terça-feira, 31 de março de 2015

Conto de Terror 6

O Celular


O que eu estou escrevendo agora é um simples relato que afetou drasticamente a vida de dois jovens.
Sabe quando tudo que poderia dar errado acontece de uma vez? Não me diga que sim. Eu tenho certeza que você não teve um dia como o de Amber. Ah... Pobre garota. Linda, sem dúvidas. Saiu de sua pequena casa para no meio do nada junto com Edward, seu namorado. Juntos, eles se mudaram para um apartamento modesto na cidade grande. Ele trabalhava. Qualquer bico servia. Ele era muito esforçado. Ela estudava. Era uma faculdade respeitada. Aparentemente, ele era inteligente ou, pelo menos, muito determinada. Eles se amavam muito. Mas isso não impedia que brigas acontecessem.
Um dia, algo muito ruim aconteceu aos dois. Eles haviam discutido. Gritado, talvez. Não sei qual era o assunto. Talvez seja melhor eu não saber, certo? Devemos respeitar a intimidade alheia, não?
Enfim, tal acontecimento não poderia ter ocorrido em uma ocasião mais inapropriada. Por quê? Ora, Amber era uma estudante de uma faculdade renomada. Estudar muito era normal durante um dia comum. Entretanto, antes de uma avaliação importante, ela deveria ter que estudar, ao menos, duas vezes mais que o habitual. Agora, tente fazer isso com sua cabeça envolta por uma tempestade de emoções. Raiva por ter brigado. Tristeza por ter sido com alguém que você se importa. Uma mistura de amor e ódio pela pessoa que você brigou. Frustração por não conseguir se focar nos estudos. É...eu não queria estar no lugar dela.
Acredito que ela não seja a única a ter passado por uma situação como essa. Toda essa confusão em um momento assim... Até eu já passei por isso. Não. Eu não vou entrar em detalhes. Eu nem preciso. É bem provável que você que está lendo também já tenha passado por algo parecido.
Enfim, você, leitor, já deve estar pensando onde o título desse conto aparece nesse relato, não? Ora, se é o título, ele deve ter certa relevância, certo? Pois bem, é agora que o celular aparece...ou não? Bem, continue lendo para descobrir.
Amber estava sozinha em seu apartamento. Os dois não poderiam ficar sob o mesmo teto de uma briga daquelas, não? É claro que não. Edward havia saído do lugar. Talvez ele tivesse ido beber alguma coisa, não sei. Ele precisava esfriar a cabeça depois da briga. Mas ele voltaria. Ainda naquela noite, ele voltaria para o apartamento. Porém, agora, isso não era importante.
Naquele momento, Amber sentiu algo vibrar dentro do bolso esquerdo de sua calça jeans. “Meu celular...”. É o que ela deve ter pensado. “Talvez seja de Edward...”. Ele deve ter concluído e, assim, resolveu ignorar o celular. É claro que poderia ser outra pessoa, mas o nome de seu namorado era o primeiro que apareceria em sua cabeça. Não muito lógico, é óbvio, mas foi esse o raciocínio que ela deve ter usado.
Eu sinceramente não a posso culpar por agir assim. Emocionalmente, ele tinha motivos para ignorar a mensagem. Racionalmente, também. Não se esqueça que ela tinha que estudar para uma avaliação. Como estudante de uma faculdade como aquela, infelizmente, Amber não podia se dar ao luxo de ter notas baixas. Aquilo podia mudar o futuro dela. Eu mesmo estava tentando ler um dos livros que ela estudava e...é, eu não entendi nada.
Então, com o motivo, ou talvez a desculpa, de estudar, Amber ignorou a ligação.
Porém, três minutos depois, o celular vibrou novamente.
Aquilo só deve ter dado mais certeza a Amber que era o seu namorado que a chamava. Ela deve ter se sentido contente por estar ignorando Edward. Se fazendo de difícil, hein?
Enfim, aquilo deve ter se tornado irritante com o tempo. Por quê? Porque, a aproximadamente cada três minutos, o celular vibrava.
Aquilo atrapalhava os seus estudos, sem dúvida. A cada vibração do celular, as palavras escritas no livro que ela lia se embaralhavam. A cada vibração, ela se lembrava de Edward. A cada vibração, aquela explosão de sentimentos a atingia.
Ela devia estar começando a suar frio naquele momento. Amber devia estar começando a duvidar se ela conseguiria ir bem durante a prova do dia seguinte. Mas ela não pretendia tirar o celular do bolso. A cada vibração dele, ela quase podia ver Edward se arrastando de volta para ela, beijando os seus pés, admitindo ser um idiota e dizendo a ela algo como “eu estava errado” ou “você estava certa” de maneira patética.
Meia hora depois, o celular continuava a vibrar entre intervalos irregulares. Naquele instante, aquilo apenas servia para irritá-la. Sua perna direita já estava formigando. Foi aí que ela resolveu tirar o objeto do bolso e o arremessar para sua cama. Porém, ao tocar no celular, um calafrio percorreu sua espinha.
O objeto estava frio demais, como se estivesse congelado. Após hesitar um pouco, ela tirou o celular do bolso e percebeu...que aquele não era o seu celular.
O aparelho era completamente preto. Na tela touchscreen, as palavras da mensagem pareciam ter sido entalhadas. As palavras, em cor vermelho vivo, pareciam...úmidas.
Talvez ela tivesse achado que aquilo era sangue. Seria engraçado ver a expressão dela naquele instante. Infelizmente, eu cheguei alguns momentos depois, então, não pude ver.
Enfim, ela leu a mensagem. Tenho certeza que ela se apavorou.
“Você esqueceu o seu celular. Eu estou indo aí para te devolver. Não se preocupe. Eu sei onde é. E também tenho as chaves. Agora...você ouvirá uma batida na porta de seu quarto...”.
E assim aconteceu. Uma batida soou na porta do quarto dela. Ela devia estar apavorada, então, ela não respondeu. Que rude. Ela me forçou a arrombar a porta com as minhas próprias mãos.
Foi aí que eu vi Amber. Foi aí que eu vi aquele olhar tomado pelo medo. Não sei se foi pela minha aparência ou se foi pela cabeça de Edward que eu carregava em minha mão esquerda. Realmente, eu não sei dizer. Só sei que aquele olhar continuou no rosto dela mesmo depois que ela morreu.
Após matar Amber, peguei o meu celular de volta. Assim, deixei o apartamento carregando uma cabeça em cada mão.

O quê? Não, direi como eu a matei. Eu também não direi como eu me pareço. Por que eu estragaria a surpresa? Eu posso lhe visitar esta noite. Quem sabe? Se você ainda não checou seu celular, você deveria...

