Apesar de relutante, Edgar
assentiu. Ele sabia que não podia fugir da missão.
Esgueirando-se, a dupla avançou.
A visão, agora ainda mais
clara, dos corpos destroçados a sua frente fez o rapaz engolir em seco. Era óbvio
que ele não queria terminar daquele jeito. Ele nem mesmo desejava que um
inimigo tivesse um fim daqueles. Talvez nem mesmo Asmodeus merecesse uma morte
tão brutal.
—
Ele deve ter feito uma entrega. —
Murmurou Marie, de repente, enquanto avançavam furtivamente.
—
Está falando do Executor? —
Perguntou o jovem no mesmo tom.
—
Sim. Uma caixa. Ou talvez mais um desgraçado pra se juntar a gente.
—
Como você sabe?
—
Repara só pro desgraçado...
O Executor andava lentamente. Seus
passos eram pesados e sem ritmo, um pouco desengonçado até. Não parecia carregar
nada fora o machado nas costas. Logo, seus braços estavam desocupados,
balançando pra frente e pra trás.
—
Ele... Não me parece muito preocupado. —
Admitiu Edgar.
—
Exato. — Ela bufou. — Seja lá o que for que ele
tinha pra fazer, já foi feito. Andando assim, inclusive, ele nos alerta da
presença dele. Caso andemos, podemos evitar um confronto com ele. E é claro que
me refiro a todos nós que estamos nesse inferno...
—
E as pessoas de antes? Ele não pareceu muito piedoso em relação a elas...
—
Elas devem ter atacado antes. E foram descuidadas, pra dizer o mínimo. — Marie esboçou um sorriso
para Edgar. — Nada
disso vai acontecer com a gente.
—
Se formos cuidadosos... —
Ele murmurou sem ânimo.
—
Seremos.
Nesse momento, os dois
resolveram parar de falar.
A cada passo, a dupla de
aproximava mais e mais do Executor. Apesar de estarem andando agachados,
tentando fazer o mínimo de ruído possível, a passada lenta de seu alvo os
permitia se aproximar sem dificuldade.
Por qualquer canto onde
passavam, apenas os três estavam presentes. Apenas Marie e Edgar tinham a
coragem de seguir friamente um Executor. Os que não eram desesperados o suficiente
para atacá-lo de frente simplesmente saiam de seu caminho.
A respiração dos dois ficou
pesada. Seus corações palpitavam. O executor estava a não mais de dois metros
de distância de Marie, que seguia na frente de Edgar.
Ambos podiam ver claramente o
molho de chaves preso no cinto do Executor. Enferrujadas, escuras, nunca em
algum momento tiveram algum tipo de brilho. Entretanto, os olhos de Marie brilhavam
mais e mais a cada instante. Sua liberdade estava tão próxima agora.
—
Edgar... — Ela chamou
o rapaz, murmurando ainda mais baixo do que antes. — A faca. Me empresta ela.
—
Hm?
—
Acho mais fácil cortar uma parte do cinto dele pra pegar a chave. Se eu tentar
só puxar, talvez ele perceba.
—
Ah... Verdade.
Edgar estendeu sua mão que
segurava a faca para Marie. Entretanto, ele mantinha o punho cerrado.
—
Ah... Edgar?
Você não precisa entregar a faca.
O rapaz parou de andar, mal
respirando.
Fique com a faca. Você é forte com ela. Sempre foi. Sempre será.
Edgar engoliu em seco. Ele
olhou para Maire. Ela retribuiu com um misto de preocupação e confusão em seus
olhos.
—
Você não pode ouvir...? —
Ele indagou.
—
Ouvir? — Ela ergueu
uma sobrancelha. — O
quê? Os passos do Executor se afastando? Vamos logo...
Você poderia
matá-la. Você poderia matar o Executor até. Ele é só um. E não usa nenhuma arma
de fogo. Você só precisaria correr até ele. Você o faria sangrar e sentir medo.
Você se divertiria com isso...
Edgar levou uma mão na cabeça que, agora,
latejava de dor. Era óbvio que só ele ouvia aquela voz. Mas de quem era? E por
que ela soava tão familiar?
Foi aí que ele se tocou. A voz já tinha soado
em sua cabeça. Porém, ela nunca havia dito algo tão claro, com tanto nexo, quanto
agora.
O rapaz sentiu uma mão tocando seu ombro
gentilmente.
— Edgar? — Marie o chamou preocupada. — O que foi?
— Ah... — Ele limpou a garganta. —Nada... Nada mesmo.
— Não pareceu nada pra mim.
— São só...
Algumas memórias... Voltando, sabe? Nada muito claro ainda... Infelizmente...
— Você pode
continuar andando?
— Claro...
— Então...
Vamos? Caso contrário, vamos perder o Executor.
Edgar assentiu e, em seguida, entregou a faca
para Marie.
Você vai se
arrepender dessa decisão. E por quê? Só para agradar essa daí, seguindo as
ordens dela como um bom cachorrinho? Ou é por que você sabe que, sem a faca em
suas mãos, você não vai matar mais ninguém?
O jovem engoliu em seco. É claro que a voz
estava certa. De fato, as duas suposições estavam corretas. Afinal, se a voz vinha
de sua cabeça, era seu subconsciente falando, certo? Como poderia estar errado
então?
A dupla voltou a andar, esgueirando-se, dando
passos mais rápidos do que antes.
O Executor havia saído do campo de visão
deles. Porém, num lugar tão silencioso, não era difícil achar o gigante pelo
som de seus passos.
