segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Os Escolhidos, Capítulo 2

Mais dois dias haviam se tornado História.
Já havia passado das nove da manhã.
Daisuke havia resolvido dar uma volta pelo parque perto de sua casa. Vestido como sempre, ele acabava se destacando do resto. Afinal, roupa social não era o que a maioria das pessoas usava para passear num parque. Entretanto, era assim que ele se sentia confortável, um hábito imposto há muito tempo que se tornou completamente normal agora.
O sol fraco e o ar refrescante que vinham por entre as árvores deveriam ter feito bem ao rapaz. Sob condições normais, aquilo teria o deixado mais disposto do que uma xícara de café. Porém, ele tinha muito em mente.
A afirmação não se referia apenas ao encontro com Redmind. Não, aquele jovem já tinha cicatrizes causadas por 2015. Esse ano deveria ser um começo novo, em uma cidade nova, em um país novo. Uma tela em branco ao dispor de Daisuke, uma jornada sobre uma estrada pavimentada com as lições já aprendidas.
Um acordo com um deus? Um poder sobre-humano? Outras pessoas como ele? Essas não seriam coisas emocionantes para um ano novo? Então por que ele não conseguia se animar? Por que tudo o que ele conseguia sentir era raiva do seu passado, relembrando amargamente de suas decepções?
Café. E algo para ler. É disso que eu preciso.
Com isso em mente, ele voltou para casa para pegar seu livro de cabeceira e sua carteira, em seguida, fez uma caminhada até uma cafeteria que ele frequentava mais vezes do que deveria.
Ainda era cedo. Sentado a uma das mesas do lado de fora do estabelecimento, Daisuke lia seu livro pela enésima vez. Entretanto, não parecia as palavras, afinal, sua mente não estava focada naquilo.
Calmo por fora, ninguém ousaria dizer que Daisuke era tão atormentado pela própria mente.
Era uma pena um dia como aqueles estar sendo desperdiçado pelo rapaz, aparentemente incapaz de aproveitar qualquer coisa.
Porém, aquilo estava para mudar.
Daisuke começou a se sentir desconfortável. Porém, não sabia dizer o que era exatamente. Não era uma onda súbita de calor ou uma coceira em alguma parte do corpo. Era algo mais inquietante que, a cada segundo, piorava, beirando o insuportável.
Ah... Oi? Ela tentou chamar a atenção de Daisuke.
Ele abaixou o livro e olhou por cima dos óculos. Uma jovem, que não devia ter muito mais de vinte anos, sorria para o rapaz.
As roupas que ela vestia eram simples, porém, caiam bem nela. Apesar de bonita, com cabelos loiros cacheados e olhos castanhos escuros, parecia não chamar muita atenção por onde passava. Claramente era a escolha dela.
Oi... Disse Daisuke não muito animado.
Então... Tudo bem? A garota perguntou.
Diga logo o que quer. Disse o rapaz rispidamente, lançando um olhar gélido.
Ah... Ela engoliu em seco. Claro, claro! Soltou uma risada nervosa. Então... O meu nome é Lidia Belrose e, você não vai acreditar, mas... Ah...
A jovem desviou o olhar de Daisuke por um instante e coçou a nuca.
O que foi? Perguntou o rapaz.
Bem... Lidia esboçou um sorriso. É que, agora, percebi que o que eu ia falar... Bem... Iria parecer completamente louco, sabe? Não teria como você acreditar...
Não tire conclusões precipitadas. Ele puxou uma cadeira do lado dele. Sente-se. Acalme-se. Fale. Nessa ordem, ok?
Lidia assentiu e, então, sentou-se.
Então... Ela limpou a garganta. Eu... Sonhei com você... Sabe?
Ah... Daisuke não parecia muito surpreso. E o que eu fazia nesse sonho?
Nada! Digo... Exatamente o que você estava fazendo, sabe? Lendo aqui. Reconheci o lugar do meu sonho por que moro não muito longe daqui e...
E por que decidiu vir até mim?
Ah... É que só vejo outras pessoas especiais em meus sonhos.
Eu? Especial? Ele esboçou um sorriso. Sinto-me lisonjeado.
Bom. Ela sorriu. Mas... Você sabe por que você é especial, não é?
Eu poderia citar alguns motivos... Mas, vá logo, me diga o seu porquê.
Meu... Um deus veio até você também, não é?
Sim. Daisuke olhou no fundo dos olhos da garota. E é por isso que não entendi por que você decidiu vir até mim.
Você não me pareceu do tipo perigoso no meu sonho. Assim, você é alto e parece forte, mas não parece alguém que tentaria me matar, sabe? Ao contrário de um outro cara que vi... Só não sei muito bem de onde ele é...
Certo... Ele bebeu o último gole de café em sua xícara. Então... Premonições, foi isso o que você pediu?
