Capítulo 2
Seus pelos cinzas eram esverdeados. Suas garras eram negras
como carvão. Suas longas e afiadas presas eram banhadas por sua saliva ácida. O
porte não era muito maior que o de um lobo comum, mas o desespero de suas
vítimas ao serem atacadas por eles era significante maior. Como qualquer outra
criatura de sua raça, o Lobo Necrófago tinha o topo de seu crânio branco à mostra,
bem como dois chifres parecidos com o de bois. O interior de sua cabeça e seus
olhos, também, eram preenchidos apenas pelas trevas que o fazia viver.
A multidão começou a gritar ao avistarem os monstros. Sem
lugar para onde correr, eles se aproximaram. Pessoas abraçavam com a mesma
intensidade entes queridos, amigos de longa data e desconhecidos que tiveram o
mesmo destino que eles. Aqueles seriam os últimos instantes de muitos dos que
ali estavam.
As criaturas se aproximavam a passos calmos, calculando o
momento para atacarem, rondando seus oponentes enquanto exibiam suas presas que
emitiam um leve brilho esverdeado.
— O
Alfa... — O olhar de
Damian ia de uma fera a outra, rapidamente, como se analisasse cada um dos
inimigos. — Onde ele
está...?
—
O quê? — Viktor soava
tão nervoso que era bem provável que ele não houvesse nem conseguido prestar
atenção no que o Snowrealmer havia dito.
—
O Lobo Alfa. —
Explicou Dreadraven. Com a espada apontando para o chão, praticamente
balançando em sua mão, ele nem parecia pronto para lutar. — Com uma matilha desse
tamanho, há um Lobo Alfa com certeza.
—
E como saber quem é o Alfa? —
Indagou Elise. Sua voz era calma, porém, suas mãos tremiam um pouco. — No meio de tantos, não me
parece fácil saber...
—
Vocês realmente não sabem nada sobre Necrófagos. —
Damian disse quase rindo. Ainda observando os monstros que os rondavam. Suas
mãos estavam firmes no cabo da Demonsbane. —
Vocês nunca haviam visto mais do que meia dúzia deles juntos. Estou certo? — O Snowrealmer olhou para
trás por apenas um instante, o suficiente apenas para poder ver Elise e Viktor
assentindo. — Sei... — Ele bufou. — Não é culpa de vocês.
—
Massacres dessa magnitude não são muito comuns em Woodrealm. — Dreadraven disse. — Não atualmente, pelo
menos. Não havia como uma concentração desse tamanho de Necrófagos se formar
por, digamos, uma luta entre guardas e bandidos. Nem mesmo os conflitos entre
as máfias de Sandrealm e as forças de Nazir, o Justo derramam tanto sangue. — Ele olhou diretamente
para Damian. — Agora,
a guerra civil na sua terra...
—
Exato. — O
Snowrealmer parecia calmo. —
Já matei a minha cota de Necrófagos e não acho que vou parar tão cedo. — Ele soltou uma breve
risada nervosa. —
Essas coisas me seguem, sabe...
De repente, um uivo mais alto que os outros soou. Por um
instante, até os trovões e os ventos fortes pareceram se acalmar. Do topo do
prédio mais alto do entorno da praça, ele parecia rir de suas presas.
Mais rápido do que qualquer outro animal, o Lobo Alfa
avançou.
Pela parede externa do prédio, ele correu para baixo, em direção
à praça. Após um pulo, a fera pareceu voar por um instante. Todos pareciam
admirar o monstro até o instante que suas patas tocaram o solo. Então, a força
de sua mandíbula destroçou a cabeça de um dos camponeses.
Gritos desesperados vieram em seguida. Então, o Lobo Alfa correu
até suas tropas. Mais uma vez, ele uivou. Agora, porém, seus soldados imitaram
o gesto, formando um coro. Como um enxame, os Necrófagos avançaram juntos.
—
Matem o Alfa! —
Damian bradou. — Sem
o líder, eles vão recuar!
A multidão se dispersava. Aterrorizados, eles corriam cada
um para um lado, sendo abatidos um a um pelas feras.
Elise tentava ignorar as mortes a sua volta. Seu coração doía,
porém, não havia nada que ela pudesse fazer para ajudar aqueles pobres
camponeses e comerciantes. Ela tinha que focar sua atenção nos Necrófagos que
vinham contra ela. Os raios que saiam de suas mãos lançavam os lobos para trás,
arremessando-os contra bestas menos atentos. Suas chamas brancas aterrorizavam
os monstros que, apesar de fugirem, acabavam morrendo por causa dos ferimentos.
