O Novato
Arrependimento maior que o meu, vocês nunca terão. Eu
aposto a minha vida nisso. Não tenho medo de assumir esse risco. Afinal, logo
ela chegará ao fim. E como eu sei disso? Bem...vai ser mais fácil se eu
explicar tudo o que aconteceu até o momento.
Cerca de um mês atrás, o último ano do ensino médio
começou. Infelizmente, eu tive que me mudar de cidade. Isso ajudaria muito a
minha mãe no emprego dela. Eu não questionei. Eu até a apoiei, mas...agora...eu
me arrependo um pouco. Eu não me lembrava como era deixar todos os meus colegas
de classe para trás. Eu também não me lembrava de como era esse sentimento de
ser o novo aluno em uma escola grande. Era...muito estranho. Eu não conhecia
nenhuma das pessoas que andavam a minha volta.
Por sorte, esse sentimento de estranhamento logo se foi.
Logo no primeiro dia de aula, dois alunos se aproximaram de mim. Um menino e
uma menina. John e Alexis. Eles não pareciam ser o tipo de gente mais amistoso
do mundo, mas, sinceramente, eu também não era. Acho que foi por isso que eles
foram com a minha cara. O que foi bom.
Na primeira semana de aula, nós nos aproximamos muito.
Pra ser sincero, eu me sentia um pouco desconfortável nos primeiros dias. Os
dois eram namorados. Eu me sentia, a princípio, como a “vela”, como se eu
estivesse atrapalhando os dois. Felizmente, tal impressão passou rapidamente.
Nós tínhamos tanto em comum... Time de futebol que torcíamos a favor. Times que
torcíamos contra. Gostávamos do mesmo tipo de música. Assistíamos aos mesmos
seriados. Enfim...a companhia dos dois era realmente confortável para mim. E eu
tinha certeza que o sentimento era mútuo.
Entretanto, uma semana depois, um pequeno problema
surgiu. Um novato que não veio durante a primeira semana de aula. Um garoto que
eu nem tenho coragem de escrever o nome. Por quê? Ora...simplesmente porque ele
era sinistro. Olhar para ele...sempre me dava uma sensação de desconforto. Ele
tinha o típico visual emo. Cabelo preto liso que se estendia numa franja que
cobria o seu olho esquerdo. O olho direito, que era visível, era de um tom azul
desconcertante de tão claro. A pele dele era extremamente pálida. As calças
jeans escuras cobriam suas pernas. Nos pés, tênis negros como asfalto. Por cima
da camisa do uniforme da escola, um casaco preto que combinava com as unhas de
suas mãos. Apesar de ser baixo e magro...ele me intimidava. A expressão em seu
rosto era...diferente de qualquer outra que eu já havia visto. Era de um tédio
profundo, como se tudo a sua volta fosse desinteressante, como se todas as
pessoas fossem inferiores a eles, chegando a ser inúteis.
Foi ai que eu conheci um novo lado de meus dois amigos. Eles
simplesmente odiavam aquele tipo de gente. Emos exclusivamente, pelo que
parecia. Tanto John tanto Alexis passaram todas as aulas daquele dia xingando o
novato. Quando as aulas acabaram, eles foram confrontar o garoto. Eles
começaram a infernizar ele. Não só durante aquele dia. Sempre que eles podiam,
quando não havia nenhum professor por perto, eles iam até o novato. As
agressões eram tanto mentais e tanto físicas. E o que eu fiz quanto a isso?
Nada.
E eu me arrependo muito disso. Não que eu tivesse ido com
a cara daquele moleque sinistro, mas...eu nunca fui do tipo de atormentar os
outros...por qualquer motivo. Eu também não era atormentado pelos outros. Eu
sempre soube me defender. Parando pra pensar...eu realmente nunca defendi
ninguém que fosse atormentado. Mas só dessa vez que eu realmente me arrependi.
As semanas passavam. Os abusos continuaram. E eu...não
podia fazer nada. Eu não queria discutir com os meus únicos amigos. Talvez eu
nunca mais tivesse uma amizade como aquela na minha vida. Então...eu ignorei
esse lado ruim deles. E deixei o moleque sofrer sozinho.
Vamos ser sinceros ninguém da sala fazia nada. Eles nem
pareciam perceber a existência do novato. Nem mesmo os professores se dirigiam
a ele. Esses pensamentos fizeram que eu não me sentisse mal por ele...pelo
menos, naquele momento.
Após um mês...o novato tomou uma providência. Eu
conversava com John e Alexis. Já estávamos no horário de saída da escola. Com o
tempo, parece que eles foram dando menos importância para aquele moleque. Ambos
passavam menos tempo xingando ele durante as aulas, o que me permitia puxar
outros assuntos. Naquele dia, estávamos tão distraídos como papo que não
queríamos ir para casa. Mas foi aí que ele veio. Eu não acreditava no que os
meus olhos me mostravam. O novato veio até nós com um sorriso no rosto. Ele
podia ter fugido de John e Alexis sem problemas. Mas, agora, já era tarde
demais...
O casal se levantou. Os sorrisos deles haviam sido
substituídos por carrancas. Antes que eles pudessem dizer alguma coisa, porém,
o novato estendeu a mão direita. Nela, tinha uma foto.
John e Alexis a viram antes de mim. A reação foi
inesperada. John começou a tremer. Seus olhos estavam arregalados. Alexis
gritou. Em seguida, cobriu os olhos com as mãos. Curioso e ligeiramente
assustado, eu peguei a foto do chão. E foi naquele momento que eu vi...aquilo.
