quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Poema - Anjo

A um tolo você confiou teu sorriso
E assim, quase que sem aviso
Um novo sentimento floresceu
No peito do homem que escolheu ser seu

Eu não mais vivia uma guerra
Pois já não estava mais na mesma terra
Eu não mais estava num mundo frio
E já não mais sentia o velho vazio

Se tudo mudou, não sou exceção
Uma chama agora arde em meu coração
Um calor que se espalha por todo meu ser
Uma vontade incontrolável de viver

Mais leve do que nunca estou
Pois não mais feito de pedra sou
Sou o felizardo por ti tocado
Sou aquele por um amor amado

Tendo as trevas do passado enterrado
Sinto que de toda dor estou livrado
Melhor do que nunca posso agora respirar
E para longe do que passou posso voar

Para onde voar, não tenho certeza
Mas sei que longe estarei da tristeza
Pois enquanto do meu lado você estiver
Amor, serei tão feliz quanto você quiser

Sei que tempestades podemos enfrentar
O destino raramente vem para presentear
Mas medo eu nem tenho como sentir
Enquanto você conseguir me fazer sorrir

Então vamos voar
Pela mão vou te levar
Por essa jornada que você enche de sabor
Vamos para onde o vento nos levar, amor

E quando contigo, meu anjo, estou sozinho
Não quero sentir nada além do teu carinho
Queria poder fazer o mundo e o tempo parar
Para que eu pudesse apenas te amar

terça-feira, 12 de setembro de 2017

Poema - Liberdade

Então achei que eu era especial
Jurei que tudo seria diferente
Mas vi que você foi no final
Só mais uma praga pra minha mente

Fui apenas um brinquedo teu
Mais um naquela prateleira fria
Sem luz, deixado no breu
Aguardando pelo meu dia

Ó, Grande Rainha do Drama
Só mais um vil titereiro você é
Envolvendo-me em sua trama
Arrastando-me como a maré

Pois no final tudo é uma peça
Em sua mente mil vezes ensaiada
E para lá você de novo regressa
Usando sua máscara de coitada

E nessa sua fantasia nada muda
O papel de vítima assume com primor
E mais uma vez finja que se iluda
Queime-me com seu nefasto terror

Mesmo que você não assuma
Você sabe muito bem
A verdade é apenas uma
Suas trevas poupam ninguém

Mas uma luz para mim veio
E por mim mesmo enfim orei
Pela liberdade veio o anseio
E meus grilhões enfim quebrei

Deixo-te então na tua amargura lamentar
E finalmente ando sem olhar para trás
O sol nasce, um novo dia está para raiar
Sem mais medo, sinto enfim paz

domingo, 27 de agosto de 2017

Poema - Paraíso

Um suspiro aliviado eu soltei
Ao te ver dormindo ao meu lado
Pois mais uma vez me despertei
E o sonho não havia se acabado

Olhando para o nada então sorri
Tudo e nada passando em minha mente
Sentindo algo que nunca antes senti
Deliciando-me com o belo presente

E daqui amor não quero ter que partir
Distância não desejo do teu calor
Pois é você quem sempre me faz sorrir
Quem me livra da minha própria dor

Por mais um momento fiquemos no agora
Deixe-me me perder de novo no teu olhar
Então tranque o resto do mundo lá fora

Pois nosso pequeno paraíso não quero deixar

sábado, 26 de agosto de 2017

Poema - Meu crime

Dedico essas palavras a mais cruel atriz
Ao demônio que me tirou o chão
Ao menos está feliz?
Ou foi meu sofrimento em vão?

Você foi a cura que não soube controlar
Foi a droga que quebrou minha mente
Foi o fogo que fez minha alma queimar
O caminho para a condenação ardente

Você me diminuiu como ninguém antes
Crucificou-me por cada pequeno erro
Negou nossos momentos como amantes
Matou-me e me negou o maldito enterro

Quero arrancar de volta os sorrisos que te dei
Devolva-me toda a emoção, todo o sentimento
E cada maldito segundo que contigo compartilhei
Infelizes oferendas ao eterno arrependimento

Ofereço-te também tudo o que você me deu
Receba toda a minha dor, toda a agonia
E sobre o coração sonhador que você abateu
Guarde os pedaços, tributo à covardia

Minha alma não aguenta nem mais uma ferida
E já que em vida não consigo te sangrar
Apenas me resta esperar o dia de minha ida
Para que eu possa enfim te assombrar

Então sofra como sofro, sofra como sofri
Sinta que nada no mundo pode te salvar
E tema o que eu temo, tema o que temi

Arrependa-se do vil crime que é amar

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Poema - Redescoberta

Aprendi a confiar nas correntezas
Aprendi a confiar nos ventos
Pois me resgataram dos cruéis céus cinzentos
E agora rumo a esplendorosas incertezas

Aprendi a não lutar contra a voraz maré por fim
Aprendi a não me segurar onde julguei ser seguro
Aprendi a não confiar num ideal tão imaturo
Para não me afogar novamente num mar de nanquim

Enquanto a tempestade se extingue de minha alma
Meu olhar se maravilha com os infinitos horizontes
E um sentimento antigo em meu coração desperta

Em vastos campos verdes, em rios de água calma
Com minhas mãos firmes, ergo mil e uma pontes
Novas estradas para a minha nova redescoberta

sábado, 10 de junho de 2017

terça-feira, 21 de março de 2017

Anúncio 51

Consegui me mudar e agora tenho internet (por mais meh que ela seja).
As postagens voltarão ao normal em breve (espero).
Até logo!

segunda-feira, 13 de março de 2017

Anúncio 50

É o 50º anúncio. UHUUUUL!
Mas falando sério, tenho que me desculpar pela falta de postagens nessa semana. Eu estava animado para continuar o "Descanse em Paz", porém, está difícil arrumar tempo e foco ultimamente. Muitas coisas acontecendo na minha vida, incluindo uma faculdade pra começar daqui a uma semana e uma mudança pra daqui a uns poucos dias. Juro que quando eu tiver tempo eu voltarei pro conto. Estou agoniado para escrevê-lo, mas agora não é a a hora.
Espero que compreendam.
Até logo.

segunda-feira, 6 de março de 2017

Anúncio 49

Já foi "Os Viajantes", aí virou "Uma Falsa Esperança" e agora é "Descanse em Paz". Fazia tempo que eu ficava tão em dúvida em relação ao nome de uma história. Não acho que devo alterar de novo, mas nunca se sabe. O que realmente importa é: Não pretendo escrever mais nada até acabar esse conto. Exato, vou me focar por completa nessa coisa. Tô tão meticuloso que toda hora reescrevo alguma coisa (é bom reler as partes anteriores, principalmente a segunda, devido às alterações).
Bem, por hoje é isso. Em breve terei mais uma parte do "Descanse em paz". Aguardem!
Até mais!