segunda-feira, 30 de março de 2015

Conto 2

O Medo


Aos poucos as memórias iam voltando à minha mente. Estávamos no meio de uma guerra. Apavorados, sem dúvida. Nunca deveriam deixar pessoas como nós participar de uma luta como aquela. Nós éramos jovens, estúpidos, inexperientes e corajosos...até entrarmos no campo de batalha. No momento em que pisamos naquela terra inóspita para enfrentar o inimigo...tudo mudou. Ah... Nada como o som de tiros, explosões e aqueles que você adora morrendo logo do seu lado. Você fica em choque. Em seguida , aliviado, pois aquela bala acertou a cabeça daquele que estava ao seu lado e não a sua. Depois de disso, você se sente culpado por pensar assim e, então, você fica triste. Porém, esse pensamento não podia durar muito. Um único momento marcado pela falta de atenção pode significar a sua morte. E foi quando aquilo aconteceu.
Uma explosão. Fogo. Um barulho que quase me ensurdeceu.
Sinceramente, eu preferia ter ficado surdo. Assim, eu evitaria os sons que vieram em seguida.
Os gritos de dor e desespero de meus aliados ainda me fazem tremer.
Nós...estávamos nos protegendo dentro de uma casa. Ou, pelo menos, do que sobrou dela. E...não, eu não faço a mínima ideia do que havia acontecido com os civis que moravam ali. E, não, eu não quero saber.
Tudo o que eu sabia é que uma explosão quase me matou, acabando por me soterrar nos escombros do lugar. Eu...achei que eu era o único sobrevivente, mas...alguém estava me salvando naquele exato instante.
Imaginar que eu havia morrido e um anjo estava ali para me levar para o Paraíso...parecia improvável. A minha visão estava embaçada, mas, felizmente, eu voltava a enxergar aos poucos. Foi nesse instante que eu acabei tossindo.
Naquele instante, a pessoa que me carregava me largou no chão...de maneira não muito delicada. Eu gemi de dor e, então, olhei na direção dele.
Já como usava a mesma farda que eu, ele era, com certeza, do meu exército. E ele havia não só sobrevivido a batalha sem sofrer ferimentos graves...como também havia me resgatado. Aquilo era sem dúvida muito estranho. Por quê? Bem...era só olhar para ele.
Ele não tinha nada de especial. Não era muito musculoso. Nem muito alto. Nem tinha uma expressão heroica no rosto. Ele...era normal.
Você está vivo. Ele disse sem muita animação. E consciente. Isso é ótimo. Agora você pode andar.
Você não precisava ter me jogado no chão... Eu respondi de maneira atravessada.
Você já olhou para mim? Você é muito maior do que eu, tanto em altura, tanto em peso.
Mas você estava me carregando...
Claro. Eu tinha um motivo.
Não queria ficar sozinho, não é? Tinha medo disso, hein?
É.
Eu olhei mais atentamente para ele. Os olhos dele pareciam ser tomados pelo medo. Como aquela criança assustada havia me salvado e, principalmente, como ele havia sobrevivido à guerra?
Sinceramente...não era importante. Naquele exato instante, eu só queria sair daquele inferno.
Vamos voltar para a nossa cidade? Ele me perguntou. Foi uma boa sugestão.
Claro... Eu respondi.
Sem dizer mais nada, ele começou a andar. Sem protestar, eu o segui.
Enquanto caminhávamos pelas ruínas da cidade que havia se tornado um campo de batalha...eu os vi. Aliados. Conhecidos. Amigos. Pessoas pelas quais eu poderia me arriscar para salvar a vida deles...coisa que não aconteceria. Eles estavam mortos agora...e não havia nada que eu podia fazer.
A cada passo que eu dava, meu coração se enchia de tristeza. Infelizmente, essa tristeza foi se transformando em medo. Eu sentia o medo que todos eles haviam sentido. Eu sentia o medo de que poderia perder mais pessoas que eu me importo daquela maneira. Eu sentia o medo de ter que voltar para um inferno daqueles. Poucos instantes depois, eu parei.
Eu não conseguia dar mais nenhum passo. O medo havia me paralisado. Poderia ser patético para quem visse, mas para mim...era completamente desesperador.
Algum problema? Aquele homem me perguntou.
Aquela figura medrosa a minha frente de repente havia mudado. Ele continuava tão magro e baixo quanto antes, mas...a sua voz havia mudado. Apesar do olhar assustado, ele soava forte. E foi naquele instante que eu percebi aquilo: a arma que ele carregava.
Quanto ao modelo...não havia nada de extraordinário. Era um fuzil bem comum. Praticamente todos o usavam, inclusive eu. Mas aquilo não era importante...comparado à pintura da arma. Preta como ébano, com inscrições em branco. Eu não sabia o que significava as palavras, mas sabia o que aquela arma significava. Aquele fuzil era a marca registrada no maior atirador de nosso exército. Sinceramente, aquele homem a minha frente podia ser o maior atirador da atualidade. Era uma lenda viva. Não era possível que o nosso grande Longshot, apelido adquirido graças a sua pontaria incrível, tivesse morrido e aquele homem tivesse pego a arma dele. Logo...
Você é Longshot? Perguntei.
Sim. Ele respondeu com extrema simplicidade.
Como eu posso acreditar nisso?
Eu não estou te obrigando a acreditar. Então, não acredite, se preferir.
Ele soava sensato. Isso eu tinha que reconhecer.
Bem...você ainda está vivo. Eu afirmei. Você não pode ser qualquer um, pelo menos.
Suponho que sim. Ele concordou comigo...eu acho.
E...como você sobreviveu?
Sentindo o que você está sentindo agora.
O que eu estava sentindo...? Ele não estaria falando de...
Medo? Arrisquei.
Sim.
Mas...isso não faz sentido.
Por que não?
Porque o medo deveria te atrapalhar, oras!
E por que isso?
Ora...porque é o que o medo faz. Ele te faz hesitar. Ele te faz desistir de fazer as coisas. Ele é o exato aposto da coragem.
E a coragem é boa?
Claro que sim!
Ah...bem, eu tenho que discordar.
Por quê?
Porque o medo me fortalece.
Eu não pude conter o riso. Aquilo era simplesmente ridículo.
E como isso funciona? Eu perguntei.
Por que eu tenho medo de morrer. Ele começou a explicar. Eu tenho medo que as pessoas com que eu me importo morram. Eu tenho medo de não ser bom o suficiente...em qualquer situação. E é exatamente isso o que motiva a lutar. Eu tenho que ser o melhor soldado possível para que eu não morra. Eu tenho que ser o melhor soldado possível para proteger aqueles que podem não conseguir se defender. O atirador fez uma pausa para respirar. O medo também me faz hesitar. Ao hesitar, eu penso. No meio do campo de batalha, o pensamento rápido pode te salvar. Ao invés de avançar cegamente contra o inimigo, eu penso na melhor estratégia possível. Com isso, eu sobrevivo. Com isso, eu posso salvar vidas que seriam desperdiçadas. Ele sorriu. Mas é claro que, para isso, você não pode ser dominado pelo medo. Ah... Vamos apenas dizer que tem que haver um certo equilíbrio entre medo e coragem. De repente, o atirador começou a rir. Se eu fosse corajoso...eu já teria morrido, com certeza.
Tudo o que aquele homem, cuja aparência era tão simples que me fez ter dúvidas sobre ele ser o grande Longshot, havia acabado de dizer...fazia todo o sentido do mundo.
Com um sorriso no rosto, eu o segui. Voltamos para a nossa cidade após caminhar por mais de um dia. Chegando lá, nos despedimos. Ele tinha que ver a família dele, e eu tinha que ver a minha.

Ao olhar para a minha esposa e o meu filho que tinha poucos meses de vida...eu senti medo. Porém, desta vez, eu consegui sorrir. 

