sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

The Godsbane, Capítulo 3

Capítulo 3


Com exceção do vento que parecia uivar, não ouve nenhum outro som naquela praça por um instante.
Sabe... A Necromante quebrou o silêncio, ainda ameaçando a vida de Damian e curtindo a tensão no ar como se apreciasse um bom vinho. Vocês podem tentar falar alguma coisa...
Claro... O Snowrealmer esboçou um sorriso. Mas eu me sentiria mais confortável sem essa coisa no meu pescoço.
E você acha que vou deixar o homem que maneja a Demonsbane à vontade? A estranha riu por debaixo de sua máscara de prata. Isso seria suicídio. Ela olhou na direção dos outros. Vocês, entretanto, também podem ser ameaças... Principalmente esse mascarado. Já ouvi falar de você, Dreadraven... Temos um amigo em comum...
Duvido que amigo seja a palavra que eu usaria para descrever aquele ser vil... O doutor disse sem ânimo.
E você tem certeza de quem eu estou falando?
Quem mais seria?
Verdade...
A Necromante olhou para o alto por um breve instante. Suas Aves Necrófagas ainda pairavam no céu acima de praça. Então, o som de algo pesado se chocando no chão próximo a ela, dando-a um leve susto.
Era a Demonsbane. Damian havia soltado sua espada.
Ficou cansado de segurá-la? A Necromante zombou. Podia ter me avisado antes...
Nada disso. O guerreiro respondeu de maneira ríspida. Só não tenho mais por que de ficar segurando a Demonsbane.
Como assim? Ela deixou escapar um riso baixo. Desistindo?
Você não pretende me matar. Ele retrucou. Não pretende matar nenhum de nós. Então não há por que te lutar com você... Não agora, pelo menos.
Ouve um momento de silêncio praticamente absoluto. Então, a Necromante, com um movimento rápido, tirou a lâmina de sua foice de perto da garganta de Damian.
O guerreiro tentou parecer calmo, mas teve que respirar aliviado por um instante. Ele se voltou para a Necromante e a encarou.
A estranha usava uma túnica verde escura, quase negra. Suas botas e manoplas de couro eram reforçadas por placas de metal, feitas de aço negro e prata, marcadas por inscrições rúnicas. Sua máscara cobria completamente o seu rosto com a imagem de uma face sem emoções, como a de uma estátua prateada. Sua foice, com o cabo de ébano apoiado no chão, era um pouco maior que ela mesma. A lâmina da arma parecia uma lua crescente, cinzenta como o céu daquela tarde, com um brilho esverdeado como as presas dos Lobos Necrófagos.
Até que você não é tão burro... A Necromante disse para Damian.
Viktor guardou suas espadas. Elise baixou as mãos, que pararam de brilhar. A espada de Dreadraven se desmaterializou, bem como a Demonsbane.
Se você quisesse ter nos matado, teria o feito sem hesitar. Disse o doutor. Poderia ter se utilizado dos Necrófagos ou mesmo de um ataque surpresa com a foice.
Então o quê? O Sandrealmer cruzou os braços. Veio conversar?
Um aviso? A sacerdotisa arriscou. Foi por isso que veio?
Eu vim limpar essa cidade. Afirmou a Necromante. Porém, o amigo de Dreadraven me avisou que vocês quatro viriam para cá. Avisou que poderiam ser um problema...
Limpar a cidade? Indagou Elise, confusa. Como assim?
É bem simples... Ela começou a explicar. O meu contratante é o responsável pela praga que está acabando com tantas cidades desse país...
Então isso é trabalho de apenas uma pessoa? Viktor perguntou, interrompendo-a.
Bem... A Necromante parecia legitimamente irritada. De onde eu vim, interromper uma pessoa enquanto ela fala é um motivo válido para assassinato sem ninguém em volta contestar...
Hm... O Sandrealmer engoliu em seco. Todos ficaram em silêncio no instante que se seguiu. Desculpe-me, milady... Ele fez um gesto com uma mão para que ela prosseguisse. Vá em frente.
Continuando... Meu contratante está usando essa praga para se livrar de quem ele não precisa e, assim, vagando cidades para que ele e seus servos ocupem, trazendo-as de volta à vida e... Ela bufou. Enfim, um longo falatório maluco sobre criar uma utopia. Estou usando os Necrófagos para comer toda a carne podre que fica jogada por aqui. Nada muito glamoroso. Mas vocês entenderam a ideia, não é?
Claro... Respondeu Damian. Agora responda a pergunta do Sandrealmer ali.
Hm? A Necromante olhou para Viktor. Ah, claro... Ela limpou a garganta. Ele tem ajuda. Mas basicamente, é só ele e um amigo que, coincidentemente...
É o meu amigo? Dreadraven arriscou um palpite, soando não muito feliz ao dizer a última palavra.
Bem, eu ia dizer que era um amigo do Damian, mas... A Necromante riu baixo. No final, dá na mesma...
Damian e Dreadraven trocaram um olhar. Mesmo com a máscara, o doutor parecia um tanto quanto alarmado.
De quem você está falando...? O Snowrealmer perguntou. Ele, mesmo não querendo, já sabia a resposta. Enquanto ela não dissesse, ele poderia continuar negando.
Do Demônio, é claro! Ela respondeu com entusiasmo. Pele negra como carvão, com chifres, asas e uma cauda, tudo coberto por chamas verdes.
E eles existem? Viktor perguntou cético.
Sim... Elise respondeu. Apesar de serem poucos. Pelo menos, é o que a minha Ordem me ensinou.
E vocês estão certos, garota Arcana... Disse a Necromante. Se bem que eu duvido que qualquer um de vocês tenha visto, e muito menos enfrentado, um Demônio há pelo menos alguns séculos. Ela respirou fundo. Mas, enfim... Isso não importa. O que importa é que vou deixar vocês saírem andando daqui se vocês colaborarem.
Nos poupando? O Sandrealmer sorriu. Por quê? Não foi paga pra isso?
Esse é o motivo secundário. A Necromante respondeu. O primário é que o Demônio me pediu para não os matar. Não agora.
E você não pretende contrariá-lo? Indagou Elise, quase como se estivesse desafiando a inimiga.
Ei... Eu sou incrível, mas nem tanto...
E onde ele está? Damian perguntou sério.
Você, melhor que qualquer um, deve saber que não dá pra saber exatamente onde ele está.
Mais uma vez, houve um momento que, se não fosse pelos ventos uivantes, o silêncio seria absoluto. Todos encaravam o Snowrealmer esperando que ele fosse dizer algo.
Certo... Damian murmurou enfim. Falarei que você fez um bom trabalho nos poupando.
Eu ficaria grata. A Necromante respondeu num tom alegre. E não se esqueça de mencionar meu nome, Tabitha. Tabitha Deathzauber, pra ser mais exata. Não sei se ele tem contato com outros Necromantes, então diga o meu nome, ok?
Mas é claro...
