Dr. Asmodeus
O jovem acordou com abruptamente.
Com um solavanco, ele levantou o tronco, sentando no chão
gelado.
Sua respiração estava ofegante e acelerada. Ele soava
como se tivesse quase morrido afogado, sendo salvo no último instante.
Suas memórias estavam turvas, fragmentadas. Seu corpo
estremecia de dor toda vez que ele inspirava ou expirava. O cheiro pútrido que
pairava no ar não melhorava a situação.
O rapaz olhou para frente. Uma porta de barras de ferro
bloqueava a passagem, mas permitia a entrada de um pouco de luz. Ele estava,
aparentemente, numa cela.
O jovem não fazia ideia de como havia chego ali.
—
Olha só quem acordou... —
Disse uma voz atrás dele.
Rapidamente, o jovem se voltou para trás. Ele, então, viu
sua interlocutora.
Uma mulher estava sentada no chão com as costas apoiadas
numa parede. Sob as sombras, ela permanecia como uma silhueta para o rapaz.
—
Já estava na dúvida se você estava vivo... —
Ela disse com a voz arrastada, claramente cansada.
—
Hm... — O jovem
limpou a garganta. — Quem
é você...? E onde estamos...?
—
Eu me chamo Marie... E estamos num show...
Pelo menos, de acordo com Asmodeus... —
A mulher bufou. —
Aquele desgraçado...
—
Ah... Certo... — Ele
levou uma mão à cabeça. —
E como eu cheguei aqui?
—
Se você não sabe, não tem como eu saber. Você estava apagado desde antes de vir
para cá?
—
Eu... Eu não sei.
—
Não se lembra de nada?
—
Não muito... — Ele
balançou a cabeça para os lados. Em seguida, ela começou a latejar. — Desculpa...
—
Hm...
Marie se levantou, andando calmamente até o rapaz.
Ele se espantou com a visão. Com seus olhos arregalados,
o rapaz viu detalhadamente Marie. Sob a luz fraca, suas roupas em frangalhos e
manchadas de sangue eram difíceis de não se notar. As bandagens, agora
amareladas, cobriam braços, pernas e até o topo esquerdo de sua cabeça. As
poucas partes de sua pele cor de caramelo que estavam visíveis eram marcadas
por cicatrizes. Esse era o caso de sua bochecha esquerda, por exemplo. A marca
avermelhada seguia de seus lábios até quase sua orelha esquerda.
Com seu único olho verde descoberto, ela fitava o rapaz
atentamente.
—
O que aconteceu com você...? —
O jovem indagou chocado.
—
O show de Asmodeus. —
Ela respondeu secamente. —
Foi isso o que aconteceu. Mas... —
Marie fez uma breve pausa. —
Quanta a você... Eu não sei dizer...
—
Como assim?
—
Olhe pra você mesmo.
Ele não questionou. Olhar de relance para seus braços foi
o suficiente para fazer seu coração disparar.
—
Mas o quê...? — Ele
arfou.
Toda a superfície de seu corpo estava coberta por faixas.
As suas, brancas, pareciam bem recentes.
Lentamente, o rapaz se levantou. Os músculos de suas
pernas pareciam queimar com a dor.
—
Isso pode ter acontecido depois que o Asmodeus brincou com você. —
Disse Marie sem entusiasmo. —
Ou, então, antes mesmo de você vir para cá. Enquanto sua memória estiver assim,
não temos como saber.
—
E esse tal de Asmodeus? —
Ele indagou. — O que
exatamente ele faz?
—
Basicamente, ele te tortura pelo entretenimento de uns merdas doentios.
—
Como assim...?
—
Ele te arrasta para alguma sala, digamos, privada. Lá, ele vai fazer o que as
pessoas pagam para ele fazer. Arrastar a lâmina de uma faca pelo seu corpo...
Cortar algumas partes... Queimar outras... Qualquer coisa que quiserem.
—
Hm... — O jovem
assustado. — E isso
aconteceu com você...?
—
É. — Ela apontou para
as bandagens no rosto. —
Ta vendo isso?
—
Sim...
—
Não ache que eu tenho um olho aqui m baixo, ok?
—
Ah... Ok...
—
Isso sem contar com o que ele fez pelo resto do meu corpo... Com a merda
daquela faca... —
Marie estremeceu. — O
desgraçado riu o tempo todo... Ele tinha a droga dum sorriso no rosto enquanto
passava a ponta daquela faca como se fosse a porra dum pincel, como se eu fosse
uma obra de arte dele... Isso porque alguém pedia aquilo. — Ela trincou os dentes. — Eu ouvia a voz de alguém
vindo por uma caixa de som. Algum pau no cu pervertido tava se divertindo vendo
aquilo de algum lugar, tenho certeza. A voz daquele bosta me dava essa
certeza... E imagino que ele deva ter pagado uma boa grana pra ver aquilo. — A mulher bufou. — E sabe a pior parte...?
O jovem não conseguia dizer nada. Praticamente
paralisado, ele apenas ouvia o que Marie dizia.
—
Enquanto eu chorava e gritava amordaçada, eu ouvia a voz daquele merda mandando
o Asmodeus levar a faca dele até... —
Ela cerrou os punhos. —
Até a minha...
—
Pare! — Pediu o
rapaz. — Eu... Eu já
entendi... — Disse
num tom tristonho. —
Não precisa dizer mais nada...
Marie olhou diretamente para os olhos do jovem a sua
frente. Os dois orbes com íris cor de mel tinham um brilho que ela não via
fazia anos.
—
Seus olhos... — Marie
murmurou. — São
gentis...
—
Hm... — Ele pareceu
um pouco confuso. — E
o que isso...?
—
Não sei como você veio parar aqui. —
Ela disse rapidamente. —
Não faz sentido. Todos os que caem aqui são da escória da humanidade, sabe?
Pessoas cheias de inimigos ou que, então, se sumirem do mundo não vão fazer
falta. Você não faz ideia de quantos ladrões, prostitutas e assassinos estão
aqui... Pessoas que vivem cercadas de ódio e violência... — Marie balançou a cabeça
para os lados. — Não
sei como alguém inocente como você foi parar nesse inferno...
—
E eu muito menos... —
O rapaz bufou.
Sem dizer nada, Marie foi até um canto da sala. De lá,
ela voltou com um pedaço de pão e uma garrafa de água que estava pela metade.
—
Tome. — Ela ordenou. — Você vai precisar.
O rapaz pegou o pão e a água. Sua boca estava seca. Seu
estômago, roncando. Sem questionar Marie, ele deu uma mordida no pão seco e deu
um gole na garrafa em seguida.
—
Vamos ter que pegar mais depois. —
Ela disse.
—
Mais? — Ele indagou
enquanto mastigava um pedaço de pão. —
Onde?
—
Lá fora. — Marie
apontou para a porta da cela. —
No meio do caos.
—
Caos?
—
É. É lá onde a maioria dos capturados ronda.
—
Por quê?
—
Porque lá é onde todos são jogados para sobreviver como animais selvagens.
Também faz parte do show. Tem câmeras em todos os cantos. Nada transmitido para
emissoras de TV, sabe? Uma casta especial de merdas vê essa porra doentia como
se fosse um reality show. —
Ela bufou. — Nós só
estamos aqui dentro, seguros, porque eu peguei a chave para essa cela. Depois
conto esse rolo. Só saiba que, trancados aqui, podemos dormir com tranquilidade.
—
Você que me trouxe pra cá?
—
Sim. Depois que te achei jogado, inconsciente, aqui por perto.
—
Entendi... Bem... Obrigado.
—
Não agradeça ainda. —
Apesar do tom sério, ela esboçou um sorriso. —
Temos que sair daqui ainda. Vai ser útil ter alguém ao meu lado.
—
Eu posso ajudar. — O
jovem disse determinado. —
Mas... O que você quis dizer com sobreviver
lá fora? O tal de Asmodeus caça tantos de nós ao mesmo tempo?
—
Não. Mas, sabe, esse lugar não é bom pra sanidade. Muitos acabam surtando,
atacando uns aos outros... Comendo uns aos outros... E raramente da maneira
divertida.
—
Mas... — Ele engoliu
em seco, incrédulo. —
Você não disse que tem comida lá fora? Pão e água?
—
Sim. Até outras coisas. Até armas e remédios. Mas são poucos. Os Executores não
trazem o suficiente para todos. Isso, é claro, também faz parte do show.
—
Ah... Executores? Quem... Quem são esses?
—
Funcionários do Asmodeus. Não sei quantos são ao todo porque todos se parecem.
São uns monstros de mais de dois metros de altura. E eles também carregam
alguma arma exageradamente grande. —
Ela fez uma breve pausa. —
Eles fazem as entregas de suprimentos e matam qualquer um que fique no caminho
deles. Também levam as pessoas para as salas de tortura e as trazem para cá,
conosco, nesse inferno.
—
Então... Eles entram e saem desse lugar a bel prazer? — Ele tomou um grande gole de água.
—
Praticamente... — Marie
sorriu. — Acho que
você pensou na mesma coisa que eu.
—
Não parece muito prático lutar contra eles... Mas... Talvez... Possamos roubar
alguma chave, não? Deve ter uma porta em algum lugar para sair daqui.
—
Tem sim. Sei onde fica. Mas precisamos dessa chave. — Ela suspirou. —
Espero que você seja rápido e consiga me ajudar...
—
Hm... Também espero, mas... —
O rapaz olhou para a garrafa praticamente vazia em sua mão. — Vou precisar de mais
água.
—
Sem problema.
—
E algum analgésico cairia bem também.