domingo, 29 de março de 2015

Capítulo 14

New Foes
Novos Inimigos

Começamos bem, hein? Astaroth surgiu das sombras ao lado de Tristan. Nossa! O Demônio metálico se admirou ao olhar o estrago que estavam fazendo na cidade. Civis correndo e chorando. Guardas totalmente perdidos. Poucos seguidores da Luz fazendo algo realmente útil contra nós...mas morrendo rapidamente contra nossos enxames. E ali temos? Ele apontou para os céus na direção de um Demônio. A criatura voava quase rente ao solo. Com um adaga em cada mão, o ser das Trevas retalhava gargantas e decepava cabeças. Suas asas negras se agitavam pelos céus. É o Shadowing, não é?
Conhece mais alguém que poderia fazer tamanho estrago enquanto voa? Tristan falou com um sorriso vitorioso no rosto.
É verdade...
Você não vai se juntar ao massacre.
Mas que pergunta idiota! É claro que vou! Essa peça não teria a mesma graça sem minha performance. Astaroth sorria como uma criança ao pensar em quanto sangue poderia derramar. Por mais que, nesse caso, pareça ser um monólogo. Ele riu. Nem eu imaginava que seria tão humilhante para eles!
Verdade. Tristan concordou. Então, o que faz aqui?
Só vim elogiar a estratégia. Eu teria comandado um ataque direto contra o lugar. Isso causaria muitas mortes desnecessárias do nosso lado, por mais que fosse mais divertido.
Você me elogiando? Tristan parecia genuinamente surpreso. Isso é realmente algo que não se ouve todos os dias.
Aceita a droga do elogio, brinquedinho do Nidhogg.
Ambos riram.
Certo. Astaroth coçava o queixo enquanto olhava para a cena de destruição. Acho que é melhor nos juntarmos logo ao ataque, não é?
Sim. Tristan concordou. Vamos!
Astaroth desapareceu nas sombras enquanto Tristan se transformou em trevas e surgiu junto ao grupo de cinco guardas que tentavam resistir um ataque de dois Demônios.
Como!? Um guarda exclamou ao ver o guerreiro das Trevas aparecendo de repente a sua frente.
Com um movimento rápido, Tristan invocou sua espada e com um ataque horizontal decapitou o guarda.
Então, acho melhor deixar esses por conta de Tristan, não acham? Um dos Demônios comentou rindo.
Sem dúvida! O outro Demônio respondeu.
Os dois Demônios voaram para longe, em direção a mais um grupo de guardas, enquanto os quatro guerreiros tentavam cercar Tristan.
Muito bem. Tristan disse. Mostrem-me o que vocês sabem fazer!
Os quatro guerreiros remanescentes correram na direção de Tristan ao mesmo tempo. Todos brandiam suas espadas. Tristan riu. Com um único giro, o guerreiro sombrio atacou com sua espada em um círculo, atravessando a armadura dos inimigos, atingindo o abdômen e alguns órgãos internos dos oponentes.
“Patéticos”.
Os quatro caíram ao mesmo tempo. Rapidamente, Shadowing pousou na frente de Tristan.
Surgiu um pequeno imprevisto. O Demônio encapuzado disse.
Como assim? Tristan indagou.
Vamos até o portão principal da cidade.
Em um instante, Tristan se transformou em trevas e surgiu no local informado por Shadowing. Uma nova tropa de cerca de vinte guerreiros havia chegado. O Demônio encapuzado pousou ao seu lado.
Esses parecem bem mais fortes. Shadowing constatou.
Os guerreiros trajavam armaduras que pareciam feitas de cristal, alguns azuis, outros verdes e outros ainda brancos. As armas que empunhavam também pareciam feitas do mesmo material que as armaduras, inclusive as flechas.
Mas esses não são seguidores da Luz. Tristan disse.
Como assim? Shadowing perguntou intrigado. Eles estão atacando os Demônios!
Mas não para proteger a cidade. Só estão nos atacando porque estamos no caminho. O objetivo deles também é atacar a cidade.
Como você sabe disso?
Já ouvi falar deles. São uma organização bem poderosa, mesmo sendo bem recente. Eles reúnem seguidores de vários deuses pagãos. Eles se aliaram apesar das diferenças para enfrentar os inimigos em comum, a Luz e a Trevas. Eles vieram atacar a cidade muito provavelmente pelo mesmo motivo que nós.
Ai eles aproveitam que nós também estamos aqui e nos atacam também.
Exatamente.
Bem...vamos atacá-los?
Obviamente. Tristan sorriu. Mas não abaixe a guarda nem por um instante.
Certo.
Os dois avançaram rapidamente na direção dos inimigos. Em um instante, Tristan estava cercado por três guerreiros com armadura de cristal.
Ora, ora. Se não é o próprio Escolhido do Lorde das Trevas. Um dos guerreiros disse em tom de escárnio. A que devemos essa honra?
Eu e os outros Demônios viemos aqui para massacrar essa cidade e todos os seguidores da Luz que haviam se reunido aqui. Disse Tristan. Imagino que vocês vieram fazer o mesmo.
Exatamente! Confirmou outro guerreiro.
Só não esperávamos encontrar vocês, seres das Trevas, andando por aqui. Disse o terceiro guerreiro. Bem, assim é melhor.
Assim podemos esmagar um pouco da Luz e das Trevas no mesmo dia. Concluiu o segundo.
Então é assim, hein? Tristan olhava para os três oponentes enquanto girava sua espada em sua mão direita. Ótimo. Só tenho uma pergunta para vocês antes.
Que seria...? Indagou o primeiro guerreiro.
Qual o nome da organização de vocês? Perguntou Tristan.
Tiamat. Respondeu o terceiro.
Ótimo. Tristan falou. Já tinha ouvido esse nome antes, mas sempre me esqueço. É sempre muito difícil para eu me lembrar de nomes insignificantes como o de sua organização, seus vermes.
Maldito! O segundo guerreiro exclamou e avançou na direção de Tristan. Vou te ensinar a ter respeito!
O segundo guerreiro atacou com seu machado de duas mãos. Apesar do peso da arma, os ataques dele eram rápidos. Uma seqüência de ataques na horizontal, vertical e diagonal foi desferida contra Tristan. O guerreiro das Trevas bloqueava cada ataque com sua espada sem nenhuma grande dificuldade.
Chega! O guerreiro com o machado bradou. Morra logo!
O segundo guerreiro ergueu a arma acima de sua cabeça e a desceu contra Tristan em um ataque violento. Rapidamente, Tristan se transformou em trevas e surgiu atrás do inimigo, fazendo com que o oponente cravasse sua arma no chão.
“Ridículo”.
Tristan segurou sua espada com as duas mãos e golpeou as costas do guerreiro com um ataque vertical de cima para baixo. Porém, nada aconteceu, com a exceção de um arranhão da superfície de cristal. O oponente começou a gargalhar.
“Mas como..?”.
Você é muito fraco! O guerreiro zombou de Tristan. Você não conseguirá atravessar nossas armaduras com essa espadinha. Ele voltou a gargalhar.
Não quero faltar com o respeito, mas não há chances de você derrotar a todos nós. O terceiro guerreiro disse. Um, dois, talvez três. Certamente, caso você enfrente um por um.
Nesse momento somos três contra um, Escolhido. O primeiro guerreiro constatou. Não há chances de você sobreviver. É só você olhar para os lados. Suas tropas estão sendo massacradas por nós.