Então... Viktor começou a falar. Esse seu contratante foi até Necrol procurando por alguém como você? Só por curiosidade...
Ah... Tabitha riu. Ele veio até mim, isso é verdade. Mas eu não estava em Necrol. Afinal, não sou de lá. E também duvido que qualquer um daqueles Necros consiga ter um exército de Necros sob o comando deles.
O que você está dizendo então é que... Dreadraven começou a falar e, então, fez uma breve pausa. Você é uma Darklandian?
Os olhares de Damian, Viktor e Elise foram diretamente para a Necromante. Sob a máscara, ela ria do medo nos rostos das pessoas a sua frente.
O trio não podia acreditar. Depois do Cataclismo de quase 1058 anos atrás, o mundo havia sido dividido por forças além dos mortais. Os continentes se afastaram ainda mais, agora, com oceanos quase sem fim como barreiras. A maioria dos Windlandians acreditava que lugares como As Darklands eram ficcionais, principalmente devido ao que ouviam a respeito dos lugares em textos milenares. Todas aquelas terras pareciam ter sido criadas com o propósito de aterrorizar, crianças e adultos igualmente, com suas lendas sobre criaturas brutais e regiões inóspitas.
Sim. Tabitha respondeu. E sim, o meu continente é tão real quanto esse, por mais que eu mesma tivesse minhas dúvidas sobre Windlands até botar os pés aqui.
Aposto que é um lugar lindo. O Sandrealmer zombou.
Você não faz ideia. A Darklandian disse sarcasticamente. Clima lindo. Fauna e flora fenomenais. Você deveria ir visitar lá algum dia.
Um raio iluminou o céu. O trovão veio em seguida e, com ele, a chuva se fortaleceu.
Os pingos grossos de água começaram a cair, vindo cada vez mais deles, cada vez mais rapidamente.
Melhor vocês irem agora... Aconselhou Tabitha. A chuva deixa os meus lobos de mau humor... E eu também não fico muito sociável com esse tempo.
Sem dizer mais uma palavra, o quarteto trocaram olhares entre si e, sem hesitar, deixaram a praça e seguiram para fora de Silverhill, indo por uma estrada que se dividia em duas.
***
Então vamos todos juntos? Viktor indagou.
O Sandrealmer quebrou o silêncio. Ninguém havia dito mais nada desde o diálogo com a Necromante, além da óbvia derrota para ela. Todos pareciam irritados e impotentes após o acontecido. Porém, Damian era, de longe, o mais afetado com o ocorrido.
Agora parados fora da cidade, enfrente a uma colina, sob a chuva, os quatro se entreolhavam.
Bem, eu sei que eu vou com você. Afirmou Elise. Ela levou a mão em direção ao coração. Afinal, é minha culpa que Lily...
Eu sei. O Sandrealmer disse rispidamente. Mas já vamos resolver isso, certo?
A sacerdotisa assentiu.
Qual é exatamente o problema? Damian perguntou.
Quer que eu resuma uma longa história? A mulher perguntou.
Fale antes que a chuva piore.
Certo... Ela suspirou. Uma Sandrealmer veio até esse país. Eu a conheci numa pequena cidade na costa. Eu estava lá para pregar a palavra de Yamlight e, com sorte, recrutar alguns possíveis Arcanos. Acabei conhecendo a garota. Lily era o nome dela. Ela queria viver, algo que os pais, conservadores, nunca a permitiram. Elise sorriu. Tudo o que eu contava sobre o nosso país, da comida que comíamos ao deus que seguíamos, era algo maravilhoso para aquele Sandrealmer. As magias que eu usava diante dos olhos dela a deixava deslumbrada. Nós começamos a passar mais e mais tempo juntas... Aí... O inevitável aconteceu...
Se apaixonaram? O Snowrealmer arriscou o palpite óbvio.
Sim. Viktor respondeu por ela. Porém, os Arcanos não permitem relacionamentos. Entre pessoas do mesmo sexo, então, eles abominam. Quando descobriram, expulsaram Elise da Ordem e Lily é escrava deles em algum maldito templo, não muito longe da Capital.
A sacerdotisa não disse nada. Ela estava cabisbaixa, evitando olhar nos olhos dos companheiros.
A chuva ficava cada vez mais forte. Os ventos pareciam chicotear o quarteto com gotas de água de tempos em tempos.
Vou presumir que você conhece Lily. Damian disse para o Sandrealmer.
Sim... Ele afirmou. Lily Carmesi. Minha irmã. Viktor suspirou. Vim para este país para procurá-la. Sabia que aquela idiota ia se meter em encrenca, mas...
O Sandrealmer não terminou a frase. E nem precisava. A dor e preocupação em sua voz eram nítidas. Porém, ele não havia perdido as esperanças. Ele traria Lily de volta para casa nem que perdesse um braço e uma perna no meio do caminho.
E suponho que vocês vão precisar de ajuda. Disse Dreadraven calmamente.
Andar com mercenários esse caminho todo sairia caro. Explicou Viktor. E também me atrasariam. Além disso, vim para cá com alguns guerreiros do clã... Infelizmente, acabamos entrando em conflitos com os locais algumas vezes...
E você é o único sobrevivente. Adivinhou Damian.
O Sandrealmer assentiu.
Mesmo assim você não desistiu... O Snowrealmer esboçou um sorriso.
Eu não poderia simplesmente abandonar a minha irmã, poderia? Ele tentou sorrir. Ainda mais depois de tudo o que já passei aqui...
Uma causa nobre... O olhar de Dreadraven foi de Viktor a Elise. E uma chance de consertar os erros do passado... Ele fez uma breve pausa. Eu irei ajudar.
Obrigada. Elise sorriu.
Meu objetivo no momento é tentar controlar essa praga. Dreadraven explicou. Eu não tenho um caminho certo para ir. Se houveram enfermos para serem curados, eu ajudarei.
Você é um homem bom, doutor. O Sandrealmer disse alegre. E como merecedor, terá sua recompensa no final. Ele voltou o olhar para Damian. E você, Snowrealmer...? Irá se juntar a nós?
O guerreiro olhou para o horizonte. Ele apertava os olhos para enxergar através da chuva densa. Havia algo lá que apenas Damian poderia enxergar.
Não... O Snowrealmer respondeu sem ânimo. Eu tenho um único propósito nessas terras... E não é te ajudar. Ele olhou por cima do ombro. Não é nada pessoal... Adeus.
Com essa despedida sem emoção, Damian seguiu pela estrada da esquerda, descendo a colina, enquanto aqueles que ele mal podia considerar companheiros estavam parados, no pé da estrada que subia pela direita.
Sob a chuva torrencial, o guerreiro sumiu da vista do trio em poucos instantes.
Ele carrega um fardo grande demais... Afirmou Elise.
Sim. Dreadraven concordou. Mas é melhor que não interfiramos no caminho dele. Não agora. Não intencionalmente.
Hm... Viktor suspirou. Quer dizer que vamos encontrar esse sujeito de novo...?
É bem provável... O doutor murmurou. Por ora, temos o nosso caminho para seguir...