—
Hm... Talvez achemos algum nos suprimentos. Mas eu nunca vi...
O rapaz andou até a porta da
cela. De lá, ele apenas podia ver a parede cinzenta do outro lado do corredor.
O cheiro pútrido do lugar já não o incomodava tanto mais. Calmamente, ele deu
mais uma mordida no pão
—
Ei... — Marie apoiou
uma mão no ombro dele. —
Vamos sair daqui vivos se seguirmos o plano. Não se desespere, ok?
—
Edgar... — Ele
murmurou.
—
Oi...?
—
Edgar. — Ele se
voltou para ela com um sorriso sincero por entre as ataduras. — Acho que esse é o meu nome...
—
Edgar... — Ela sorriu
de volta. — Gostei do
nome. Agora... — Ela
colocou uma chave na fechadura e destrancou a porta. — Vamos?
Edgar assentiu. A porta foi
aberta. Os dois saíram da segurança da sala e adentraram o princípio do caos.
O piso era irregular,
quebradiço. O teto escuro segurava eventuais lâmpadas fracas de luz amarela. As
paredes cinzentas estavam cobertas de rachaduras e eventuais trepadeiras.
Murmúrios, grunhidos e alguns gritos eram ouvidos à distancia, mais claros agora
fora da cela.
—
Hm... — O jovem
olhava desconfortável para todos os cantos. —
O que é esse lugar exatamente...?
—
Isso... — Marie
trancou a porta atrás deles. —
É algum tipo de prisão. Ou era. Pelo menos, é o que eu acho. Deve ter sido
abandonado por algum motivo...
—
E o Asmodeus tomou o lugar?
—
Não sei como. Não sei por quanto. Mas... É. É o que eu acho. — Ela suspirou. — Mas tenho certeza que a
origem desse lugar é um mistério a parte nesse inferno...
—
Por quê?
—
Basicamente? Porque estamos debaixo da terra.
—
Como...?
—
Ou resolveram não fazer nenhuma janela. —
Marie cruzou os braços. —
Já devo ter cruzado esse labirinto inteiro. Pelo menos umas três vezes. Faz
tempo que não vejo o sol, ou sinto o vento no rosto... — Ela bufou. —
Sem contar que, às vezes, dá pra ouvir uns sons vindos de cima. Passos,
normalmente, descendo até aqui.
—
Os Executores e Asmodeus?
—
Isso. E também a Guardiã.
—
Guardiã?
—
Sim... — Marie fez
uma pausa, pensativa. —
Vamos andando enquanto eu explico, ok?
—
Ok...
Os dois começaram a andar. Seus
passos pareciam ecoar pelo corredor. As vozes pareciam se afastar e se
aproximar aleatoriamente. Edgar ficou tenso, estralando os dedos das mãos,
esperando que algo fosse pular de algum dos outros corredores. Marie, por outro
lado parecia tão calma que havia se perdido em seus pensamentos.
—
Ah... — O rapaz
limpou a garganta. —
Marie?
—
Hm... — Ela voltou o
olhar para seu interlocutor. —
Ah! — Arregalou os
olhos, espantada. —
Eu me distraí... Foi mal...
—
Sem problemas...
—
Então... A Guardiã... É assim que ela ficou conhecida. Ninguém daqui sabe o
nome dela. É o mesmo caso dos Executores. Só deram um nome, sabe? Enfim... Ela
está sempre junta do Asmodeus quando ele vem pra cá.
—
E ela é a mais forte que os Executores?
—
Em força bruta? Não... Não mesmo. Mas ela veste uma roupa blindada que mais
parece uma armadura e, é claro, um fuzil que eu já vi sendo usado.
—
Então mesmo que alguém tente atacar o Asmodeus à distância...
—
Ou mesmo em bando. —
Completou Marie. —
Não dá. Simplesmente não é possível. A não ser que muita gente se sacrificasse
de bom grado pra que outros fossem salvos...
—
O que não me parece muito provável...
—
Bem, é praticamente cada um por si aqui. É foda ficar em um grupo numa situação
como essa, sabe? Se a falta de confiança não te separa, algo vai acontecer pra
matar teu companheiro...
—
Experiência própria?
Marie parou de andar
abruptamente. Edgar fez o mesmo.
—
É... — Ela disse
baixo, cabisbaixa. —
Experiência própria...
—
Hm... — Edgar se
arrependeu de feito a pergunta. —
Ei... — Ele disse num
tom ainda mais gentil do que o de costume. —
Desculpa. Não precisa falar nada se te incomoda, ok? Eu só...
O rapaz não conseguiu terminar
de falar.
Quase como um animal selvagem,
uma pessoa pulou em suas costas, levando seus dedos ao pescoço de Edgar.
Assustado, o rapaz quase perdeu
o equilíbrio. Ele ficou sem saber o que fazer até sentir a respiração da pessoa
em seu pescoço. O bafo quente fez com que um calafrio percorresse sua espinha.
Edgar podia quase podia sentir os dentes de seu adversário se aproximando de
sua pele.
Seu corpo ficou agitado.
Rapidamente, o rapaz se jogou de costas contra a parede mais próxima. Seu
inimigo, entretanto, não caiu. Seus dedos afiados agarraram o pescoço de Edgar
firmemente.
Então, o rapaz viu algo passar
pelo lado de sua cabeça como um raio. O calcanhar de Marie acertou a face da
pessoa que estava nas costas de Edgar. O chute foi forte o suficiente para
derrubar o agressor e deixá-lo inconsciente.
—
Ah...! — O jovem
tentou gritar algo, porém, sua respiração arfante não o permitiu.
—
Pronto, pronto... —
Marie esboçou um sorriso. —
Já pode me agradecer.
—
Hm... — Edgar limpou
a garganta. — Bem...
Obrigado.
—
Não foi nada. Mas, sabe... Tente não surtar tanto da próxima vez...
—
Um pouco difícil manter a calma assim, não acha? Com alguém pulando nas suas
costas e tentando te morder?
—
Eu falei que tinham canibais e outras pessoas loucas aqui, não avisei?
—
Sim, mas... — Edgar
olhou na direção de seu agressor. —
Hm...
No chão, o rapaz viu claramente
a pessoa que havia o atacado.
Não passava de um garoto. Não
devia ter mais de catorze anos. Suas roupas também estavam em frangalhos. Seu
corpo era magro, ossudo. Sua pele, doentiamente pálida, estava coberta por
cicatrizes e ferimentos que pareciam mais recentes e avermelhados. Uma
expressão pacífica estava em seu rosto agora, como se fosse a primeira vez que
dormisse bem em muito tempo.
—
Não sabia que traziam crianças pra cá... —
Murmurou Edgar.
—
Mas trazem. — Marie
disse secamente. —
São raras as vezes, mas já cheguei a ver outras. Umas até menores. E garotas
não escapam dessa regra. —
Ela bufou e olhou melancolicamente para o garoto. — Eu não queria machucá-lo, mas era a solução
mais rápida. Espero que ele volte a si quando acordar...
—
E você acha que dá pra deixar ele aqui? Acha que vão deixar ele vivo?
—
Eu já tenho gente o suficiente pra manter viva, ok? Não quero que o garoto
morra, mas não quero ficar zanzando por aí arrastando um moleque apagado. Isso
vai nos atrasar. Além de nos deixar vulneráveis. Até mesmo voltar pra minha
cela agora, com o pirralho... Bem, talvez não voltemos.
—
Então... — Edgar
hesitou um pouco. —
Deveríamos deixar ele vivo?
—
Hm...? — Ela ergueu
uma sobrancelha. —
Você quer matá-lo?
—
Se for para ele ter um fim pacífico... Acho melhor...
Marie não disse mais nada. Ela
simplesmente puxou uma faca que deixava guardada no bolso de trás da calça e
apontou para Edgar.
—
Vamos. Pegue. — Ela
girou a lâmina entre os dedos, apontando agora o cabo da arma para o rapaz. — Se quiser matar, mate. Eu
não faço esse tipo de coisa.
—
Hm... — Edgar pegou a
faca após hesitar por um instante. —
Então... Você nunca matou ninguém?
—
Nunca. Nem aqui, nem lá fora. Não me importo de bater, esfaquear ou atirar em
alguém. Você quebra uns ossos, deixa umas cicatrizes e faz algum filho da puta
pensar duas vezes antes de mexer contigo. Mas eu nunca tirei uma vida. E
pretendo continuar assim.
—
Entendo. — Edgar
disse calmamente. —
Mas... Isso deve ter te dado problemas, não? Aqui em baixo, pelo menos...
—
É... Foi essa a experiência própria
que eu falei.
—
O que aconteceu?
—
De maneira resumida... —
Ela bufou. — Eu não
tive coragem de ir pra cima do Asmodeus.
—
Você tinha uma plano de ataque contra o Asmodeus!?
—
Eu não. Minha amiga tinha. Eva era o nome dela. Aquela idiota... — Marie suspirou. — Nunca vi ninguém tão
determinada. Ela e o Hector, o último membro do nosso trio feliz, resolveram
atacar Asmodeus e a Guardiã de surpresa. E a pior parte? Quase deu certo...
—
Mas você não foi junto com eles...
—
Talvez nem todos tivessem sobrevivido, sabe? Talvez só um de nós saísse vivo e
os dois estariam mortos agora. Sem Asmodeus, esse inferno teria acabado.
—
Mas você não conseguiria matá-lo.