Rapidamente, a mão do segundo guerreiro tocou no ombro de Tristan. Uma descarga elétrica percorreu o corpo do guerreiro das Trevas.
Droga! Tristan exclamou.
Não se esqueça de quem somos. A voz do segundo guerreiro soou séria e profunda. Somos todos seguidores de deuses pagãos! Nossos poderes mágicos vão além da Luz e das Trevas!
Bom saber que vocês não são guerreiros comuns. Tristan disse sorrindo. Assim fica mais divertido.
Idiota! O seguidor da Deusa do Raio bradou. Morra de uma vez!
O guerreiro, apesar de estar sem seu machado, atacou Tristan com suas próprias mãos. Faíscas envolviam seus punhos. A um milímetro de distância de acertar o golpe, Tristan desapareceu em forma de trevas e ressurgiu atrás do inimigo. A mão direita do guerreiro das Trevas brilhava com uma marca de dragão tão vermelha quanto seus olhos. Ao tocar na lateral direita da armadura do guerreiro, uma pequena explosão escarlate foi detonada, abrindo um buraco na proteção do inimigo e arrancando dele um pedaço de carne.
Maldito! O guerreiro exclamou, agonizando pela dor.
Tristan invocou uma adaga e a enterrou dentro do corpo do inimigo através do buraco que ele havia criado. O guerreiro caiu no chão morto.
Ora...nada mal. O primeiro guerreiro admitiu.
Nada mal mesmo. O terceiro guerreiro concordou. Porém, não posso deixar que a morte de meu amigo seja em vão.
O terceiro guerreiro optou por não sacar sua espada. Ele apenas estendeu sua mão e, em uma fração de segundos, uma esfera de fogo de um metro de diâmetro havia surgido na ponta de seus dedos.
Morra! O manipulador de chamas bradou.
Ele arremessou a bola de fogo contra Tristan que não conseguiu desviar. Rapidamente, as chamas se espalharam pelo seu corpo.
Agora...queime. O seguidor do Deus do Fogo disse. Queime até virar cinzas.
Tristan gargalhou.
Por que você ri? O guerreiro com a espada embainhada perguntou. Você não sente dor?
Claro que sinto. Tristan respondeu. Mas não nesse momento.
As chamas que cobriam o corpo de Tristan começaram a mudar de cor. Rapidamente, eles foram do vermelho e alaranjado para o roxo e o preto. Tristan ria enquanto concentrava as chamas em sua mão.
Obrigado pela munição. Tristan ironizou.
Rapidamente, o seguidor do Fogo correu para longe.
“Risível”.
Tristan surgiu logo a sua frente e atacou com a palma de sua mão aberta, empurrando o inimigo para o chão e o segurando enquanto as chamas negras atravessavam seu elmo e queimavam sua pele. O guerreiro das Trevas não parecia se incomodar com os gritos de agonia do inimigo que queimava.
Só falta você agora. Disse o guerreiro sombrio enquanto apontava para o guerreiro com a armadura de cristal remanescente.
Pois bem. O guerreiro disse. Vamos ver se você aguenta isso.
Com um estralar de dedos, ele ateou fogo no guerreiro das Trevas.
Sério? Tristan questionou o ataque do inimigo. Ele olhou para o arco e a aljava nas costas do oponente. Com a possibilidade de atirar uma flecha de cristal na minha cabeça você preferiu atear fogo em mim? Ainda mais depois do que eu fiz com seu amigo?
Minhas chamas são diferentes. Você não conseguirá manipulá-las.
Se você diz...
Tristan se concentrou para converter as chamas comuns em chamas negras, mas não obteve êxito.
“Por quê?”.
Rapidamente, as chamas estavam realmente queimando o corpo de Tristan.
“Por quê!? Minha pele...minha própria essência...parecem que estão queimando!”.
Tristan se transformou em trevas e se deslocou para a esquerda. Seu corpo ainda queimava. Mais uma vez se transformou em trevas. Seu corpo ainda ardia e torrava.
Aceite a morte com dignidade. O oponente disse sorrindo por de baixo do elmo.
“Como!? Como essas chamas me queimam!? Eu posso controlar as chamas sem dificuldades há anos. Por que não consigo agora? Agora pouco acabei de repetir o feito. Por que não agora? Por quê?”.
Tristan se ajoelhou. O guerreiro com a armadura de cristal riu.
Desista logo. O inimigo olhava para Tristan enquanto ria maquiavelicamente.
“Espere...eu não consigo manipular as chamas dele...somente as dele. Por quê?”.
Isso não são chamas. Tristan disse secamente. Você é apenas um ilusionista. Nada mal, devo admitir. Conseguiu enganar todos os meus sentidos por um instante. As chamas desapareceram do corpo do guerreiro das Trevas, apesar das marcas de queimaduras persistirem. Soube que os mais poderosos entre vocês conseguem manter o efeito da ilusão mesmo com o inimigo estando ciente que o ataque não é real. Uma pena para você que seus talentos não cheguem a esse nível.
Bem...valeu a tentativa. O seguidor do Deus das Ilusões disse. Sem problemas. Ainda posso te matar com minhas flechas.
Em um instante, o guerreiro com a armadura de cristal puxou seu arco das costas, armou uma flecha e a atirou contra Tristan. Sem dificuldades, ele agarrou a flecha. O guerreiro sombrio começou a concentrar sua energia na flecha.
Esse meu ataque será bem real, seu verme. Disse Tristan.
O guerreiro sombrio se transformou em trevas e se deslocou para alguns metros acima do chão. Com a flecha envolvida por um poder sombrio, Tristan a arremessou contra a cabeça do oponente, atravessando seu elmo e a cravando em seu crânio.
“Pronto”.
Tristan aterrissou e olhou ao seu redor.
“A cidade está em ruínas...centenas de seguidores da Luz mortos...algumas baixas do nosso lado...”.
De repente, Tristan ouviu um grito. Um guerreiro com uma armadura de cristal caiu de costas no chão. O impacto da queda o matou. Tristan olhou para cima e viu Shadowing voando. O Demônio encapuzado aterrissou do seu lado.
Acho que acabamos com todos. Shadowing disse.
Matou quantos deles? Tristan perguntou.
Três. E você?
Três também.
Então parece que eu ganhei. Disse Astaroth, surgindo das sombras e arrastando o corpo de um guerreiro com armadura de cristal. O inimigo havia perdido tudo abaixo dos joelhos. Com esse... Astaroth atravessou as costas do guerreiro com sua mão esquerda. ...são cinco! O Demônio metálico gargalhou. Eu devia ter apostado alguma coisa com vocês antes de começarmos o ataque!
Bem...eu nunca teria apostado contra um psicopata como você, Astaroth. Shadowing riu. Pelo menos, não numa competição de matança.
Os três riram.
Bem...aposto que suas garras foram bem úteis contra as armaduras de cristal deles. Tristan disse.
Sim! Astaroth concordou. Pra ser sincero, eu nem tinha notado que a armadura deles era mais resistente. Eu atravessei ela com a mesma facilidade de que quando ataco armaduras de ferro...ou aço...ou couro...ou só pele. Astaroth gargalhou.
Tristan olhou para os dois companheiros que sorriam e jogavam conversa fora.
“Quase não parecemos servos das Trevas. Eu poderia me acostumar com isso”.
Bom trabalho hoje. Disse Tristan. Concluímos nossa missão e ainda derrotamos alguns membros da Tiamat. Podemos dormir bem hoje, certo?