Após essas palavras, o trio seguiu seu rumo.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

The Godsbane, Capítulo 2

Capítulo 2


Seus pelos cinzas eram esverdeados. Suas garras eram negras como carvão. Suas longas e afiadas presas eram banhadas por sua saliva ácida. O porte não era muito maior que o de um lobo comum, mas o desespero de suas vítimas ao serem atacadas por eles era significante maior. Como qualquer outra criatura de sua raça, o Lobo Necrófago tinha o topo de seu crânio branco à mostra, bem como dois chifres parecidos com o de bois. O interior de sua cabeça e seus olhos, também, eram preenchidos apenas pelas trevas que o fazia viver.
A multidão começou a gritar ao avistarem os monstros. Sem lugar para onde correr, eles se aproximaram. Pessoas abraçavam com a mesma intensidade entes queridos, amigos de longa data e desconhecidos que tiveram o mesmo destino que eles. Aqueles seriam os últimos instantes de muitos dos que ali estavam.
As criaturas se aproximavam a passos calmos, calculando o momento para atacarem, rondando seus oponentes enquanto exibiam suas presas que emitiam um leve brilho esverdeado.
O Alfa... O olhar de Damian ia de uma fera a outra, rapidamente, como se analisasse cada um dos inimigos. Onde ele está...?
O quê? Viktor soava tão nervoso que era bem provável que ele não houvesse nem conseguido prestar atenção no que o Snowrealmer havia dito.
O Lobo Alfa. Explicou Dreadraven. Com a espada apontando para o chão, praticamente balançando em sua mão, ele nem parecia pronto para lutar. Com uma matilha desse tamanho, há um Lobo Alfa com certeza.
E como saber quem é o Alfa? Indagou Elise. Sua voz era calma, porém, suas mãos tremiam um pouco. No meio de tantos, não me parece fácil saber...
Vocês realmente não sabem nada sobre Necrófagos. Damian disse quase rindo. Ainda observando os monstros que os rondavam. Suas mãos estavam firmes no cabo da Demonsbane. Vocês nunca haviam visto mais do que meia dúzia deles juntos. Estou certo? O Snowrealmer olhou para trás por apenas um instante, o suficiente apenas para poder ver Elise e Viktor assentindo. Sei... Ele bufou. Não é culpa de vocês.
Massacres dessa magnitude não são muito comuns em Woodrealm. Dreadraven disse. Não atualmente, pelo menos. Não havia como uma concentração desse tamanho de Necrófagos se formar por, digamos, uma luta entre guardas e bandidos. Nem mesmo os conflitos entre as máfias de Sandrealm e as forças de Nazir, o Justo derramam tanto sangue. Ele olhou diretamente para Damian. Agora, a guerra civil na sua terra...
Exato. O Snowrealmer parecia calmo. Já matei a minha cota de Necrófagos e não acho que vou parar tão cedo. Ele soltou uma breve risada nervosa. Essas coisas me seguem, sabe...
De repente, um uivo mais alto que os outros soou. Por um instante, até os trovões e os ventos fortes pareceram se acalmar. Do topo do prédio mais alto do entorno da praça, ele parecia rir de suas presas.
Mais rápido do que qualquer outro animal, o Lobo Alfa avançou.
Pela parede externa do prédio, ele correu para baixo, em direção à praça. Após um pulo, a fera pareceu voar por um instante. Todos pareciam admirar o monstro até o instante que suas patas tocaram o solo. Então, a força de sua mandíbula destroçou a cabeça de um dos camponeses.
Gritos desesperados vieram em seguida. Então, o Lobo Alfa correu até suas tropas. Mais uma vez, ele uivou. Agora, porém, seus soldados imitaram o gesto, formando um coro. Como um enxame, os Necrófagos avançaram juntos.
Matem o Alfa! Damian bradou. Sem o líder, eles vão recuar!
A multidão se dispersava. Aterrorizados, eles corriam cada um para um lado, sendo abatidos um a um pelas feras.
Elise tentava ignorar as mortes a sua volta. Seu coração doía, porém, não havia nada que ela pudesse fazer para ajudar aqueles pobres camponeses e comerciantes. Ela tinha que focar sua atenção nos Necrófagos que vinham contra ela. Os raios que saiam de suas mãos lançavam os lobos para trás, arremessando-os contra bestas menos atentos. Suas chamas brancas aterrorizavam os monstros que, apesar de fugirem, acabavam morrendo por causa dos ferimentos.
Viktor parecia não conseguir pensar em mais nada. Seu foco estava totalmente dedicado à batalha. Com movimentos ainda mais ágeis que os dos lobos, ele parecia praticamente fazer uma dança com suas espadas. Suas lâminas giravam pelo ar golpeando qualquer um que chegasse perto demais. Era um ataque efetivo e uma defesa praticamente perfeita contra aqueles Necrófagos.
Dreadraven conseguia manter sua calma mesmo durante combate. Surpreendentemente, o doutor era extremamente ágil. Ele não precisava correr, apenas dava passos certeiros para onde precisava. Seu sabre parecia realizar contra ataques perfeitos, matando seus inimigos em menos de três golpes cada, eventualmente acertando um golpe preciso na garganta de alguma das bestas. Aos monstros que estavam distante, chamas azuis se encarregavam do trabalho.
O Alfa parecia supervisionar satisfeito o ataque de suas tropas. A fera parecia estar praticamente sorrindo.  Porém, tal sorriso desapareceu ao ver o Snowrealmer avançando.
Damian, com um olhar compenetrado, corria na direção do Lobo Alfa. Lobos Necrófagos pulavam contra o guerreiro apenas para serem cortados em dois. A cada movimento da Demonsbane, mais sangue negro caia no chão e sobre o próprio guerreiro.
O Snowrealmer trocava olhares com o Alfa. Naquele momento não havia presas: apenas predadores. Os lobos em volta, como de costume, deram espaço para a luta que estava prestes a começar.
Não era o primeiro Lobo Necrófago Alfa que ele enfrenta. Porém, Damian tinha que admitir que aquele era o maior que ele já tinha visto. Aquele era maior do que um tigre-da-colina.
Você e eu grandão... O Snowrealmer sorriu para o desafio. Vamos!
O Alfa rosnou. Ele teria pulado contra Damian, forçado suas patas dianteiras contra o peito do guerreiro. O Snowrealmer estaria completamente vulnerável às presas do monstro.
Entretanto, o guerreiro não deixaria que aquilo acontecesse tão facilmente.
Damian começou a desferir golpes implacavelmente. A Demonsbane parecia pesar o mesmo que uma pena nas mãos dele. Os ataques descreviam arcos no ar, sem deixar uma brecha para contra ataques, forçando o Lobo Alfa a recuar enquanto rosnava irritado.
Entretanto, as energias do Snowrealmer não durariam para sempre. Sua paciência, além disso, era ainda mais limitada. Seus ataques começaram a se tornar mais pesados, sendo mais fortes, porém, mais lentos. Eventualmente, o Alfa teria sua chance de contra atacar.
Então, a paciência de Damian se esgotou. Com um golpe, ele atacou de cima para baixo. O líder dos Necrófagos desviou com um pulo para trás. A Demonsbane se chocou contra o chão da praça, produzindo um estrondo que fez com que toda a área tremesse e, por fim, fincando-se no solo.
O Snowrealmer se agachou de imediato. Um segundo mais tarde e as presas do Alfa, que pulou sobre a espada sem esforço, teriam levado parte de sua cabeça.
O Necrófago rosnou para Damian. Sua resposta veio após arrancar a Demonsbane do chão como se ela estivesse apenas apoiada lá. No solo da praça, uma fissura ficou para trás no lugar onde a espada estava. O guerreiro apontou a arma para a fera e cerrou os dentes.
Vamos acabar logo com isso... Damian murmurou.
O Snowrealmer, então, começou a rodar a espada. Na ponta de seus dedos, a arma girava cada vez mais rapidamente. Erguida acima da cabeça de Damian, a Demonsbane começou a mover o ar envolta dela, jogando rajadas de ventos contra os lobos que passavam muito perto. O Alfa, entretanto, apenas observava.
Então, o guerreiro arremessou a espada.
A arma atravessou o ar com a velocidade de uma flecha. Girando daquele jeito, a Demonsbane poderia ter força o suficiente para atravessar uma armadura de ferro como se fosse feita de vidro.
Entretanto, o Alfa estava atento. Um pulo foi o suficiente para passar por cima da arma que, implacável, seguiu em frente pelo ar, matando três Lobos Necrófagos desatentos, atravessando a parede de um prédio e sumindo da vista de Damian.
Nesse momento, toda a praça olhava para o Snowrealmer. Elise, Viktor e até mesmo os outros necrófagos estavam abismados por tamanha força e, em seguida, certos de que Damian iria morrer.
O guerreiro soltou uma risada nervosa. O Alfa avançou, pulando contra ele.
No instante seguinte, Damian estava jogado no chão com o líder dos Necrófagos em cima si.
Toda a praça ficou em silêncio. Os olhos de todos estavam voltados para os dois oponentes.
Com um urro, o Snowrealmer empurrou o corpo do Lobo Alfa para o lado. Ofegante, ele se levantou e olhou para seu adversário. A fera tinha a Demonsbane cravada da base de seu estômago e a sua ponta atravessando o seu peito.
Foi uma boa luta... Damian murmurou.
Após as últimas palavras, o Snowrealmer arrancou sua espada do corpo do Alfa, abrindo seu corpo no meio e fazendo seu sangue negro jorrar.
Todos os Lobos Necrófagos remanescentes ficaram parados em silêncio.
Ei, ei... Viktor olhou os aliados ao seu lado. Como ele fez aquilo?
Ele invocou a espada de volta para ele. Dreadraven explicou.
Então, você pode fazer a mesma coisa? Indagou Elise.
Sim. O doutor respondeu. Mas aí perdemos o elemento surpresa. Damian deixou o Lobo Alfa baixar a guarda antes de atacar. Foi inteligente.
Então... Nós vencemos? O Sandrealmer perguntou.
Hm... A sacerdotisa olhou melancólica ao seu redor, para as carcaças de lobos e Necrófagos que estavam na praça, bem como os litros de sangue vermelho e preto que fora jorrado. Podemos chamar isso de vitória?
Não, nós não podemos. Dreadraven respondeu. Mas não por esse motivo. Ele fez uma breve pausa. Ainda não acabou.
Nesse momento, os passos de Damian soaram, voltando a atenção dos aliados para o guerreiro.
Você acha que tem um outro Alfa? O Snowrealmer indagou. Seu rosto expressava um misto de raiva com preocupação.
É bem provável. O doutor respondeu. Por mais que eu nunca tenha visto isso... É a única coisa que faz sentido.
Ah... Viktor limpou a garganta. Acho que eu preciso de um pouco de esclarecimento...
Apenas olhe para os lobos. Damian disse rispidamente.
Sem questionar, o Sandrealmer e a sacerdotisa olharam para as feras. Se não respirassem, poderiam se passar por estátuas. Eles não fizeram um movimento significativo desde o instante em que Lobo Alfa foi morto.
Eles estão, muito provavelmente, esperando novas ordens... Disse Dreadraven. Novas ordens de um novo líder.
Damian sentiu um calafrio percorrendo sua espinha. Uma sensação de mal estar o atingiu como se fosse uma ferroada.
Ninguém grite ou faça movimentos bruscos... Viktor começou a falar num tom baixo. Porque tem um sujeito no telhado do prédio atrás da gente.
Houve um momento de silêncio. Apreensivos, eles olharam, um de cada vez, para o topo do prédio. Uma figura usando uma túnica negra e uma foice os observava.
Quais são as chances da gente ter morrido e não percebido? Viktor perguntou num tom que era difícil saber se era uma brincadeira ou não.
Baixas. Respondeu Dreadraven. Porém, pelo número de Necrófagos aqui, além da organização deles no ataque...
É um Necromante? Indagou Elise.
Todos agora olhavam para o doutor, aguardando uma resposta.
Na verdade... Uma voz feminina começou a falar atrás deles.
Antes que eles pudessem se virar, a ponta da lâmina de uma foice tocou a garganta de Damian. O guerreiro segurou Demonsbane com força, irritado, sem poder fazer mais nada.