sábado, 4 de março de 2017

Descanse em Paz - Parte 2

O caminho foi menos que agradável, tornando-se gradualmente mais agonizante a cada passo dado em direção à vila. O ar venenoso parecia ceifar a vida de tudo o que lá vivia. Árvores enegrecidas eram deixadas como carcaças, exibindo seus esqueléticos galhos retorcidos como adornos para a trilha. O grasnar dos corvos soava distante, aconselhando inutilmente os viajantes a deixarem aquele local amaldiçoado. A sufocante atmosfera ficava cada vez mais densa, pesando sobre seus ombros cansados. As rajadas gélidas de ar os açoitavam sempre que baixavam a guarda, atravessando tecido e carne sem esforço, golpeando seus ossos com cada sopro.
Aquele sofrimento, entretanto, não era o pior que poderia acontecer. Rick e Liza bem sabiam disso. Com o tempo souberam apreciar aquelas situações, abrir um largo sorriso diante de um desafio verdadeiro, saborear a adrenalina proporcionada pelo medo e, até mesmo, pela dor.
Era quase engraçado como estar mais próximo da morte podia fazer alguém apreciar melhor a vida. E era pensando assim que, ao chegarem ao vilarejo, os dois sentiram uma melancolia sem fim dilacerando seus espíritos.
A vila estava pior do que morta. Ela respirava, porém, não mais ansiava por viver. O vento não soprava. As crianças não brincavam. Os cachorros não latiam. Os homens não trabalhavam. As senhoras não tagarelavam. Tudo estava inerte. Tudo estava cinza.
E eu achava que nossa cidade era parada... Murmurou Liza. Seus olhos corriam de um canto para o outro, viajando nervosamente pela cena, tentando encontrar algo que não transbordasse tristeza. Algo me diz que não vamos encontrar muita hospitalidade por aqui...
Se isso significar não ter que enfrentar hostilidades, não vejo problemas... Rick disse num tom áspero, claramente desconfortável com o ambiente. Quanto menos tempo passarmos aqui, melhor pra nós...
Verdade... Ela concordou pensativa. Vamos tentar procurar alguém pra nos dar informação...? Perguntou após alguns segundos. Se bem que parece difícil...
Sim... Acho mais provável sermos puxados até o demônio que estamos procurando...
E foi praticamente aquilo que aconteceu. Uma aura sombria ardia intensamente no meio da vila, algo muito diferente da monotonia enlouquecedora que via ao seu redor. Rick sentia a intensidade do calor aumentando a cada passo seu dado na direção certa. Seu coração acelerou. Zumbidos começaram a chegar seus ouvidos. Vagarosamente, foram se tornando mais claros, compreensíveis como um enigma que se resolvia sozinho.
Rick... Liza o chamou.
Ele pediu silêncio. Suspiros chegavam até seus ouvidos. Era como se não quisessem ser descobertos pela pessoa errada. Rick se manteve calmo, atento para o que diziam. Uns pareciam chorar, arrependidos por algo que não fizeram. Alguns aconselhavam que ele fugisse, deixasse o vilarejo o quanto antes. Outros pediam desesperadamente por ajuda, implorando por uma paz que lhes foi negada. E mais e mais vinham até seu ouviente.  
Rick. Liza soava nervosa.
O homem nem sequer pôde ouvir a companheira. Sua pobre voz se perdeu entre as tantas que clamavam pela atenção de Rick. E elas estavam mais altas. Estavam mais inquietas. E eram cada vez mais delas. Tantas que já não eram mais nítidas. Um caos sonoro foi o que resultou daquilo, engolindo seu ouvinte, arrastando-o para um abismo escuro. Eram gritos. Choros. Urros. Até mesmo risadas. Nem mais sabia dizer que idioma falavam. Tudo o que sabia era que não mais enxergava. Não mais andava pelo vilarejo cinza de antes. Nem mais sentia o chão sob seus pés.
Rick! Liza berrou.
Um ato em vão. O grito da jovem foi impedido de chegar até os ouvidos Rick. Aquelas incontáveis vozes angustiadas não gostavam de compartilhar. Afinal, o ouvinte era deles. E somente deles. Querendo ou não, seu escolhido ouviria tudo o que tinham que dizer. Ouviria suas mágoas. Suas aflições. Seus desejos nunca realizados. Tudo isso enquanto roubavam suas forças, pouco a pouco, palavra a palavra, materializando o inferno diante dos seus olhos, preenchendo as trevas com luzes espectrais, observando a revelação das centenas de seres amorfos que o assombravam, trazendo o sopro da morte que o fazia se curvar.
Por fim, lentamente, tentáculos negros começaram a surgir. Abrindo buracos no próprio ar, os membros asquerosos serpenteavam até sua presa. Rick apenas permaneceu lá, paralisado pela aura sombria, observando atônito o que não sabia se era um demônio avançando ou, então, a própria insanidade clamando por sua alma.
Então, tudo acabou abruptamente.
Um tapa. Apenas um. Foi o suficiente para trazer Rick de volta à realidade.
As vozes foram cessando até que não mais pudessem ser ouvidas. Sua visão foi clareando, tornando-se menos turva a cada segundo que passava, até que pudesse ver Liza bem em sua frente.
Rick fitou o rosto da companheira. Ela estava pálida, ofegante após tanto gritar. Seus olhos então foram até a mão da amiga, ainda parada no ar. Ele podia sentir a bochecha formigando, quente após o tapa que levou.
O que aconteceu, Rick...? Liza perguntou nitidamente preocupada. O que você viu...? O que você ouviu...?
Muitas vozes... Rick respondeu ainda lento. Muitos espíritos... E... Algo que não tenho certeza do que era...
A jovem suspirou um pouco aliviada. Seu coração batia acelerado em seu peito, é claro, mas era bom ouvir uma resposta do parceiro. Rick, por sua vez, pensou em agradecer pelo resgate, apesar do tapa em sua cara, mas acabou não o fazendo. Sua visão, bem como sua atenção, foi pega pela paisagem que o cercava.
A terra cinza e as flores quase mortas já pareciam típicas do lugar. As lápides cobertas de musgo e os túmulos ornados com teias de aranha, no entanto, não eram.
Ótimo... Rick bufou. Agora entendia o porquê de tantas vozes melancólicas em sua cabeça. Como eu cheguei aqui...?
Você correu. Liza respondeu sem ânimo, cruzando os braços junto do corpo em seguida. Claramente não estava confortável após o que havia acontecido. Você estava fora de si... Só parou quando chegou aqui no cemitério... Aí... Você ficou aí, em pé, parado... Só faltou começar a espumar pela boca...
Entendo... Ele coçou o queixo, pensativo. Curioso...
O que foi...?
É só uma teoria, mas... Rick sentiu um calafrio percorrendo sua espinha ao pensar nos tentáculos de antes. Presumindo que eu vi o demônio que procuramos, mesmo que não em sua forma verdadeira... E pela quantidade de espíritos sem descanso... Creio que o nosso alvo pode usar essas almas como seus servos... Provavelmente almas ceifadas por ele mesmo...
Então... O demônio é um tipo de necromante...? Ela concluiu sem muita certeza. Pode não ser muito forte sozinho... Mas fica se escondendo atrás dos capangas... Que são vários... É isso?
É só uma teoria. Ele repetiu. Mas sinto estar certo... Seu olhar, então, começou a vagar pelos arredores. Não sei se o demônio vai estar escondido aqui, mas talvez possamos achar...
Não. Liza o interrompeu. Não aqui.
Por que tem tanta certeza...?
A jovem respondeu não com palavras, mas sim, apontando um dedo. Rick seguiu o indicador da parceira, levando seu olhar para fora do cemitério, num dos pontos mais altos da vila.
Ah... Rick soou um tanto quanto surpreso. Ali...
Com passos firmes, a dupla caminhou até saírem do cemitério. Seus olhos estavam fixos no que estava no fim da rua, bem no topo da colina.
A grande e solitária casa permanecia suprema. Sua mera aparência era o suficiente para manter os visitantes afastados. As paredes de madeira foram enegrecidas, desgastadas pelos anos. O telhado cinzento se desfazia, erodido pelas chuvas e ventos, pronto para ceder a qualquer momento. Do buraco onde uma vez existiu uma porta, as sombras absolutas pareciam rir de quem se aproximava.
Mas nada disso importava. A imaginação de curiosos pode criar ilusões, gerando pavor onde antes nada sobrenatural existia. Aquela poderia ser, sem dúvidas, uma casa abandonada qualquer. Suas histórias de terror não seriam nada mais que boatos e mentiras. Rick, entretanto, sentia a aura que o lugar emanava. Sentia ao ponto de ficar enjoado apenas de olhar na direção da velha construção. Sabia muito bem que a história de terror já havia começado a ser contada.
Se você acha que estiver bem... Liza começou, mantendo seu tempo preocupado de antes. Podemos ir. Caso contrário, podemos esperar mais um pouco...
Eu estou bem. Rick disse com firmeza, apesar de não acreditar nas próprias palavras. Ele abriu um sorriso então, tentando tranquilizar a parceira. Vamos?