Os dois assentiram com um movimento com a cabeça. Eles reuniram os Demônios sobreviventes e voltaram para a cidade de Nidhogg.

sábado, 28 de março de 2015

Conto 1

A Luz no Fim do Túnel


Ei! Eu o chamei. Você não vai se levantar?
Lentamente, a pessoa a minha frente se levantou. Sinceramente, eu nunca fui muito bom em distinguir entre sexos em situações como aquela. Poderia ser um homem ou uma mulher. Logo, eu me irei me referir àquela pessoa como “ele”. Espero que não haja objeções. O único propósito disso é para facilitar o meu relato.
Enfim, ele, sem dúvida, estava aturdido com tudo o que havia acontecido. Ao me olhar, o homem se espantou, arregalando os olhos e pulando ligeiramente para trás.
Qual o problema? Perguntei calmamente, inclinando levemente a minha cabeça para a esquerda.
Fique longe de mim! Ele exclamou.
Por quê? A minha aparência te incomoda?
É claro que sim!
Por quê?
Por quê!?
É. Por quê?
Por que você é um monstro!
Eu ri baixo.
Um monstro, hein? Eu sorri. Eu podia jurar que eu era um anjo... Bem, faça-me o favor de me descrever.
Por que eu faria isso?
Você vai contrariar um monstro?
Ele engoliu em seco. Após alguns segundos, ele respirou fundo e disse:
Certo... Você...é a Morte.
A Morte? Eu não pude conter o riso. Seja mais específico.
Droga... Você é um esqueleto. Você veste um manto preto, esfarrapado, que cobre quase todo o seu corpo. Do seu lado, caída no chão, está uma longa foice...
Entendo...
Espere! Ele exclamou, visivelmente exaltado. Se você é a Morte, então eu...?
Mais ou menos. Eu respondi, antecipando o final de sua pergunta. Você, neste exato instante, não está nem vivo...e nem morto.
Como assim?
Você já ouviu falar daquele boato de que, quando você morre, você tem que seguir na direção de uma luz?
Já...mas...
Você ainda não a viu.
É... Ele arregalou os olhos. Então, quer dizer que eu posso voltar a viver?
Talvez. Isso só depende de você.
Ao ouvir aquelas palavras, ele pareceu realmente animado. Rapidamente, ele perguntou:
Então...o que eu devo fazer?
Ah...antes de eu te responder isso, você deveria olhar a sua volta... Sugeri.
Ele realmente não tinha percebido. A expressão no rosto dele deixava aquilo muito claro. Ele estava boquiaberto. Pudera. Nós estávamos dentro de uma caverna, sem nenhuma saída aparente. De fato, a câmara onde estávamos era bem pequena.
Nossa... Ele murmurou. Eu...nunca estive numa caverna antes...
Eu tive que rir. Ele parecia mais impressionado com o fato de estarmos em uma caverna do que o fato de que não havia saída.
Você não percebeu nada de errado? Perguntei.
Ah...é. Ele respondeu. Esse lugar é meio apertado e...eu não vejo nenhuma saída...
Exatamente. Você tem que achar a saída. Ou, melhor dizendo...fazer a saída.
Como assim?
Isso depende de você. Derrube as paredes se for preciso.
Ele riu. Talvez ele tenha achado que eu tenha contado uma piada. Tolo. Ele começou a olhar para todas as direções. Em poucos minutos ele já havia percorrido toda a área do local pelo menos umas cinco vezes. Foi aí que ele me pediu:
Sua foice. Ou qualquer outra arma. Ou instrumento.
Não. Eu respondi o pedido dele secamente.
Por que não?
Por que é o seu dever achar um jeito de sair daqui. Eu já te dei dicas o suficiente.
O que você quer que eu faça!? Cave com as minhas próprias mãos!?
Não custa nada tentar...
Ele murmurou algum xingamento. Após pensar por alguns instantes, ele se agachou e começou a tentar cavar. Como eu já esperava, a mão dele atravessou o chão sem conseguir mover a terra. Ele pareceu aturdido por uns dois segundos e, então, voltou a tentar cavar. Sem resultado. A cada tentativa fracassada, ele se irritava mais. Por mais rápido que ele tentasse cavar, nada acontecia. Após cerca de trinta segundos, completamente frustrado, ele se levantou e bradou:
Qual a pegadinha!? Eu sou algum tipo de fantasma!? Por isso que não consigo cavar!? Isso é tudo uma piada para você!?
Talvez você devesse tentar derrubar alguma das paredes... Sugeri calmamente.
Sem contestar, ele andou até uma das paredes e a socou. Dor tomou conta do rosto dele. Eu tentei segurar o riso. Ele exclamou:
Ótimo! Como eu esperava! Eu não consigo derrubar a droga dessa parede! Por quê!? Porque ela é feita de rocha!
Mas você conseguiu a tocar, não? Disse eu.
Ele pareceu surpreso. Seu rosto se iluminou logo em seguida. Porém, isso durou apenas alguns instantes. Rapidamente, a expressão de seu rosto denunciava sua tristeza. Ele, enfim, disse:
Mesmo assim...isso não me ajuda muito. Eu ainda não sou forte o suficiente para derrubar uma parede... Isso é fato.
Não é verdade. Eu discordei.
Ele ergueu uma sobrancelha, intrigado. Então, perguntou:
Você acha que alguém como eu poderia derrubar uma parede?
Claro que sim. Por que não?
Porque eu sou fraco. Sempre fui.
Se você diz fisicamente, isso não importa mais. Não esqueça de que você não está mais vivo.
Novamente, a expressão dele se tornou pensativa. Rapidamente, o rosto daquela pessoa se iluminou. Antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa eu lhe perguntei:
Qual a única coisa que continua com você?
Da minha vida...? Ele perguntou apreensivo.
Sim.
Bem... Ele parou de falar por alguns instantes. De repente, um largo sorriso apareceu em seu rosto. Tive certeza que, naquele momento, ele havia descoberto a resposta. As minhas memórias.
Sim. Tudo o que você aprendeu e vivenciou. Você não esqueceu nada daquilo. De fato, todas as informações em sua cabeça devem estar ainda mais nítidas, não?
Sim...é verdade.
Ótimo. Use essas memórias. Fortaleça com elas.
Eu não precisei dizer mais nada. Ele fechou os olhos e se concentrou. Após alguns segundos, ele socou a parede. Dessa vez, ele não pareceu sentir dor. Dessa vez, rachaduras apareceram nas paredes. Então, ele disse:
