em um ataque com dois
exércitos.
—
Ah...sim...entendo. Luz e...Trevas...unidas...por um objetivo em...comum. Não
é...a primeira vez. Mas...mesmo assim...você não acha prudente...tentar
conseguir alguma...informação...de mim? Algo...sobre nós...sobre os bárbaros?
—
Eu não sou tão curioso assim.
—
É uma pena...
—
Se você diz...
—
Bem...permita-me contar-lhe algo...antes de eu...morrer...
—
Se você insiste... —
Tristan bufou. —
Diga.
—
Vocês...não devem subestimar o nosso exército...
—
Ah...certo. — O
guerreiro das Trevas riu. —
Algo mais?
—
Vocês...não sairão vivos daqui...
—
Claro que não... —
Tristan zombou.
De repente, a sala começou a
tremer. Tristan e seus aliados tentavam manter-se em pé enquanto o chão
balançava. As armas expostas nas paredes caiam uma a uma rapidamente. Kloke
tentava rir apesar de ter uma espada cravada em seu abdômen.
—
O que é isso!? — Gabriel
indagou.
—
Não pode ser um terremoto...nem uma avalanche próxima ao local. — Shadowing disse com
firmeza. — Caso
contrário, ele não estaria rindo. —
O Demônio apontou para Kloke. —
Você...
Shadowing andou com passos largos até o conselheiro do
rei e torceu a espada em sua barriga levemente para a direita. Kloke gritou e
bradou algo no idioma das Terras do Norte.
—
Shadowing... —
Tristan chamou. —
Faça isso por mais um instante e talvez ele morra sem falar nada.
—
Bem...certo — O
Demônio soltou o cabo da espada. —
Agora...explique o que está acontecendo.
A sala tremia mais intensamente
agora.
—
Bem...aposto que vocês...não conseguiram ver...o castelo muito bem...por
causa...da nevasca. —
Disse Kloke. —
Então...tenho certeza...que vocês...não viram...um detalhe...especial...sobre
esta sala.
—
Diga logo o que é! —
Gabriel bradou.
—
Ora...esta sala...não possui...nenhum andar...abaixo dela.
—
Como assim? — Indagou
Tristan.
—
Bem...esta sala...não tem nenhuma...sustentação. Ela é...simplesmente...fixada
à uma...das paredes do castelo. Derrubar esta sala...em alguma emergência...é
muito simples. Sendo que o rei...adorava duelar...bem...eu sempre
imaginei...que esse dia chegaria.
Antes que alguém pudesse dizer
mais alguma coisa, a sala se soltou da parede.
terça-feira, 24 de novembro de 2015
Conto de Terror 10
Fada do Dente
Depois de tantos anos, cheguei a conclusão que seria
melhorar escrever isso. Talvez, assim, eu tenha um pouco de paz. Talvez, assim,
alguém, não importa quem, acredite em mim.
Vamos voltar dez anos no tempo. Eu tinha apenas oito anos
de idade. Não era alto, nem baixo. Nem gordo, nem magro. Nem burro, nem
inteligente. Mas, sinceramente, nada daquilo parecia importar muito na época.
Socializar era muito mais fácil. Você simplesmente chamava alguém pra brincar
com você durante uma tarde e, no dia seguinte, vocês já eram melhores amigos.
Isso somado ao fato que minha sala não tinha mais de vinte alunos fazia com que
todos nós, ou pelo menos a grande maioria, fossemos muito próximos. E foi
exatamente por isso que ficamos tão abalados na época.
Tudo começou um dia quando o meu melhor amigo, Andrew,
chegou à escola sem um de seus caninos. Foi o direito superior que havia
sumido, se me lembro bem. Entretanto, ele estava diferente. O garoto estava
tenso, quieto demais para a criança hiperativa que era.
A mãe dele o deixou na frente da escola e, do momento em
que ele desceu do carro, ele tornou-se mudo. Sem dar um pio, ele foi à sala de
aula, sem cumprimentar ninguém. Resolvi segui-lo.
—
Tá tudo bem? — Perguntei.
—
Não. — Ele respondeu
irritado.
—
O que aconteceu?
—
Ninguém acredita em mim.
—
Acreditar? Acreditar no que?
—
Ontem à noite... —
Ele disse baixo. Agora, outras crianças entravam na sala. Acho que ele não
queria que todo mundo ouvisse o que ele estava me contando. — Um monstro entrou no meu
quarto.
—
Sério!? — Eu me
aproximei mais para perto dele. Eu nunca tinha visto um monstro, mas sempre
quis ver. Toda a minha atenção se voltou para ele. — Como ele era!?
—
Fale mais baixo.
—
Ah... Ok, desculpe...
—
Então... — Andrew
continuou. — Eu
não... Eu não consegui ver o monstro, sabe? Eu só...
—
Então como você sabe que foi um monstro? —
Indaguei rapidamente.
—Porque
era! — Ele exclamou.
Percebendo que havia falado alto demais, Andrew começou a cochichar no meu
ouvido. Ele deve ter achado que devia ter chamado atenção, então resolveu
manter-se o mais quieto possível. —
Porque era, ok? Era... Estranho. Tava de noite. Eu já tinha ido dormir. A luz
tava apagada. De repente, eu senti frio, mesmo coberto. Aí eu percebi que eu
não conseguia mexer nem meus braços e nem minhas pernas. Então...
—
Bom dia, classe! —
Era a nossa professora que havia acabado de entrar na sala.
—
Bom dia, professora! —
Os outros alunos responderam como um coral.
—
Ah... — Andrew
parecia tonto, quase prestes a vomitar. —
Eu... Eu termino de contar depois. No recreio, ok?
—
Ta... — Respondi
desanimado.
As aulas daquele dia pareciam ter passado tão devagar.
Naquela época, a escola ainda era divertida. Agora eu sei que aquela sensação
de torpor no tempo era causada pela minha ansiedade. Eu ficava encarando os
ponteiros do relógio da sala de aula para que os segundos passassem mais
rapidamente. Em vão, é claro. Até cheguei a perguntar pra Andrew se ele poderia
me contar durante a aula, cochichando mesmo, mas ele se recusou. Ele parecia
ainda mais estranho.