Liza assentiu, sem hesitar, retribuindo o sorriso em seguida. Porém, seu rosto logo se fechou. A cada passo dado em direção à maldita casa, a jovem podia sentir um aperto cada vez mais forte em seu coração. Algo dentro dela simplesmente sabia que um deles não sobreviveria à noite.

Descanse em Paz - Parte 1

Descanse em Paz


O vento soprava calmamente naquele outono. O aroma de flores e frutas silvestres perfumava tudo o que tocavam. O canto dos pássaros se juntava ao som dos rios apressados para criar uma sinfonia sem igual. As folhas secas da estação eram levadas através dos céus, viajando sem destino certo entre as árvores, subindo morros e descendo vales, tingindo com tons alaranjados os ares de cada colina. Um belo pôr do sol era o que faltava para finalizar aquela obra prima da Mãe Natureza.
Porém, nem todo canto daquelas terras parecia ter sido agraciado com aquela bênção.
Viajando pelas estradas da região, siga para onde não se deva ir e logo perceberá a maldição. Você poderá ver a paisagem mudando pouco a pouco. As terras perdendo sua cor. As árvores se tornando mais secas. O ar deixando de lado sua fragrância. O canto das aves sendo substituído pelo silêncio. O calor da floresta deixando de existir. A vida sendo envenenada lentamente.
E no epicentro da toxicidade, estava a Colina da Esperança, lar de um vilarejo afastado do resto do mundo, lar de um lugar dito como amaldiçoado.
Sob a sombra da colina, um carro solitário parou. De lá, um homem e uma mulher desceram sem pressa, alongando-se após a longa viagem. Eram jovens os dois, porém, com um aspecto sério que os envelhecia. Suas roupas eram relativamente simples, preparados para o frio da região e para as caminhadas que fariam.
Á primeira vista, a dupla parecia um casal de amantes da natureza, aproveitando suas férias para escapar das grandes cidades, mergulhando na natureza para se livrarem de seus estresses rotineiros. Entretanto, não estavam viajando a lazer. Tinham trabalho a fazer naquelas bandas.
Que lugarzinho, hein...? Foi o que Rick murmurou enquanto tentava encontrar o sol naquele céu. Sem sucesso, bufou. É cada canto que a Ordem nos manda...
É... Liza soou desinteressada, olhando para a tela do celular. Droga... Grunhiu após alguns segundos. Sem sinal, como sempre...
Nem sei por que você ainda tenta...
Ela deu de ombros
Nem eu. A jovem guardou o aparelho no bolso. Já virou costume. É quase um ritual para começo de trabalho. Ainda estamos vivos mesmo depois de tanta coisa, então... Talvez esteja nos dando sorte. Não acha...?
Rick a fitou, mas nada disse. Seus olhos rapidamente se dirigiram para o caminho que tinham que seguir.
A velha escadaria de pedras parecia ser o único caminho viável para chegarem à vila. Seus degraus cinzentos foram desgastados pelo uso em épocas passadas. Agora, frios e cobertos de limo, a história era diferente. Eles carregavam a energia dos que conseguiram fugir do lugar maldito, as trevas que transbordavam em forma de ódio e medo. E o enjoo explícito no semblante de Rick mostrava que ele sentia aquilo como poucos.
O caso da vez vai ser mais pesado que os últimos... A voz de Liza tirou o companheiro de seu transe. Suas palavras preocupadas emanavam uma doçura reconfortante. Mas tenho certeza que nos sairemos bem.
Hm... Rick se manteve um silêncio por breves momentos, tentando encontrar as palavras. É. Acho que sim... Foi tudo o que saiu de seus lábios. Ele bufou, cruzando os braços sobre o peito em seguida, visivelmente desconfortável. Eu quase posso ouvir os gritos, Liza... Quase posso sentir a dor, o desespero desse lugar... E ainda sinto que estamos longe, muito longe do que causa todo esse caos...
Ótimo. Sua companheira soou animada. Talvez a gente consiga uma recompensa boa dessa vez, algo que vala o esforço...
Rick não pôde conter um sorriso. Mais uma vez o jeito brincalhão da parceira mantinha o pouco otimismo que tinha vivo. Sua preocupação, entretanto, continuava lá, escondida de todos que o cercavam.
Vamos então. Liza disse ansiosa. Sem enrolação.

Vamos... Rick concordou tentando não pensar no que enfrentariam. Vamos antes que eu mude de ideia...

domingo, 26 de fevereiro de 2017

Os Viajantes (Teaser)

Os Viajantes


As folhas secas do meio do outono eram arrastadas através dos céus os céus. Os ventos sopravam fortes naquele sombrio fim de tarde. Era como se a colina uivasse imponente, anunciando a chegada dos desconhecidos, recebendo-os com um sorriso macabro.
Sob sua sombra, um carro solitário parou. De lá, um homem e uma mulher desceram. Eram jovens os dois. Suas roupas eram relativamente simples, suficientemente preparados para o frio. Pareciam que estavam juntos, de férias, fazendo uma trilha, cercados pela natureza, prontos para se livrarem da tensão de suas rotinas maçantes.
O problema, porém, era o motivo da pequena aventura; não se tratava de lazer, mas sim, trabalho. A seriedade no rosto do casal era a preocupação pelo o que estava por vir.
Que lugarzinho, hein...? Murmurou Rick enquanto tentava encontrar o sol sem sucesso. É cada canto que a Ordem nos manda...
É... Liza suspirou enquanto olhava para a tela do celular. Sem sinal, como sempre.
Nem sei por que você ainda tenta...
Nem eu. Acho que já virou um ritual pra começo de trabalho. Pra dar sorte, sabe...? Ela guardou o aparelho no bolso. Ainda estamos vivos, então acho que está funcionando.
Rick a fitou, mas nada disse. Seus olhos rapidamente se dirigiram para a velha escadaria de pedras logo adiante. Os degraus de rocha cinzenta pareciam haver sido fincados sobre a grama há séculos, seguindo as curvas da terra com harmonia. Aquele deveria ser o único caminho viável para chegarem ao seu destino, além de ser bem prático para uma subida íngreme. Porém, algo parecia atormentar o homem.
O caso da vez vai ser mais pesado que os últimos... A voz reconfortante de Liza tirou o companheiro de seu transe. Não acha...
Hm... Rick hesitou, tentando encontrar palavras. É. Acho que sim... Ele bufou, cruzando os braços sobre o peito em seguida, visivelmente desconfortável. Eu quase posso ouvir os gritos... Quase posso sentir a dor desse lugar... E ainda sinto que estamos longe do epicentro do caos...
Ótimo. Sua companheira soou animada. Talvez a gente consiga uma recompensa boa dessa vez.
Rick não pôde conter um sorriso. Liza retribuiu o gesto com um soco de leve no ombro do parceiro.
Vamos então. Ela disse com firmeza. Sem enrolação.
Ele assentiu. E assim os dois começaram a subida.

