Murmúrios. Sons ininteligíveis para
o rapaz. Foi com isso que ele acordou.
Com a visão embaçada, a
primeira coisa que Edgar viu foram seus braços apoiados num balcão. Suas costas
doíam. Fazia parte das consequências de se passar horas dormindo sentado.
O jovem levou as mãos à cabeça
que latejava de dor. Emitir um grunhido de dor foi tudo o que Edgar pôde fazer.
—
Ora, ora... — Disse
um homem satisfeito. —
Vejo que finalmente acordou...
O rapaz mexeu a cabeça o mais
rápido que pôde na direção na voz.
O jovem, então, olhou para a porá
do cômodo. Lá, um homem surpreendentemente arrumado estava parado, guardando um
celular no bolso. Seu cabelo castanho claro estava bem penteado. Seu terno
cinzento estava impecável. Em seu rosto liso, um par de olhos azuis escuros e
um sorriso largo saudavam Edgar.
—
Temi que você não sobreviveria... —
O homem continuou. — É
sério. Afinal, não era nem para você ter terminado lá...
—
Quem é você...? —
Edgar indagou com certa dificuldade.
—
Ah, claro... Você perdeu a memória. É verdade. Perdoe-me. — Ele fez uma reverência. — Henry Allard, ao seu
dispor.
—
Hm... Allard...? — O
rapaz murmurou. —
Henry... Allard. —
Ele disse pausadamente. —
Esse nome... Já ouvi antes...
—
Naturalmente. Somos grandes amigos, meu caro. —
Henry sorriu. —
Espero que você logo se lembre do resto do seu passado.
—
É... Não me lembro de muitas coisas ainda... Só o meu nome...
—
Ora, você se lembra do seu nome?
Edgar assentiu.
—
Então... — Henry
sorriu. — Vá em
frente. Diga! Vamos testar sua memória, ok?
—
Ah... É Edgar... —
Ele sentiu o ímpeto de continuar. —
Edgar Dupond.
Foi como se a memória viesse
por completo enquanto falava. Edgar se lembrou de seu sobrenome enfim. Com
isso, o rapaz sorriu.
Porém, o sorriso logo se
desfez. Afinal, Henry balançava a cabeça para os lados.
—
Você conhece um homem com esse nome. —
Ele afirmou. — Aliás,
nós o conhecemos. Edgar é um homem horrível, sabe? Ele te fez tanto mal.
—
Sério...? — O rapaz
engoliu em seco. —
Então... Qual o meu nome?
—
Victor. Victor Falk. —
Henry riu baixo. —
Ou, pelo menos, esse é o nome que você sempre me contou.
—
E... Eu mentiria meu nome? Por quê?
—
Hm... É... Você realmente não é mais você mesmo. Não por ora.
De repente, passos pesados
soaram. Henry se voltou para trás e sorriu.
—
Anna. — Ele a chamou.
— Venha. Victor
acordou.
O rapaz, então, ficou sem
reação ao ver a mulher entrando na sala. Alta, forte, com o corpo completamente
coberto pelo o que mais parecia ser uma armadura, Anna encarou Victor pelo
visor de seu capacete.
O jovem lembrava claramente da
mulher que o carregou, sem saber se ela o salvou ou o carregou. Porém, olhando
agora para ela, e também sabendo seu nome, Victor sentiu algo diferente: ele
nunca se sentiu tão confortável, mesmo sem saber o motivo.
Apenas confie neles. Eles são nossos amigos. Nossa família, ouso dizer.
—
Anna Linden, certo? —
Victor indagou, agora se lembrando do sobrenome de Anna.
Ela assentiu.
—
Anna não é muito de falar. —
Afirmou Henry. — Eu,
por outro lado, compenso. —
Ele sorriu. — Mas
tenho certeza que você vai se lembrar desses pequenos detalhes com o tempo...
—
Hm... — Victor coçou
a nuca e, então, arregalou os olhos ao perceber. —
Ah...! — Ele tateou o
próprio rosto freneticamente. —
As faixas...!
—
Nós as tiramos. —
Esclareceu Henry. — Aliás,
do seu corpo todo. Te demos umas roupas confortáveis. Você precisava delas, mas
não mais das faixas. Porém...
—
O meu rosto...
—
Sim... Temo que ele não esteja como antes. Esses hematomas são temporários...
Agora, as cicatrizes...
—
Como isso aconteceu? Foi obra do Asmodeus...?
Herny e Anna trocaram olhares.
Victor olhou sem saber o que fazer. Então, os dois olharam de volta para o
rapaz.
—
Você realmente não se lembra de nada. —
Henry esboçou um sorriso. —
Tente olhar ao seu redor. Veja se lembra de algo...
É uma boa ideia...
Com uma expressão levemente
assustada, Victor seguiu o conselho de Henry. Olhando a sua volta, ele começou
a distinguir os detalhes da sala e, com isso, algumas memórias vagas foram voltando.
O cenário era um tanto quanto
bagunçado. Não chegava a ser caótico ou decrépito, mas o cômodo parecia estar
um tanto quanto abandonado, necessitado de uma faxina. Uma camada de pó parecia
cobrir os armários. Papéis estavam espalhados pelo balcão a sua frente. Os
eletrodomésticos pareciam ter sido usados recentemente. A luz fraca que mal
iluminava o lugar não amenizava a atmosfera.