—
Talvez eu pudesse ter rendido aquele merda. Talvez Eva ou Hector pudesse ter
dado o último ataque, sabe? Se eles quisessem matar, ótimo. Mas eu que não
pretendia manchar minhas mãos de sangue. Mas... Mas... — Ela engoliu em seco. — O olhar de Asmodeus para mim no momento do
ataque... Merda... Eu não consegui fazer nada. Fiquei lá, tremendo, paralisada
de medo enquanto meus amigos morriam. Aí o que eu faço? Fujo... Pra bem longe
dali... Longe de Asmodeus... E longe da vergonha... — Marie olhou determinada para Edgar. — Mas... Tenha certeza que
isso não vai acontecer de novo. Da próxima vez que eu ver aquele psicopata de
merda zanzando por esses corredores... Ele não vai sair vivo. Nem que eu morra
junto.
Edgar olhou para a faca em sua
mão. Em seguida, para o garoto no chão e, finalmente, para Marie.
—
Sabe... — Ele abaixou
a arma, ainda a segurando com a mão esquerda. —
Não vou matar ninguém também. A não ser que minha vida ou a sua esteja em
risco. Acho que eu devia ser assim lá fora, antes de perder a memória... — O rapaz sorriu. — Então, vou evitar manchar
as mãos de sangue também.
—
Hm... — Ela sorriu. — Tudo bem. Vamos em
frente. Já ficamos parados tempo demais.
—
Certo. Temos um Executor para achar.
Marie assentiu.
Porém, antes de eles voltarem a
andar, passos soaram próximos da dupla.
Os dois ficaram atentos.
Não sabiam quantos estavam
vindo. Talvez três ou quatro, mas não era certo. A única certeza era de que um
deles tinha passos pesados que ecoavam nos corredores.
Marie tinha um olhar
determinado no rosto. Edgar segurava o punho da faca com firmeza.
—
Se corrermos... — Ela
disse para o rapaz. —
Vamos atrair atenção demais. Evite correr sempre que possível, ok?
Edgar assentiu. Suas mãos
começavam a suar. Seu coração palpitava. Sua respiração acelerava.
Então, de um corredor, o
quarteto surgiu como se saíssem das sombras.
—
Olha só... — Um deles
disse.
O homem que havia acabado de
falar era pálido, alto, magro e tinha o cabelo castanho desgrenhado.
—
Não nos ouviram chegando, é? —
Uma mulher atrás dele riu.
Ela era um pouco mais baixa que
ele, além de ser tão magra e pálida quanto. Seus cabelos negros ensebados
escorriam pela testa e cobriam seu olho esquerdo.
Atrás dos dois, haviam os
outros dois integrantes do quarteto.
Um homem gigantesco sorria. A
montanha de músculos e gordura devia ter mais de dois metros de altura. Sua
pele era escura e, sua cabeça, calva.
Nenhum dos três primeiros tinha
ferimentos sérios ou ataduras no corpo, apenas os rostos sujos e as roupas um
tanto quanto danificadas.
O quarto membro, entretanto,
era diferente. O homem de estatura média tinha o corpo enfaixado quase por
completo, assim, assemelhando-se ao próprio Edgar.
—
Ouvimos vocês chegando. —
Marie respondeu secamente. —
Teríamos que ser surdos pra não ouvir os passos desse daí...
O sorriso do gigante ficou mais
largo.
—
O grandão aqui pode não ser muito furtivo... —
Concordou a mulher de cabelos escuros. —
Mas vai matar e comer vocês se o deixarmos.
—
Se ele nos alcançar, você quis dizer. —
Ela retrucou.
—
Você fala demais. — O
homem esguio falou um pouco irritado. —
Ainda mais... — Ele
sacou uma faca do bolso da calça. —
Pra alguém que está desarmada...
—
Chefe... — O gigante
disse com sua voz grave e, então, apontou para Edgar. — Aquele ali ta armado...
O magricela, líder do bando,
olhou friamente para Edgar.
O jovem, apesar de manejar uma
faca, tremia. Suas mãos suavam. Suas pernas estavam bambas. A própria ideia de
ter que usar aquela arma parecia o fazer sentir medo.
—
Ora... — O magrelo
sorriu maliciosamente. —
O que adianta ele ter uma faca se nem vai conseguir usá-la? — Ele olhou diretamente nos
olhos do rapaz e riu. —
Hein? O que você vai fazer? Você parece que vai começar a chorar e chamar pela
sua mãe...
O gigante e a mulher começaram
a rir junto com o chefe. O homem enfaixado, porém, continuava indiferente a
tudo, mantendo-se de braços cruzados e com o corpo encostado numa parede.
—
Edgar... — Marie o
chamou o mais calmamente que pôde. —
Tente manter a calma, ok? Eles...
Antes que ela pudesse terminar
de falar, o líder do grupo avançou contra Edgar.
O homem tinha um sorriso sinistro
no rosto. Ele mataria sem hesitar como já tinha feito tantas vezes. A ponta de
sua faca encontraria a garganta de sua vítima.
Marie gritou por Edgar. Após
isso, parecia que todo o lugar havia se silenciado após o som de uma faca
cortando através de carne. Duas vezes seguidas.
Uma faca caiu no chão. Sangue
começou a pingar em seguida.
Espantados, Marie e o bando do
homem esguio ainda não acreditavam no que haviam visto.
O homem magrelo caiu no chão,
incapaz de proferir suas últimas palavras com sua garganta dilacerada. Sangue
não só por ela, mas também pelo seu pulso direito, aquele que manejava a faca.
Mesmo com a cena acontecendo
bem diante de seus olhos, ninguém parecia conseguir acreditar que o jovem que
tremia a pouco havia desarmado e, em seguida, matado alguém com tamanha
destreza.
—
Edgar? — Marie o
chamou.
Ele, entretanto, não respondeu.
O rapaz parecia ainda mais perplexo do que ela.
—
Chefe...? — O rosto
da mulher foi tomado pela tristeza. Lentamente, ela, a beira das lágrimas,
aproximou-se do corpo caído dele e, então, olhou para Edgar. Seu semblante
rapidamente se contorceu, formando um sorriso macabro. — Filho da puta... Você ta fudido...
A mulher trincou os dentes. Sua
mão esquerda deslizou até a faca no chão. Armada, ela se levantou como se fosse
dar um bote. Seu grito de dor veio logo em seguida.
Edgar atacou antes que a
mulher. Sua faca atravessou o antebraço esquerdo de sua adversária, fazendo-a
derrubar sua faca.
Parecendo horrorizado, Edgar
puxou sua faca. O sangue, então, verteu do braço da mulher. Seus gritos
angustiantes foram trazidos a um fim quando Marie acertou seu cotovelo em sua
face.
—
Ah... — Edgar olhou
para a aliada. —
Eu... Eu não sei...
—
Aparentemente... —
Começou Marie. — Você
sabe manejar uma faca, mesmo que não se lembre...
—
Mas... Eu não queria matar ninguém... Eu...
Um grito de raiva interrompeu a
fala e o pensamento de Edgar.
O gigante olhava irritado para
a dupla.
—
Vocês... — Ele
grunhiu. — Vocês vão
pagar...
Com seus passos pesados, o
colosso avançou contra Edgar e Marie.
—
Tente fazer mais uma vez essa sua magia, ok? —
Ela pediu para Edgar.
Sem responder, ele engoliu em
seco.
No primeiro soco do gigante,
Edgar havia conseguido abrir um corte que ia do pulso ao cotovelo de seu
inimigo.
Com um grito retumbante de dor,
ele caiu de joelhos, tentando inutilmente o sangramento pondo a outra mão sobre
a ferida.
Antes que Edgar pudesse se
sentir mal, um som alto soou e o gigante caiu inconsciente no chão.
Edgar e Marie olharam,
espantados, para o homem enfaixado que havia derrubado o companheiro com um pé
de cabra.
—
Antes de qualquer outra coisa... —
Ele disse. — Meu nome
é Dylan. Prazer em conhecê-los.
—
Marie. — Ela se
apresentou. — E este
é...
—
Edgar. — Completou
Dylan. — Ouvi você
chamando-o pelo nome umas vezes agora pouco. —
Ele olhou para o rapaz dos pés a cabeça. —
E eu achando que eu tinha sido o único a me foder tanto assim nas mãos do
Asmodeus... Como foi...?
—
Ele não se lembra. —
Marie respondeu secamente. —
Perdeu a memória. E você? Não pretende falar nada sobre os seus companheiros? — Ela perguntou
impacientemente.
—
Ah... Entendo... —
Ele limpou a garganta. Seu olhar misterioso e o rosto enfaixado
impossibilitavam ler suas emoções quando ele queria. — Então... O ditado se não pode com eles, junte-se a eles se aplica bem a situação que
eu estava. Para não morrer nas mãos daqueles desgraçados, eu me juntei a eles.
Porém, eu só estava à espera de uma oportunidade como essa pra me livrar deles.
—
Então você os traiu? —
Indagou Edgar.
—
De certa maneira, sim. —
Dylan sorriu. — Sei
que não sou digno de confiança. Mas não me importo com isso também. Se
possível, prefiro continuar minha jornada aqui solo... Por ora, sabe?
—
Você fala como se isso fosse algum tipo de aventura... — murmurou Marie.
—
Mas é. — Ele respondeu.
— Mas não estou aqui
pela emoção e o risco de morte. Estou aqui à procura de alguém. Tenho esperança
de conseguir resgatá-la...
—
Então você veio aqui por vontade própria? —
Perguntou Edgar.
Ele assentiu.
—
Você é louco. —
Afirmou Marie.
—
Bem, eu não esperava ser pego pelo Asmodeus logo no meu primeiro dia. — Dylan esboçou um sorriso.
— Mas... Fazer o quê?
Acontece...