O bom humor, entretanto, teria um fim precoce. A aflição não tardou para roubar-lhes os sorrisos dos rostos.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Mundo Cinza

Mundo Cinza


Um. Dois. Três socos. O último arremessou as costas de Otto contra a parede. Com as forças exauridas, o corpo do jovem foi cedendo, escorregando lentamente até que estivesse sentado no chão. Um riso, então, escapou de seus lábios.
O que é tão engraçado assim? Indagou, exausto, seu agressor. É engraçado sentir dor, hein?
É... Respondeu com um sorriso ainda estampado no rosto. Até que é... Ele pareceu calcular suas palavras. É bom... Sentir dor é bom... Depois de tanto tempo...
Os olhos de Otto fitaram a silhueta forte e a tensão no rosto do então colega de classe Miguel. Ele jurava que, se esforçando um pouco, poderia ouvir os batimentos cardíacos do grandalhão mesmo àquela distância.
Não tinha ideia que você era louco a esse ponto... Miguel disse quase sem forças. Acho que ninguém sabia... Nem você mesmo...
Após as últimas palavras, o corpo de Miguel pareceu desabar, caindo sentado em frente ao velho companheiro.
Talvez seja melhor ser louco assim... Otto retrucou sem muito ânimo. Talvez seja melhor ser assim como eu do que assim como você... Do que ser como os outros...
Do que ser como os outros. Repetiu as palavras como se tentasse decifrá-las. Do que ser como...? Ser uma pessoa civilizada não serve para você...? Só tem graça se for  a porra de um assassino que nem você...!?
Os olhos de Otto agora viajaram para mais longe, pelo menos uma centena de metros além de onde Miguel estava. Lá, o laranja intenso das chamas consumia o campus da faculdade, ardendo majestosamente contra o céu noturno.
É uma bela vista, né? Foi tudo o que saiu de sua boca.
Miguel pareceu aturdido pelas palavras. Ele não conseguia acreditar no que tinha ouvido. A serenidade no rosto do colega era, no mínimo, desumana para tal situação.
Como ficou assim...? Miguel perguntou após um instante de reflexão. Como você chegou a esse ponto...?
Eu cansei. Otto respondeu com simplicidade.
Cansou...? Hesitou. Você... Cansou?
É. Cansei.
Cansou do quê!? Seu tom se tornou mais violento. Cansou da vida!?
Cansei dessa vida...
Explique.
Cansei dessa vida de gado, meu amigo. Disse Otto com tranquilidade invejável. Cansei de ser criado pro abate. Cansei de vagar nesse mundo sem cor, sem sentimento. Cansei dessa seleção artificial. Cansei de ser mantido vivo só pra pagar impostos. Cansei dessa merda toda...
Sei... Miguel pareceu pensativo por um segundo. E a solução lógica era tacar fogo em tudo...?
Dependendo do ponto de vista... É. È sim. Seu olhar, então, pareceu focalizar no nada. Mas não acho que você entenderia.
Acho que nisso você está certo.
Porém... Ele chamou a atenção de Miguel. Eu tenho que te fazer uma pergunta...
Faça então...
Qual foi a última vez que você se sentiu assim?
Assim como...?
Não finja que não sabe do que estou falando...
Um momento de silêncio.
Af... Otto suspirou. Assim, do jeito que você está. Sentindo a adrenalina no seu corpo. Sentindo o sangue pulsando mais rápido em suas veias. Sentindo um medo genuíno. Sentindo uma raiva absoluta. Sentindo vida...
Outro momento de silêncio.
Você quer dizer que fez tudo aquilo pra se sentir bem...? Indagou Miguel.
Mais do que bem. Respondeu com firmeza. Sentido-se vivo de fato. Dando valor à vida por causa da real ameaça da morte, da assustadora incerteza do amanhã...
E por que tirar tantas vidas...?
Porque elas estavam sendo mal utilizadas. E porque o sacrifício delas fará com que os sobreviventes valorizem tal dádiva. Ele deixou escapar uma risada nervosa. Eu até tinha me esquecido como era realmente viver... Bom que eu me lembrei de como é isso no meu último dia nesse mundo cinza.
Eu não vou te matar. Miguel disse prontamente. Eu só queria te parar... Queria tentar entender o porquê daquilo que você fez... Eu nunca...
Nunca disse que você me mataria. Otto o interrompeu. Disse?
Sem pressa, ele retirou uma pistola de um bolso, uma arma que nunca fez questão de sacar durante a luta com o colega.

Sem hesitar, Otto apontou a arma contra a própria têmpora. Miguel nada  pode fazer a não ser observar o amigo fazer a última vítima daquela noite.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Anúncio 48

O capítulo 2 do Alma Negra está para sair. Tive que fazer umas mudanças (quem leu o teaser e depois o incompleto sabe do que eu tô falando). Foi para melhor. Certeza.
Fiquem tranquilos!
Até logo!

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Anúncio 47

Mais de uma semana sem postar nada... Acontece.
Sobre o "Alma Negra": eu ia deixar a história em hiato, escrever algo não relacionado e voltar nela depois. Acontece que todas as ideias que eu estou tendo são para o "Alma Negra" ou pra alguma história nova do mesmo universo. Então, né... Acho que vou acabar continuando o "Alma Negra". É o destino suponho.
Próxima postagem vai ser o segundo capítulo da história. Podem me cobrar.
Até mais.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Anúncio 46

Duas coisas:
Primeiro: "Coração Negro" foi rebatizado de "Alma Negra". Mudei o nome porque preferi a sonoridade.
Segundo (e último): eu acabei de reescrever praticamente tudo, mas mantendo a mesma história. E acrescentando mais duas páginas. E melhorando tudo. Considerem isso como o remastered do capítulo. Então, né. Releiam. É bom reler.
Por hoje é isso.
Até mais!