Viktor parecia não conseguir pensar em mais nada. Seu foco
estava totalmente dedicado à batalha. Com movimentos ainda mais ágeis que os
dos lobos, ele parecia praticamente fazer uma dança com suas espadas. Suas
lâminas giravam pelo ar golpeando qualquer um que chegasse perto demais. Era um
ataque efetivo e uma defesa praticamente perfeita contra aqueles Necrófagos.
Dreadraven conseguia manter sua calma mesmo durante combate.
Surpreendentemente, o doutor era extremamente ágil. Ele não precisava correr,
apenas dava passos certeiros para onde precisava. Seu sabre parecia realizar
contra ataques perfeitos, matando seus inimigos em menos de três golpes cada,
eventualmente acertando um golpe preciso na garganta de alguma das bestas. Aos monstros
que estavam distante, chamas azuis se encarregavam do trabalho.
O Alfa parecia supervisionar satisfeito o ataque de suas
tropas. A fera parecia estar praticamente sorrindo. Porém, tal sorriso desapareceu ao ver o
Snowrealmer avançando.
Damian, com um olhar compenetrado, corria na direção do Lobo
Alfa. Lobos Necrófagos pulavam contra o guerreiro apenas para serem cortados em
dois. A cada movimento da Demonsbane, mais sangue negro caia no chão e sobre o próprio
guerreiro.
O Snowrealmer trocava olhares com o Alfa. Naquele momento
não havia presas: apenas predadores. Os lobos em volta, como de costume, deram
espaço para a luta que estava prestes a começar.
Não
era o primeiro Lobo Necrófago Alfa que ele enfrenta. Porém, Damian tinha que
admitir que aquele era o maior que ele já tinha visto. Aquele era maior do que
um tigre-da-colina.
— Você e eu
grandão... — O Snowrealmer
sorriu para o desafio. — Vamos!
O
Alfa rosnou. Ele teria pulado contra Damian, forçado suas patas dianteiras contra
o peito do guerreiro. O Snowrealmer estaria completamente vulnerável às presas
do monstro.
Entretanto,
o guerreiro não deixaria que aquilo acontecesse tão facilmente.
Damian
começou a desferir golpes implacavelmente. A Demonsbane parecia pesar o mesmo
que uma pena nas mãos dele. Os ataques descreviam arcos no ar, sem deixar uma
brecha para contra ataques, forçando o Lobo Alfa a recuar enquanto rosnava
irritado.
Entretanto,
as energias do Snowrealmer não durariam para sempre. Sua paciência, além disso,
era ainda mais limitada. Seus ataques começaram a se tornar mais pesados, sendo
mais fortes, porém, mais lentos. Eventualmente, o Alfa teria sua chance de
contra atacar.
Então,
a paciência de Damian se esgotou. Com um golpe, ele atacou de cima para baixo. O
líder dos Necrófagos desviou com um pulo para trás. A Demonsbane se chocou
contra o chão da praça, produzindo um estrondo que fez com que toda a área
tremesse e, por fim, fincando-se no solo.
O
Snowrealmer se agachou de imediato. Um segundo mais tarde e as presas do Alfa,
que pulou sobre a espada sem esforço, teriam levado parte de sua cabeça.
O
Necrófago rosnou para Damian. Sua resposta veio após arrancar a Demonsbane do
chão como se ela estivesse apenas apoiada lá. No solo da praça, uma fissura
ficou para trás no lugar onde a espada estava. O guerreiro apontou a arma para
a fera e cerrou os dentes.
— Vamos acabar
logo com isso... — Damian
murmurou.
O
Snowrealmer, então, começou a rodar a espada. Na ponta de seus dedos, a arma
girava cada vez mais rapidamente. Erguida acima da cabeça de Damian, a
Demonsbane começou a mover o ar envolta dela, jogando rajadas de ventos contra
os lobos que passavam muito perto. O Alfa, entretanto, apenas observava.
Então,
o guerreiro arremessou a espada.
A
arma atravessou o ar com a velocidade de uma flecha. Girando daquele jeito, a
Demonsbane poderia ter força o suficiente para atravessar uma armadura de ferro
como se fosse feita de vidro.