Eu não sei exatamente o que era aquilo...mas era
perturbador. Se eu fosse compará-la com um ser humano...haveria algumas poucas
semelhanças. Todo aquele monstro era de uma coloração cinzenta, extremamente
escura. Seus braços e pernas eram extremamente finos e compridos. Os dedos,
tanto das mãos tanto dos pés, pareciam garras, apesar de não muito afiadas. Os
membros apareciam na foto, praticamente se contorcendo para aparecer nela. O
tronco era tão grosso quanto dois de seus braços juntos, porém, nem de longe
tão longos. O pescoço era envergado para frente, fazendo com que sua cabeça
fosse...invertida. De cima para baixo, estava sua boca, nariz e olhos. A
primeira era ampla, aberta como se gritasse. O segundo era apenas uma pequena
cavidade negra. Por fim, os olhos eram a pior parte. Eles pareciam ter sido
transpassados por tiros de revólver. Eram apenas dois buracos negros com
levemente queimados nas beiradas.
Eu nem sabia como reagir ao ver aquilo. Meu corpo parecia
mais gelado de repente. Fora isso, nem consegui esboçar uma reação. Eu estava
praticamente paralisado, quase em um transe.
Eu só voltei a mim graças a John e Alexis. Eles começaram
a gritar insultos contra o novato. E aquele desgraçado...apenas sorria. Aquilo
era desconcertante. Foi então que Alexis atacou o moleque. Suas unhas acertaram
o rosto do novato. Sangue começou a escorrer. Naquele instante, o sorriso
desapareceu. Em seguida, foi a vez de John. Com um soco, ele derrubou o novato.
Eu...nem queria saber se aquele garoto ainda estava
consciente. John, Alexis e eu estávamos ainda aterrorizados pela imagem. Era
óbvio. Era questão de apenas olhar para o nosso rosto.
Enfim, já era tarde. Provavelmente nós estaríamos com
problemas no dia seguinte pelo o que aconteceu com o novato, mas, no momento,
aquilo não importava. Eu queria ir embora. Eu queria estar no conforto da minha
casa e esquecer daquilo. E, obviamente, era o que John e Alexis também
desejavam. Logo, nós despedimos. Cada um seguiu o seu caminho.
No dia seguinte, eu me senti perdido. John e Alexis não
haviam vindo para a aula. Droga. Nem o novato estava lá. Eu senti novamente
aquilo. Eu estava sozinho novamente. Durante esse mês, eu não me tornei próximo
de mais ninguém. Outro arrependimento. Seguido por certa irritação. Por que
aqueles dois não me avisaram que não vinham pra aula? Eu sabia que os dois
haviam passado a noite juntos, na casa do próprio John. O que teria acontecido?
Durante o intervalo, porém, recebi uma ligação. Era a
minha mãe. Algo terrível havia acontecido. O que ela falou... Não. Não era
possível. Aquilo me perturbou durante as aulas seguintes. Eu queria sair da
escola e ver com os meus próprios olhos o que eu tinha ouvido.
O sinal bateu. As aulas daquele dia acabaram. Eu corri
até a casa de John. A polícia estava lá. Eles estavam interditando o local. Mas
aquilo não era prova o suficiente para mim. Não. Eu tinha que entrar lá.
Eu...nem pensava direito naquele instante. Eu corri desviando dos policias. Eu
praticamente arrombei a porta da casa.
Foi rápido...mas eu pude ver. Marcas de sangue no chão e
nas paredes. Portas quebradas. Uma televisão destruída. Quadros derrubados no
piso. É...realmente havia acontecido. John. Alexis. Até os pais dele e o
cachorro de estimação dele. Todos haviam sido mortos brutalmente.
Àquela hora, os corpos já haviam sido retirados do local.
Os policiais no local, após me retirarem do local, se deram ao trabalho de me
dar algumas informações do que havia acontecido. Eu havia dito que eu era amigo
dos jovens que haviam sido mortos, então, acho que eles abriram uma exceção
para mim. Basicamente, eles tinham que confirmar muita coisa, mas, de uma coisa
eles tinham certeza: o assassino, ou assassinos, não usaram armas. Eles
pareciam ter sido golpeados com objetos sem pontas e até asfixiados.
Instantaneamente, a imagem do monstro da foto do novato surgiu em minha mente.
Eu...tremi. Após agradecer os policiais, eu deixei o lugar, indo em direção a
minha casa.
No caminho, porém...eu o vi. O novato. Ele estava em meio
a uma multidão na rua. Eu apenas pude distinguir seu sorriso sinistro e aquele
olho azul desconcertante. Eu...andei na direção dele, mas...ele desapareceu em
meio a multidão. Um calafrio me percorreu a espinha. Vagarosamente, eu andei em
meio à multidão.
“Não pense que eu me esqueci de você...”. Uma voz disse a
poucos centímetros atrás de mim. Instantaneamente, eu me virei. Lá estava ele.
O novato. Sorrindo. Porém, antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele fez
algo que me fez começar a suar frio. Ele...ele...levantou a franja, revelando o
seu olho esquerdo...
Um buraco negro. Parecia ter sido atravessado por um
tiro. As beiradas...pareciam levemente queimadas. “Quando você menos eu
esperar...eu virei te fazer uma visita...assim como eu fiz com seus amigos...”.
O novato disse sorrindo.
Eu já estou, agora, há dois dias sem dormir. Eu nem
consigo manter os meus olhos abertos. Com essas últimas palavras, eu me
despeço. Agora...eu tenho que descansar. Pelo menos, um pouco. Temo fechar os
meus olhos e nunca mais abri-los, mas não me resta mais opção. Adeus.
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