Eventualmente, metade das aulas do dia havia passado. O
recreio chegou. Enquanto a maioria de meus amigos estava preocupar em pegar o
playground pra brincar de esconde-esconde ou arrumar um lugar pra lanchar, eu segui
Andrew.
Nós dois fomos juntos até um canto afastado do resto da
escola. Perto de nós estava um garoto que era da nossa sala. Entretanto, ele
era um dos poucos que eram introvertidos. Ele parecia brincar com algum bicho
de pelúcia. Não tenho certeza. Eu não prestei muita atenção na hora. Andrew
ainda menos.
Podíamos ver os nossos colegas brincando alegremente de
onde estávamos, bem como ouvir exclamações alegres e risos. Eu tive vontade de
me juntar a eles. Porém, o amigo ao meu lado tinha a minha curiosidade.
—
Então... —Andrew
murmurou. Ele olhou para mim, um tanto quanto confuso. — Onde eu parei mesmo?
—
Você tava na sua cama. —
Respondi. — Com frio,
sem conseguir se mexer...
—
Ah é... — Ele tremeu.
— Não foi legal...
—
E o que aconteceu depois?
—
Eu... Senti alguma coisa na minha boca.
—
O que era...?
—
Uma mão, eu acho. Mas... Era pequena. E peluda. E tinha garras, eu acho.
—
Era algum animal?
—
Parecia. Mas já falei que era um monstro. —
Andrew tremeu de novo. —
Ele... Ele arrancou o meu dente. Doeu, mas eu não consegui gritar. De repente,
já era de manhã. Eu... Eu acho que dormi, mas não tenho certeza. Acordei sem o
meu dente. Contei pra minha mãe e ela não acreditou! — Ele ficou irritado. — Ela falou que foi só um pesadelo e que meu
dente caiu durante a noite. Quando ela chegar em casa, ela vai achar o dente.
Ou é o que ela acha.
—
Hm... — Eu ouvi tudo
o que Andrew disse. Entretanto, eu mesmo não conseguia acreditar em tudo
aquilo. — Entendi.
—
Ei... Vamos... Vamos esquecer isso, ok? —
Ele se levantou. —
Vamos ver se a gente pode entrar lá pro esconde-esconde.
—
Ah... — Eu hesitei,
mas, no fim, sorri. —
Ok!
Levantamos e passamos o resto do intervalo brincando
juntos. Foi bom. Andrew voltou a sorrir. O resto do dia passou bem rápido.
Tudo estava ótimo, de volta ao normal.
Isso é, até o dia seguinte.
Eu procurei Andrew assim que cheguei na escola. Ele, mais
uma vez, estava na sala de aula. Uma garota de nossa sala, Caroline, estava com
ele. Os dois pareciam abalados.
—
O que aconteceu? —
Perguntei com certa inocência.
—
Não pode ser um pesadelo. —
Disse Andrew sem emoção. —
Agora eu tenho certeza.
—
Hã...?
—
Aconteceu comigo também. —
Falou Caroline. — O
monstro veio até o meu quarto de noite. E então... — Ela abriu a boca, mostrando o espaço onde um
de seus dentes incisivos deveria estar. —
Isso aconteceu.
Mais uma vez, tudo aquilo pareceu muito estranho. Afinal,
perder dentes de leite nessa idade era normal, certo? Desde pequeno eu já sabia
disso. Não poderia tudo aquilo ser um simples pesadelo? Ou, então, alguma
pegadinha? Será que Andrew estava tentando me assustar com alguma história boba
sobre um monstro? Não seria a primeira vez que ele tentava fazer aquilo com
alguém.
Assim, resolvi agir normalmente. Por mais estranhos que
Andrew e Caroline estivessem agindo, resolvi não prestar muita atenção neles. Sem
problemas. Passei o resto do dia falando com o resto dos meus amigos.
Porém, o arrependimento chegou mais tarde naquele dia.
Não sei que horas eram, mas eu já havia dormido. De
repente, eu acordei com uma sensação estranha. Estava frio. Parecia que eu
estava deitado sem camisa em um chão de metal e não na minha cama. Meus braços
e pernas estavam pesados. Mesmo não estando presos a nada, eu não podia os
mover.
De repente, eu vi algo se movendo. Uma luz fraca entrava
pela fresta da porta de meu quarto. Aquela era a única iluminação com q que eu
contava. Lentamente, o vulto veio em minha direção. Lentamente, uma mancha
negra subiu no meu corpo e andou sobre as minhas costelas até o meu peito. Eu
tentei gritar, é claro. Talvez os meus pais pudessem me ouvir. Porém, parecia
que havia algo entalado em minha garganta. Som nenhum saiu de minha boca.
Eu vi a mão da criatura vindo em direção a minha boca em
câmera lenta. Senti o suor escorrendo pela minha face. Os nervos de meu rosto
pareciam que iam estourar enquanto eu, em vão, tentava desviar da mão do
monstro.
Involuntariamente, minha boca se abriu. Tentei com toda
força fechá-la, principalmente quando a mão da criatura entrou nela. Eu pensei
que poderia mordê-lo, afugentá-lo. Mas não pude. Permaneci imóvel e angustiado enquanto
aquelas garras geladas tocavam em um de meus pré-molares.
Então, o monstro torceu meu dente, girando-o de um lado
para o outro, cada mais forte, cada vez mais rápido. Minha gengiva doía. Os
músculos de meu rosto se contraíam com a dor. Eu fechei os olhos. Eu ficaria
assim até aquilo acabar. Tudo podia ser apenas um pesadelo. Mas não. Mesmo
pequeno, eu tinha certeza que aquilo era real. A dor era real.
De repente, tudo parou. Eu senti uma dor aguda. O meu
dente foi removido brutalmente. Eu senti o gosto do meu sangue em minha boca.
Também senti todo o meu corpo suando e tremendo. Eu queria chorar, mas não
consegui. Gritar ainda era impossível, bem como me mover. Praticamente
congelado, eu fiquei deitado em minha cama, esperando a agitação passar e a
exaustão me por para dormir.
Quando acordei, entendi como Andrew deve ter se sentido.
Contei sobre o monstro para o meu pai. Ele sorriu e me confortou, falando que
aquilo fora apenas um pesadelo. Ele procuraria pelo meu dente mais tarde. Eu
tinha certeza que ele não estaria de baixo de minha cama e, muito menos,
debaixo de meu travesseiro.
