The Wretched Angel
O
Anjo Desgraçado
—
Eu não morreria tão facilmente. —
Migrasi disse com uma voz extremamente rouca. —
Eu sobrevivi... — Ele
tocou o lado danificado da própria face. —
Eu sobrevivi a isso. Acho que isso prova que eu sou ao menos um pouco
resistente, não?
—
Bem...eu não posso afirmar. —
Tristan respondeu. —
Não sei como você conseguiu se ferir tão gravemente. A única coisa que eu
presumo é que isso não resultou da queda.
—
Sim...esse é o motivo da máscara.
—
E de você também não falar, certo?
Migrasi assentiu com a cabeça.
—
Vamos discutir isso em outro local. —
O Anjo disse. — É bem
provável que mais alguém tente nos atacar se permanecermos aqui.
—
Claro. — Tristan
concordou. —
Mas...não há tanta razão assim para você se preocupar.
—
Ah...mas...por quê?
—
Gabriel e Shadowing estão seguindo com o plano.
—
E...você ficou aqui...para se certificar de que eu estava vivo?
—
Sim. Não precisa agradecer.
—
Se você diz... —
Migrasi respirou fundo. —
Mas...e quanto a missão?
—
Nós nos juntaremos ao ataque.
—
A partir daqui? Um ataque surpresa?
—
Sim.
—
Ora... — O Anjo
sorriu. — Perfeito.
Vamos?
—
Claro.
Migrasi abriu suas asas alvas e
voou para o topo do castelo. Tristan surgiu rapidamente do seu lado. Os ventos
sopravam mais calmamente agora. Entretanto, ainda nevava. Migrasi parecia não
se importar. A neve tocava gentilmente toda a superfície de seu rosto.
—
Isso...não te incomoda? —
Tristan indagou.
—
Para ser honesto, eu até estou gostando. —
O Anjo esboçou um sorriso. —
Não é sempre que o meu rosto fica descoberto. Essa sensação...é maravilhosa. Eu
estou me sentindo realmente livre.
—
Entendo...
—
Surpreso pelo fato de que a neve não fere o meu rosto?
—
Um pouco. Como eu havia dito antes, eu não conheço a origem dessa ferida.
Parece ser uma mistura de uma queimadura profunda com...cortes e...eu não sei.
Um golpe de uma clava, talvez?
—
Bem...nem eu sei direito. —
Migrasi tentou sorrir, mas não obteve muito sucesso. — Isso foi há tanto tempo...
—
Mas...você não se lembra de nada?
—
Não com muita exatidão. Eu só me lembro que isso foi o trabalho de um Demônio. — O Anjo tocou a ferida
novamente. — Eu...nem
me lembro muito bem do rosto dele. Lembro-me apenas de um vulto negro e
vermelho...e, é claro, das chamas negras. —
Ele bufou. — Eu era
extremamente inexperiente na época. Eu fui surpreendido por aquele Demônio.
—
Era a sua primeira missão?
—
Sim... — Migrasi
arregalou o seu único olho para Tristan. —Como
você...?
—
Ser surpreendido por um inimigo e receber um único ataque que resultou em
tamanho estrago... —
O guerreiro das Trevas se adiantou. —
Você não tinha nem experiência, nem resistência. Mas...admito que a sua vontade
de continuar vivendo...bem, creio que foi isso que o salvou.
—
Acredito que você está certo...em relação a tudo o que você falou...
—
Ainda restam perguntas.
—
Ah...sim. Quanto à falta de recuperação do meu rosto e o porquê de eu ter usado
a máscara, certo?
—
Sim.
—
Bem...creio que o fato de eu não ter muita resistência e não conhecer nenhuma
magia curativa muito eficaz...resultaram nisso.
—
Certo...mas por que você não recorreu a alguém mais experiente em magias
curativas?
—
Pelo mesmo motivo que eu usava uma máscara.
—
Ah...claro...que seria...?
—
Bem... — Migrasi
bufou. — Isso vai
soar muito estúpido para você...
—
É algo normal para vocês, seguidores da Luz?
—
Sim...principalmente para Anjos.
—
Então...é. É bem provável que isso soe muito estúpido para mim.
Migrasi riu.
—
Então...? — Tristan
indagou. — Qual o
grande motivo?
—
A aparência. — O Anjo
respondeu cabisbaixo.
“Como!?”.
Migrasi encarou Tristan.
—
Você...não vai falar nada? —O
Anjo perguntou.
—
Eu...sinceramente não sei o que dizer. —
O guerreiro das Trevas riu. —
É algo tão ridículo que eu não sei o que dizer. —
Ele riu ainda mais alto. —
Por acaso você já viu nós, seres das Trevas? A grande maioria é horrenda! Se
nós não permitíssemos Demônios, assassinos, mercenários, ladrões e magos que
apresentassem algum tipo de deformidade ou...que simplesmente fossem
feios...bem, nós teríamos um exército de menos de vinte soldados.
Migrasi sorriu. Rapidamente, a
expressão no rosto do Anjo se tornou pensativa.