Eu sou uma Necromante. A maga sorria por debaixo da máscara. E suponho que eu seja a nova Alfa.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Um Outro Mundo, Capítulo 15

15.


Joshua acordou com um sobressalto.
Sua respiração estava rápida e pesada, quase como se tivesse sido salvo de se afogar por pouco.
Com o coração batendo freneticamente dentro do peito o rapaz olhou em volta. Ele se encontrava em uma plataforma circular que parecia ser feita de mármore. Ao seu redor, um céu escuro e estrelado adornado com mais plataformas brancas e escadarias.
Joshua, aturdido, levou uma mão a cabeça. Uma enxaqueca o atingia sempre que ele tentava se lembrar do que havia acontecido.
Tente não se mexer. Disse uma voz profunda atrás do rapaz.
Ele nem conseguiu reagir. Rapidamente, uma dor aguda o atingiu na nuca, paralisando o seu corpo. De repente, um turbilhão de pensamentos o atingiu.
Milhões de cenas passaram rapidamente diante de seus olhos. Em questão de segundos, porém, tudo estava claro. O rosto de Adriana veio em sua mente, bem como as ruas de Gehenna, o velho vizinho que revelou ser um ceifador, Morgana o guiando até Cristina e
Richard, o casal sendo morto um de cada vez, o teto desabando sobre Behemoth, Margareth sendo morta por Estmund e, por fim, a dor que ele sentiu quando a foice dele atravessou seu peito.
Ora... Creio que funcionou... A voz disse novamente.
Ofegante, Joshua se voltou para trás, encarando seu interlocutor. Entretanto, uma expressão de estranhamento surgiu no rosto do jovem.
A criatura a frente dele era no mínimo curiosa. Parecia uma pessoa, com o corpo humanóide, sentada de pernas cruzadas. Sua altura passava dos três metros. Entretanto, não era possível distinguir seu gênero. Seu corpo parecia ser transparente ou, pelo menos, se mesclava com a cor do céu escuro e estrelado. Toda a superfície de sua face era lisa: sem olhos, orelhas, nariz, boca ou cabelo.
Ah... A criatura inclinou a cabeça para a esquerda. Sua voz parecia vir de algum lugar de sua cabeça, ecoando gravemente, apesar de não ser visível. Você parece estar bem ciente do que está acontecendo a sua volta agora... Creio que é uma boa hora para que as explicações comecem, não acha?
Hm... Claro... Joshua murmurou ainda um pouco confuso. Então, me responda... Quem é você? Ou melhor... O que é você?
Um Djinn. Respondeu uma voz familiar.
Joshua olhou para a esquerda, por cima de seu ombro, e viu Morgana se aproximando, caminhando exuberante com seu vestido negro e foice em mãos.
Ceifadora... O Djinn parecia contente. Creio que aquele assunto está terminado.
Sim, está. Ela afirmou.
Que assunto? Joshua indagou.
Fui dar um fim ao Estmund. Morgana olhou para a própria foice um pouco melancólica. Ele não poderia sair impune depois de tudo o que fez. Ela olhou para o Djinn. E eu tenho você a agradecer.
Apenas fiz o que eu julguei ser certo. A criatura respondeu. E, sinceramente, eu nunca gostei muito dele.
Entendo... Morgana olhou para Joshua e, então, voltou-se novamente para o Djinn. Enfim, prossiga com as explicações. Gostaria de ver a reação do humano, porém, o trabalho me chama.
Claro, claro... O Djinn murmurou.
Rapidamente, um portal se abriu e Morgana deixou o local. Entretanto, antes disso, por apenas uma fração de segundos, ela olhou para Joshua. A ceifadora parecia temer o pior.
Então... A criatura continuou. Sim, eu sou um Djinn. Mais especificamente, aquele que ficou com a sua alma.
Com a minha alma...? O rapaz parecia confuso. Você quer dizer... Você ficou com a minha alma depois que Estmund a tirou de mim?
Não. Eu fiquei com a sua alma após fazermos o nosso trato.
Trato...? Mas... Que trato?
Ora, creio que já te falaram sobre isso. Morgana ou Estmund. Um dos dois deve ter mencionado o trato que os humanos fazem com um Djinn, certo?
Sim... Mas, então... Joshua parecia não acreditar. Você quer dizer que... Eu já havia morrido antes?
Mas é claro. E aí está você agora. Em sua forma espiritual.
Você quer dizer que eu estava vivo apenas com o meu corpo físico...? Todo esse tempo...?
Sim. Desde antes de você conhecer sua amada Adriana.
Hm... Joshua levou as mãos à cabeça. Ela doía acreditar naquilo. Não... Não faz sentido... Eu... Eu deveria me lembrar, certo? Eu deveria me lembrar do nosso trato, não é!?
Normalmente, sim. Mas você foi um caso especial.
Por quê...?
Por que você pediu para não se lembrar.
Hã...? Por que isso?
Você queria provar que você poderia se sacrificar para salvar alguém que você amasse. E, para isso, você não queria nenhum tipo de assistência, ninguém te lembrando do que fazer. Afinal, você tirou a própria vida da primeira vez por não conseguir viver com a culpa, por não conseguir viver sabendo o quão fraco e covarde você foi...
Joshua caiu de joelhos. A cada palavra proferida pelo Djinn, mais imagens e sons voltavam para a sua mente. Em questão de segundos, um curto filme estava passando diante de seus olhos.
Abigail era o nome dela. Ela era tão linda quanto Adriana, pelo menos, aos olhos de Joshua. Tudo parecia ser um conto de fadas entre os dois. Entretanto, tudo mudou no dia do acidente.
Um incêndio tomou conta do prédio onde o casal morava. Tudo parecia ter vindo abaixo rapidamente. Vendo Abigail presa debaixo dos escombros, Joshua ficou paralisado. Entre as chamas e o calor sufocante, ele temeu pela própria vida. Impotente, ele acabou abandonando sua amada.
Os olhos tristes e assustados de Abigail eram a última lembrança deixada por ela, algo que torturaria Joshua pelo resto de sua primeira vida. Entretanto ninguém podia realmente culpá-lo. Seus amigos, família e até os familiares de sua amada. Ninguém poderia exigir que ele tivesse se arriscado tanto, afinal, ele poderia não ter sobrevivido. Porém, não ter sobrevivido era exatamente o que ele queria.
Imerso em uma depressão sem fim, caçado por pesadelos agonizantes e torturado pelos lembretes de sua fraqueza e covardia, Joshua resolveu tirar a própria vida.
Mas não há motivo para se sentir mal. Disse o Djinn calmamente após alguns instantes. Afinal, você conseguiu fazer o que você não pôde antes.
Joshua levantou a cabeça lentamente na direção do Djinn.
Você foi até Gehenna, humano. Ele continuou. Um lugar considerado pior que o inferno. E você voltou lá por vontade própria. Isso apenas para salvar sua amada. O Djinn pareceu rir contente. Você enfrentou um monstro sedento de sangue, praticamente indestrutível, e seguiu em frente mesmo sozinho. Você até bateu de frente contra Estmund! Você é uma lenda entre os humanos, rapaz. Pelo menos, aqui no Plano Espiritual.
Joshua não pôde conter um sorriso. Tantos elogios depois de tudo o que ele passou eram, claramente, bem vindos. Entretanto, haviam ainda perguntas a serem respondidas.