—
Ela deve ser bem importante. —
Disse o rapaz.
—
Ah... — Ele sorriu. — Você nem faz ideia.
—
Que fofo. — Marie
zombou.
—
Ei, ei... — Dylan
cruzou os braços. —
Nem começa. — Ele
estralou os dedos das mãos, pensativo. —
Mas, então... Eu tenho que seguir meu caminho. E vocês, o de vocês, certo?
—
Sim. — Ela respondeu
secamente.
—
Ótimo. — Ele olhou
para Edgar. — Tenho
algo de familiar em você... Uma certa aura... —
Bufou. — Enfim... Você...
Não tenha medo de matar,ok? Não nesse lugar, pelo menos. A escória da
humanidade está aqui. Nunca se esqueça disso. —
Dylan apontou para trás da dupla, para o garoto inconsciente. — Aquele ali deve ter feito
algo para merecer cair pra cá, tenha certeza. E o meu bando estava atrás dele.
Falaram que ele deveria ser delicioso. Estavam caçando ele já fazia um tempo
até... — Sorriu. — Mas, enfim... Se tudo der
certo, nós nunca mais nos veremos. Não aqui, pelo menos... Adeus!
Com um aceno de mão, Dylan se
despediu, dando as costas para os dois e seguindo pelo corredor do qual ele
havia surgido antes.
—
Marie... — Edgar a
chamou baixo.
—
Sim?
—
Você... Você não acha que eu sou um monstro, acha? — Ele riu sem jeito. — Eu... Eu matei aquelas pessoas... E foi tão
fácil... Tão natural... Eu... Eu devia ser um assassino antes de vir pra cá,
não é? Faz sentido, pelo menos. Eu sou um lixo de pessoa...
—Edgar...
— Ela apoiou uma mão
no ombro dele e o olhou no fundo dos olhos. —
Não importa o que você fazia antes... Você pode mudar de agora em diante, ok?
Além do mais... Se você não soubesse lutar tão bem... Nós estaríamos mortos
agora. Então... Não se envergonhe, certo?
O rapaz assentiu, claramente
desconfortável.
Marie percebeu que o rapaz
ainda não estava bem, mas sorriu mesmo assim. O que ela não sabia era o que
Edgar estava pensando.
Dylan. O jovem havia realmente
conhecido o homem enfaixado. As memórias voltavam lentamente a sua cabeça. O
rosto intacto dele parecia nítido na mente de Edgar, mas não muito mais que
isso. Tudo ainda eram flashes confusos e sem nexo na maior parte do tempo.
Será que Dylan se lembrava de
Edgar, porém, preferiu não dizer nada? Qual era a ligação entre os dois?
Haveria uma rixa entre os dois?
Enquanto a cabeça de Edgar
enfrentava uma tempestade de perguntas sem respostas, ele seguia Marie pelos
corredores escuros daquele inferno com a companhia da sinfonia de murmúrios,
gemidos e urros que os cercavam.
—
Ei! — Marie exclamou.
— Edgar!
O rapaz parou de andar e
balançou a cabeça para os lados. Uma expressão de surpresa, com olhos bem
arregalados, estava estampada em seu rosto.
—
Hm? — Edgar limpou a
garganta. — O que
foi?
—
Já estamos andando em silêncio há faz uns minutos...
—
Ah... Sério? — Ele
coçou a nuca, parecendo um pouco aturdido ainda.
—
Sério.
Ela voltou a andar. Ele
acompanhou.
—
Edgar... — A voz d
Marie se tornou, repentinamente, suave. —
Muitas perguntas sem respostas ainda, não é?
—
É... — O rapaz
esboçou um sorriso. —
Mas não se preocupe. As memórias estão voltando... Aos poucos, não muito claras
ainda, mas estão voltando.
—
Isso é bom. — Ela
sorriu.
Edgar percebeu, então, o porquê
de Marie o tirar de seu transe.
Ela parecia legitimamente
preocupada com o rapaz. Edgar não questionaria isso. Não existiam motivos
aparentes para tal.
Entretanto, Edgar percebeu que,
por mais forte e valente que Marie fosse, ela estava nervosa. Eles poderiam
morrer de um instante para o outro naquele lugar. Sem a ajuda dela, ele estaria
morto. Porém, sem a ajuda dele, ela também estaria morta. Um precisava do outro
naquele inferno. E não só para lutarem lado a lado. Um precisava confortar o
outro. E apenas Marie cuidava de Edgar nesse sentido.
—
Hm... — O rapaz
estralou os dedos. —
Então... Eu não me lembro do que eu fazia antes d vir pra cá... Mas e você? O
que fazia?
—
Eu? — Marie esboçou
um sorriso. — Mulher
da vida.
—
Ah... — Surpreso, ele
hesitou um pouco. —
Sério?
—
Bem... Sei que pode não parecer agora... —
Ela botou ênfase na última palavra. —
Mas... É. Sou. Ou fui. Não sei se vou voltar pra essa vida quando sair daqui.
Se sairmos daqui...
—
Vamos sair daqui. —
Edgar disse determinado.
—
Hm... — Ela sorriu. — Enfim... Não sei se volto
pra minha velha vida. Talvez possamos seguir um novo caminho assim que sairmos
daqui, não? Uma nova chance após uma experiência traumática... Mas, é claro,
tenho assuntos pra resolver antes de qualquer mudança radical.
—
Como o quê?
—
Ajudar minhas amigas.
—
Companheiras de trabalho?
—
Sim... Nós tomávamos conta uma das outras, sabe? O mundo não é um lugar gentil
para o nosso tipo. Mesmo não matando ou roubando ninguém, somos vistas como
parte da escória. Olhares de nojo nos julgam todo dia. Era como se fossemos
lixo, animais doentes a beira da morte. —
Ela trincou os dentes. —
Mas é claro que tinham aqueles que aceitavam os nossos serviços. E, puta merda,
eles conseguiam ser piores que os que odiavam a gente. Homens podres por
dentro, alcoólatras que haviam abandonado suas famílias, ratos de merda que traíam
as esposas, filhos da puta que sentiam prazer em nos ver sentir dor e sendo
humilhadas. — Marie
bufou. — Era por
causa desse último tipo que nos tínhamos que nos proteger. Isso sem contar com
os bostas que nos atacavam por não nos considerarem humanas, ou aquelas párias que
queriam nos tornar propriedades deles para nos explorarem.
—
Mas, mesmo assim, você nunca matou ninguém?
—
Foi como eu disse antes... Eu ensinava algumas lições da maneira difícil, mas
não mais que isso. E minhas amigas seguiam meu exemplo. Já éramos odiadas sem
matar ou roubar... Imagina, então, se fizéssemos essas merdas? — Ela riu baixo. — Seríamos caçadas,
certeza.
—
Entendo... — Edgar
disse num tom preocupado. —
E... Você pretende tirar as suas amigas da sua cidade?
—
Sim. Pelo menos, pra fora do canto de merda onde a gente fica...
—
E como você pretende fazer isso?
—
Não sei. Não pensei nisso ainda. Vou me preocupar com isso assim que sairmos
daqui. — Ela sorriu. — Ok?
Edgar sorriu de volta e, em
seguida assentiu.
De repente, um grito agudo
soou. O som de algo como o de uma guilhotina veio em seguida.
Marie pareceu tensa por uma
fração de segundos e, então, abriu um largo sorriso.
—
Bem... — Ela respirou
fundo. — Acho que
achamos um deles.
—
Isso... — Edgar
limpou a garganta. —
Isso foi um Executor.
—
É... Vamos!
O rapaz, tenso, seguiu Marie
até o corredor de onde os sons vieram.
Alguns murmúrios vieram. Nada
inteligível para os dois. Em seguida, mais um som de guilhotina.
Após alguns passos, eles viram
a cena.
Mesmo já tendo visto mais de
uma vez, Marie ficou apreensiva com a visão. Edgar, então, sentiu o próprio
estômago se revirar.
Haviam três corpos no corredor.
Apenas um com vida.
Um havia sido decapitado. A
força do golpe arremessou a cabeça para longe do resto do corpo.
O outro havia,
surpreendentemente, sofrido uma morte ainda mais brutal. O corpo havia sido
cortado ao meio na vertical. Um único golpe havia sido o responsável pela
proeza.
Pisando nas entranhas
derramadas de uma de suas vítimas, o Executor se assemelhava mais a um monstro
ou uma máquina do que um humano.
Seu corpo alto era coberto pelo
o que parecia ser uma armadura respingada de sangue. A roupa blindada, negra
como piche, poderia protegê-lo de algumas balas. Facas, então, seriam ainda
menos úteis.
Apoiada no chão estava sua
arma. Sua mão direita segurava o cabo do gigantesco e brutal machado. Feito de
aço negro, quase toda a sua superfície gasta estava tingida de rubro. A lâmina,
entretanto, estava perfeitamente afiada, mais letal do que qualquer arma que
Edgar já havia visto. Afinal, nenhuma havia despertado tamanho mal estar tão
rapidamente.
As pernas do rapaz tremiam, bem
como as suas mãos suadas. Sua respiração arfava incessantemente. Seu coração
palpitava, parecendo que iria pular para fora de seu peito.
Sem esforço, o Executor
levantou a arma ensanguentada e a guardou junto às costas.
O tempo parecia passar
lentamente enquanto o gigante marchava pesadamente para longe, desaparecendo
nas sombras, deixando naquele corredor as marcas de seu massacre.
Edgar sentiu um puxão em seu
braço.