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Alma Negra, Capítulo 1

Capítulo 1



O espetáculo estava prestes a começar.
Como de costume, o bar estava lotado. Dezenas de homens e mulheres, todos tão animados quanto barulhentos, compunham a plateia da noite. De suas bocas vinha o coro caótico de suas vozes que preenchia o ar. De suas canecas, a cerveja que caia e encharcava o chão. De seus bolsos, o dinheiro que se esgotava com as últimas apostas.
No centro da multidão, um espaço vazio onda todos evitavam pisar. Ali, desenhado com o que parecia ser tinta barata no chão de madeira, estava o grande círculo branco que delimitava a arena. O palco era para ser provisório, porém, ninguém reclamava dele. Aliás, parecia ser o contrário: a plateia curtia a emoção.
Urros e gritos logo saudariam a chegada dos gladiadores para o combate. Todos ansiavam por sangue, erguendo suas canecas, clamando pela luta. Havia somente uma exceção.
Whiskey era como o chamavam. Era o dono do bar. Carismático quando queria. Frio quando precisava. Eram essas duas qualidades em especial que pareciam ser o segredo de seu sucesso, mantendo seu adorado estabelecimento funcionando mesmo nos mais difíceis dos tempos, superando o que mais pareciam ser maldições em dados momentos. Era por essas e outras que aquele homem franzino se sentia invencível atrás do seu balcão, um orgulhoso soberano em seu castelo, um ser cuja autoconfiança era mais que invejável.
Mas não naquela noite.
Daquela vez, Whiskey estava diferente. Seu rosto carregava uma preocupação que não mais conseguia esconder. Suas mãos inquietas tateavam nervosamente a superfície de seu balcão, seus dedos batendo em teclas de piano que ali não estavam. Sua respiração pesada parecia incomodada com o próprio ar, quase como se fosse alérgico ao que respirava. Pequenos fios de suor escorriam por sua barba, descendo lentamente por entre os espessos fios grisalhos, chegando até seu queixo pontiagudo para então caírem as gotas sobre a madeira do chão.
E a cena se repetia em looping. Tudo isso devido a um mau pressentimento.
Era algo que fazia o homem se sentir enjoado. Um perigo iminente. Um medo irracional. Uma presença que havia entrado no bar há poucos minutos, misturando-se ao mar de pessoas, tirando sua paz em um mísero segundo, roubando-lhe a sanidade pouco a pouco.
Através das lentes dos óculos, os olhos de Whiskey procuravam por alguém. Exasperado, seu olhar quicava de um canto para o outro do bar numa busca que parecia infrutífera, afinal, não sabia por quem procurar. Nem mesmo sabia como era a pessoa. Não sabia se era homem ou mulher, alto ou baixo, gordo ou magro. Nem mesmo sabia se conhecia a pessoa. Poderia ser alguém do passado, algum inimigo que tinha feito anos atrás? Era bem possível. Mas quem? O dono de bar havia feito inimizades por sua vida. Poderia fazer uma lista. Mas não o faria. Não conseguia pensar direito naquele estado de agitação. Persistir em seu plano atual era a melhor coisa que poderia fazer.
Tal busca, porém, teria que fazer uma pausa brusca.
O coração de Whiskey disparou. Desarmônicas, dezenas de vozes gritaram exaltadas, estremecendo o bar, anunciando a chegada dos combatentes.
Ah é... O dono do bar soltou o riso nervoso.
Ele quase havia se esquecido do porquê da multidão ter se reunido em seu bar.
Whiskey queria ter se tranquilizado, ter entrado no clima para o espetáculo. Mas não o fez. Simplesmente não conseguia. A paranoia bagunçava sua mente, fazendo-o imaginar coisas que não queria. O pensamento de que algo poderia surgir a qualquer momento, arrombando a porta da frente ou quebrando o teto acima de sua cabeça, avançando com membros como tentáculos e dentes como lâminas, rindo enquanto rasgava sua pele, parecia não ser possível de ser afastado.
Mas Whiskey tentou mesmo assim. Com ajuda etílica, isso é. Ele agarrou a garrafa mais próxima de si, pegou um copo qualquer e se serviu. Então, engoliu o líquido tão rápido que nem sentiu o gosto. Apenas um leve ardor no fundo da garganta era a prova que havia álcool na bebida.
Ulrich! Um pequeno grupo começou a gritar com vigor. Cada sílaba era bem enunciada por vez conforme ensaiado. Ulrich! Ulrich! Outros se juntaram ao coro mesmo sem nem saber o porquê. Ulrich! Ulrich! Ulrich!
Em pouco tempo, mais da metade do bar torcia naturalmente pelo lutador.
Não é para menos... Whiskey murmurou para si, sem surpresa, enquanto lavava seu copo. Seus olhos estavam fixos em um lutador. Chegou a hora...
No centro da arena, um homem saudava sua torcida. Era mais alto que qualquer um lá. Mais forte também. Não vestia nada fora um par de calças jeans surrados. No peito nu, os pelos claros e músculos bem definidos estavam expostos para todos verem. Sua face carregava uma densa barba loira e dois olhos azuis frios, cheios de determinação.
O gigante desejava que a luta começasse o quanto antes. Ele queria se divertir.
 Aquele ele era Ulrich Pele-de-Aço, conhecido também como o Viking. Era o defensor do líder de seu clã, Ivar Pele-de-Aço, seu primo, visto com o cérebro da família. Sempre que podia, o autoproclamado guerreiro resolvia seus problemas com a brutalidade. Valendo-se de seus punhos como armas, raramente matava, mas sempre deixava clara uma mensagem clara para seus inimigos. Afinal, ossos quebrados e hemorragias internas eram bons lembretes para não se oporem ao seu clã.  
Diante de Ulrich, estavam outros três homens. Não pareciam intimidados pelo gigante diante deles. O da esquerda usava uma bandana preta na cabeça. O do meio tinha uma corrente dourada no pescoço. O da direita usava brinco cor de prata. Generalizando, eram todos bandidos comuns, todos mal encarados e cobertos de tatuagens. Eram notadamente fortes fisicamente, é claro, mas não passavam de um bando de brutamontes. Não brigavam com técnica. Não eram lutadores ao nível do Vinking.
Obviamente o trio não era uma ameaça aos olhos do gigante. Mas eles estavam certos de que o fariam mudar de ideia, fariam ele se arrepender de ter sido orgulhoso ao ponto de aceitar lutar sozinho naquela noite.
Uma buzina foi tocada. A luta se iniciou. O desafiante de corrente avançou. Afoito, o homem mais rápido do grupo tinha certeza que teria o primeiro acerto do combate. Um soco seu faria o oponente perder sua pose de invencível. Ele faria Ulrich sentir se ajoelhar.
O chute do Viking em seu peito, entretanto, trouxe o lutador de volta à realidade.
Atravessando os ares, o homem de corrente pôde se arrepender de sua investida impulsiva. Nem sabia ao certo quanto tempo havia se passado. Mas via os olhares da multidão vidrados em seu corpo, contemplando seu fracasso. Quando suas costas acertaram o chão, o público urrou com sua eliminação.
O homem nem reclamou da dor. Apenas permaneceu ali, imóvel, pensando no que fazer em seguida, imaginando se valeria a pena se levantar.
Aquela cena, porém, teve um impacto maior ainda em seus parceiros. A dupla engoliu em seco. Trocaram olhares nervosos então, tentando formar uma estratégia às pressas, sem que o oponente os escutasse.
Se vocês não vêm até mim... Ulrich começou a falar. Sua voz grave ecoava pelo bar, deixando os dois desafiantes ainda mais inquietos. Eu vou até vocês...
Com passos pesados, o Viking começou a avançar. Sua torcida vibrava com cada passo dado, continuando a entoar seu nome, fazendo com que o bar tremesse. Então, o nervosismo dos desafiantes chegou ao limite.
Cada um seguiu por um lado. O de bandana pela esquerda. O de brinco pela direita. Não estavam pensando. Não havia coordenação entre os dois. Contavam apenas com seus instintos. Iriam flanquear o adversário. Era isso. Torciam silenciosamente para que seus ataques funcionassem.
O lutador de brinco foi o mais rápido. Por questão de milésimos, seu soco foi desferido antes que o do companheiro. O Viking teve tempo de sobra para agir.
Com facilidade, ele bloqueou o ataque. Seu antebraço foi contra o do adversário, surpreendendo-o com sua velocidade, virando-se bem a tempo de segurar o punho do outro combatente com a mão livre.