Os olhos do rapaz se arregalaram quando ele se lembrou dos eventos que ocorreram instantes antes de sua segunda morte.
Adriana...! Ele exclamou. O que aconteceu com ela!? Ela não estava mais lá quando eu estava prestes a morrer...!
Eu a tirei de lá. O Djinn respondeu como se não fosse nada. Aproveitei o momento em que você estava enfrentando Estmund e a trouxe de volta ao seu mundo.
Ah... Joshua sentiu um peso enorme saindo de cima de seus ombros. Ele respirou aliviado e sorriu. Obrigado... Ele conseguiu dizer. Muito obrigado.
Não precisa agradecer. Apenas fiz o que me pareceu ser o certo. E com isso eu quero dizer que fiz o que eu gostaria de ter feito. Simples assim. Aliás, foi por isso que eu o mantive vivo.
Hã...? O rapaz parecia aturdido. Como assim...?
Você é apenas uma alma agora. Djinns devoram almas, está lembrado?
Ah... Joshua engoliu em seco. Então você vai...?
Te devorar? Ele inclinou a cabeça para a direita. Vou. Entretanto, eu queria ter contado tudo o que eu acabei de contar. Queria que você pudesse se for sorrindo.
Joshua olhou para baixo. Aceitar a morte não era uma tarefa fácil. Porém, com uma sensação de tarefa cumprida, ele poderia dizer adeus à vida.
Eu lhe agradeço por tudo o que fez por mim... O rapaz começou. Mesmo não precisando ser, você me foi de grande ajuda. Ele olhou para o rosto do Djinn e sorriu. Muito obrigado...
Porém...? A criatura indagou, já prevendo que Joshua não havia terminado de falar.
Porém... Ele respirou fundo. Eu gostaria de ver Adriana uma última vez.
Isso não será possível.
Ah... Por que não?
A alma dela não existe mais. Eu mesmo a devorei. Ele disse, novamente, como se não fosse nada. Fui eu que garanti o desejo dela. Porém, diferentemente de você, eu não tinha interesse em manter-la por aqui. Não parecia valer a pena, sabe?
Hm... Joshua sentiu uma pontada de raiva. Ele cerrou os punhos, porém, respirou fundo e tentou se acalmar. Certo... Mas e quanto ao corpo físico dela? Aquele que você salvou de Gehenna?
Está como o seu, meu caro Joshua... Disse uma nova voz.
O rapaz e o Djinn se voltaram na direção da voz.
Agora, junto com eles na plataforma, estava o que poderiam presumir ser um anjo. A mulher tinha mais de um metro e setenta de altura. Ela trajava um terno cinza e vestia uma camisa azul clara por baixo. Seus olhos eram verdes claros como o céu da manhã. Os cabelos eram loiros, longos e compridos com uma auréola flutuando gentilmente acima deles. Seu rosto era belo com uma expressão serena. Nas costas, um grande par de asas brancas pareciam faziam sua figura parecer ainda mais imponente.
Morto. O anjo disse simplesmente.
Ah... Joshua se recusou a acreditar naquilo. Não... O Djinn disse que a salvou...
Ele apenas adiou a morte dela. O ser alado retrucou. Ele...
O que você está fazendo aqui!? O Djinn indagou claramente irritado. Você não deveria mais interferir!
Normalmente não... Outra voz disse.
Novamente, Joshua e o Djinn se voltaram na direção do novo desconhecido.
Agora, o que parecia ser um demônio estava entre eles. O homem tinha mais de um metro e oitenta de altura. Ele trajava um terno preto e usava uma gravata vermelha escarlate. Seus olhos castanhos brilhavam. O cabelo negro desgrenhado não servia para esconder os chifres que saiam de sua cabeça. Seu rosto tinha uma expressão descontraída, além da barba por fazer e o sorriso charmoso. Nas costas, o grande par de asas de pernas negras eram intimidadores.
Mas você, Joshua, é um caso tão especial. Ele riu. Raramente vemos almas valorosas como a sua.
E é claro que você tinha que vir também... O Djinn parecia ainda mais irritado.
Esperem... Joshua olhou para o anjo e para o demônio. Após alguns instantes, ele se lembrou. São vocês que eu vi assim que cheguei ao Plano Espiritual.
Precisamente. O anjo respondeu. Nós lhe demos as duas opções que, no fim, você não aceitou.
E aí você correu pra longe. Disse o demônio. E aí caiu nas garras desse Djinn.
E agora a alma dele é minha! A criatura vociferou.
No mesmo instante, Joshua caiu de joelhos, sentindo-se tonto. Ele sentia sua energia sendo drenada pelo Djinn.
Seria sua se você tivesse comido logo. O demônio retrucou.
Como você resolveu postergar a sua, digamos, sentença... O anjo sorriu. Nós temos uma segunda chance para convencê-lo a seguir o nosso caminho.
Absurdo! Protestou o Djinn.
Reclama com o chefe. Disse o demônio e apontou para a cima. Bem... Ele apontou para o anjo. Mais chefe dela do que meu, mas... Deu pra entender, não é?
Viemos apenas para cumprir nosso dever. Disse o anjo. Fazer o que é justo. Tente não atrapalhar.
Que complô é esse contra mim!? O Djinn esbravejou. Seus desgraçados! Vocês preferem se unir do que me deixar ganhar!?
Olha, acho que a resposta é bem óbvia... O demônio caçoou. Mas se você quiser que eu desenhe, eu posso fazer isso sem problemas.
Maldito... A criatura grunhiu.
Por mais poderoso que o Djinn fosse, era óbvio que ele não poderia fazer nada contra um anjo e um demônio unidos. Joshua podia ver isso claramente, apesar de um aturdido por tudo estar acontecendo tão rapidamente.
Joshua. O Anjo chamou o jovem. O Djinn salvou sua amada de Gehenna. Porém, ele a abandonou no seu mundo. Sem você, e depois de tudo o que ela passou, ela não desejava mais viver. Meus pêsames, mas ela acabou por tirar a própria vida.
Mas é claro que esse desgraçado já sabia que isso aconteceria. O demônio trincou os dentes. Se você estivesse satisfeito, ele poderia devorar a sua alma. Isso é parte do trato. Te enganando, tudo daria certo pra esse cretino.
Mas ele poderia ter morrido feliz! O Djinn retrucou. Agora, por causa de vocês, ele não pode mais! Ele...!
Por quê...? Joshua murmurou.
O anjo, o demônio e o Djinn se voltaram para o rapaz.
Por que eu tenho que continuar sofrendo? Ele indagou. Por que a minha alma é tão importante para vocês? Por que eu não posso morrer em paz? Por quê!?
Ainda há salvação. Disse o anjo.
Ou você continuar vivendo. Propôs o demônio. Sem o medo de morrer. Sem sentir dor, medo, fome, sede... Apenas pense nisso.
Você não vai querer firmar um trato com um demônio. Ela retrucou.
Eu consigo sentir a sua ira. Ele ignorou o anjo e continuou a falar. Eu consigo sentir a vontade que você ainda tem de viver. Não tente se enganar. Não diga que você quer morrer. Você não quer a saída mais fácil, acredite em mim.
O anjo propunha o fim de todo o sofrimento. Joshua queria aquilo. Ou, pelo menos, era o que ele queria dizer. Afinal, no fundo, ele queria continuar a viver. Se nunca mais sofresse, não teria do que reclamar. Além disso, toda a raiva que ele sentia após tudo o que passou, ainda mais vendo que todo o seu sacrifício foi em vão, parecia queimar dentro de si.
Com um sorriso sinistro no rosto, Joshua se levantou e andou até o demônio.
Com um aperto de mão, eles firmaram o contrato.