—
Estamos numa cozinha? —
Indagou Victor, erguendo uma sobrancelha.
—
Sim. — Respondeu
Henry. — Mas não
qualquer cozinha, mas... Não, você não parece se lembrar. — Ele olhou rapidamente para
Anna. — Gentil como
sempre, não?
O rapaz olhou para a mulher. Apesar de grande
e de seus passos serem pesados, ele não havia reparado ela se movimentando. Ela
voltava da pia com um copo de água na mão direita. Calmamente, Anna andou até
Victor e o entregou a bebida.
— Obrigado... — O rapaz agradeceu enquanto pegava o copo.
Até o momento, Victor não havia se dado conta
do quão secos seus lábios e sua garganta estavam. Assim, ele bebeu a água
rapidamente, derramando um pouco, não saciando sua sede, mas conseguindo
amenizá-la.
—
Então... — Henry
limpou a garganta. —
Vamos?
—
Para onde?
—
Até Edgar Dupond.
Isso vai ser bom.
Victor não disse mais nada.
Apenas deixou o copo vazio sobre o balcão da cozinha e seguiu Anna e Henry.
Calmamente, os três andaram
pela casa.
O lugar não era muito luxuoso,
mas certamente era espaçoso. Apesar de não muito arrumado, era, de certa forma,
aconchegante.
O silêncio seria absoluto se não
fossem pelos seus passos e respirações.
Henry sorria, mantendo-se
quieto, permitindo que Victor pudesse tentar recobrar suas memórias calmamente.
Anna agia como sempre.
Victor, então, fazia o que Henry esperava que
ele fizesse.
Após alguns instantes, o trio
chegou até uma pequena porta debaixo de uma escadaria.
—
Chegamos. — Henry
sorriu e, então, destrancou a porta.
Victor sentiu vontade de
perguntar se havia alguma passagem ali em baixo. Porém, não perguntou. Afinal,
a resposta veio abruptamente.
Henry puxou um homem de dentro
do minúsculo cômodo. Com uma expressão aterrorizada, o sujeito encarou os três.
Impotente, ele não podia fugir, pois estava imobilizado por correntes, e nem
gritar, pois estava amordaçado.
—
Nós o deixamos vivo, o mais vivo possível, para você, Victor. — Disse Henry com um
sorriso macabro no rosto.
—
O quê!? — O rapaz
ainda estava assustado com a cena. —
Como... Como assim!?
—
Para você ter a sua vingança, é claro.
—
Vingança...? — Ele
fez uma breve pausa. —
Eu nem me lembro do que ele fez...
—
Quem você acha que invadiu sua casa e fez isso com você? Quem você acha que foi
o filho da puta que tentou quebrar o seu corpo como um troglodita? E te prender
no labirinto? Quem você acha que fez tudo isso!? E, por cima de tudo, se
aproveitando de um momento de fraqueza e descuido nosso... Tamanha audácia...
Tem que ser punida.
Victor, então, olhou para o
homem aterrorizado no chão. Ele podia ouvir os murmúrios abafados. O rapaz
podia sentir o medo de Edgar Dupond.
—
E por quê? — Indagou
Victor. — Por que ele
fez isso?
—
Aparentemente, a noiva dele morreu. —
Henry respondeu calmamente.
—
E eu sou o culpado?
—
Indiretamente. Você não a matou, mas... Possibilitou a morte dela.
—
Ah... — Ele esboçou
um sorriso. — Eu sou
um monstro mesmo, não é...?
—
Algumas pessoas podem concordariam. Outras, discordariam. Sabe... Muitas
pessoas te admiram, te idolatram. Muitos te consideram um gênio.
—
Mas eu sou um assassino, não é mesmo?
—
Na verdade... Não.
—
Como... Como assim?
—
Você normalmente evita matar as pessoas. As mortes acabam sendo consequências inevitáveis
aos seus trabalhos.
—
E meus trabalhos...? O que seriam?
Henry, então, sorriu e sacou
uma faca, estendendo-a para o jovem. A arma, que tinha o cabo adornado com
prata, cintilava tanta quanto os olhos de Victor ao vê-la.
Instintivamente, o rapaz a
pegou das mãos do suposto amigo. Uma sensação familiar o atingiu, deixando-o
relaxado e o fazendo sorrir.
Tudo faz sentido agora, não?
—
Anna... — Victor a
chamou. — Pode me
ajudar a levantar o senhor Dupond para uma de nossas salas especiais?
Mulher assentiu e prontamente, levantou Edgar
do chão.
Deixe-me assumir... Assumir como antes...
—
Algo me diz que você se lembrou... —
Disse Henry calmamente. —
De tudo... Não?
—
É claro, meu caro Henry. —
Seus olhos, agora, tinham um brilho diferente. Sua voz, agora mais grave, soava
mais confiante. — Eu
estou de volta. E pronto para fazer um show! —
Ele sorriu e, então, levou uma mão ao rosto deformado. — Ainda bem que eu tenho a minha máscara, não?
—
Sim, senhor. — Ele
sorriu. — Eu a
pegarei para você, bem como o resto de suas roupas.
—
Ótimo, meu caro! —
Ele sorriu. —
Aliás... Tenho que ver Dylan Roe. Mais tarde, não agora.
—
Mas é claro... Tudo a seu tempo. —
Henry riu, alegre. — Ah...
Como é bom ter você de volta, Dr. Asmodeus...
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