Entretanto,
o Alfa estava atento. Um pulo foi o suficiente para passar por cima da arma
que, implacável, seguiu em frente pelo ar, matando três Lobos Necrófagos
desatentos, atravessando a parede de um prédio e sumindo da vista de Damian.
Nesse
momento, toda a praça olhava para o Snowrealmer. Elise, Viktor e até mesmo os
outros necrófagos estavam abismados por tamanha força e, em seguida, certos de
que Damian iria morrer.
O
guerreiro soltou uma risada nervosa. O Alfa avançou, pulando contra ele.
No
instante seguinte, Damian estava jogado no chão com o líder dos Necrófagos em
cima si.
Toda
a praça ficou em silêncio. Os olhos de todos estavam voltados para os dois
oponentes.
Com
um urro, o Snowrealmer empurrou o corpo do Lobo Alfa para o lado. Ofegante, ele
se levantou e olhou para seu adversário. A fera tinha a Demonsbane cravada da
base de seu estômago e a sua ponta atravessando o seu peito.
— Foi uma boa
luta... — Damian
murmurou.
Após
as últimas palavras, o Snowrealmer arrancou sua espada do corpo do Alfa,
abrindo seu corpo no meio e fazendo seu sangue negro jorrar.
Todos
os Lobos Necrófagos remanescentes ficaram parados em silêncio.
— Ei, ei... — Viktor olhou os aliados ao seu lado. — Como ele fez aquilo?
— Ele invocou a
espada de volta para ele. — Dreadraven
explicou.
— Então, você
pode fazer a mesma coisa? — Indagou Elise.
— Sim. — O doutor respondeu. — Mas aí perdemos o elemento surpresa. Damian
deixou o Lobo Alfa baixar a guarda antes de atacar. Foi inteligente.
— Então... Nós
vencemos? — O Sandrealmer
perguntou.
— Hm... — A sacerdotisa olhou melancólica ao seu redor,
para as carcaças de lobos e Necrófagos que estavam na praça, bem como os litros
de sangue vermelho e preto que fora jorrado. — Podemos chamar isso de vitória?
— Não, nós não podemos.
— Dreadraven
respondeu. — Mas não por
esse motivo. — Ele fez uma
breve pausa. — Ainda não
acabou.
Nesse
momento, os passos de Damian soaram, voltando a atenção dos aliados para o
guerreiro.
— Você acha que
tem um outro Alfa? — O Snowrealmer
indagou. Seu rosto expressava um misto de raiva com preocupação.
— É bem
provável. — O doutor
respondeu. — Por mais que
eu nunca tenha visto isso... É a única coisa que faz sentido.
— Ah... — Viktor limpou a garganta. — Acho que eu preciso de um pouco de esclarecimento...
— Apenas olhe
para os lobos. — Damian disse
rispidamente.
Sem
questionar, o Sandrealmer e a sacerdotisa olharam para as feras. Se não
respirassem, poderiam se passar por estátuas. Eles não fizeram um movimento
significativo desde o instante em que Lobo Alfa foi morto.
— Eles estão,
muito provavelmente, esperando novas ordens... — Disse Dreadraven. — Novas ordens
de um novo líder.
Damian
sentiu um calafrio percorrendo sua espinha. Uma sensação de mal estar o atingiu
como se fosse uma ferroada.
— Ninguém grite
ou faça movimentos bruscos... — Viktor começou
a falar num tom baixo. — Porque tem um
sujeito no telhado do prédio atrás da gente.
Houve
um momento de silêncio. Apreensivos, eles olharam, um de cada vez, para o topo
do prédio. Uma figura usando uma túnica negra e uma foice os observava.
— Quais são as
chances da gente ter morrido e não percebido? — Viktor perguntou num tom que era difícil saber se era uma
brincadeira ou não.
— Baixas. — Respondeu Dreadraven. — Porém, pelo número de Necrófagos aqui, além
da organização deles no ataque...
— É um Necromante?
— Indagou Elise.
Todos
agora olhavam para o doutor, aguardando uma resposta.
— Na verdade... — Uma voz feminina começou a falar atrás
deles.
Antes
que eles pudessem se virar, a ponta da lâmina de uma foice tocou a garganta de
Damian. O guerreiro segurou Demonsbane com força, irritado, sem poder fazer
mais nada.
— Eu sou uma Necromante. — A maga sorria por debaixo da máscara. — E suponho que eu seja a nova Alfa.
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