Eu me sentia um idiota por não ter acreditado em Andrew e
Caroline, por isso, foi até eles assim que cheguei à escola. Não falei com mais
ninguém até ver os dois.
Adoraria falar que bolamos um jeito de derrotar esse
monstro e que, no final, todo mundo ficou feliz e com os dentes a salvo. Porém,
a realidade não é tão feliz nesse caso, afinal, éramos apenas crianças de oito
anos contra alguma criatura sobrenatural. Tudo o que conseguimos fazer foi
avisar sobre o ocorrido para o restante da sala. Nada mais.
Nos dias que vieram em seguida, nós sofremos em silêncio.
A cada dia, um de nós aparecia sem um dente e relatando a mesma história
traumatizante. Agatha, Pedro, Lucas, Adriana, Letícia, Paulo, Henrique. Nenhum
deles parecia se safar. E aquilo teria continuado sem nenhum adulto dar
importância.
Porém, as coisas começaram a ficar ainda mais bizarras, chegando
ao ponto em que os adultos não mais acreditaram que havíamos perdido os nossos
dentes a noite.
Primeiramente, todos os alunos da sala haviam perdido um
dente, um seguido do outro. Era estranho, mas possível, claro. Porém, começaram
a surgir relatos de outras crianças, muitas mais velhas que nós, perdendo os
dentes e se justificando com a mesma história.
Elas eram de outras salas, de outras escolas inclusive.
Muitas das crianças que perdiam, entretanto, dentes permanentes e saudáveis.
Aquilo começou a deixar os nossos pais alarmados. Na
época, eu não havia entendido muito bem o porquê. De repente, o monstro parecia
extremamente real e perigoso, muito além de nossa compreensão.
Agora, entretanto, eu entendo a preocupação. Poderia ter
sido alguém lunático entrando em nossos quartos à noite, realizando algum
fetiche doentio. O psicopata poderia estar nos perseguindo desde a saída da
escola, não mais discernindo quem era do colégio ou, simplesmente, das
redondezas.
O caso teve certa repercussão na mídia local. A escola
começou a ser investigada, bem como seus funcionários. Aqueles que tinham
condições de se mudar o fizeram. Alguns, até, mudaram de cidade. Muitos não
voltaram à escola, nem nos anos seguintes.
Eu cheguei, entretanto, a encontrar alguns de meus
colegas com o tempo. Normal, não é? Parece que a gente sempre se reencontra com
algumas pessoas. Entretanto, nem sempre é uma situação feliz. No meu caso,
nenhum dos reencontros foi bom.
Era como se as memórias daquela época infernal voltassem
para nos assombrar. Nem mesmo aqueles com que eu tinha mais afinidade pareciam
felizes em me ver. Eu, sinceramente, não fiquei muito magoado. Por mais que não
quisesse admitir, também sentia aversão a eles, mesmo não querendo.
Houve, entretanto, algumas poucas exceções. Nenhum
relacionamento durou muito, mas, pelo menos, não foi trágico desde o começo
como os outros.
Eu estudei com Andrew no ensino médio. Fomos amigos por
três anos, mas, a cada dia fomos nos tornando mais distantes. Não sei como ele
está agora.
Agatha, minha paixão de infância, acabou se tornando
minha namorada. Foi apenas por pouco tempo, talvez dois meses, quando tínhamos dezesseis
anos. Olhar para a cara um do outro nos trazia recordações que esperávamos,
juntos, deixar para trás. Não deu certo.
Caroline foi minha colega durante meio ano apenas no
ensino fundamental. Tínhamos treze anos, acho. A pobre garota parecia
claramente perturbada. Isso todos os dias. Eu mal falava com ela, mesmo
querendo muito. Um dia, de repente, ela se foi, sem explicações, sem dizer um
pio.
Há um caso que, mesmo não tendo durado mais do que alguns
segundos, eu creio que seja bom mencionar: William. Eu cheguei a mencioná-lo
antes. Era o garoto introvertido que brincava com seu bicho de pelúcia.
Oito anos atrás nós nos encontramos. Eu voltava de algo
simples. Talvez eu tivesse ido à padaria, não sei ao certo. Mas eu sei que ele
estava lá.
William, aquele menino magrelo com o cabelo desgrenhado
que lhe cobria os olhos, estava sentado num banco de uma praça perto da minha
casa. Eu nunca havia falado com ele. De fato, eu nunca havia ouvido sua voz.
Porém, resolvi conversar com ele mesmo assim.
Enquanto me aproximava, fiquei em dúvida se ele estava
acordado ou não. William apenas olhava para baixo, nem parecia estar respirando.
Ao seu lado percebi que havia um bicho de pelúcia. Talvez fosse o mesmo, mas
não sei dizer. Só sei dizer que sua aparência era bem surrada. Era um crocodilo,
verde, quase desbotado.
—
Ah... — Limpei a
garganta. —
William...?
O garoto levantou a cabeça levemente.
—
Ah... Há quanto tempo... —
A voz não poderia ser dele. Era arrastada e grave, quase como a de um fumante
de longa data. — Thiago,
não é mesmo...?
Eu ia responder que sim. Porém, eu não consegui dizer
nada. O ar ficou frio. Minhas pernas começaram a tremer. De repente, senti algo
praticamente puxando os meus olhos para baixo.
Assim, praticamente paralisado, eu olhei na direção do
bicho de pelúcia no colo de William. Eu ouvi uma risada profunda e, então, o pequeno
crocodilo abriu sua boca, sorrindo e revelando seus dentes. Eram todos
irregulares, alguns amarelados, de tamanhos diferentes e, principalmente, todos
humanos.
Praticamente congelado no tempo eu permaneci ali. Não sei
quanto tempo se passou. Porém, quando eu escapei daquele transe, o crocodilo
havia sumido. O corpo de William, entretanto, permaneceu lá, sem vida, sem cor.
domingo, 22 de novembro de 2015
Um Outro Mundo, Capítulos 7, 8 e 9
7.
Se Estmund havia dito alguma coisa, o rapaz não tinha
ouvido.