Você não vai se arrepender. Aquelas foram as últimas palavras do demônio antes dos dois desaparecerem em um vórtice de fogo e sombras. 

domingo, 24 de janeiro de 2016

The Godsbane, Capítulo 1

Capítulo 1


Silverhill, leste de Woodrealm, continente de Windland, Decima de Pisceum de 1057.
Era o último dia do ano. A esperança de um começo melhor, entretanto, não residia nos corações de muitos Woodrealmers.
O céu cinzento não permitia dizer que horas eram. A chuva fina e gelada regava Silverhill. O vento soprava o ar fresco do mar para a cidade. Era quase uma tentativa na natureza de se livrar da fedentina que impregnava cada canto do local.
Um homem adentrou a cidade. Sobre a armadura de aço negro, seu manto cinzento se estendia como uma capa, além de cobrir seu cabelo castanho e curto.
Com passos lentos, Damian vagava pelas ruas de Silverhill. Para cada lado que o guerreiro olhava, tragédia o olhava de volta. Pessoas de todas as idades e classes sociais estavam jogadas pelas ruas. Com os olhares cheios de sofrimento, elas tossiam até cuspir sangue e suplicavam por ajuda com palavras que não faziam sentido para ele.
Um clarão no céu fez com que Damian olhasse para o alto. O trovão veio pouco depois, seguidos por mais flashes de luz no céu cinza.
Isso só vai piorar, o guerreiro pensou.
Damian acelerou a passada. A chuva começou a cair mais intensamente enquanto os trovões preenchiam o ar com som.
Para cada canto que o guerreiro olhava, mais pessoas sem esperança morriam lentamente. A carne de seus corpos parecia apodrecer. Cobertos de cicatrizes negras, pedaços de pele e músculo se soltavam de seus ossos e caíam no chão, moles e gosmentos como larvas de insetos.
Após alguns poucos minutos, não era mais possível para Damian andar naquelas ruas sem pisar em poças de sangue misturadas com carne apodrecida. A água da chuva parecia não fazer nada além de espalhar mais a mistura grotesca. Nem mesmo o cheiro pútrido parecia disposto a deixar a cidade ou as narinas do guerreiro.
Não! Um homem gritou. Não vou deixar que ele toque em mim ou em minha família!
Damian olhou na direção de onde o som veio. Era uma praça local, além do chão por uns cinco degraus, parecendo um grande palco de tijolos cinzentos. Num dia normal, o lugar estaria repleto de pessoas. Comerciantes estariam vendendo peças de roupa, pedaços generosos de carne, vinhos de todo continente e jóias de beleza estonteante. Agora, porém, haviam apenas umas poucas pessoas discutindo.
Só estamos tentando ajudar vocês... Disse uma mulher calmamente.
Então colabore. Aconselhou um outro homem. Esse, com a voz mais rouca.
Então existem pessoas nessa cidade que não estão morrendo, pensou Damian, por ora, pelo menos.
Com passos calmos, o guerreiro subiu os poucos degraus que levavam a praça.
Todos que estavam no lugar, ao mesmo tempo, olharam na direção do recém chegado. Damian retribuiu o olhar.
Eram um pouco mais de quarenta pessoas. A maioria parecia ser camponesa ou comerciante. Em comparação com os outros que o guerreiro havia visto antes, aquele punhado de gente parecia saudável.
Entretanto, três figuras se destacavam do resto do grupo. Claramente, não tinham relação com as outras pessoas, porém, pareciam estar juntos entre si. Eram forasteiros como Damian, sem dúvida. Seu propósito naquele local, porém, não era claro.
À esquerda, estava um homem esguio e mal encarado. Sua armadura era feita de couro marrom reforçada por aço em alguns pontos. Nos braços, apenas manoplas eram usadas. Seus bíceps e ombros estavam à mostra, exibindo a musculatura bem definida, além da cor da sua pele morena. Era, sem dúvida, um Sandrealmer. A feição em seus rosto, o cabelo desgrenhado castanho escuro e seus olhos cor de avelã só deixavam isso mais claro. Em cada lado da cintura, havia uma espada feita de aço. Suas pontas eram curvadas e, seus cabos, banhados a ouro.
No meio, a única mulher do grupo parecia cumprimentar Damian com um olhar triste. Sua túnica branca, com bordados dourados delicados em certos pontos, cobria o seu corpo quase que por completo quando levantava seu capuz. Sob as longas e frouxas mangas estavam braceletes dourados. Peças idênticas estavam juntas ao seu tornozelo, como era comum entre sacerdotisas Arcanas. Seus cabelos castanhos, quase loiros, escorriam pelos ombros. Sua pele era quase tão alva quanto às próprias roupas que usava. Seus olhos azuis claros pareciam tomados por uma preocupação pesada demais para só ela aguentar.
Finalmente, à direita, estava a figura mais curiosa. Ao que tudo indicava, era um homem. Sua grandiosa capa negra chegava até o chão e, enquanto em pé, cobria todo o seu corpo, incluindo seus braços. Sob ela, estava uma armadura pesada feita de algum tipo de metal negro. Na cabeça, o capuz cobria da sua nuca até o ponto mais alto de sua testa. Seu rosto, entretanto, não estava descoberto. Uma máscara de corvo, com um bico longo cor de carvão e olhos escarlates, completava o visual.  
Ora, ora... O Sandrealmer esboçou um sorriso. Não esperava que essa cidade recebesse visitantes tão cedo.
O que está acontecendo aqui exatamente? Damian indagou ríspido.
Uma praga! Um dos camponeses gritou. Vamos todos morrer se continuarmos aqui...!
Não! Uma mulher, muito provavelmente a esposa daquele homem, tapou a boca dele com uma mão. Nós não vamos...
É isso mesmo. A sacerdotisa concordou com certo entusiasmo. Existe salvação. Confiem em nós...
Não dá... Murmurou uma mulher. Só o Godhand pode nos salvar. Nós temos que arriscar sair daqui e ir até a Capital...
Vocês vão morrer antes de chegar lá. O Sandrealmer advertiu. A carne vai soltar de seus ossos como se fosse um pedaço de gelo derretendo perto do fogo. Houve um momento de silêncio. Todos pareciam o encaram. Não ajam como se vocês não tivessem visto isso. Pra qualquer lado que se olhe, é isso que se vê nessa maldita cidade...
E vocês querem que a gente confie naquilo? Um camponês apontou para o homem com máscara de corvo. Droga! A gente nem sabe se ele é humano! Ele pode muito bem ser um monstro... Ele pode querer matar a gente!
Se vocês não aceitarem a ajuda dele, vocês podem muito bem morrer. A sacerdotisa afirmou solenemente.