Minha filha e meu filho...
Eles te deram força, hein? Sorri. A resposta era óbvia. Ótimo. Continue pensando neles. Mas não só neles. Pense em todos aqueles que você ama. Pense em todas as experiências boas que você já passou. Pense em cada ocasião que você sorriu. Pense em tudo isso e não pare de socar essa parede.
Ele assentiu com a cabeça. A mensagem fora bem clara. Rapidamente, ele começou a falar uma lista de nomes. Nem sei dizer ao certo quem eram aqueles, mas aquilo estava funcionando. A cada soco, a parede rachava mais. Em seguida, ele começou a contar pequenos relatos. Viagens com a família. Uma piada que um amigo lhe contara que o fez rir toda vez que eles se reencontraram. Uma festa surpresa que seus colegas de trabalho organizaram para ele. As primeiras palavras que seus filhos disseram. O dia de seu casamento. Seus sonhos...e foi aí que o problema surgiu. Ele já havia começado a criar um pequeno túnel na parede quando ele se lembrou de algo. Naquele instante, seu soco não causou danos à parede. O grito que ele soltou deixou evidente sua dor. Então eu perguntei:
O que aconteceu?
Eu...não vou conseguir... Ele balbuciou.
Não vai conseguir o quê?
Jantar com a pessoa que eu decidi passar o resto da minha junto num restaurante. Eu tinha planejado aquilo por tanto tempo. Era o nosso aniversário de casamento. Ele cerrou os punhos. Eu também não vou poder ver os meus próprios filhos crescerem. Eu também não poderei viajar mais com meus amigos. Eu...
Basta! Eu o interrompi. Eu tive que fazer aquilo. Para de pensar nas coisas ruins. Pare de pensar no que você não pode concretizar. Não pense em seus inimigos. Não pense nas situações em que você foi lesado.
Falar é fácil...
Eu sei. Tomar uma atitude que é difícil.
Ele bufou. Após alguns segundos, ele disse:
Você está certo. Eu sei disso...
Mas você age como se não soubesse. Retruquei. Você age como se você não tivesse aprendido nada em sua vida. Você prefere focar nas coisas ruins que aconteceram. Você prefere ser fraco, se fingir de vítima. Eu suspirei. Você não é o único. Esse é o caminho mais fácil, não? Mas o que o aguarda no fim não é muito bom. Disso você pode ter certeza.
Ele permaneceu em silêncio. Então, resolvi apontar minha foice na direção dele. Agora, ele estava, sem dúvidas, amedrontado.
Eu posso acabar com tudo isso agora. Eu disse. Você não seria o primeiro a escolher esse caminho.
É o caminho mais fácil afinal, não é? Ele perguntou seriamente, considerando a opção.
É.
Bem...
Sem responder nada, ele se voltou contra a parede. Ainda mais rapidamente do que antes, ele a socou. Após o primeiro golpe, tive certeza que ele também estava mais forte. Agora, ele voltava a abrir seu caminho pelas paredes rochosas. Então eu perguntei:
Achou uma nova motivação?
Sim. Ele respondeu entre os socos. Ele não falava mais nada para se motivar, mas, com certeza, ele não parava de pensar em algo...que eu ainda não sabia o que era. Curioso?
Um pouco.
Quer saber o que é?
Se você não se incomodar...
Ele continuou a cavar o túnel através da parede com os próprios punhos. Eu seguia logo atrás dele andando calmamente. Após alguns instantes, ele, enfim, voltou a falar:
Seria patético, não?
O que seria patético? Perguntei claramente intrigado.
Eu deixar de existir. Bem aqui.
Por quê?
Por que eu tenho a opção de me salvar. Se alguém que eu me importasse tivesse na mesma situação que eu e optasse por desistir...eu ficaria triste. Fico pensando se alguém que eu gosto me visse desistindo. Eu imagino a tristeza...a decepção no olhar dela. Eu não poderia deixar isso acontecer.
Entendo. Não pude deixar de conter um sorriso naquele instante.
E também tem o que você disse. Eu...não sou obrigado a me focar no que foi ruim na minha vida. Eu não poderia me enganar vendo apenas o lado bom também...
Isso é chamado ser realista.
É. E agora eu entendo. Passei uma vida achando ser realista...quando eu não passava de um pessimista deprimente. Eu parecia dar mais importância para a opinião de um inimigo do que um amigo. Eu...
Naquele instante, ele deu o seu último soco. A parede caiu. A frente dele estava uma nova câmara. No meio dela, uma grande tocha de fogo branco que iluminava todo o lugar.
Bem...aí está a sua recompensa. Eu disse calmamente.
Ele permaneceu em silêncio por alguns instantes. Enfim, ele me perguntou:
O que me aguarda?
Eu ri baixo e respondi:
Isso...você terá que descobrir. Siga em direção a luz, meu amigo...
Ele se voltou em minha direção e sorriu. Ele disse:
Obrigado...
Ele não terminou de falar. Imagino que a minha aparência, diante dos olhos dele, tenha mudado. Entretanto, eu continuei a falar normalmente:
Não agradeça. Eu apenas cumpri o meu dever.
O rosto dele estava mais iluminado do que das outras vezes. Por fim, ele conseguiu me perguntar:
Você...é um anjo?
Sim. Respondi calmamente. Eu já havia dito, não?
Sim, mas...eu achei que você fosse algo como o Anjo da Morte...
Palpite válido, mas não.
Então...que tipo de anjo você é...?
Ora...eu sou o seu Anjo da Guarda.
Antes que ele pudesse dizer algo, eu o empurrei de leve na direção da luz. Gentilmente, ele foi carregado pela luz, em pleno ar, até que ele desaparecesse. Eu já sabia o que aconteceria. Não era a primeira vez que eu fiz aquilo. A luz branca brilhou ainda mais intensamente. De repente, eu estava em uma sala de um hospital...e ele também. Desta vez, porém, ele estava muito menor...coberto de sangue e...chorando. Uma nova vida havia começado para aquela pessoa enquanto um médico o apresentava para a sua nova mãe e, em seguida, para o seu novo pai.