Joshua agora corria até as escadarias, sem pensar
direito, com o coração batendo acelerado.
A ideia de pegar o elevador foi logo descartada. O rapaz
não agüentaria ficar parado, esperando o elevador chegar ele e, depois, ao
térreo.
Seus passos rápidos e desajeitados ecoavam pelos
corredores do prédio.
Degrau após degrau, lance de escada após lance de escada,
o jovem chegou ao saguão.
Joshua acelerou o passo. Na saída do prédio, ele trombou
com uma senhora, também moradora do prédio. Ele nem percebeu se ela havia caído
ou não e também não pararia para verificar. Tudo que o rapaz poderia fazer era
esperar que ela estivesse bem.
Entretanto, por mais desfocado que Joshua pudesse estar
com o mundo a sua volta, ignorar o tempo a sua volta era impossível.
Chovia torrencialmente. Os ventos, fortes e gélidos,
pareciam vir de todas as direções, uma de cada vez. Os raios traziam cor ao céu
cinzento, coberto de nuvens. Os sons das buzinas e dos carros correndo nas ruas
pareciam não existir quando comparados aos trovões incessantes.
Entretanto, nada disso fez com que o ritmo de Joshua
diminuísse.
O caminho era uma cainhada tranquila de praticamente
trinta minutos. Se fosse possível, o rapaz chegaria até a casa de Adriana em
cinco minutos.
Correndo por entre as pessoas com guarda-chuvas e
desviando de postes e latas de lixo, ele deveria estar parecendo um louco
fugindo de algo. Porém, o jovem não se importava, afinal, ele nem tinha tempo
para pensar nessas coisas.
O som das poças espalhando água sob os pés do rapaz a
cada cinco passos ou menos já havia se tornado algo normal. Seus tênis, já
encharcados, começavam a incomodar o rapaz. Seus pés começavam a doer. Sua
respiração estava se tornando ofegante. O jovem estava longe de estar
completamente recuperado após tudo o que havia passado.
Além disso, Joshua já havia sido quase atropelado, pelo
menos, seis vezes. Uma das vezes ele deslizou por cima do capô de um carro. É
claro que os motoristas o xingaram por ter se atirado no meio do trânsito com o
sinal verde, mas Joshua nem percebeu. Ele apenas sabia que não tinha tempo a
perder. Afinal, qualquer nova preocupação era insignificante no momento.
Ofegante e sem saber quanto tempo havia se passado,
Joshua chegou até a rua de Adriana.
Involuntariamente, seu corpo relaxou.
O coração do rapaz começou a bater mais rápido.
Seu corpo mais parecia um estorvo no momento. E foi
pensando assim que ele, cambaleando, quase se arrastando, seguiu até a casa no
fim da rua.
Trincando os dentes, tentando ignorar toda a dor que se
acumulou em seu corpo, Joshua chegou até a porta da humilde casa de Adriana.
Centenas de memórias poderiam ter vindo a sua mente.
Entretanto, ele não conseguiria se lembrar delas agora nem se ele quisesse. Sua
mente estava tão funcional quanto o seu corpo.
Apoiado contra a porta, Joshua apertou a campainha.
Uma, duas, três vezes.
Sem resposta.
Ele apertou mais uma vez. Agora, sem soltar o dedo da
campainha.
O som agudo se prolongou por dez segundos.
Ainda assim, não houve resposta.
Exasperado, Joshua socou a porta.
Uma, duas vezes. Na terceira, ele bateu com mais força.
Sem resposta.
Em seguida, ele se jogou contra a porta, batendo o ombro
com força contra a superfície de madeira.
Joshua soltou um grito de raiva.
Mais uma vez, o jovem se jogou contra a porta.
O som que veio a seguir não era esperado.
Ao invés de uma resposta, Joshua ouviu o som da porta de
madeira cedendo, soltando-se de suas dobradiças enferrujadas e caindo para
dentro da casa com o rapaz em cima dela.
O rapaz respirou apressadamente, recuperando-se do susto.
Rapidamente, Joshua se levantou e olhou para o interior
da casa.
O lugar fora herdado por Adriana após a morte de uma de
suas avós. Não muito grande, velha, com algumas rachaduras, precisando de
algumas demãos de tinta, mas, apesar disso tudo, era lá o lar de Adriana e, até
pouco tempo atrás, de Joshua também.
Naquele dia cinzento, sem sua amada, o jovem poderia
jurar que o lugar estava com uma aparência ainda mais decadente.
Joshua acendeu o interruptor do corredor. As luzes
funcionavam perfeitamente. Aquilo o relaxou um pouco.
—
Adriana! — O jovem
gritou. — Querida...!
Como antes, não houve resposta. Entretanto, isso não
impediu Joshua de continuar chamando por sua amada enquanto vasculhava a casa.
Em pouco tempo, o rapaz já estava suando frio, com o
corpo tenso, perdendo as esperanças.
A cada chamada não respondida, a cada cômodo vazio
vasculhado, a cada passo dado, a cada instante que se passava Joshua ficava com
mais medo. Afinal, durante todo o tempo passado na procura de Adriana, ele
sabia que o pior já poderia ter acontecido. Entretanto, ele continuou negando a
hipótese, esperando a encontrar de alguma forma.
Eventualmente, porém, Joshua teria que ceder.
Após o que pareceu uma eternidade, o rapaz caiu sentado
no corredor da casa, não muito longe da porta que viera abaixo, com as costas
numa parede. Ele levou as mãos ao rosto, fazendo com que o grito de frustração
que veio a seguir fosse abafado.
Joshua não tinha mais como negar. Adriana se foi. E ele
não pôde fazer nada.
—
Me desculpe... — Ele
murmurou, começando a chorar. —
Eu não pude fazer nada...
—
Mas que cena patética... —
Uma voz zombou com certo nojo.
Joshua ficou paralisado por um segundo. A voz feminina
lhe era familiar. Por um instante, ele chegou a pensar que era Adriana. Mas não
poderia ser. Não com aquele jeito de falar.
Lentamente, o rapaz abaixou as mãos e olhou para frente.
Diante dele estava uma mulher pálida, extremamente magra,
um pouco mais baixa que ele, vestida no que mais parecia ser um vestido de
noiva completamente negro. Sob o véu, belo seu rosto era bem visível,
principalmente seus lábios cor de carmim e olhos cor íris escarlates.