E ainda vai ser bem doloroso. Acrescentou o Sandrealmer. E nojento. Ele olhou, de repente, para Damian. Seu olhos pareciam brilhar intimidadoramente. Ei, você! Forasteiro! Chegue mais perto. Junte-se a festa!
Com o convite, o guerreiro se aproximou lentamente. Ele podia sentir todos os olhares sobre si. Alguns ali pareciam temê-lo.
Qual o seu nome? O Sandrealmer perguntou.
Damian. O guerreiro respondeu. Damian Eisenfaust.
Gostei do nome. Ele sorriu sem mostrar os dentes. Bem imponente.
E você? Quem seria?
Eu... O Sandrealmer fez uma reverência, o que pareceu zombaria da parte dele. Sou Viktor Carmesi. Prazer em conhecê-lo, Damian.
Carmesi? O guerreiro ergueu uma sobrancelha. Do Clã Carmesi?
Ora, você ouviu falar da minha família? Sinto-me lisonjeado, Snowrealmer...
E eu achando que poderia me misturar... Damian abaixou o capuz. Agora, todos podiam ver o rosto de traços fortes e olhos quase dourados do homem do norte. Mas acho que meu sotaque pode ter me entregado...
Exato. Você até consegue imitar bem o sotaque local, mas percebi algumas diferenças nas entonações de algumas palavras. Nada demais. E, a propósito... Melhor assim. Ninguém escondendo o rosto... Viktor olhou para o homem com a máscara de corvo. Com exceção do doutor Dreadraven aqui. Ele olhou de volta para Damian. Mas ele tem bons motivos. Acho...
Viktor, você vai propor ao Snowrealmer que ele seja curado pelo doutor? A sacerdotisa perguntou.
Exatamente, minha cara Elise! O Sandrealmer sorriu para Damian. Afinal, você sabe que no momento que você entrou nessa cidade você foi exposto à praga, não é? Se você não fizer nada a respeito, você vai acabar que nem quase todo mundo daqui...
Hm... Damian bufou. Suponho que não tenho escolha...
Não mesmo...
O guerreiro olhou para Dreadraven. A máscara impedia que suas emoções aparecessem por completo. Até os olhos, cobertos por lentes vermelhas, eram impossíveis de ler. Era, sem dúvida, o mais intrigante dentre os três. Pelo menos, isso era a verdade para Damian que sentia uma energia diferente vinda dele.
Faça o que você sabe. O Snowrealmer pediu quase como se ordenasse o doutor.
Dreadraven assentiu. Damian se aproximou dele.
O doutor puxou a capa para trás. As manoplas de sua armadura mais pareciam garras, o que fez com que alguns dos camponeses murmurassem ainda mais nervosos.
Não vai doer nada. Disse Dreadraven. A voz rouca do homem soava ainda mais grave por causa de sua máscara. Só não se mexa muito.
Calmo, Damian permaneceu imóvel enquanto faíscas púrpuras começavam a se formar entre os dedos do doutor. Murmúrios inquietos soaram mais altos. Em uma fração de segundos , chamas irromperam das mãos de Dreadraven.
Eu sabia! Um homem do grupo exclamou. É magia negra!
Os ânimos se exaltaram. Mais gritos vieram em seguida. Um pequeno tumulto estava prestes a se formar. Foi quando, de repente, um som tão alto quanto o de um trovão soou no meio da praça.
Os olhares de todos se voltaram para Viktor, mais especificamente, para sua mão direita. Nela, erguida para o alto, estava sua pistola A arma, rubra como um rubi, era de disparo único, como praticamente todas as armas de fogo já feitas. Entretanto, seu poder era devastador para o seu tamanho. O Sandrealmer a mantinha escondida atrás da cintura, usando-a apenas quando necessário para ter um elemento surpresa ao seu favor.
Agora que eu tenho a atenção de todos... Viktor apontou com a arma para o doutor. Um leve fio de fumaça cinza saia do cano da arma recém disparada. Vejam, ó, povo ignorante!
Enquanto o Sandrealmer recarregava sua arma, a multidão olhava para as chamas que Dreadraven controlava com maestria. Calmamente, ele levou suas mãos até o peito de Damian. Relaxado, o guerreiro observou o fogo púrpura tocando o peitoral de sua armadura. Apesar de perto, ele mal sentia o calor.
Então, as chamas se soltaram das mãos de Dreadraven. Rapidamente, o fogo penetrou o corpo de Damian, percorrendo todo o seu interior, da ponta de seus dedos dos pés até o topo de sua cabeça, em menos de um segundo.
Um calafrio. Nada mais que isso o guerreiro sentiu. No instante seguinte, ele se sentia melhor do que antes, como se tivesse dormido bem pela primeira vez em meses.
Reagiu melhor que qualquer um que eu já tenha visto... Dreadraven murmurou. Por que será...?
Era óbvio que o doutor já havia deduzido um pouco sobre Damian. Diante da perspicácia do homem a sua frente, o Snowrealmer apenas deu um sorriso sem mostrar os dentes.
Parece que a cobaia está viva... Disse Viktor que, então, deu um tapinha no ombro de Damian. O guerreiro se voltou para ver um sorriso do Sandrealmer. Viram? Ele está bem...! Não é?
Sim... O Snowrealmer olhou de relance para cada um na multidão. Cada rosto desesperado parecia intrigado, quase esperançoso agora. Não há o que temer. Confiem no doutor.
Algumas pessoas pareciam não confiar ainda em Dreadraven. Outros, após relutarem um pouco, foram até o homem misterioso.
Ah! Viktor exclamou. A propósito, até onde sabemos, uma vez curados, vocês não serão mais infectados por essa praga. Então, depois de hoje, vivam suas vidas sem problemas, ok?
Com aquelas palavras, alguns sorrisos foram surgindo nos rostos daquelas palavras. Algumas das pessoas que haviam recusado ir até o doutor começavam a ir até ele. Se tudo continuasse daquele jeito, todos acabariam indo até Dreadraven para serem curados. Em questão de cinco minutos, o dever do misterioso indivíduo estaria cumprido.
Calmamente, Damian andou até Viktor e Elise. A dupla sorria para ele.
Obrigado pela ajuda, Snowrealmer. A sacerdotisa uniu as palmas das mãos e se curvou ligeiramente para frente, fazendo uma reverência mais respeitosa que a de Viktor. Já estávamos perdendo as esperanças aqui...
É, o povo dessa cidade é bem cabeça dura. Disse o Sandrealmer. E covardes. E...
E em breve nosso trabalho estará terminado. Ela interrompeu o falatório de Viktor. Aqui, pelo menos. Depois...
Nosso trabalho? O Sandrealmer ergueu uma sobrancelha. Esse não é meu trabalho. Isso é coisa sua e do doutor. Você sabe o porquê de eu estar aqui, minha linda, e não tem nada a ver com isso.
É... Elise bufou. Você está certo. Eu sei, mas...