Meu trabalho ainda não estava concluído. Ele nunca chegará ao fim. Porque, agora, eu o acompanharei de longe. Eu sorrirei quando ele sorrir. Eu chorarei quando ele chorar. Daqui a anos, eu o guiaria novamente pela caverna até a luz. Eu garantiria que aquela vida seguiria seu ciclo. Afinal, como um Anjo da Guarda, aquele era o meu dever. E esse dever seria cumprido com um largo sorriso no rosto.

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Já como é bem mais rápido e prático escrever contos, é bem provável que mais deles comecem a aparecer aqui no blog, variando o gênero também, já que eu sei que nem todos gostam de contos de terror. Aguardem novidades em breve!

sexta-feira, 27 de março de 2015

Capítulo 13

The Massacre
O Massacre

Não sabia que você participaria desta missão. Disse Tristan.
E eu não sabia que teria que receber ordens de você. Astaroth deu um sorriso amargo. Se eu soubesse disso, não teria aceitado esta missão, tenha certeza disso.
Pare de reclamar. Tristan olhou seriamente paro o rosto metálico de Astaroth, fitando seus olhos verdes perturbadores. Você vai seguir minhas ordens. Nós vamos concluir a missão. Você não retrucará. Entendido?
Astaroth deu de ombros.
Que seja. O Demônio de pele de metal olhou a sua volta. Cinqüenta Demônios sob seu comando, hein? Nada mal. Espero que você saiba aproveitar os recursos que você tem a sua disposição. Astaroth olhou para as próprias garras. E bole logo um plano de ataque. Estou impaciente. Quero matar o mais rápido possível. Minhas juntas enferrujam quando não me banho em sangue.
Você acha que é o único querendo massacrar alguns seguidores da Luz? Perguntou um Demônio que se aproximava. Não seja tolo. Ele usava uma armadura leve cor de ônix. Seu manto que cobria os ombros e seu capuz cinzentos esfarrapados eram uma única peça de vestimenta. Mesmo cobrindo o rosto, era possível ver seus olhos amarelos reluzindo como ouro.  Quanto às costas, pareciam cobertas por uma capa longa feita de penas.
Shadowing, você veio! Astaroth disse sorrindo. Que bom! Achei que seria o único Demônio poderoso aqui!
Murmúrios começaram atrás deles. Alguns falando bem de Shadowing, mas a maioria eram ameaças contra Astaroth.
Você realmente consegue deixar qualquer ser vivo irritado com você, não é? Tristan disse olhando para Astaroth.
Shadowing parecia rir por de baixo do capuz. Astaroth deu de ombros novamente.
Realmente não me importo. O sorriso maníaco do Demônio metálico era inquietante. Mas...vamos ser sinceros, caro Tristan. Você não é nada melhor.
Astaroth e Tristan se entreolhavam. A expressão de frieza no rosto do guerreiro era imutável, bem como a insanidade no do Demônio.
Antes que vocês se matem...  Shadowing interveio. ...temos uma missão a cumprir. Certo, cavalheiros?
Certo. Concordou Tristan.
Que seja. Disse Astaroth.
Bem...já tem alguma idéia de como faremos isso? Shadowing perguntou para Tristan.
Tendo em vista que você está participando dessa missão...acho que tive uma ideia. Tristan disse com um leve sorriso. Pode me ajudar agora no começo?
Claro. Shadowing parecia sorrir. O que eu tenho que fazer?
Voe por cima da cidade. O guerreiro das Trevas começou a explicar. Ache a melhor posição para um ataque inicial. Procure por algum grupo de clérigos ou guerreiros que pareçam mais fortes. Dê preferência para um grupo grande também.
Ótimo. Shadowing sorriu. Depois do seu sinal, nós invadimos?
Precisamente.
Ai nós podemos matar indiscriminadamente? Perguntou Astaroth. Hein?
Claro. Disse Tristan. Mas dê prioridade a guerreiros e clérigos.
Quem mais eu atacaria? Astaroth perguntou com um tom de indignação.
Civis. Tristan e Shadowing disseram ao mesmo tempo.
Civis!? Eu!? Matar civis!? Como!? Mas que ultraje!
Tristan e Shdowing se entreolharam. Em seguida, os dois olharam para o rosto de Astaroth. Os três logo estavam rindo.
Certo. Astaroth disse. Vou tentar me conter.
Ótimo. Tristan olhou para Shadowing. Você pode começar a missão?
Agora mesmo. O Demônio encapuzado sorriu.
De repente, a capa de Shadowing se partiu em duas partes iguais, revelando serem asas de verdade.
Daqui a pouco eu volto.  Shadowing disse.
Cerca de um minuto depois, uma marca vermelha surgiu nos céus da cidade. Era a cabeça de dragão símbolo das Trevas.
Como sempre, Shadowing é bem eficiente. Comentou Astaroth.
Sim. Concordou Tristan.
Pouco depois, Shadowing aterrissou ao lado deles.
Vamos? Disse o Demônio encapuzado.
Calma. Pediu Tristan.
Por quê? Perguntou Astaroth. Comece seu ataque. Mate e me deixe matar! Por favor!
Nunca achei que eu o veria sendo educado. Tristan riu.
Calado. Astaroth retrucou.
Eu avisei antes. Pedi para você não retrucar.
Que seja.
Por que não podemos atacar agora? Perguntou um Demônio atrás deles.
Só quero saber alguns detalhes do local e dos inimigos antes de atacar. Respondeu Tristan enquanto olhava para os cinqüenta Demônios inquietos sob seu comando.  Shadowing?
Certo. O Demônio estava voltando suas asas para a forma de capa. Construções cobrem toda a área da colina, desde o terreno plano da base até as inclinações das laterais e do topo do local. Uma grande muralha envolve a cidade. O solo antes verde é agora coberto por paralelepípedos cinza que brilham como metal sob a luz do sol. A atmosfera do local é fria, mas acho que é apenas por causa da altitude. O aroma da cidade é levemente adocicado... Shadowing parecia perdido nos próprios pensamentos. Ah, sim. No topo da colina há um templo. No seu topo, um clérigo imponente falava perante uma multidão. Guerreiros o protegiam cobrindo todos os acesos ao templo, protegendo desde a escadaria frontal até as portas do templo.
Você marcou a posição de ataque exatamente em cima desse clérigo? Tristan perguntou.
Precisamente. Shadowing sorriu por de baixo do capuz.
Excelente. Tristan sorriu parecendo verdadeiramente animado com a ideia.
Perfeito! Exclamou Astaroth. Ele se voltou aos outros Demônios. Preparem-se para massacrar alguns seguidores da Luz!
O esquadrão de Demônios urrou euforicamente.
Sinto que alguém roubou a minha fala. Disse Tristan.
Não exatamente. Astaroth mexia cada uma de suas garras empolgadamente. Você não teria dito de maneira tão motivadora.
É verdade. Shadowing concordou.
Que seja. Retrucou Tristan, fazendo com que Astaroth esboçasse um sorriso. Com vossa licença...tenho um ataque a uma cidade que eu gostaria de começar.
Tristan se transformou em trevas e seguiu rapidamente até o lugar marcado nos céus.
“Ainda bem que só seres das Trevas podem ver essa marca do Shadowing. Isso com certeza alertaria a cidade sobre a nossa presença”.
O guerreiro sombrio se jogou em direção ao alvo. O clérigo nem teve tempo de reagir. Em um instante, o punho de Tristan afundou a cabeça do inimigo no chão na superfície de pedra do local. Ao se chocar com o solo, o guerreiro das Trevas se desfez em sombras, envolvendo todos os guerreiros que estavam próximos. Em uma fração de segundos, Tristan se recompôs e, em meio às trevas, invocou sua espada. Em uma seqüência voraz, ele decapitou um guerreiro, fincou sua espada nas costas de outro, atravessou a barriga de mais um com sua lâmina, decepou a garganta de outro oponente, perfurou a testa de outro inimigo e, quando se deu conta, havia matado todos os guardas a sua volta.
“Muito fácil”.
Ao olhar para baixo, viu uma multidão se dispersando pela cidade enquanto guardas se preparavam para conter um enxame de Demônios que se aproximava pelo horizonte.