Os olhos da dupla se arrepelaram. A multidão vibrou em resposta. O tempo, então, pareceu desacelerar para os desafiantes.
Com calma, os dois desgraçados puderem se arrepender de terem entrado na luta.
O braço direito de Ulrich avançou contra o abdômen do homem de bandana. Seu punho arrancou o ar dos pulmões do adversário, forçando-o a se curvar, tomado pela dor. O mesmo braço atacou para trás então. Rápido como um bote de uma cobra, seu cotovelo atingiu em cheio a face do lutador de brinco.
Atordoado pelo golpe no semblante, o combatente nem viu a mão do Viking afundando seu companheiro contra o chão duro. A próxima cena que viu foi Ulrich, com um sorriso no rosto, arrastando o lutador praticamente nocauteado pelo piso frio, erguendo-o para o alto pela cabeça.
A face do homem de brinco foi tomada pelo terror ao ver o amigo, no ar, sendo balançado como um porrete. Ele nem teve como reagir à cena. Permaneceu ali, petrificado, até o pé do amigo o acertar no queixo com a força de um martelo, derrubando-o sem esforço.
A torcida delirava. Até aqueles que torciam para o trio agora gritavam por Ulrich. Nem se importavam com o dinheiro perdido nas apostas. Pelo menos, não se lembravam daquele detalhe no momento de euforia. O show com o qual estavam sendo presenteados era tudo o que importava no momento.
Ulrich se livrou de sua arma, jogando o homem de bandana com força contra o chão. O baque surdo de suas costas contra o piso de madeira estremeceu a arena. Agora não mais se levantaria.
O Viking, então, andou até o desafiante remanescente.
Levante-se! Ele ordenou o homem de brinco, olhando para as dezenas de espectadores com deleite. Você ainda pode lutar... Ainda pode entreter essa multidão!
A plateia gritou animada. Suas vozes repetiram o nome de Ulrich quase como se estivessem hipnotizados. E o Viking adorava aquilo.
Porém, um urro veio para quebrar a harmonia.
Todos os olhares se voltaram para um homem. O infeliz correu para dentro da arena com uma cadeira em mãos. Com seu grito de guerra correndo para fora de seus pulmões, ele atacou Ulrich.
Foi uma tentativa patética, completamente em vão.
Ulrich segurou a cadeira com apenas uma mão, impedindo o golpe sem problemas. Ele, então, olhou fixamente para a corrente dourada em volta do pescoço do inimigo. Seus olhos arderam com ódio.
Você foi eliminado... Ulrich rosnou como um animal. Foi eliminado e você deveria ter aceitado a derrota com dignidade! Com um puxão brusco, ele arrancou a cadeira das mãos do adversário. Não deveria ter voltado para arena! Rugiu. E não deveria ter me atrapalhado!
Com um brado, o guerreiro atacou.
Instintivamente, o homem de corrente se defendeu. Levou as mãos para cima da cabeça e esperou aguentar a dor.
Mas aquilo de nada adiantou. A cadeira atingiu o combatente, destroçando-a com o impacto. Como fragmentos de uma granada, lascas de madeira foram lançadas para todos os lados.
E no fim, no centro da arena, um segundo desafiante caia desacordado perante uma multidão eufórica.
E agora, apenas um sobrava.
O desafiante remanescente levantou com certa dificuldade. Suas pernas estavam bambas, como se estivesse embriagado. Parte de si não queria nem ter se mexido, mas algo parecia ter forçado o homem a ficar de pé, encarando o Viking mesmo ofegante.
Não tem como você vencer... Ulrich afirmou num tom solene, cruzando os braços na frente do peito. Mas você ainda pode ser derrotado como um guerreiro... Perder a luta... Mas manter a honra... O que me diz? Ele estendeu as mãos na direção do oponente, convidando-o para chegar mais perto. Vai me enfrentar sem medo?
O Viking nem precisou perguntar uma segunda vez. Seu desafiante esboçou um sorriso, respirou fundo e, então, virou de costas o mais rápido que pôde e correu.
E o sujeito teria escapado. Ele teria muito bem fugido pela porta da frente. Ele teria ignorado as vaias da multidão. Ele teria corrido com os próprios pés descalços até que não mais pudesse ser visto. Não se importava com a droga da honra que Ulrich havia falado. Só queria sair de lá inteiro. Mas não o deixaram.
Nenhum homem. Nenhuma mulher. Ninguém hesitou em segurar o fugitivo. Uma barreira humana logo se formou. A multidão já queria ouvir o som de ossos sendo quebrados antes. Agora, as sádicas bestas queriam também sentir o desespero do covarde que tentou fugir.
O combatente foi empurrado de volta para a arena por mais mãos do que conseguiria contar. Sem equilíbrio, ele cambaleou para trás. Não caiu apenas por ter sido segurado no último instante. Porém, já sabia que não poderia comemorar.
 Antes que pudesse reagir, um braço já o puxava por debaixo do queixo. Ulrich não pretendia pegar leve. E não iria. Sua força logo estava esmagando o pescoço de seu oponente. O Viking quase podia sentir o temor atacando o corpo de sua vítima. Debatendo-se inutilmente, o combatente sentiu o ar dos pulmões sendo roubado a cada instante, sabendo que não voltaria. Seu desespero aumentava à medida que sua visão ficava turva, à medida que a realidade se distanciava de si. Até que, finalmente, tudo se escureceu.
Quando o homem parou de se mover, Ulrich o soltou sem cerimônias.
No mesmo segundo que o corpo inerte atingiu o solo, a multidão vibrou mais do que nunca. A agitação só aumentou quando o Viking rugiu. Seu grito de vitória foi repetido pelos fãs, estremecendo ainda mais o bar.
E aquela cena, por mais caótica que fosse, agradou o velho Whiskey. Afinal, tudo estava como deveria estar.
A visão o fez soltar um suspiro de alívio. O mau pressentimento de antes foi só alguma paranoia sem fundamentos, algo que seria melhor ser deixado de lado. Ele deveria se acalmar e aproveitar o sucesso de seu evento.
Ao avistar o gigante nórdico atravessando calmamente a multidão, o dono do bar logo tratou de arrumar o que o campeão beberia. Rapidamente, abriu o freezer e alcançou, bem no fundo, uma garrafa de cerveja, cujo nome parecia impronunciável, e a colocou em cima do balcão. Sem caneca. Ulrich não ligava para elas. Nem mesmo se importava se a bebida estivesse gelada. Mas Whiskey gostava de agradar aqueles que o ajudavam nos negócios.
Grande luta hoje. Ele sorriu para o Viking. É sempre ótimo ter você por aqui, grandalhão. Animando o lugar, trazendo mais pagantes pra te ver... Nunca vou me cansar disso.
Eu é que tenho que te agradecer. Disse Ulrich num tom satisfeito, ainda cercado por seus fãs e amigos de clã. Agradecer pela arena... Ele pegou a garrafa. E agradecer pela bebida de graça!
Mas é claro... O dono do bar soava despreocupado. Sempre um prazer te servir...
Ulrich não esperou nem mais um segundo para levar a garrafa à boca. Ele sentiu o refrescante líquido dourado escorrer para dentro de seu corpo, extinguindo sem pressa o calor que havia trazido da luta. No fim do primeiro gole, a cerveja já havia acabado, deixando para trás apenas uma carcaça de vidro ainda gelada.
Ao bater o vidro vazio no balcão, mais urros e aplausos eufóricos vieram dos fãs. Tudo parecia impressionar a bêbada e eufórica plateia. O Viking, então, apenas sorriu e fez reverências para seus admiradores, agradecendo-os novamente pelo carinho.
Realmente, você é impressionante, Ulrich... Disse alguém próximo num óbvio tom de gozação.
A voz falou baixo. Muitos pareciam não ter a escutado inclusive. Mas o Viking a ouviu. E Whiskey também. E isso era tudo o que importava para o estranho.
Ambos os homens voltaram seus olhares para a mesma direção. Logo ali, sentado num banco de madeira em frente ao balcão, estava o desconhecido. Com sapatos, calças, camisa e sobretudo pretos como piche, seu ar sombrio era fortalecido. No rosto, um toque de mistério. Uma máscara prateada cobria a metade superior do semblante, deixando somente os frios olhos castanhos à mostra. Na metade inferior, várias cicatrizes podiam ser vistas na pele pálida. Certamente uma história para outra ocasião.