Bem... É complicado.
Claro. O rapaz estendeu uma mão. Deixe-me entender então. Dê-me sua mão.
Ah... Como assim?
Confie em mim.
Hm... Ela fez uma careta. Bem, eu disse que você não parece o tipo de cara que tentaria me matar, mas...
E você acha que eu faria isso em público?
Lidia olhou em volta. Podiam não haver muitas pessoas na cafeteria, na calçada ou até mesmo dirigindo seus carros na rua, mas, mesmo que Daisuke pudesse atirar fogo de suas mãos, não parecia ser muito sábio fazer aquilo naquela situação.
Ah... Ela soltou uma risada nervosa. Ok. Vamos...
No momento em que ela tocou na palma da mão do rapaz, Lidia sentiu uma sensação estranha percorrer seu corpo e, pelos próximos segundos, não sentiu o tempo passar. Foi como se sua mente tivesse sido congelada por alguns instantes.
Enquanto isso, Daisuke aprendeu tudo o que era possível sobre Lidia. Hobbies, filmes favoritos, características de outras pessoas que a irritavam. Nada podia ser escondido, e isso incluía o porquê de cada coisa.
Ele aprendeu que Lidia queria prever o futuro para se precaver, e precaver aqueles próximos a ela, sobre eventuais infortúnios, algo que praticamente parecia uma maldição na vida da garota. De assaltos que custaram celulares e à vez que seu irmão morreu reagindo a um, a jovem sorria para não sofrer com aquelas lembranças. Era quase como se ela se culpasse por não ter podido prever aquelas coisas.
A maldição imposta pelo deus dela era a inconveniência das previsões. Afinal, elas podiam ser sobre qualquer um escolhido por um deus menor. Além disso, as premonições podiam vinham enquanto Lidia dormia, atrapalhando seu sono. E no quesito inconveniências, a garota já estava farta, das pequenas às grandes, Porém, ela continuava forte, sorrindo.
A condição para a maldição chegar ao fim seria matar alguém. A sangue frio, ela deveria tirar a vida de alguém usando uma faca. Sabendo que Lidia era o tipo de pessoa pacífica que evitava brigas, aquele era um requerimento que ela dificilmente cumpriria.
Porém, o deus também sabia que a jovem havia presenciado a morte do irmão naquele dia fatídico. Sendo que o rapaz havia sido morto por uma faca, a traumatizada garota raramente chegava perto delas, até mesmo em sua cozinha. Matar alguém utilizando uma lâmina era algo praticamente impossível de ser realizado por Lidia.
Entendo... Daisuke murmurou.
Ah... Lidia piscou várias vezes rapidamente. O quê...?
Relaxe. Ele pediu num tom de voz calmo.
Hm... Ela sorriu sem saber o motivo. O que aconteceu?
Eu posso aprender algumas coisas sobre as outras pessoas assim. O rapaz apertou gentilmente a mão de jovem que ele ainda segurava. Posso entender o que você sente, mesmo que nem você mesma entenda.
Ah... Que poder... Interessante?
Sim. Eu prefiro o termo útil, mas interessante não é uma má palavra.
Claro. Ela sorriu por um instante. E por que esse poder? Só por curiosidade?
Suponho que sim. Psicologia me fascina. A mente humana me fascina.
E ajudar os outros com essas informações...?
É um bônus.
Ah... Lidia riu. Você é o melhor psicólogo do mundo então, hein?
Praticamente isso.
Bem... Só espero que você não tenha xeretado muito na minha cabeça.
Mas é claro que não. Daisuke mentiu e esboçou um sorriso.
Ótimo... Gosto de ter minha privacidade. Ela sorriu.
Mas é claro...
Daisuke parou de falar. Afinal, aquela sensação voltou: a mesma que sentiu quando Lidia se aproximou, e a garota parecia ter sentido também.
Os dois se voltaram para a direção de onde um sujeito encapuzado vinha. Andando calmamente, com a cabeça baixa, ele atravessou a rua, chegando à calçada da cafeteria. Faíscas, apesar de quase invisíveis, saiam de seu corpo, percorrendo suas roupas
Ele pode sentir a gente também...? Indagou Lidia.
Algo me diz que sim... Daisuke abriu sua carteira e deixou dinheiro o suficiente em cima da mesa para pagar pelo seu café e deixar uma bela gorjeta para o garçom.   Vamos.
Lidia não discordou. Com passos apressados, os dois saíram da cafeteria. Com passos igualmente rápidos, o desconhecido os seguiu. O som das faíscas, porém, soava cada vez mais alto. O pelo de suas nucas se eriçaram.
Melhor começarmos a correr agora... Lidia sugeriu timidamente.

Agora, foi Daisuke que não discordou com a garota.

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