Eu sei que você quer ver todo mundo sendo salvo dessa praga... Viktor interrompeu, porém, falando num tom calmo. Eu sei que você quer ajudar. Mas... Aceite logo a realidade. Você não pode fazer nada. Não no sentido de curar os necessitados. Tudo o que você pode fazer é segurar a mão de alguém enquanto o doutor faz todo o trabalho.
O olhar melancólico de Eilse evidenciava que ela estava infeliz. Porém, ela sabia que Viktor falava a verdade. Ele não falava aquilo apenas por interesse próprio.
Então... Damian cruzou os braços. Essa praga está além dos Arcanos?
Infelizmente... A sacerdotisa bufou. Ninguém sabe ao certo o que é. Nem mesmo o doutor. Mas a magia dele é capaz de curar a praga, então... A esperança não está completamente perdida.
E o tal de Godhand? O Snowrealmer indagou. Eu ouvi alguma das pessoas falar esse nome...
Eu não sei muito sobre ele. Ela admitiu. E é exatamente esse o problema. Ninguém sabe ao certo quem ele é.
Como assim?
Ele simplesmente surge do nada curando essa praga. Disse Viktor. Aí ele diz ser um serve fiel do deus Yamlight...
O Deus Yamlight. Elise o corrigiu levemente irritada.
Que seja... O Sandrealmer deu de ombros. Tento não perder o meu tempo com religião... Ele voltou o olhar para Damian. O que importa é que esse homem é um tanto quanto suspeito. Ele é como o doutor, só que por usar magia da luz, ninguém critica. E o fato de ele ter salvo a filha do rei Wallace, o Destemido só ajudou mais a imagem dele. E o bolso também.
Ele praticamente governa o país junto com o rei agora. A sacerdotisa acrescentou. E os benefícios dele não acabam por aí.
Se você visse a igreja dele... Viktor riu. Era um velho templo abandonado na Capital. Agora é praticamente a droga dum palácio!
E isso tudo aconteceu em quanto tempo...? O Snowrealmer perguntou.
Dois anos. Respondeu Elise. Talvez um pouco mais que isso.
As notícias de fora raramente chegam até vocês, não é mesmo? Indagou Viktor. Aposto que a guerra civil não ajuda também... Aliás! Icebrand ou Drake?
Nenhum. Damian respondeu secamente.
Não se interessa muito por política? O Sandrealmer parecia curioso. Ou acredita que mais uma família lutará pelo controle do país?
Não sei. E também não me importo. O olhar do Snowrealmer era quase mortífero para Viktor. Eu deixei aquele lugar. Não pretendo voltar.
Não deixou ninguém para trás? Agora era Elise que parecia curiosa. Família? Amigos?
Não. Damian respondeu no mesmo tom áspero de antes. Eu fui o único sobrevivente.
Viktor e Elise trocaram olhares. Eles pareciam um pouco mal por perguntarem. Era obviamente um assunto complicado para o guerreiro.
Entretanto, antes que os dois pudessem dizer algo como “meus pêsames” ou um simples “desculpe por perguntar”, um novo som ecoou pela praça.
Era um grasnado agudo que parecia atravessar o ar como uma lâmina contra outra. O ruído foi capaz de fazer praticamente todos tremerem agoniados, gritando em protesto. Damian e Dreadraven eram os únicos que conseguiram manter a compostura e, com isso, conseguiram olhar de onde o som havia vindo. No topo de um dos telhados dos prédios no entorno da praça, estava um Necrófago.
A ave, como toda fera de sua espécie, tinha o topo da cabeça completamente branco com dois chifres: era o crânio exposta da criatura. Os olhos eram vazios preenchidos com a magia negra que os fazia viver. Então, o monstro, grandioso como um abutre, esticou suas longas asas e levantou vôo.
Damian e Dreadraven seguiram a criatura com os olhos. Os dois, então, viram que o Necrófago tinha companhia. Outros três voavam agora com ele em um círculo sobre a praça.
Não demorou para que Viktor e Elise, seguidos dos camponeses e mercadores, vissem os monstros no céu. Também não demorou para que uivos, passos rápidos e gritos de desespero viessem enfim. Era bem provável que quase todos os que estavam jogados nas ruas da cidade, grunhindo de dor e esperando por uma salvação, encontraram um fim brutal.
Eles não podem sentir o cheiro de carne podre, não é...? Viktor soou nervoso.
Lobos Necrófagos... Dreadraven murmurou desanimado, afinal, ele estava quase terminado de curar a praga de todos. Agora, além de tudo, aqueles salvos poderiam morrer nos próximos instantes. Não conseguiremos manter todos vivos...
A afirmação do doutor fez algumas das pessoas começarem a se agitar. Eles sabiam que morreriam. Muitos já haviam visto aquelas criaturas e sabiam do que eram capazes.
Viktor sacou suas espadas. Seu olhar era determinado. Ele tentava não ficar nervoso a todo custo.
Elise respirou fundo e se concentrou. Suas mãos começaram a emitir um brilho branco. Não seria a primeira vez que a sacerdotisa enfrentaria aqueles monstros.
Dreadraven parecia calmo. Ele estendeu um punho para o ar. De repente, faíscas púrpuras sugiram por toda sua mão. No instante seguinte, um sabre negro, ainda embainhado, surgiu. Na bainha, as inscrições rúnicas prateadas brilhavam.
Todos, com exceção de Elise, Damian e o próprio Dreadraven estavam perplexos. Eles nunca haviam visto alguém materializar uma arma a partir de magia negra. Ninguém podia os culpar pela reação.
Sua vez. O doutor disse para Damian.
O Snowrealmer sorriu. Para Dreadraven aquilo era tão óbvio que parecia uma piada.
Sua vez? Viktor repetiu as palavras do doutor confuso. Como assim...? Então, ele percebeu. Damian? Onde está a sua espada...?
O guerreiro estendeu a palma de sua mão direita. Por debaixo de suas faixas, uma marca vermelha brilhou intensamente. Faíscas vermelhas surgiram. O vento começou a se agitar. O ar pareceu mais frio e denso.
Como uma explosão, chamas e fumaça saíram violentamente da marca da mão de Damian para se solidificarem no instante seguinte.
Todos olhavam impressionados para o Snowrealmer. Com sua mão direita, ele manejava uma espada claramente maior que ele mesmo. A arma negra parecia viver. Suas marcas escarlates pareciam veias de magma que pulsavam a cada batida do coração do guerreiro. A lâmina brilhava tanto que parecia ser feita de diamantes.
Ela é imponente... Dreadraven admitiu. Agora veremos o quão afiada ela é...
Damian sorriu. Seu olhar era determinado. Com a Demonsbane em mãos, ele tinha certeza de que não poderia ser derrotado.
Então, os uivos soaram mais altos. Como sombras, a matilha surgiu dentre as ruas da cidade e cercaram a praça.