—
Vamos! — Marie o
chamou, trazendo-o de volta à realidade. —
Não podemos perdê-lo de vista. —
Ela abriu um sorriso, apesar de estar quase tão nervosa quanto o rapaz. — Temos uma chave para
pegar.
Apesar de relutante, Edgar
assentiu. Ele sabia que não podia fugir da missão.
Esgueirando-se, a dupla
avançou.
A visão, agora ainda mais
clara, dos corpos destroçados a sua frente fez o rapaz engolir em seco. Era
óbvio que ele não queria terminar daquele jeito. Ele nem mesmo desejava que um inimigo
tivesse um fim daqueles. Talvez nem mesmo Asmodeus merecesse uma morte tão
brutal.
—
Ele deve ter feito uma entrega. —
Murmurou Marie, de repente, enquanto avançavam furtivamente.
—
Está falando do Executor? —
Perguntou o jovem no mesmo tom.
—
Sim. Uma caixa. Ou talvez mais um desgraçado pra se juntar a gente.
—
Como você sabe?
—
Repara só pro desgraçado...
O Executor andava lentamente.
Seus passos eram pesados e sem ritmo, um pouco desengonçado até. Não parecia
carregar nada fora o machado nas costas. Logo, seus braços estavam desocupados,
balançando pra frente e pra trás.
—
Ele... Não me parece muito preocupado. —
Admitiu Edgar.
—
Exato. — Ela bufou. — Seja lá o que for que ele
tinha pra fazer, já foi feito. Andando assim, inclusive, ele nos alerta da
presença dele. Caso andemos, podemos evitar um confronto com ele. E é claro que
me refiro a todos nós que estamos nesse inferno...
—
E as pessoas de antes? Ele não pareceu muito piedoso em relação a elas...
—
Elas devem ter atacado antes. E foram descuidadas, pra dizer o mínimo. — Marie esboçou um sorriso
para Edgar. — Nada
disso vai acontecer com a gente.
—
Se formos cuidadosos... —
Ele murmurou sem ânimo.
—
Seremos.
Nesse momento, os dois
resolveram parar de falar.
A cada passo, a dupla de
aproximava mais e mais do Executor. Apesar de estarem andando agachados,
tentando fazer o mínimo de ruído possível, a passada lenta de seu alvo os
permitia se aproximar sem dificuldade.
Por qualquer canto onde
passavam, apenas os três estavam presentes. Apenas Marie e Edgar tinham a
coragem de seguir friamente um Executor. Os que não eram desesperados o
suficiente para atacá-lo de frente simplesmente saiam de seu caminho.
A respiração dos dois ficou
pesada. Seus corações palpitavam. O executor estava a não mais de dois metros
de distância de Marie, que seguia na frente de Edgar.
Ambos podiam ver claramente o
molho de chaves preso no cinto do Executor. Enferrujadas, escuras, nunca em
algum momento tiveram algum tipo de brilho. Entretanto, os olhos de Marie
brilhavam mais e mais a cada instante. Sua liberdade estava tão próxima agora.
—
Edgar... — Ela chamou
o rapaz, murmurando ainda mais baixo do que antes. — A faca. Me empresta ela.
—
Hm?
—
Acho mais fácil cortar uma parte do cinto dele pra pegar a chave. Se eu tentar só
puxar, talvez ele perceba.
—
Ah... Verdade.
Edgar estendeu sua mão que
segurava a faca para Marie. Entretanto, ele mantinha o punho cerrado.
—
Ah... Edgar?
Você não precisa entregar a faca.
O rapaz parou de andar, mal
respirando.
Fique com a faca. Você é forte com ela. Sempre foi. Sempre será.
Edgar engoliu em seco. Ele
olhou para Maire. Ela retribuiu com um misto de preocupação e confusão em seus
olhos.
—
Você não pode ouvir...? —
Ele indagou.
—
Ouvir? — Ela ergueu
uma sobrancelha. — O
quê? Os passos do Executor se afastando? Vamos logo...
Você poderia matá-la. Você poderia matar o Executor até. Ele é só um. E
não usa nenhuma arma de fogo. Você só precisaria correr até ele. Você o faria
sangrar e sentir medo. Você se divertiria com isso...
Edgar levou uma mão na cabeça
que, agora, latejava de dor. Era óbvio que só ele ouvia aquela voz. Mas de quem
era? E por que ela soava tão familiar?
Foi aí que ele se tocou. A voz
já tinha soado em sua cabeça. Porém, ela nunca havia dito algo tão claro, com
tanto nexo, quanto agora.
O rapaz sentiu uma mão tocando
seu ombro gentilmente.
—
Edgar? — Marie o
chamou preocupada. —
O que foi?
—
Ah... — Ele limpou a
garganta. —Nada...
Nada mesmo.
—
Não pareceu nada pra mim.
—
São só... Algumas memórias... Voltando, sabe? Nada muito claro ainda...
Infelizmente...
—
Você pode continuar andando?
—
Claro...
—
Então... Vamos? Caso contrário, vamos perder o Executor.
Edgar assentiu e, em seguida,
entregou a faca para Marie.
Você vai se arrepender dessa decisão. E por quê? Só para agradar essa
daí, seguindo as ordens dela como um bom cachorrinho? Ou é por que você sabe
que, sem a faca em suas mãos, você não vai matar mais ninguém?
O jovem engoliu em seco. É
claro que a voz estava certa. De fato, as duas suposições estavam corretas.
Afinal, se a voz vinha de sua cabeça, era seu subconsciente falando, certo?
Como poderia estar errado então?
A dupla voltou a andar,
esgueirando-se, dando passos mais rápidos do que antes.
O Executor havia saído do campo
de visão deles. Porém, num lugar tão silencioso, não era difícil achar o
gigante pelo som de seus passos.
Como planejado, não demorou
para Marie e Edgar novamente até seu alvo.
Desta vez, porém, era ela que
manejava a faca.
Passo a passo, eles se
aproximaram do Executor. Suas respirações praticamente se silenciaram quando
Maire empunhou a arma.
Ambas as mãos. Ela teria que
usar as duas num movimento bem calculado. A faca uma parte do cinto. As chaves
cairiam. A mão livre as pegariam antes de acertarem o chão.
Edgar parou de andar,
apreensivo. Marie respirou fundo e parou por um segundo. O Executor se
distanciou dela por um passo. Então, quase como uma cobra dando um bote, ela
avançou.
Seus pés tocaram o chão
levemente, com certa graça até. Com um golpe com precisão cirúrgica, ela cortou
o cinto. Sem um ruído, as chaves se soltaram e, então, foram apanhadas.
Edgar arregalou os olhos,
surpreso. Marie, com seu olho remanescente, parecia ainda mais surpresa.
Afinal, as chaves foram apanhadas pelo próprio Executor.
—
Não pensem que eu não estava ouvindo vocês se aproximando de mim... — Ele riu. Sua voz grave,
abafada pelo capacete, aprecia ainda mais ameaçadora. — Agora... —
Sacou o machado das costas. —
O que vocês vão fazer?
Edgar se levantou. Porém, não
fez mais que isso. Suas pernas tremiam enquanto o medo o dominava.
Não estaria assim se estivesse armado, tenho certeza.
Mas uma vez, o jovem não podia
discutir com a voz.
—
Hm... —Marie respirou
fundo. — Achei que
você ia me matar... Sabe? Sem mais nem menos?
—
Não esqueça que tudo isso é um show, minha cara. —
Mesmo num tom calmo, a voz do Executor não era nem um pouco amistosa. — E meu salário depende
desse show.
—
Entendo... —
Bruscamente, ela se levantou, dando um salto para trás, distanciando-se um
pouco de seu inimigo. —
Então... — Marie
abriu um sorriso discreto e segurou o cabo da faca em sua mão com firmeza. — Pra todos filhos da puta
assistindo... Vamos fazer um show do caralho!
—
Ah... — O Executor
riu. — Assim que é
bom!
Ele atacou. Com uma cambalhota, Marie passou por debaixo
do machado que teria acertado suas costelas. Com um passo rápido, ela se
aproximou do oponente e, sem hesitar, atacou.
A faca, entretanto, causou
apenas um corte superficial na blindagem do Executor.
O gigante riu de novo. Com o
alvo próximo dele, o Executor resolveu atacar com o pomo do machado. Ágil,
Marie conseguiu se esquivar para direita.
Entretanto, antes que ela
pudesse contra atacar, o colosso atacou mais uma vez. Dessa vez, porém, não foi
com o machado. Rapidamente, ele deu um chute que, por milímetros, não acertou
Marie em cheio no abdômen.
Antes que ela pudesse respirar
aliada, o Executor avançou e, dessa vez, desferiu três ataques. Pela vertical,
pela horizontal e, por fim, mais uma vez vertical.
Marie podia ver a lâmina do
machado se aproximando dela a cada golpe. Ela não poderia escapar para sempre.
Uma hora, ele seria atingida.
Ela tentou se manter calma.
Porém, não havia muito para se fazer. Marie sabia que não conseguiria passar
pela blindagem do Executor, não aquela faca, pelo menos. Continuar desviando
até alguma ideia melhor surgir seria o jeito.
O Executor parecia se divertir
com cada golpe que desferia. Marie era uma presa que lutava para se manter viva
e ele gostava disso. De fato, fazia muito tempo que não tinha um desafio
desses.
A cada golpe que Marie desviava,
seu coração batia mais rápido. Ela sentia as pernas tremendo, podendo fraquejar
a qualquer instante. O suor em suas mãos faria a faca cair em breve. Aí sim ela
estaria perdida.
—
Vai ficar só fugindo? —
Reclamou o Executor. Após o que pareceram ser minutos fazendo a mesma coisa,
ele estava se cansando. —
Achei que você faria essa luta valer a pena.