—
Bem...na cidade de Leviathan...as coisas não são assim. — O Anjo bufou. —
A aparência é muito importante. O próprio Lorde da Luz criou os primeiros Anjos
para serem extremamente belos. Logo, os seguidores da Luz passaram a os admirar
e, conseqüentemente, passaram a se preocupar com sua própria aparência. Não
creio que essa foi a intenção inicial de Leviathan, mas...acredito que ele
aprovou a ambição pela estética de sua população.
—
Sim...eu percebi isso quando passei por sua cidade. — Tristan suspirou. — Até as construções eram excessivamente
belas... —Ele riu com
desdém. —
Extremamente desnecessário, se você me perguntar.
—
Bem...eu não pensava assim...até que isso aconteceu comigo. A partir daquele
momento...tudo mudou. —
Migrasi riu. — Eu era
tão belo e fútil quanto os outros Anjos. Por isso a máscara. Eu não queria que
os outros me vissem do jeito que eu estava. Eu mesmo a forjei. Mas...com o
tempo, o significado dela mudou.
—
Como assim?
—
Antes, eu queria esconder o meu rosto dos outros para que eles não soubessem
que eu estava feio. Isso era motivado apenas pela minha futilidade. Mas...após
algum tempo, percebi o olhar das pessoas em volta de mim. Elas...não gostavam
da máscara, exatamente por ela ser considerada feia, pelo menos, próxima ao
rosto de um Anjo. Eles acreditavam que eu estava renunciando a beleza dos
Anjos. Mas não era verdade. Eu perdi a minha beleza contra a minha própria
vontade. Entretanto, não tinha como eles saberem disso. Mas, graças a esse
preconceito deles, eu cheguei a uma conclusão.
—
E qual seria?
—
Eles não teriam piedade comigo caso eu mostrasse esse meu rosto deformado. O
ódio e o nojo deles seriam ainda mais intensos em relação a mim. — Migrasi riu com desdém. — Sinceramente, eu estaria
morto há muito tempo. Muitos deles não vêem utilidade em um Anjo feio.
—
Patético.
—
Eu sei. Mas essa é a nossa realidade...
—
Entendo... — Tristan
bufou. — Creio que o
Leviathan aproveitou esse ódio pela feiura para vocês odiarem ainda mais os
seres das Trevas.
—
Ah...bem... — Migrasi
coçou a parte da nuca que tinha cabelo. —
Nossa...
—
O que foi?
—
O que você disse...
—
Sim?
—
Faz muito sentido. —
O Anjo riu. — Nossa!
Você disse isso com tamanha simplicidade...
—
Bem...sim. — Tristan
sorriu. —
Sinceramente, a idéia me pareceu um tanto quanto óbvia.
—
Talvez para você. Realmente, o Escolhido do Lorde das Trevas foi selecionado
com maestria, devo admitir.
—
Está me bajulando agora?
—
Ora...eu posso parar, se isso te incomodar.
—
Não me incomoda. Só não estou acostumado. —
Tristan riu. — Eu
deveria ser elogiado mais freqüentemente.
—
Talvez. — Migrasi
riu.
—
Mas...eu creio que o motivo de tanta...ah...bondade na sua fala...é por que
você já estava a tanto tempo sem poder falar com ninguém.
—
Eu estava pensando exatamente na mesma coisa. —
Ele riu. —
Fazia...tanto tempo. Tanto tempo que eu não falava com alguém. A minha
dor...era somente minha. Ninguém sabia dela. Eu... — Uma lágrima escorreu pelo rosto de Migrasi. — Obrigado. — Ele olhou para o rosto de
Tristan e respirou fundo. —
Muito obrigado.
—Ah...
— O guerreiro sorriu.
— Não se preocupe.
Não fiz nada demais.
—
Talvez para você. Para mim...fez toda a diferença. Já fazem quase cem anos que
eu vivia escondendo o meu rosto e a minha voz.
—
É...vocês, Anjos, realmente vivem por muito tempo quando não atravessam vocês
com uma espada.
—
Suponho que sim. —
Migrasi sorriu.
“Ótimo...eu estou tendo uma
conversa séria e sentimental com um Anjo. A lista de coisas improváveis
continua a crescer”.
—
Creio que você seja um dos Anjos mais poderosos, não? — Tristan indagou.
—
Ah...sim...de certa forma. —
Migrasi respondeu timidamente. —Eu
sou, provavelmente, o mais rápido, principalmente no ar. — Ele sorriu. — Você está perguntando
isso por que eu fui o escolhido para esta missão, não?
—
Sim, mas também existe outro motivo.
—
E qual seria?
—
Os outros seres da Luz. Eles te toleraram. Eles toleraram a sua máscara. Caso
você não fosse um bom soldado, eles teriam te expulsado da cidade...ou até,
talvez, você já estivesse morto agora.
—
Sim, eu sei. Foi isso o que me motivou. Ser o melhor possível...para continuar
vivendo como um Anjo. —
Migrasi suspirou. Em seguida, ele olhou para o rosto de Tristan — E você? Algo triste para
compartilhar?
—
Sim...mas não agora.
—
Por que não?
Tristan apenas apontou para
frente. Dois vultos se aproximavam pelo céu. O som de um exército marchando se
tornou cada vez mais ruidoso. Tristan e Migrasi voaram para o alto. No
horizonte, um exército de Luz e Trevas avançava em direção a cidade.
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