“Isso vai ser divertido”.

quinta-feira, 26 de março de 2015

O Matadouro, Capítulo 2

Condenados pelo Infortúnio


Eu não tremia, mas, ao mesmo tempo, não me sentia muito bem perto do recém chegado. Aquele olhar frio somado àqueles músculos que poderiam rachar o meu crânio sem dificuldades...era, no mínimo, desconfortável. Entretanto, eu senti algo batendo de leve no meu ombro. Brad estava do meu lado. Ele abriu um sorriso modesto e disse:
Relaxe. Ele é um dos nossos. E é gente fina...depois que você o conhece.
Aquilo me acalmou um pouco. Eu assenti com a cabeça, afirmando que eu havia entendido o recado. Brad bagunçou o meu cabelo e então foi até Jerome.
O que será que temos de bom para hoje? Perguntou Emmanuelle que, agora, aproximava-se dos outros.
É o que vamos descobrir agora. Respondeu Jerome ligeiramente animado.
Brad tirou uma faca do bolso esquerdo traseiro de sua calça. Jerome brandiu o facão de sua cintura. Rapidamente, cada um deles abriu uma caixa. Ao ver o que tinha dentro de sua caixa, Brad sorriu e exclamou vitorioso. Jerome parecia feliz, mas sua comemoração foi mais contida, limitando-se a um sorriso discreto. Emmanuelle olhou rapidamente para as duas caixas e então disse:
Nada mal, hein? Ela sorriu calorosamente.
É...não tenho como reclamar mesmo. Brad riu baixo. Como se tivesse se lembrado de algo, ele se voltou rapidamente para Jerome. Olhando com mais calma, seu corpo estava completamente suado. Espero que você não tenha tido muito trabalho.
Sem problemas. Jerome disse calmamente. Os dois caras eram bem fracos. Eles estavam desesperados. Eu dei sorte até de encontrar eles. Ele suspirou. Bem...terminei o meu turno. E agora eu estou com fome.
Brad sorriu e, então, disse:
Certo. Então...vamos comer.
Rapidamente, Emmanuelle, Brad e Jerome começaram a retirar coisas que eu não esperaria encontrar naquela caixa. As latas de legumes, pacotes com pão e as garrafas plásticas com água, normal. As barras de proteína e as garrafas de leite e suco eram um pouco inusitadas. Mas foram os generosos pedaços de carne crua que me chamaram a atenção.
Você parece surpreso. Emmanuelle riu baixo. Creio que ela se referia a mim.
Bem...é. Eu concordei. Essa comida parece...boa.
Mas é claro! Brad riu alegremente enquanto fazia uma fogueira com uns pedaços de madeira. Nós somos grandes astros! Nós merecemos isso, não acha?
Eu estava um pouco aturdido ainda. Então, antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Emmanuelle falou:
Nós somos a atração desse show doentio. Não faria muito sentido eles nos alimentarem com lixo. Ela pegou uma barra de proteína, abriu uma das extremidades da embalagem e comeu um pedaço. Após mastigar e engolir, ela continuou a me explicar. Nós temos que estar sempre bem para podermos ter uma boa...performance. Ela hesitou um pouco antes de dizer a última palavra, claramente irritada. Por isso, as refeições que ganhamos são boas, além de saudáveis. Também recebemos alguns medicamentos, dos mais variados tipos. Temos desde aqueles contra dores de cabeça até bactericidas. Temos também alguns suplementos vitamínicos e proteicos. Alguns chegam a ficar bem em forma aqui por causa disso tudo somado aos exercícios. Sabe, não é? Correr, saltar de um lado pro outro, lutar até a morte...
Tudo em nome desse espetáculo... Murmurou Jerome antes de cuspir no chão.
Bem...tudo aquilo fazia sentido. Brad, que acabara de a fogueira, levantou-se para pegar um pedaço de carne crua. Com o que parecia ser um galho de uma árvore, ele a espetou e a aproximou do fogo. Enquanto a carne era lentamente assada, ele começou a dizer:
Nós também recebemos algumas armas nessas caixas. Claro que, antes de conseguirmos elas, nós tivemos que usar nossas próprias mãos. Brad sorriu em minha direção. Expressões sérias tomaram conta dos rostos de Emmanuelle e Jerome. Rapidamente, ele voltou a falar. Ah. Eu creio ter que esclarecer algo sobre as armas para você, Jack. Ele fez uma breve pausa, talvez, para organizar seus pensamentos. Armas de fogo são uma raridade aqui. Munição, idem. Eu ando com um revólver em dos meus bolsos. Ele tinha duas balas. Hoje, só uma. Tive que gastar uma numa situação que... Brad balançou a cabeça para os lados. Bem, saiba que foi a única alternativa. Se eu for gastar essa bala agora...vai ter que ser em uma situação tão crítica quanto a que eu já passei antes.
Enfim... Interveio Emmanuelle. Nós acabamos lutando apenas com armas brancas. Facas. Facões. Pés de cabra. Corrente. Bastões. Martelos. Esse tipo de coisa.
Aquelas com lâminas são as favoritas da maioria. Comentou Brad quase que entediado.
É. Concordou Jerome. O que nos leva a outro ponto importante: treinar você.
Minha espinha gelou quando percebi que ele se referia a mim.
Nós não podemos ficar te sustentando garoto. Brad riu baixo. Você vai ter que contribuir com a nossa pequena e amigável comunidade.
Não se preocupe. Pediu Emmanuelle. Com o tempo, você ganha prática.
Eu...não. Eu estava tão nervoso que eu nem conseguia formar uma frase decente.
Você. Sim. Jerome disse friamente. Se você quer sobreviver aqui, você vai ter que aprender a matar.
Não! Eu exclamei. Eu nunca vou fazer isso!
Jack... Emmanuelle me chamou tão calmamente que eu até relaxei um pouco. Nós queremos te ajudar. Nós acreditamos que haja um motivo para você estar aqui. Nunca vimos alguém como você nesse buraco. Por isso temos certeza disso. Você perdeu parte de sua memória. Não tem problema. Com o tempo, você se lembrará do que aconteceu. Nós tentaremos o proteger enquanto isso. Mas...nós, talvez, não estejamos junto de você o tempo todo. Você precisa saber se defender caso algo aconteça. Ela respirou fundo e sorriu. Entendeu?
O que ela falou realmente fez sentido. O jeito que ela falou realmente me acalmou. Então, eu esbocei um sorriso e assenti com a cabeça, afirmando que eu havia entendido a explicação.
Ótimo. Emmanuelle disse sorrindo, parecendo, agora, ainda mais bela.
Mas...eu ainda não entendo uma coisa. Eu disse.
O que seria, querido? Ela perguntou docemente.
Qual o nosso objetivo então? Perguntei. Já que não podemos fugir...
Sobreviver. Respondeu, secamente, Jerome. Até que algo aconteça.
Aquilo me irritou um pouco. Logo, eu trinquei os dentes e esbravejei:
Ótimo! Vamos esperar uma intervenção divina, então!?
Talvez. Respondeu Brad calmamente. Talvez uma tropa de operações especiais apareça. Não esqueça que esse show é algo extremamente ilegal. Tenho certeza que tem muita gente querendo acabar com esse lugar. E, ainda por cima, o Matadouro tem uma localização fixa. Os donos desse lugar só podem esconder o lugar, certo? Quando algum grupo de paladinos da justiça nos achar, vão destruir o lugar e, talvez, nos salvem. Por mais que sejamos criminosos, é bem provável que tenham pena de nós por termos passado por tudo isso. Podemos até receber algum tipo de acompanhamento psicológico, se dermos sorte...
Aquela ideia...acabou me acalmando um pouco. Pensar que eles, que já sobreviveram naquele lugar por tanto tempo, conseguiam se manter racionais e ainda ter esperanças era animador, pra dizer o mínimo. Foi aí que eu percebi que eu ainda não havia perguntado algo:
Há quanto tempo vocês estão aqui?
Os três se entreolharam. Houve silêncio por alguns segundos. Enfim, Brad se levantou e disse:
Bem...creio que, além disso, devemos contar pra você o porquê de estarmos aqui, não?
Não. Não é necessário... Eu murmurei.
Claro que é. Ele insistiu sorrindo. Eu começo.
Eu não nego estar curioso sobre aquilo, mas...não me parecia muito educado perguntar, principalmente por que eu não poderia retribuir da mesma forma. Maldita amnésia...
Eu estou aqui faz seis anos. Disse Brad. Eu fui pego após um golpe que deu errado. Ele suspirou. Sim, eu era um golpista. E um ladrão também, nas horas vagas.
Infelizmente, quando o golpe deu errado, ele foi pego por vários outros crimes que ele já tinha cometido. Acrescentou Emmanuelle.
É... Ele bufou. Tudo por causa de um diamante falsificado. Eu não achava que o ricaço soubesse tanto do assunto. Ele cerrou o punho esquerdo, aquele que não segurava o galho com o pedaço de carne. Tantos burgueses atrás de mim... Não deu em outra. Vim parar aqui nesse inferno. Brad olhou para Emmanuelle. Sua vez, sedutora.
Ela esboçou um sorriso e começou a falar:
Eu estou aqui há cinco anos. Eu fui pega por um guarda costas de um velho milionário tarado. Ele me viu colocando sonífero na taça de vinho daquele verme...
Por pouco que você não colocou suas lindas mãos na fortuna daquele magnata... Acrescentou Brad num murmúrio.
Pois é... Emmanuelle bufou e olhou para o teto. Aquele seria o meu último trabalho. Eu teria dinheiro o suficiente para viver o resto de minha vida viajando...
E sem arriscar a vida enquanto seduzia homens poderosos a fim de conseguir informações secretas para sua organização. Comentou Brad. Informações que mudaram o rumo de conflitos e economias pelo mundo. Ele sorriu. Seus olhos verdes brilhavam. Não se esqueça desses pequenos detalhes.
Emmanuelle riu baixo e concordou:
É...quase que me esqueço de falar disso...
Brad olhou agora para Jerome. Ele o encarou de volta.
Sua vez, grandão. Brad sorriu.
Jerome bufou. Porém, após alguns segundos, ele disse:
Eu estou aqui há dez anos. Fui um dos primeiros a chegar ao Matadouro.
Eu engoli em seco. O pensamento de chegar neste lugar horrendo, sozinho, e ter que sobreviver sem apoio ou algum tipo de conselho...era simplesmente horrível.
Eu fui acusado de um assassinato que eu não cometi. Jerome continuou. Eu vi o culpado cometer o crime. Um homem, com pouco menos de um metro e setenta de altura, matou uma mulher que tinha pouco mais de um e sessenta. Aquele verme...aparentemente era alguém da alta sociedade. Eu cheguei ao local do crime depois que ele havia terminado de esfaquear a mulher. Ela, aparentemente, era uma prostitua. Talvez ela tivesse descoberto algo sobre o homem e tivesse tentado o chantagear... Ele respirou fundo. Eu não sei e nunca saberei. Só sei que aquele verme a matou e me usou de bode expiatório. Afinal, eu tenho muito mais cara de marginal do que aquele riquinho desgraçado, não? Jerome cerrou os dentes.
A justiça virá até você, meu amigo. Disse Brad. Diferente da maioria que está aqui, você não é um criminoso. Se for pra alguém sair daqui vivo, será você, Jerome.
Os dois se entreolharam e trocaram um sorriso.
E talvez você também, não é, Jack? Emmanuelle me perguntou.
Jerome e Brad se voltaram para mim. Eu respirei fundo e disse:
Eu espero que sim. E também espero que vocês me ajudem. Assim, eu poderei ajudar vocês também.
É isso que eu queria ouvir, garoto. Disse Jerome. O seu treinamento começará daqui a pouco. Mas, por ora... Ele sorriu. Por ora, venha comer junto conosco.

Eu não pude evitar. Eu sorri, assim como Brad e Emmanuelle. Por mais estranha que toda a situação ainda parecesse, eu estava um pouco mais tranqüilo agora. Então, pude me sentar com meus novos aliados e saborear uma refeição quente.