—
Pelo visto, você estava errado... —
Marie arfou. —
Desculpe decepcioná-lo... Porém... —
Ela esboçou um sorriso. —
Talvez meu amigo te divirta um pouco mais.
Rapidamente, Marie arremessou a
faca, passando rente no capacete de seu inimigo, mas não o acertando. Afinal, o
Executor não era mais o seu alvo.
A lâmina atravessou o ar e caiu
bem aos pés de Edgar.
Saindo de um transe, o rapaz,
que estava praticamente petrificado, abaixou-se para pegar a faca quase
instintivamente.
Agora armado, ele olhou para o
Executor.
—
Tentei dar uma cansada nele. —
Afirmou Marie com um leve sorriso no rosto. —
Agora ta na hora de você fazer o que sabe... E nem pense em se segurar.
—
Ora... — O Executor
gargalhou. — Esse
frangote aí? — Ele
apontou o machado para Edgar. —
Isso eu quero ver... Venha!
Tudo mundo quer que você vá e se divirta. Por que decepcioná-los? Só
vá... Corra até sua presa com um sorriso no rosto como eu te disse...
Edgar engoliu em seco e, em
seguida respirou fundo, cerrando os olhos. Ele segurou o cabo da faca com força
em suas mãos.
Rapidamente, seus olhos se
abriram, brilhando cheios de determinação. Um leve sorriso apareceu em sua
face. Então, ele correu contra o Executor.
O gigante atacou. Seu machado a
cintura de Edgar. Um golpe seria o suficiente para cortar o rapaz em dois,
deixando-o vivo, porém, sem condições de fugir. Aquilo seria o suficiente para
deixar Marie aterrorizada e fazê-la baixar a guarda. Sem muito esforço, o
Executor mataria suas duas presas.
Entretanto, não foi isso o que
ocorreu.
Edgar parecia ter previsto o
exato momento do ataque do inimigo. Com uma agilidade quase desumana, ele se
abaixou, deslizando por baixo da lâmina do machado e, em seguida, passando por
entre as pernas do Executor.
O colosso nem teve tempo de
reagir à surpresa.
Edgar, que nem mesmo havia se
levantado do chão, atacou. Sua faca, então, acertou atrás do joelho direito do
Executor.
O gigante urrou de dor enquanto
o sangue começava a verter.
Bruscamente, o rapaz puxou sua
faca da carne do inimigo que, mais uma vez, gritou e, então, caiu ajoelhado,
derrubando o grandioso machado que provocou um estrondo ao se chocar com o
chão.
Edgar se levantou com um leve
sorriso no rosto. Em seguida, levou uma mão levemente ao capacete do
adversário, puxando o visor em sua direção, forçando-o a olhar nos olhos.
Então, ele atacou mais uma vez.
A faca quebrou o vidro sem
dificuldades. Pequenos cacos caíram, revelando os olhos cheios de medo do
Executor. A lâmina da faca parecia brilhar agora.
Edgar sentiu um ímpeto de
sorrir. Porém, conteve-se. No final, uma expressão preocupada surgiu em seu
rosto e, então, deixou a faca cair de sua mão e deu um passo para trás.
A respiração do jovem ficou
pesada, acelerada, como se estivesse recuperando o fôlego após correr por sua
vida.
Por que você não o matou? Por que hesita em matar? Não parece mais o
mesmo de antes, seu desgraçado.
—
Edgar! — A voz de
Marie o chamou, tirando-o do transe. —
Edgar!
Ela olhava para o rapaz com
aquela expressão preocupada que ele já estava se acostumando.
—
Monstro... — Murmurou
uma voz ao deles.
Era o próprio Executor. Sua voz
não estava mais abafada, afinal, ele havia acabado de tirar seu capacete.
Ele suava frio e tremia quase
imperceptivelmente. Seu rosto de pele morena estava esbranquiçado e com leves
cortes próximos aos olhos, culpa dos cacos do visor. Sua respiração estava
ofegante, recuperando-se do susto.
—
Esses olhos... — O
executor grunhiu. —
Por um instante, eles não eram humanos. Eram os de um assassino frio e
desalmado. Não tente negar, filho da puta...
O Executor não disse mais nada
em seguida. Após o chute de Marie em seu rosto, o colosso caiu de costas no
chão apenas para ter sua face pisoteada uma única vez. Inconsciente e com o
nariz quebrado, ele não seria mais um problema.
A expressão no rosto de Marie
foi de enraivecida a melancólica ao olhar para Edgar.
—
Ei... — Ela disse num
tom acolhedor enquanto se aproximava do rapaz. —
Não se deixe abalar pelo o que ele disse... Aquele merda não sabe de nada, viu?
—
Não... — Edgar
suspirou. — Eu...
Acho que ele tem razão...
—
O quê?
—
Em parte, pelo menos...
—
Ei, Edgar... Como assim?
—
Tem algo dentro de mim... Algo ruim... Uma voz... Que quer fazer o mal... Matar
até...
—
Querido... — Marie
sorriu e deu um tapinha do ombro dele. —
Relaxa. Todo mundo tem dessas de vez em quando, viu?
—
Certeza?
—
Certeza. Se alguém te dizer que nunca sentiu vontade de acertar algum filho da
puta na cara, saiba que é mentira. Acredite. Você vai ver muito disso quando
sairmos daqui... —
Nesse momento, ela balançou o molho de chaves na frente dos olhos do rapaz. — Entendeu?
Um sorriso surgiu no rosto de
Edgar. Por um momento, ele havia se esquecido do porquê de estar lutando.
Agora, porém, a esperança tomava o lugar da melancolia em seu corpo.
Rapidamente, Edgar abraçou Marie.
Ela pareceu surpresa por um segundo e, então, sorriu tranquila e o abraçou de
volta.
Foi quase surreal. Um abraço
forte foi um refúgio confortável no meio daquele caos. Talvez nenhum dos dois
havia se sentido tão bem desde o da no qual a vida resolveu mostrar o quão
cruel poderia ser.
—
Obrigado. — Ele
cochichou enquanto se afastavam lentamente um do outro.
—
Eu que preciso te agradecer. —
Ela disse.
—
Por quê?
—
Eu teria enlouquecido sem alguém como você. Tenha certeza disso.
Marie sorriu calorosamente.
Edgar sorriu de volta tão alegremente quanto a amiga.
—
Então... — Ele limpou
a garganta. — Por
onde vamos?
Marie, então, apontou para um
ponto específico numa parede. Lá, uma seta vermelha, um pouco gasta, estava
pintada. Ela apontava para frente.
—
Temos que ir seguindo as setas. —
Marie sorriu. —
Simples assim.
—
Nossa... — Edgar
parecia legitimamente surpreso. —
Mas... Ninguém nunca percebeu isso? Nenhum Executor? Ou Asmodeus? Ou uma das
câmeras...?
Agora, Marie apontava para cima
da seta. Lá, havia uma câmera.
—
A seta está num ponto cego. —
Ela afirmou. — Todas
estão. Não muitos sabem da existência e do significado delas. E, não, nenhum
dos funcionários daqui sabem disso.
Então... Fique calmo, ok?
—
Hm... — Ele esboçou
um sorriso. — Vou
tentar.
Os dois olharam para o corredor
sombrio a frente deles.
Edgar ainda parecia estar em
conflito com a própria mente. Porém, mantinha um sorriso no rosto para tranquilizar
a amiga.
Marie também estava perdida em
um mar de pensamentos. Entretanto, ela estava legitimamente feliz. Afinal,
fazia planos para quando saíssem daquele inferno. Edgar aparecia em alguns
deles.
Distraídos, a dupla percebeu
tarde demais a quebra do silêncio. Eles não conseguiram se virar a tempo.
A ponta de uma lança atravessou
o peito de Marie.
As chaves caíram da mão dela.
Edgar virou-se para ver a
amiga. Ela parecia mais surpresa do que qualquer outra coisa.
—
Edgar... — Marie
tentou sorrir. Sem sucesso.
Com os olhos arregalados e a
boca aberta, o rapaz viu o novo Executor puxar sua lança, erguendo o corpo
daquela que o havia guiado por aquele inferno. Bruscamente, ele arrancou a arma
do peito de Marie, fazendo o sangue verter como a água de um rio.
—
Acabou para você... —
Ele disse com sua voz grave e abafada e, então, arremessou o corpo dela para
trás como se fosse uma criança desinteressada com um brinquedo. Então, o
Executor olhou diretamente para Edgar. —
Agora é a sua vez.
Paralisado de medo, o rapaz não
conseguia tirar os olhos do corpo de Marie que, nas sombras, sangrava até
morte, formando uma poça rubra em volta do próprio corpo.
É bom que você me ouça agora.
Edgar engoliu em seco.
Pegue as chaves no chão.
Tremendo, ele se abaixou para
pegar o molho de chaves. O Executor avançava em sua direção com passos
vagarosos. Sua lança, porém, estava pronta em suas mãos. Ele parecia pronto
para atacar o rapaz a qualquer instante.
Ótimo. Agora... Corra...
Edgar não ousou discordar.
Rapidamente, ele virou as costas para o gigante e disparou para frente.
Os passos do Executor soavam
cada vez mais estrondosos atrás do rapaz. O equipamento pesado deveria o deixar
lento, mas sua passada larga parecia compensar a desvantagem.
Direita...
No instante em que Edgar via
uma das setas, a voz soava em sua cabeça, repetindo a informação e, de alguma
maneira, o deixando mais confiante, mantendo suas esperanças apear do pavor.
Em frente...