—
Não sei como sobreviveu àquele inferno na Terra... — A mulher falava, com certo desinteresse,
enquanto ajeitava os cabelos castanhos escuros que caíam sobre os ombros. — Mas você pode me contar
os detalhes no caminho.
—
Ah... — Joshua
parecia estar tonto de tão confuso. —
E você...?
Antes que o jovem pudesse terminar sua pergunta, uma
foice surgiu nas mãos da mulher.
Com um movimento rápido, a ceifadora apontou a lâmina
prateada contra o pescoço de Joshua, a milímetros da pele dele, e disse:
—
Sou uma amiga de Estmund. É tudo o que vou te contar. Por ora, pelo menos... — Ela sorriu sem mostrar os
dentes, porém, mantendo-se ameaçadora. —
Agora... Venha. Sem mais um pio até eu lhe conceder a permissão, entendeu?
O rapaz assentiu. A ceifadora afastou sua foice do pescoço
dele. Rapidamente, Joshua se levantou e a seguiu porta afora.
8.
Em um instante, tudo mudou.
A cabeça de Joshua parecia girar enquanto o ambiente a
sua volta se retorcia, mudava de cor e lhe causava náusea.
O gramado a frente da velha casa se transformou
vagarosamente em uma plataforma branca, límpida, feita do que parecia ser
mármore, que terminava em uma grande escadaria.
O céu cinzento se tornou negro, sem nuvens, com pontos
brilhantes espalhados aleatoriamente por ele.
Joshua levou as mãos à cabeça, que parecia latejar de
dor, e se ajoelhou, gritando com a boca fechada.
—
Eu deveria ter imaginado que isso aconteceria... —
A ceifadora murmurou. —
Por isso... Me desculpe...
—
Mas... O que isso? —
O rapaz conseguiu dizer aquelas palavras com dificuldade. — O que... O que aconteceu?
—
Eu te trouxe para o Plano Espiritual. Com o seu corpo físico. Aí isso
aconteceu...
—
Ah... Mas... Por que fazer isso? E... Como isso é possível?
—
Nós, ceifadores, usamos esse mundo como um portal. Podemos sair de qualquer
lugar da Terra, passar por aqui rapidamente, e chegar ao outro extremo da sua
querida Terra em questão de instantes. Se quisermos chegar até onde eu quero,
esse é, sem dúvida, o jeito mais rápido.
— Ela fez uma
breve pausa. — E,
quanto ao como isso é possível...
Bem, digamos apenas que os ceifadores mais antigos e experientes conseguem
fazer isso.
—
Então... Você é uma das mais velhas?
—
Sim... Por quê?
—
Hm... Bem... É que você não parece...
—
Nós não somos humanos. —
A ceifadora disse rispidamente. —
Não envelhecemos como vocês. Aliás... Nós simplesmente não envelhecemos. Temos
a liberdade de escolher a nossa aparência.
—
E quanto ao Estmund? Você quer dizer que ele escolheu aquela aparência?
—
Sim. É o visual que ele achou mais apropriado para a Morte, entendeu?
—
Hm... — Joshua pensou
realmente sobre o quão assustador o senhor parecia, até mais do que a mulher a
sua frente que mais parecia uma vampira. —
É... Entendi.
—
Ótimo... Agora...
Antes que ela pudesse terminar de falar, o rapaz correu
até a beirada mais próxima da plataforma e inclinou o tronco, prestes a
vomitar. Entretanto, o jovem não o fez. Ao invés disso, ele se jogou para trás,
com o rosto mais branco do que antes.
—
Ah... — A ceifadora
limpou a garganta. —
O que aconteceu?
Entretanto, Joshua não respondeu a pergunta. Rapidamente,
ele se levantou e começou a olhar, desesperadamente, de cima para baixo, da
esquerda para a direita, de um canto para o outro. Para todo lado que ele
olhava, escadarias e plataformas de mármore pareciam flutuar no céu estrelado.
Não havia um teto ou um chão. Aquilo parecia ser infinito.
—
Humano! — A ceifadora
bradou, quebrando o transe de Joshua. —
Responda!
—
Ah... — Ele olhou de
volta para a mulher e, aos poucos, foi se acalmando. — Esse... Esse lugar é... Enorme... Parece não
ter fim...
—
É bem possível que não tenha.
—
Como assim?
—
Isso... Isso é como um todo, sabe? É
como se fosse uma realidade inteira, um universo... Chame do que quiser.
—
E ninguém tentou medir o tamanho disso tudo?
—
Não.
—
Por que não?
—
Por que isso não nos incomoda. O Plano Espiritual funciona bem para todos.
Ceifadores, anjos, demônios, Djinns... Não há discriminação.
—
Mas...
—
Além disso... — Ela
continuou a falar. —
Todos nós temos assuntos mais importantes a tratar. Todos temos os nossos
trabalhos, sabe? E, também, acho que nós não somos tão curiosos e
irresponsáveis quanto vocês humanos...
Joshua parou por um instante para pensar naquilo. Talvez
ele, nem ninguém, precisasse saber sobre tudo. Mas, mesmo assim, a curiosidade
os fazia querer saber sobre tudo. Ele mesmo tinha muitas perguntas a fazer. O
rapaz não hesitaria de perguntar.
—
Então... Para onde estamos indo exatamente?
—
Você vai acabar sendo tragado para aquele mundo sem lei mais cedo ou mais
tarde. — A ceifadora
disse como se fosse algo banal. —
Assim que você se afastar de mim, nada estará te prendendo ao seu mundo ou a
esse. Você poderá, então, ir salvar a sua amada lá... O que não será fácil. Por
isso, você precisará de ajuda.
—
De que tipo de ajuda?
—
Profissionais. Pessoas que estão acostumadas com aparições de outro mundo.
Pessoas que sabem as combater. Pessoas que vão fazer com que você mantenha a
sua cabeça grudada no seu pescoço... Entendeu?
—
Ah... — O rapaz
engoliu em seco. —
Então... Você está dizendo que realmente existem pessoas que lidam com
espíritos de verdade? Tipo, desfazendo maldições, expulsando assombrações,
realizando exorcismos?