Como planejado, não demorou para Marie e
Edgar novamente até seu alvo.
Desta vez, porém, era ela que manejava a
faca.
Passo a passo, eles se aproximaram do
Executor. Suas respirações praticamente se silenciaram quando Maire empunhou a
arma.
Ambas as mãos. Ela teria que usar as duas num
movimento bem calculado. A faca uma parte do cinto. As chaves cairiam. A mão
livre as pegariam antes de acertarem o chão.
Edgar parou de andar, apreensivo. Marie respirou
fundo e parou por um segundo. O Executor se distanciou dela por um passo. Então,
quase como uma cobra dando um bote, ela avançou.
Seus pés tocaram o chão levemente, com certa
graça até. Com um golpe com precisão cirúrgica, ela cortou o cinto. Sem um ruído,
as chaves se soltaram e, então, foram apanhadas.
Edgar arregalou os olhos, surpreso. Marie,
com seu olho remanescente, parecia ainda mais surpresa. Afinal, as chaves foram
apanhadas pelo próprio Executor.
— Não pensem que
eu não estava ouvindo vocês se aproximando de mim... — Ele riu. Sua voz grave, abafada pelo
capacete, aprecia ainda mais ameaçadora. — Agora... — Sacou o machado das costas. — O que vocês vão fazer?
Edgar se levantou. Porém, não fez mais que
isso. Suas pernas tremiam enquanto o medo o dominava.
Não estaria
assim se estivesse armado, tenho certeza.
Mas uma vez, o jovem não podia discutir com a
voz.
— Hm... —Marie respirou fundo. — Achei que você ia me matar... Sabe? Sem mais
nem menos?
— Não esqueça
que tudo isso é um show, minha cara. — Mesmo num tom
calmo, a voz do Executor não era nem um pouco amistosa. — E meu salário depende desse show.
— Entendo... — Bruscamente, ela se levantou, dando um salto
para trás, distanciando-se um pouco de seu inimigo. — Então... — Marie abriu um sorriso discreto e segurou o cabo da faca em sua
mão com firmeza. — Pra todos
filhos da puta assistindo... Vamos fazer um show do caralho!
— Ah... — O Executor riu. — Assim que é bom!
Ele atacou.
Com uma cambalhota, Marie passou por debaixo do machado que teria
acertado suas costelas. Com um passo rápido, ela se aproximou do oponente e,
sem hesitar, atacou.
A faca, entretanto, causou apenas um corte
superficial na blindagem do Executor.
O gigante riu de novo. Com o alvo próximo
dele, o Executor resolveu atacar com o pomo do machado. Ágil, Marie conseguiu
se esquivar para direita.
Entretanto, antes que ela pudesse contra
atacar, o colosso atacou mais uma vez. Dessa vez, porém, não foi com o machado.
Rapidamente, ele deu um chute que, por milímetros, não acertou Marie em cheio
no abdômen.
Antes que ela pudesse respirar aliada, o
Executor avançou e, dessa vez, desferiu três ataques. Pela vertical, pela
horizontal e, por fim, mais uma vez vertical.
Marie podia ver a lâmina do machado se aproximando
dela a cada golpe. Ela não poderia escapar para sempre. Uma hora, ele seria
atingida.
Ela tentou se manter calma. Porém, não havia
muito para se fazer. Marie sabia que não conseguiria passar pela blindagem do
Executor, não aquela faca, pelo menos. Continuar desviando até alguma ideia
melhor surgir seria o jeito.
O Executor parecia se divertir com cada golpe
que desferia. Marie era uma presa que lutava para se manter viva e ele gostava
disso. De fato, fazia muito tempo que não tinha um desafio desses.
A cada golpe que Marie desviava, seu coração
batia mais rápido. Ela sentia as pernas tremendo, podendo fraquejar a qualquer
instante. O suor em suas mãos faria a faca cair em breve. Aí sim ela estaria
perdida.
— Vai ficar só
fugindo? — Reclamou o
Executor. Após o que pareceram ser minutos fazendo a mesma coisa, ele estava se
cansando. — Achei que você
faria essa luta valer a pena.
— Pelo visto,
você estava errado... — Marie arfou. — Desculpe decepcioná-lo... Porém... — Ela esboçou um sorriso. — Talvez meu amigo te divirta um pouco mais.
Rapidamente, Marie arremessou a faca,
passando rente no capacete de seu inimigo, mas não o acertando. Afinal, o
Executor não era mais o seu alvo.
A lâmina atravessou o ar e caiu bem aos pés
de Edgar.
Saindo de um transe, o rapaz, que estava
praticamente petrificado, abaixou-se para pegar a faca quase instintivamente.
Agora armado, ele olhou para o Executor.
— Tentei dar uma
cansada nele. — Afirmou Marie
com um leve sorriso no rosto. — Agora ta na
hora de você fazer o que sabe... E nem pense em se segurar.
— Ora... — O Executor gargalhou. — Esse frangote aí? — Ele apontou o machado para Edgar. — Isso eu quero ver... Venha!
Tudo mundo quer
que você vá e se divirta. Por que decepcioná-los? Só vá... Corra até sua presa
com um sorriso no rosto como eu te disse...
Edgar engoliu em seco e, em seguida respirou
fundo, cerrando os olhos. Ele segurou o cabo da faca com força em suas mãos.
Rapidamente, seus olhos se abriram, brilhando
cheios de determinação. Um leve sorriso apareceu em sua face. Então, ele correu
contra o Executor.
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