Esquerda...
Esquerda novamente...
A voz soava cada vez mais como
um amigo. Suas tendências assassinas pareciam ter se silenciado. Por ora, pelo
menos.
Edgar não fraquejava. Seu
coração parecia que ia explodir dentro de seu peito. Seus pulmões pareciam que
não seriam o suficiente. Entretanto, qualquer mísero pensamento que pudesse o
levar a desistir era afastado de sua mente. A voz não o permitiria se render.
Os passos do Executor eram o
suficiente para espantar qualquer um que estivesse no caminho. Edgar via
claramente as pessoas jogadas no meio do corredor. Desesperadamente, elas
tentavam fugir, correndo em direção às paredes como baratas. Se pudessem
atravessar frestas ou subir pelas paredes, o fariam sem problema.
Entretanto, nem todos
conseguiam sair do meio caminho. Ferimentos e a fadiga eram as causas disso.
Assim, obstáculos acabavam surgindo na rota da presa e do predador.
Edgar tentava desviar como
podia. Trombava com uns, empurrando-os na direção das paredes. Chegou a pular
por cima de uns que estavam agachados ou deitados. Um homem, aterrorizado com a
visão do colosso sedento de sangue, não se mexeu. Por sorte, ou pelo apoio da
voz, o rapaz deslizou por debaixo das pernas do sujeito, assim como havia feito
com o primeiro Executor.
O perseguidor de Edgar, no
entanto, não era tão gentil. Seus socos arremessavam quem estivesse em seu
caminho para longe, sem escolher seus alvos, prensando-os contra paredes ou os
jogando em seu caminho. Aqueles que ficavam no chão, entre ele e sua presa,
eram pisoteados como insetos.
Com o tempo, a vantagem de
Edgar foi se tornando mais nítida. Cada passo era crucial. Em breve, ele teria
tempo para tentar recuperar o fôlego. Com o suor escorrendo por debaixo das
faixas que cobriam seu rosto, o jovem podia usar uma pequena pausa.
Após o que pareceram ser horas
de fuga, Edgar, exausto, chegou até o corredor final.
O caminho reto a sua frente
terminava num portão de grades de ferro negro. Suas mãos tremiam devido ao
nervosismo, fazendo as chaves que o rapaz segurava tilintarem. Apesar das
pernas que latejavam de dor, ele conseguiu esboçar um sorriso.
Não pare agora... Vá em frente...
Edgar assentiu, respirou fundo e
cerrou os punhos. Seu olhar agora era determinado.
Os passos soaram mais altos. O
Executor estaria em sua cola novamente em questão de segundos.
Com passos largos, sem olhar
para trás, o jovem chegou rapidamente à porta. Ele tinha apenas que
destrancá-la agora.
O Executor se aproximava. Edgar
podia ouvi-lo. Suas mãos tremiam. As chaves se agitavam entre seus dedos.
Então, o inevitável aconteceu.
Por entre os dedos do rapaz, as
chaves caíram. Ele viu a cena em câmera lenta, bem diante de seus olhos, sem
poder fazer nada.
Olhe para trás!
Edgar estava prestes a se
abaixar para pegar as chaves quando resolveu acatar a ordem. O Executor estava
a pouco mais de um metro de distância. Sua lança poderia acertá-lo sem
problemas.
O rapaz sentiu seu corpo
amolecer. Não conseguiria reagir. O seu fim seria ali mesmo.
Não... Não depois de tudo isso...
Edgar sentiu seu corpo se mover
por conta própria. Apesar de enxergar, não acreditava no que estava acontecendo.
Ele se esquivou para a
esquerda, desviando da lança que passou por um dos vãos por entre as grades da
porta. Rapidamente, o rapaz deu a volta no colosso e, com um golpe rápido,
acertou a axila direita do inimigo.
Edgar nem mais se lembrava de ter
a faca mas, de alguma maneira, lá estava ela em sua mão. O golpe preciso, mais
uma vez, acertou um ponto fraco da blindagem. Com o sangue que começou a
escorrer, veio a dor. O gigante rosnou e soltou sua arma.
Com mais força do que ele
imaginava ter, Edgar pressionou o ombro direito do Executor. Praticamente
rosnando, o colosso se ajoelhou. Em seguida, a lâmina da faca do rapaz se
aproximou da garganta de seu oponente. Mais um ponto fraco, bem abaixo do
capacete.
Não se esqueça... O que ele fez com Marie foi imperdoável...
Edgar estava prestes a
protestar. Ele não queria matar mais ninguém. Porém, a imagem de Marie sendo
atravessada pela lança daquele Executor não sairia da mente dele tão cedo.
Ele trincou os dentes. Sentiu o
sangue começar a ferver. Com a mão livre, ele apertou o pescoço do Executor.
Rapidamente, a raiva havia dominado seu corpo e, então, sua faca deslizou pela
garganta do agora impotente colosso.
Então, Edgar perdeu o controle.
Enquanto o Executor ainda estava vivo, o rapaz atacou. Ele cravou sua faca no
pescoço de sua vítima com toda força que tinha. Então, a arrancou com tanta
voracidade quanto o primeiro golpe. Em seguida, repetiu o processo.
Mais uma, duas três e mais
vezes. Edgar continuou esfaqueando o já morto Executor por mais vezes do que se
lembraria. Quando se deu por si, segurava um corpo sem vida, machado de rubro,
ajoelhado numa poça escarlate.
Entretanto, Edgar não se sentia
mais como antes. Não sentiu mais medo ou nojo de si mesmo. Pelo contrário, ele
estava completamente confortável, sorrindo calmamente.
Muito bom...
—
Isso foi uma exceção. —
Ele respondeu, mesmo sabendo que seu interlocutor estava dentro de sua cabeça. — Ele mereceu. Não vai
acontecer com muita frequencia.
Se você diz...
Edgar julgou melhor não
discutir. Em breve ele estaria duvidando da própria sanidade. Talvez realmente
o fizesse, porém, mais tarde, em um lugar mais seguro. Afinal, sua liberdade
estava a centímetros de distância.
O rapaz andou até as chaves
caídas no chão, bem em frente à porta. Uma a uma, ele testou as chaves. Na
terceira tentativa, sucesso. O portão foi destrancado e, então, abriu-se.
Na sua frente, um pequeno
corredor seguia até uma escada em espiral. O único caminho era para cima, para
longe daquele inferno.
Edgar respirou fundo, porém,
uma dose de adrenalina o atingiu. Ele queria correr para fora daquele lugar.
Ele queria ser livre e viver a vida maravilhosa que poderia haver do lado de
fora. Ele queria deixar o passado e o presente para trás, deixar todo o
sofrimento de lado, e deixar Marie orgulhosa.
Entretanto, após apenas alguns
passos, ele dois estrondos simultâneos. Incrédulo, ele olhou ao redor.
Barreiras de aço haviam descido do teto, bloqueando tanto o caminho para as
escadas tanto a porta por onde tinha vindo.
—
Não... — Edgar
tremeu. — Não...
Não...!
Por um instante, ele se sentiu
claustrofóbico, como se as paredes fossem se fechar em cima dele. Talvez fossem
mesmo. O rapaz não tinha como saber. Então, apenas caiu de joelhos, esperando
pelo pior, sem estar preparado para tal.
De repente, gás começou a sair
das paredes. O vapor esverdeado rapidamente preencheu a sala e, então, seus
pulmões. O aroma doce e enjoativo fez com que seus músculos amolecessem. Em
questão de segundos, estava caído no chão, quase inerte, praticamente inconsciente.
Você não vai morrer... Não agora, pelo menos.
A voz estava certa. Edgar não
se sentia mal, apenas dormente. Era pouco provável que aquilo fosse veneno.
Sonífero, entretanto, era bem mais provável que fosse.
Rapidamente, uma das placas
subiu. Era a que levava às escadas, porém, o rapaz não saberia dizer. De lá,
alguém andou até ele.
Com a visão embaçada, Edgar
apenas conseguia determinar que a silhueta que via pertencia a uma mulher. Ela
era alta, um pouco mais do que ele mesmo. A desconhecida parecia estar usando
uma roupa blindada como as dos Executores, incluindo um capacete que lhe
permitisse respirar aquele gás sem ser afetada.
Ela andou até Edgar e o puxou
pelo braço, levantando-o e o carregando por cima do ombro. Aparentemente, ela
era quase tão forte quanto um dos brutos Executores também.
Enquanto seguiam em direção à
escadaria, Edgar fechou os olhos e, então, cedeu ao efeito do gás, adormecendo
profundamente enquanto era levado para fora daquele inferno.
Murmúrios. Sons ininteligíveis
para o rapaz. Foi com isso que ele acordou.
Com a visão embaçada, a
primeira coisa que Edgar viu foram seus braços apoiados num balcão. Suas costas
doíam. Fazia parte das consequências de se passar horas dormindo sentado.
O jovem levou as mãos à cabeça
que latejava de dor. Emitir um grunhido de dor foi tudo o que Edgar pôde fazer.
—
Ora, ora... — Disse
um homem satisfeito. —
Vejo que finalmente acordou...
O rapaz mexeu a cabeça o mais
rápido que pôde na direção na voz.
O jovem, então, olhou para a
porá do cômodo. Lá, um homem surpreendentemente arrumado estava parado,
guardando um celular no bolso. Seu cabelo castanho claro estava bem penteado.
Seu terno cinzento estava impecável. Em seu rosto liso, um par de olhos azuis
escuros e um sorriso largo saudavam Edgar.
—
Temi que você não sobreviveria... —
O homem continuou. —
É sério. Afinal, não era nem para você ter terminado lá...