—
Depois de tudo o que você viu naquele lugar... Depois de vir até o Plano
Espiritual... Isso realmente o surpreende?
—
Hm... É... — O rapaz
limpou a garganta. —
É, acho que você está certa...
—
Ótimo... Agora... —A
ceifadora estralou os dedos. A frente de Joshua, um vórtice se formou,
distorcendo a imagem a frente dele. —
Atravesse o portal. Você chegará aos investigadores paranormais. Diga a eles
que Morgana o enviou, certo?
—
Ah... Ok, mas... Você não vem?
—
Não. Tenho que voltar ao meu trabalho, sabe? Trazer almas para cá...
—
Ah, claro...
—
Te desejo sorte, humano. Espero que a minha ajuda não tenha sido em vão...
Por mais fria que a ceifadora soasse, o rapaz conseguiu
sentir um pouco de bondade em suas últimas palavras.
—
Também espero. —
Joshua sorriu. —
Obrigado, Morgana... Adeus.
—
Adeus, humano. — Ela
esboçou um sorriso.
O jovem conseguiu relaxar um pouco. Ele olhou para o
portal, apreensivo, mas acabou andando em sua direção.
Antes de deixar o Plano Espiritual, entretanto, Joshua
teve um mal pressentimento.
O tempo parecia passar lentamente. O ambiente a volta do
jovem se distorcia mais uma vez. Porém, ele tinha certeza que algo o observava.
A direita do jovem, numa plataforma pouco mais de cinco
metros mais elevada que a dele, Joshua tinha certeza que dois pontos no céu
estrelado se acenderam, encarando-o por um breve instante, antes que tudo se
desfizesse e se refizesse em uma loja de antiguidades.
A visão do rapaz estava agora embaçada. Tudo ao seu redor
girava.
O cheiro de mofo do lugar entrou em suas narinas. O pó no
ar o fez tossir antes de cair no chão de madeira.
Seu corpo estava fraco. Parecia que, finalmente, ele
havia cedido ao cansaço.
As estantes cheias de livros antigos. Os filtros de sonho
pendurados pelo teto. Brinquedos de madeira, relógios antigos, velhas bonecas
de pano, caixas enfeitadas, candelabros de prata. Uma quantidade enorme de
itens variados preenchia o lugar. Essas eram as últimas imagens que Joshua se
lembrava até um homem e uma mulher virem ao seu socorro.
—
Morgana... — O rapaz
tentou dizer. —
Ela... Ela me enviou... Morgana...
Ele não tinha certeza se havia realmente conseguido dizer
aquelas palavras. Tudo o que sabia é que o mundo a sua volta escurecia.
9.
Joshua acordou com o som de passos que ecoavam na sala.
Ele tentou se levantar. Com dificuldade, apenas levantou
o tronco e encostou as costas na parede. Foi então que o rapaz sentiu frio.
Rapidamente, Joshua percebeu que suas costas estavam encostadas em grades de
metal gelado. Desesperado, o jovem percebeu que estava em uma jaula, pendurado
no ar numa sala escura e úmida.
Joshua conteve um grito. Seu coração batia acelerado dentro
de seu peito. Suas mãos começavam a tremer. Ele sabia que tinha que se acalmar.
Respirando fundo, o rapaz tentou voltar a raciocinar. Ele
tinha que se lembrar como chegou ali, independentemente de que lugar era
aquele.
Joshua levou uma mão à cabeça que latejava de dor. Ele
não conseguia se lembrar de muita coisa após ter atravessado o segundo portal.
Porém, uma certeza era a de que ele havia realmente chego até uma loja de
antiguidades. Lá, ele deveria ter encontrado os investigadores paranormais
mencionados por Morgana. Era provável que eles fossem o homem e a mulher que o
rapaz se lembrava vagamente. Infelizmente, os rostos dos dois eram um borrão
agora.
De repente, o som de água caindo veio. Parecia ser de uma
torneira.
Sem hesitar, Joshua se virou na direção do som. Em um
instante, sua face se tornou pálida.
—
Ora, ora... — O
maníaco riu. — Vejam
só quem acordou!
Joshua nada pode fazer a não ser se encolher na jaula, o
mais longe possível do gigante sem olhos. O assassino riu novamente.
—
Você deve estar pensando em como você chegou aqui...— Ele sorriu para Joshua. — Não é?
O jovem se manteve em silêncio, mas o gigante sabia da
resposta. Parecendo entediado, ele se voltou para uma pia.
Joshua podia ver agora de onde a água saia. Era realmente
de uma torneira. O assassino a usava para lavar algumas de suas facas de prata.
O sangue escorria delas para a pia enquanto eram lavadas.
Em seguida, o maníaco as deixou de lado, secando, e foi
até o outro lado da sala. A luz fraca mal permitia Joshua distinguir a silhueta
do assassino do resto das sombras.
—
Ah! — O gigante
exclamou alegremente. —
Vou usar esse!
Lentamente, ele se virou, revelando o martelo em sua mão
esquerda. A ferramenta parecia um tanto quanto pequena na enorme mão do
psicopata cinzento. Entretanto, Joshua sabia que aquele monstro seria capaz de
causar estrago o suficiente com as próprias mãos. Com uma arma, o resultado
seria a inda pior.
Calmamente, o maníaco andou na direção de Joshua, girando
o martelo o martelo entre os dedos. Ele sorriu ao ver o jovem tremendo e se
encolhendo cada vez mais em sua jaula.
—
Coelhinho, Coelhinho... —
O gigante riu baixo. —
Nada tema! Esse martelo não é pra você! Não se preocupe... Eu arrumo outro pra
você, bem maior, o que acha? —
Ele fez uma pequena pausa, mantendo seu largo sorriso. — Esse martelo aqui é para a minha nova
convidada! Vamos acordá-la, ok?
Cantarolando algo que Joshua não conseguia entender, o
psicopata andou para fora da sala.
O silêncio quase absoluto reinou por poucos instantes.
De repente, veio o grito agudo e desesperado de uma
mulher e, em seguida, a risada do maníaco.
Joshua começou a suar frio ao reconhecer a voz de quem
gritava. Era a voz de Adriana.