Mas não estou aqui para puxar seu saco, meu caro... O sujeito continuou, lançando um olhar desinteressado para as pessoas que rodeavam o Viking. Você já tem gente de sobra pra fazer isso...
Dessa vez mais pessoas ouviram.  Alguns protestos vieram do grupo de Ulrich, mas o guerreiro logo estendeu sua mão pedindo calma para os amigos. Ele não estava evitando um confronto, apenas julgando o quanto iria querer aquilo. Deixaria o homem falar mais um pouco.
Eu não conheço você... Falou o Viking, intrigado com o desconhecido, ainda considerando o momento certo de atacar. Qual seu nome?
Me chamam de Alma Negra. O sujeito se apresentou sem muita empolgação. Em seguida, tomou um gole do que parecia ser suco de limão. Ulrich observou curioso. Nem sabia que vendiam aquilo no bar. Teria ele trazido de fora?   Sou um velho conhecido do dono daqui, sabe?
Whiskey... O Viking soou curioso, erguendo uma sobrancelha. Você conhece esse...?
Quando seus olhos fitaram o rosto do amigo, Ulrich emudeceu.
Whiskey estava doentiamente pálido. Seus olhos pareciam sem vida, olhando fixamente para o fantasma do passado. Sua boca aberta tremia como se quisesse falar algo que não conseguia, como se não encontrasse forças para isso.
O que você fez com ele...? Ulrich perguntou secamente para o Alma Negra. Seu olhar estava preenchido pela ira. Responda!
Eu...? A voz do sujeito soou como se a pergunta não fosse para ele. Nada... Então olhou fixamente para o dono do bar. Acho que nosso amigo aqui só está tendo um pequeno flashback... Ele soltou um riso baixo. Ah... Doces memórias, não é mesmo, Whiskey...?
As mãos de Ulrich correram até a gola da camisa do Alma Negra. Ele nem teve reação. Quando percebeu, já estava sendo erguido no ar, sem conseguir tocar o chão, com uma multidão ruidosa como música de fundo.
Você não é normal... O Viking afirmou enquanto fuzilava o sujeito com seus olhos. Sua raiva só aumentava com a tranquilidade no olhar do desgraçado, completamente despreocupado com a situação que se encontrava. É mais um daqueles Malditos, não é!? Você é mais uma daquelas aberrações...!?
Não, e você? Falou como se fosse algo trivial, uma conversa que já fora repetida vezes demais É um deles?
Oi...? Após um momento de hesitação, foi apenas o que saiu dos lábios de Ulrich, ainda incerto das palavras que tinha acabado de ouvir. Repita o que você acabou de dizer...
Não... Bufou. Eu não sou um Maldito. O homem pendurado explicou suas palavras sem muita paciência. Não tenho nenhum poder especial. Nunca tive e duvido que eu vou ter. Nada de sobre humano em relação a minha pessoa... Com exceção do meu dom para a arte da comédia e do meu carisma inigualável, é claro... Um leve sorriso se abriu em seu rosto. E você...? O Alma Negra soou genuinamente intrigado. Você é um Maldito? Tem super força, super resistência...? Algo do gênero...? Ele tateou um dos antebraços musculosos do gigante. Porque parece ter, sabe...
Não... O Viking exibiu suas presas num sorriso. Alguns podem até me ver como um tipo de semideus, mas... Ele riu brevemente, sem perder seu ar ameaçador. Eu te garanto que sou completamente humano.
E eu achando que tinha que me aprimorar no campo da humildade... O sujeito murmurou. Mas sério...? Ele soou um tanto quanto surpreso. Sem super poderes? O nome Pele-de-Aço é armação? É só um nome legal pra panelinha de vocês?
Cuidado com essa língua... Ulrich ameaçou.
Isso é ótimo! O mascarado exclamou contente.
Agora foi a mão do Alma Negra que se moveu mais rápido que o inimigo. Para Ulrich, um borrão negro se movimentou no limite de seu campo de visão. Não conseguiu distinguir o que era. Só percebeu a gravidade da situação em que se encontrava ao sentir o toque gelado do metal em sua pele. Um calafrio veio em seguida.
Se você é só humano... O sujeito continuou. Uma bala é o suficiente...
Nem mais uma palavra. O Alma Negra puxou o gatilho de seu revólver. A bala voou, entrando logo atrás do queixo da vítima, cavando seu caminho para o alto até criar uma saída.
Fragmentos de ossos. Pedaços de pele. Farelos de massa cinzenta. Fios de cabelo. Uma borrifada de sangue. A miscelânea de ingredientes foi lançada para fora do crânio de Ulrich junto com a bala.
O bar se emudeceu. O corpo do Viking caiu sem vida. Seus olhos ainda arregalados estavam preenchidos pelo medo: marca do instante que percebeu que não era mais invencível.
Nem um segundo se passou, então, para que até os mais bêbados do bar reagissem ao ocorrido.
Muitos fugiram. É claro que fugiriam. Homens e mulheres dispararam para fora do bar como um rebanho de ovelhas fugindo de um lobo, gritando desesperados, descobrindo o quanto temiam a morte.
Porém, houve também uma reação completamente diferente da primeira. Haviam, afinal,  Peles-de-Aço no bar naquela noite. Amigos do recém falecido Ulrich foram ali assistir o espetáculo, beber algumas garrafas de cervejas e aproveitar a noite de folga.  Nenhum deles parecia feliz com o andamento da noite.
E assim, como num passe de mágica, um total de treze armas estavam apontadas para o Alma Negra.
Não se preocupem! O mascarado se apressou em dizer. Sei exatamente o que fazer numa situação dessas! Calmamente, ele colocou suas mãos atrás de sua cabeça e abriu um sorriso. Viram?
Mesmo com o relativo silêncio que se instaurou, não se podia dizer que o lugar havia morrido. A tensão no ar era palpável. Dedos tremiam em cima dos gatilhos, com receio do que o louco no centro do bar faria. As respirações pesadas e batimentos cardíacos acelerados eram os únicos sons ali feitos.
O nervosismo, porém, não afetava o Alma Negra. Ele o aproveitou o momento de paz para escanear a sala, fitando cada um dos treze atiradores e, principalmente, analisando friamente aquele que não empunhava uma arma.
Cabelos castanhos escuros. Pele clara. Porte físico forte. Terno cinza. Expressão séria no rosto. Sentado a uma mesa solitária, o homem contemplava a cena, tentando decidir o melhor momento para dar a ordem de execução.
Suponho que você seja o tal de Ivar... O Alma Negra disse com tranquilidade, ainda com suas mãos na nuca. Líder dos Peles-de-Aço e tal... Não é?
O próprio. Respondeu secamente.
Ótimo... O mascarado soou satisfeito. Então, eu achei quem procurava.
Outro momento de silêncio perturbador pareceu dominar o bar.
Muito bem... Ivar disse, após um momento de hesitação, mantendo o tom sério. E você precisava matar Ulrich para isso? Matar meu melhor homem... Sangue do meu sangue... Só para chamar minha atenção?
Precisar eu não precisava... O Alma Negra respondeu num tom casual. O plano A era perguntar pro grandão onde você estava, mas... Sabe como é... Botar uma bala na cabeça dele foi mais divertido na hora. Ele soltou uma breve risada nervosa. Desculpa, eu sou meio impulsivo de vez em quando...
Ah... O líder dos Peles-de-Aço cerrou os punhos. No momento, sua vontade era mandar seus homens abaixarem as armas para que ele mesmo pudesse vingar Ulrich, quebrando os ossos do desgraçado como o primo gostaria. Mas não podia. Pelo menos, não ainda. Não sabia se o sujeito tinha algum truque preparado ou, até, alguma utilidade vivo. Por fim, fez jus ao apelido de cérebro da família, mantendo a calma e continuando o diálogo. E por que isso? Por que matar tão sem motivo? Por que não seguir o tal plano A?
Mas eu tinha um motivo... O Alma Negra continuava tranquilo. A ameaça das armas apontadas para ele parecia não surtir efeito. Eu tinha que provar que ele era grande um idiota. Assim... Sério? Ele não conteve um breve riso de deboche. Aquele imbecil realmente achava que aqueles músculos todos o fariam à prova dechumbo ou algo do gênero? Não passava de um moleque estúpido, se você me perguntar... Infelizmente, ele não está vivo pra aproveitar a lição ensinada... Mas não tem problema! Sorriu. Vocês podem aprender a lição por ele! E, também... A morte de Ulrich serviu para me levar até você no fim das contas. Então... Digamos que o plano B foi um sucesso. A morte dele não foi em vão...
Mais silêncio. Mesmo longe, o Alma Negra pôde sentir a raiva de Ivar. Era como se sua ira esquentasse o próprio ar que respiravam.