—
Quem é você...? —
Edgar indagou com certa dificuldade.
—
Ah, claro... Você perdeu a memória. É verdade. Perdoe-me. — Ele fez uma reverência. — Henry Allard, ao seu
dispor.
—
Hm... Allard...? — O
rapaz murmurou. —
Henry... Allard. —
Ele disse pausadamente. —
Esse nome... Já ouvi antes...
—
Naturalmente. Somos grandes amigos, meu caro. —
Henry sorriu. —
Espero que você logo se lembre do resto do seu passado.
—
É... Não me lembro de muitas coisas ainda... Só o meu nome...
—
Ora, você se lembra do seu nome?
Edgar assentiu.
—
Então... — Henry
sorriu. — Vá em
frente. Diga! Vamos testar sua memória, ok?
—
Ah... É Edgar... —
Ele sentiu o ímpeto de continuar. —
Edgar Dupond.
Foi como se a memória viesse
por completo enquanto falava. Edgar se lembrou de seu sobrenome enfim. Com
isso, o rapaz sorriu.
Porém, o sorriso logo se
desfez. Afinal, Henry balançava a cabeça para os lados.
—
Você conhece um homem com esse nome. —
Ele afirmou. — Aliás,
nós o conhecemos. Edgar é um homem horrível, sabe? Ele te fez tanto mal.
—
Sério...? — O rapaz
engoliu em seco. —
Então... Qual o meu nome?
—
Victor. Victor Falk. —
Henry riu baixo. —
Ou, pelo menos, esse é o nome que você sempre me contou.
—
E... Eu mentiria meu nome? Por quê?
—
Hm... É... Você realmente não é mais você mesmo. Não por ora.
De repente, passos pesados
soaram. Henry se voltou para trás e sorriu.
—
Anna. — Ele a chamou.
— Venha. Victor
acordou.
O rapaz, então, ficou sem
reação ao ver a mulher entrando na sala. Alta, forte, com o corpo completamente
coberto pelo o que mais parecia ser uma armadura, Anna encarou Victor pelo
visor de seu capacete.
O jovem lembrava claramente da
mulher que o carregou, sem saber se ela o salvou ou o carregou. Porém, olhando
agora para ela, e também sabendo seu nome, Victor sentiu algo diferente: ele
nunca se sentiu tão confortável, mesmo sem saber o motivo.
Apenas confie neles. Eles são nossos amigos. Nossa família, ouso dizer.
—
Anna Linden, certo? —
Victor indagou, agora se lembrando do sobrenome de Anna.
Ela assentiu.
—
Anna não é muito de falar. —
Afirmou Henry. — Eu,
por outro lado, compenso. —
Ele sorriu. — Mas
tenho certeza que você vai se lembrar desses pequenos detalhes com o tempo...
—
Hm... — Victor coçou
a nuca e, então, arregalou os olhos ao perceber. —
Ah...! — Ele tateou o
próprio rosto freneticamente. —
As faixas...!
—
Nós as tiramos. —
Esclareceu Henry. —
Aliás, do seu corpo todo. Te demos umas roupas confortáveis. Você precisava
delas, mas não mais das faixas. Porém...
—
O meu rosto...
—
Sim... Temo que ele não esteja como antes. Esses hematomas são temporários...
Agora, as cicatrizes...
—
Como isso aconteceu? Foi obra do Asmodeus...?
Herny e Anna trocaram olhares.
Victor olhou sem saber o que fazer. Então, os dois olharam de volta para o
rapaz.
—
Você realmente não se lembra de nada. —
Henry esboçou um sorriso. —
Tente olhar ao seu redor. Veja se lembra de algo...
É uma boa ideia...
Com uma expressão levemente
assustada, Victor seguiu o conselho de Henry. Olhando a sua volta, ele começou
a distinguir os detalhes da sala e, com isso, algumas memórias vagas foram
voltando.
O cenário era um tanto quanto
bagunçado. Não chegava a ser caótico ou decrépito, mas o cômodo parecia estar
um tanto quanto abandonado, necessitado de uma faxina. Uma camada de pó parecia
cobrir os armários. Papéis estavam espalhados pelo balcão a sua frente. Os
eletrodomésticos pareciam ter sido usados recentemente. A luz fraca que mal
iluminava o lugar não amenizava a atmosfera.
—
Estamos numa cozinha? —
Indagou Victor, erguendo uma sobrancelha.
—
Sim. — Respondeu
Henry. — Mas não
qualquer cozinha, mas... Não, você não parece se lembrar. — Ele olhou rapidamente
para Anna. — Gentil
como sempre, não?
O rapaz olhou para a mulher.
Apesar de grande e de seus passos serem pesados, ele não havia reparado ela se
movimentando. Ela voltava da pia com um copo de água na mão direita.
Calmamente, Anna andou até Victor e o entregou a bebida.
—
Obrigado... — O rapaz
agradeceu enquanto pegava o copo.
Até o momento, Victor não havia
se dado conta do quão secos seus lábios e sua garganta estavam. Assim, ele
bebeu a água rapidamente, derramando um pouco, não saciando sua sede, mas
conseguindo amenizá-la.
—
Então... — Henry
limpou a garganta. —
Vamos?
—
Para onde?
—
Até Edgar Dupond.
Isso vai ser bom.
Victor não disse mais nada.
Apenas deixou o copo vazio sobre o balcão da cozinha e seguiu Anna e Henry.
Calmamente, os três andaram
pela casa.
O lugar não era muito luxuoso,
mas certamente era espaçoso. Apesar de não muito arrumado, era, de certa forma,
aconchegante.
O silêncio seria absoluto se
não fossem pelos seus passos e respirações.
Henry sorria, mantendo-se
quieto, permitindo que Victor pudesse tentar recobrar suas memórias calmamente.
Anna agia como sempre.
Victor, então, fazia o que Henry esperava que
ele fizesse.
Após alguns instantes, o trio
chegou até uma pequena porta debaixo de uma escadaria.
—
Chegamos. — Henry
sorriu e, então, destrancou a porta.
Victor sentiu vontade de
perguntar se havia alguma passagem ali em baixo. Porém, não perguntou. Afinal,
a resposta veio abruptamente.
Henry puxou um homem de dentro
do minúsculo cômodo. Com uma expressão aterrorizada, o sujeito encarou os três.
Impotente, ele não podia fugir, pois estava imobilizado por correntes, e nem
gritar, pois estava amordaçado.
—
Nós o deixamos vivo, o mais vivo possível, para você, Victor. — Disse Henry com um
sorriso macabro no rosto.
—
O quê!? — O rapaz
ainda estava assustado com a cena. —
Como... Como assim!?
—
Para você ter a sua vingança, é claro.
—
Vingança...? — Ele
fez uma breve pausa. —
Eu nem me lembro do que ele fez...
—
Quem você acha que invadiu sua casa e fez isso com você? Quem você acha que foi
o filho da puta que tentou quebrar o seu corpo como um troglodita? E te prender
no labirinto? Quem você acha que fez tudo isso!? E, por cima de tudo, se
aproveitando de um momento de fraqueza e descuido nosso... Tamanha audácia...
Tem que ser punida.
Victor, então, olhou para o
homem aterrorizado no chão. Ele podia ouvir os murmúrios abafados. O rapaz
podia sentir o medo de Edgar Dupond.
—
E por quê? — Indagou
Victor. — Por que ele
fez isso?
—
Aparentemente, a noiva dele morreu. —
Henry respondeu calmamente.
—
E eu sou o culpado?
—
Indiretamente. Você não a matou, mas... Possibilitou a morte dela.
—
Ah... — Ele esboçou
um sorriso. — Eu sou
um monstro mesmo, não é...?
—
Algumas pessoas podem concordariam. Outras, discordariam. Sabe... Muitas
pessoas te admiram, te idolatram. Muitos te consideram um gênio.
—
Mas eu sou um assassino, não é mesmo?
—
Na verdade... Não.
—
Como... Como assim?
—
Você normalmente evita matar as pessoas. As mortes acabam sendo consequências
inevitáveis aos seus trabalhos.
—
E meus trabalhos...? O que seriam?
Henry, então, sorriu e sacou
uma faca, estendendo-a para o jovem. A arma, que tinha o cabo adornado com
prata, cintilava tanta quanto os olhos de Victor ao vê-la.
Instintivamente, o rapaz a
pegou das mãos do suposto amigo. Uma sensação familiar o atingiu, deixando-o
relaxado e o fazendo sorrir.
Tudo faz sentido agora, não?
—
Anna... — Victor a
chamou. — Pode me
ajudar a levantar o senhor Dupond para uma de nossas salas especiais?
Mulher assentiu e prontamente, levantou Edgar
do chão.
Deixe-me assumir... Assumir como antes...
—
Algo me diz que você se lembrou... —
Disse Henry calmamente. —
De tudo... Não?
—
É claro, meu caro Henry. —
Seus olhos, agora, tinham um brilho diferente. Sua voz, agora mais grave, soava
mais confiante. — Eu
estou de volta. E pronto para fazer um show! —
Ele sorriu e, então, levou uma mão ao rosto deformado. — Ainda bem que eu tenho a minha máscara, não?
—
Sim, senhor. — Ele
sorriu. — Eu a
pegarei para você, bem como o resto de suas roupas.
—
Ótimo, meu caro! —
Ele sorriu. — Aliás...
Tenho que ver Dylan Roe. Mais tarde, não agora.
—
Mas é claro... Tudo a seu tempo. —
Henry riu, alegre. —
Ah... Como é bom ter você de volta, Dr. Asmodeus...
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