—
Não! — Com uma
mistura de raiva e desespero, o jovem gritou. —
Não! Pare! Pare...! —
Ele pulou contra as grades na porta da jaula, balançando-as inutilmente. — Pare... Por favor...
Impotente, Joshua abaixou a cabeça quando os gritos
cessaram, certo do que o pior havia acontecido.
Entretanto, o jovem percebeu que aquele não era o único
som que havia acabado. Aliás, tudo parecia estar acabando, se desfazendo diante
de seus olhos.
Não demorou para que Joshua estivesse no escuro completo,
sem som, sem saída.
Isso, entretanto, durou apenas alguns instantes.
—
Ei! — Disse uma voz
feminina. — Ele está
se mexendo...
—
Mas os olhos ainda estão fechados. —
Replicou uma voz masculina. —
Não creio que ele já esteja bem.
Joshua tentou perguntar algo, mas tudo o que saiu de seus
lábios foi um grunhido ininteligível.
—
E agora? — A mulher
perguntou.
—
Se ele estivesse realmente bem...
O homem não terminou de falar. Isso porque Joshua se
levantou abruptamente do sofá onde estava deitado.
Rapidamente, o jovem olhou ao redor. Ele estava em uma
sala de estar, disso ele tinha certeza. O lugar tinha uma atmosfera calma. As
paredes eram pintadas com cores pastéis. Partículas de pó pairavam no ar. Era
de se esperar com a quantidade de antiguidades enfeitando o lugar. Eram de
vasos a quadros a brinquedos de madeira. A persiana deixava entrar apenas um
pouco de luz. O que era bom. Era manhã, ou tarde, talvez. O tempo parecia muito
melhor agora.
—
E agora? — A mulher
indagou. — Não acha
que ele está bem?
—
Talvez esteja... — O
homem murmurou. Ele olhou para Joshua. —
Qual o seu nome?
—
Hm... — A expressão
no rosto do rapaz delatava seu nervosismo. Com a respiração pesada, ele se
ajeitou no sofá, sentando-se. —
Joshua... — Murmurou.
— Meu nome é
Joshua...
O jovem olhou para o casal que estava em pé a sua frente.
O homem tinha pouco mais de um metro e oitenta de altura.
Seu cabelo era escuro parecia ser milimetricamente arrumado. Sua pele era cor
de açúcar mascavo. Seu rosto delatava sua idade de quase quarenta anos, bem
como o seu cansaço. Os olhos azuis escuros eram sem brilho. Suas roupas lhe
davam um ar sério. Por de baixo de seu
blazer preto havia uma camiseta azul escura de malha grossa. As calças jeans
eram escuras e novas. Os sapatos negros eram muito bem lustrados.
A mulher não devia ter muito mais de um metro e sessenta
de altura. Ela era provavelmente mais velha do que parecia. O cabelo castanho
claro e ondulado descia até um pouco abaixo dos ombros. Seu rosto alvo era belo
e sereno. Os olhos cor de avelã brilhavam. Suas roupas eram simples. No pescoço
havia um colar rústico de contas feitas de madeira. A blusa regata era branca.
A longa saia parecia psicodélica, misturando vários tons de vermelho, verde e
azul. Nos pés, as sandálias rasteiras combinavam com o colar.
—
Quem... Quem são vocês? —
Indagou Joshua.
—
Responderemos assim que terminarmos as nossas perguntas. — O homem disse
rispidamente. —
Entendeu?
—
Não precisa ser tão rude... —
A mulher murmurou.
—
Claro que preciso. Não sabemos a real intenção de ele ter simplesmente surgido
aqui, não é mesmo? —
Ele olhou para Joshua. —
Fale. Tudo.
—
Ah... — O rapaz coçou
a nuca. — Eu...
Surgi...?
—
Ótimo! — O homem
exclamou. — Só me
falta dizer que ele tem amnésia...
—
Dê a ele um tempo para pensar. —
A mulher disse calmamente. —
Talvez ele...
—
O portal... — Joshua
murmurou.
O homem e a mulher fitaram-se por um instante e, então,
olharam de volta para o jovem.
—
Morgana... — O rapaz
disse vagarosamente, enunciando bem cada sílaba. —
Ela me trouxe aqui...
O jovem olhou de volta para o casal. Os dois olhavam
atentos para ele.
—
Continue. — Pediu o
homem.
—
Por favor. — Acrescentou
a mulher.
Joshua respirou fundo. Então, contou toda a sua
desventura sem hesitar, detalhadamente contando sobre o tenebroso lugar
abandonado por anjos e demônios, comentando sobre a sua conversa com Estmund,
narrando sua corrida até a casa de Adriana, falando sobre seu encontro com
Morgana e a rápida passagem pelo Plano Espiritual. Até o seu pesadelo com o
psicopata não ficou de fora da história.
O casal ouviu tudo atenciosamente. Enquanto o rapaz fazia
seus relatos, eles estavam de pé, apenas trocando olhares de tempos em tempos,
sem dizer uma palavra sequer.
—
Entendo... — O homem
murmurou. — Você
passou por muita coisa, hein?
—
E ainda vai passar por mais. —
A mulher disse com certa preocupação na voz. —
Tudo isso para chegar até a sua amada.
—
E isso vai vale a pena? —
Ele perguntou para o rapaz.
—
Sim. — Joshua
respondeu sem hesitar. —
Por ela, com certeza.
—
Ora... — A mulher
sorriu. — Adoraria a
ajudar uma história de amor como essa se concretizar.
—
Eu não me intrometeria... —
O homem murmurou. —
Mas... Se Morgana está do seu lado... Acredito que seja uma luta que valha a
pena lutar.
—
Então... — O jovem
olhou para o casal que sorria calmamente. —
Vocês vão me ajudar?
—
Claro que sim! —
Exclamou a mulher.
—
Só precisamos resolver umas coisas... —
Disse o homem. — E...
— Ele fez uma breve
pausa. —Ainda não nos
apresentamos, não é?
—
Já teríamos feito isso, se você não tivesse sido tão rude... — A mulher murmurou.
—
Ah, é... Certo... —
Ele estendeu a mão para Joshua. —
Sou Richard. Prazer.
—
Prazer. — O rapaz
apertou a mão dele.
—
E eu sou Cristina. —
Ela estendeu a mão. —
Pode contar conosco, ok?