Ulrich... O Pele-de-Aço tentou soar calmo. Era um bom homem. Um verdadeiro guerreiro nesses tempos sombrios e sem honras... Mas, realmente... Ele bufou. Ele não era à prova de balas. E ele sabia disso. Ele sabia que a morte viria... Nunca pensou em fugir dela. Estava decidido a aceitar seu fim lutando até o último momento.   Seu olhar fuzilou o Alma Negra. O mesmo não pode ser dito sobre você, seu vermezinho inescrupuloso... Você...!
Eu nunca disse que era um guerreiro.  Ele o cortou num tom sério, preparado, como se já previsse a última fala e tivesse uma resposta pronta. Nem um bom homem por muitos padrões. Mas eu sei que não sou à prova de balas. Eu sei que um dia eu vou morrer. É inevitável afinal. Todos os grandes homens e mulheres da História morreram. Porém... Todos conseguiram deixar sua marca antes de sua partida.  Portanto... O Alma Negra sorriu. Eu não tenho que ser à prova de balas... Só tenho que desviar delas por tempo o suficiente... Só até eu deixar a minha marca. Aí... Eu posso morrer em paz.
Ah... Ivar gargalhou. É uma bela meta.. Mas é uma que você não vai atingir... Ou acha mesmo que vai sobreviver a essa noite?
Algo me diz que sim.
Nem mais uma palavra. Um assovio estridente partiu dos lábios do mascarado. Então, o teto se quebrou.
Um vulto mergulhou na direção do Alma Negra. Aquele foi o estopim para o caos. Apenas um dedo nervoso puxando o gatilho foi necessário. Os Peles-de-Aço não hesitaram em se juntar o amigo. Seus disparos logo se tornaram inúmeros. Dezenas de balas cortavam o ar. Uma tempestade de metal estava se formando. Os atiradores pareciam tomados por um frenesi.
Porém, logo se viram forçados a parar. Nenhuma arma havia sido descarregada, mas nenhum Pele-de-Aço conseguiu fazer mais um disparo. Paralisados pelo temor, eles contemplaram a cena diante de seus olhos.
Todas as balas atiradas, cada uma delas, pareciam flutuar em éter. Inofensivas, elas rodeavam as duas pessoas no centro do caos controlado. Sereno, o Alma Negra sorria ao lado da recém chegada: uma mulher de cabelos roxos e roupas escuras surradas.
Viu? O homem com a máscara de prata riu. Eu te disse! Não é preciso ser imune a balas... É só não ser atingido por elas! Ele se virou para o lado, exibindo uma feição alegre para a companheira. Não é, amor?
Ela concordou com um simples sorriso e nem uma palavra.
Os Peles-de-Aço nem conseguiram olhar direito para a recém chegada. Não notaram suas roupas amassadas, escolhidas às pressas de seu cabide por estar atrasada para o bar. Não perceberam também a cara de sono, nem as olheiras, muito menos os cabelos desarrumados. Porém, notaram sua mão erguida e, com certeza, notaram o simples gesto que fizera. Um movimento delicado dos dedos, com graça e leveza, fez as balas derem meia-volta, sendo apontadas para quem as havia atirado.
O Alma Negra sorriu ao ver o desespero nos rostos dos atiradores. Simplesmente não sabiam como reagir àquela situação. Estavam simplesmente petrificados.
Já se divertiu, Ethan? A mulher perguntou para o Alma Negra. Posso terminar o show da noite?
Já, sim... Ele respondeu simplesmente, com um sorriso no rosto. Pode acabar com eles, Anna.
A mulher assentiu. Com um simples estralar de dedos, fez o que tinha que fazer.
As balas voaram. Ainda mais rápidas de que quando deixaram as armas. Os alvos nem ofereceram resistência. Sabiam que o fim era iminente. Lutar contra isso seria inútil. Fugir idem. Não tinham como enfrentar uma Maldita como aquela.
Em uma fração de segundos, treze corpos foram fuzilados. Todos caíram sem vida sobre o chão frio.
Bom trabalho, linda. O Alma Negra a elogiou, contente com o espetáculo. Agora... Para o prato principal...
Seus olhos correram pelo bar até chegar até Ivar. Quando chegaram até o Pele-de-Aço, o homem já havia começado a correr desesperado.
Que decepção... Foi tudo o que saiu dos lábios do mascarado.
O líder dos Peles-de-Aço, entretanto, não conseguiu ir muito longe. Outro gesto da mão de Anna bastou. Com isso, as pernas do fugitivo foram presas, prensadas uma contra a outra. Seu corpo, então, caiu para frente. Indefeso, sua face se chocou diretamente contra o piso de madeira.
Fácil demais... Anna murmurou, parecendo quase entediada.
O homem, em seguida, começou a ser puxado. Ele não sabia pelo quê. Mas nem parava para pensar nisso. Tudo o que fazia era gritar e se debater em vão, arranhando o chão com suas unhas sem conseguir se agarrar.
E assim, Ivar foi arrastado pelo chão encharcado de cerveja e sangue de seus subordinados mortos, sem pressa, quase como um pano esfarrapado para limpar o bar
Eu deixo a sua vida muito fácil... A mulher disse para o companheiro e, em seguida, bocejou. Não é, amor?
Não tenho motivos para reclamar. O Alma Negra admitiu soltando um breve riso. Melhor que isso só se eu tivesse telecinese...
Mas isso não vai acontecer... Ela retrucou num tom doce.
É... Ele bufou. Já me conformei...
Quando o corpo de Ivar chegou aos seus pés, o Alma Negra puxou o homem de terno para perto, forçando-o a se ajoelhar diante de si. Então, seus olhos frios encararam os do Pele-de-Aço, penetrando sua alma, rindo do pavor estampado em seu semblante.
Ivar, meu caro... O mascarado praticamente cantava as palavras de tanta felicidade. Temos muito o que conversar, bonitão...
E esse aqui, amor? Perguntou Anna com raiva em sua voz.
O Alma Negra se voltou na direção dela. No ar, Whiskey estava suspenso, ainda mais assustado do que antes. A cena fez o mascarado abrir um sorriso ainda mais largo.
Ah... O Alma Negra riu. Whiskey... Meu caro... O sujeito parecia pensar nas palavras certas. Não queria estragar o momento com a escolha errada. Acho que você já sofreu o bastante por essa noite. E também acho que vai ser mais divertido deixar você viver com medo... Com medo de que nós possamos voltar pra te atormentar quando nos quisermos, quando você menos esperar... Assim, talvez... Só talvez... você sofra que nem você nos fez sofrer... Ele passou um dedo lentamente sobre as cicatrizes do rosto, lembrando-se exatamente de como as conseguiu. Após alguns instantes nostálgicos, seu riso voltou a soar. Ai, ai... A morte seria um fim muito misericordioso para você, meu caro...
Acabou? Perguntou Anna. Sua companheira soava inquieta, para dizer o mínimo. Posso soltar-lo?
É... O Alma Negra considerou por um instante. Acabei. Pode soltar o traste.
Com a permissão, Anna moveu sua mão para baixo. Com isso, o corpo de Whiskey foi arremessado contra o chão, batendo a cabeça do homem contra o balcão de madeira. Ele não voltaria a se mover tão cedo.
Espero que você não tenha matado o desgraçado... O mascarado reclamou, mas mantendo um tom descontraído. Se não, praticamente tudo o que eu disse agora foi só um desperdício de saliva. E também... Ele parou. Seus olhos focaram em algo intocado em cima do balcão. Anna, meu amor?
Sim...? Ela ergueu uma sobrancelha.
Ali em cima... Ele apontou para um copo de vidro com um líquido verde claro. Minha bebida.. .Pode pegar pra mim? Por favor?
Claro, docinho... Anna não conseguiu conter um leve riso. Prontamente, ela apontou para o copo que logo começou a flutuar, guiando-o lentamente pelo ar até a mão do companheiro. Mais um uso super necessário dos meus super poderes...
Se eu tivesse telecinese, eu faria isso eu mesmo. O Alma Negra pegou o copo. Mas como não tenho... Ele deu um longo gole até beber o resto do suco. Eu me contento em te pedir com jeitinho e te agradecer no final, minha linda. Em seguida, jogou o vidro vazio para longe, deixando-o quebrar contra o chão de madeira. Não sou eu quem vai limpar mesmo... Murmurou num tom brincalhão e, então, apontou o revólver para a cabeça de Ivar. Por um momento, quase se esqueceu do Pele-de-Aço. Eu gostei de como você ficou quietinho agora, mas... Agora é hora de falar... Tudo bem, querido?
E... e o que você quer saber...? Ele indagou trêmulo. O que quer de mim...?
É bem simples... O mascarado sorriu. Eu preciso que você me devolva uma pessoa...