—
Certo. — Joshua
apertou a mão dela com delicadeza.
—
Ótimo... — Richard
esboçou um sorriso. —
Temos que fazer nossos preparativos, ok?
—
Chegar até Gehenna não é tão difícil. —
Disse Cristina. — Mas
sobreviver lá... É outra história...
—
Ah... — O jovem
parecia confuso. — Gehenna? O que é isso?
—
É o nome do lugar que você descreveu. —
Ela respondeu. — Bem,
um nome, pelo menos. A própria Morgana não gosta de usar um nome para aquele
lugar, mas prefiro poder chamar o lugar de alguma coisa. Mais fácil quando
explicando algo, não acha?
—
Ah, sim... E como vamos chegar lá? —
Indagou Joshua.
—
Abriremos um portal. —
Respondeu Richard. —
Um que não drene muito de nossas forças. Mas isso pode demorar um pouco. Espero
que não se incomode.
—
Esperem... — Joshua
parecia surpreso. —
Vocês conseguem abrir um portal? Como?
—
Com os encantamentos certos e os itens certos. —
Respondeu Cristina. —
Nada tão complexo pra quem já trabalha com isso há quase duas décadas.
—
Mas... Magia? — O
rapaz indagou. — E
humanos podem fazer esse tipo de coisa?
—
Claro que sim. —
Richard respondeu com simplicidade. —
Talvez nada tão assombroso quanto em livros e filmes, mas... Conseguimos,
claro.
—
Esse é o resultado da mistura de séculos, até milênios, de rituais de várias
tribos, de várias crenças. —
Cristina começou a explicar. —
Nós assimilamos tudo por livros e outros relatos documentados, entendeu? De
curandeiros a monges de várias partes do mundo, todos tinham suas pequenas
formas de magia, formas de enfrentar espíritos malignos, além de formas de cura
para o corpo e para a alma. —
Ela fez uma breve pausa. —
Quanto aos portais... Conseguimos ir para outros planos de existência, mas não
para nos locomovemos nesse plano. Como os ceifadores, sabe? Então... Nunca
fomos a Gehenna, mas não deve ser muito difícil. Temos alguns livros sobre isso
em algum lugar...
—
Enfim... E é assim que trabalhamos. —
Disse Richard. —
Digo, quanto ao trabalho de investigadores paranormais e, quando preciso,
exorcistas. Quanto à loja de antiguidades... Essa é outra história, pra outro
dia.
—
Entendo... — Joshua
murmurou. — Então,
não demoraremos muito para ir?
—
Creio que não. —
Richard respondeu. —
Só precisaremos fazer uma leitura rápida...
—
Assim que encontrarmos o livro... —
Cristina acrescentou.
—
É... — Ele coçou a
nuca e olhou para Joshua. —
Melhor você comer algo enquanto isso. Deve ter algo na geladeira...
—
Não estou com fome... —
O rapaz disse.
—
Então beba algo. —
Richard opinou. — Ou
vá ao banheiro. Ou termine de acordar e estique as pernas.
—
Mas acho que você deveria comer algo. —
Disse Cristina. —
Mesmo não estando com fome. Afinal, você não come nada há três dias.
—
Ah... — Joshua
arregalou os olhos. —
Três... Três dias!?
—
Verdade. — Richard
coçou o queixo. —
Passou rápido esse tempo. Pra você, então, deve ter sido um piscar de olhos.
—
Mas... Adriana... Ela... —
O rapaz parou de falar de repente e baixou a cabeça.
—
Ei... — Cristina se
aproximou de Joshua e pousou sua mão sobre as costas dele. — Ela ainda está viva.
Tenho certeza que vai dar tudo certo.
—
É. — Concordou
Richard. — Se a sua
amada não estivesse mais viva, Morgana já teria dito alguma coisa. Tenho
certeza. Não é, amor?
—
Não muito animador... —
Ela murmurou. — Mas é
verdade.
Joshua levantou a cabeça e viu o sorriso dos dois. O de
Cristina era realmente acolhedor. O de Richard, não muito. Entretanto, o rapaz
sentia que podia confiar nele.
—
Então... Vão terminar de arrumar as suas coisas. —
Disse Joshua. — Eu
vou tentar me levantar. E talvez beber e comer algo.
—
Certo. — Cristina
disse docemente.
—
Voltaremos logo. —
Richard afirmou.
Em um instante, o casal havia deixado a sala. Joshua
ouviu o som dos passos deles se tornando distantes, descendo um lance de
escadas e sumindo.
Sozinho na sala, o rapaz respirou fundo e, com certo
esforço, levantou-se.
Seu corpo estava mole, como era de se esperar.
Ele andou até a cozinha, à procura de um copo de água.
Entretanto, um pensamento passou pela mente de Joshua.
E se ele não estivesse mais vivo? E se ele não tivesse
sobrevivido ao portal? E se aquilo já não fosse mais real?
O rapaz começou a suar frio com o pensamento. Sua
respiração se tornou pesada. Sua pernas começaram a tremer.
Ele abriu a geladeira, pegou uma garrafa de água de lá.
Enquanto bebia, tentava esquecer aquele pensamento.
Rapidamente, Joshua terminou de beber o copo e o deixou
sobre a pia. Ele guardou a garrafa de volta na geladeira, ainda suando.
O rapaz correu para fora da cozinha, de volta para a sala
de antes. A porta do banheiro estava aberta. Ele se dirigiu até lá.
Joshua se olhou no espelho. Sua aparência estava
horrível, nem parecia alguém que havia acabado de dormir por três dias
seguidos. Sem hesitar, ele abriu a torneira a sua frente e, fazendo uma concha
com as mãos, pegou a água a jogou no rosto.
Após fazer aquilo várias vezes, ele começou a se sentir
um pouco melhor.
Joshua parou de suar. Sua respiração voltou ao normal.
Ele não mais tremia.
Aquele pensamento deixou a mente do rapaz. Ele conseguiu
relaxar.
Quando Joshua deixou o banheiro, entretanto, o cenário
havia mudado.
Sem mais uma porta atrás de si, o rapaz se viu de volta
nas ruas escuras da cidade sem vida que era Gehenna.
Assinar:
Postagens (Atom)