Não sei se é implicância minha, mas acabei não gostando muito do fim do capítulo de ontem.
É provável que eu o mude, então, vou acabar editando o capítulo e criar um post com um link novo.
quarta-feira, 30 de setembro de 2015
terça-feira, 29 de setembro de 2015
Um Outro Mundo, Capítulo 7
7.
Se Estmund havia dito alguma coisa, o rapaz não tinha
ouvido.
Joshua agora corria até as escadarias, sem pensar direito,
com o coração batendo acelerado.
A ideia de pegar o elevador foi logo descartada. O rapaz
não aguentaria ficar parado, esperando o elevador chegar ele e, depois, ao
térreo.
Seus passos rápidos e desajeitados ecoavam pelos
corredores do prédio.
Degrau após degrau, lance de escada após lance de escada,
o jovem chegou ao saguão.
Joshua acelerou o passo. Na saída do prédio, ele trombou
com uma senhora, também moradora do prédio. Ele nem percebeu se ela havia caído
ou não e também não pararia para verificar. Tudo que o rapaz poderia fazer era
esperar que ela estivesse bem.
Entretanto, por mais desfocado que Joshua pudesse estar
com o mundo a sua volta, ignorar o tempo a sua volta era impossível.
Chovia torrencialmente. Os ventos, fortes e gélidos, pareciam
vir de todas as direções, uma de cada vez. Os raios traziam cor ao céu
cinzento, coberto de nuvens. Os sons das buzinas e dos carros correndo nas ruas
pareciam não existir quando comparados aos trovões incessantes.
Entretanto, nada disso fez com que o ritmo de Joshua
diminuísse.
O caminho era uma cainhada tranquila de praticamente
trinta minutos. Se fosse possível, o rapaz chegaria até a casa de Adriana em
cinco minutos.
Correndo por entre as pessoas com guarda-chuvas e
desviando de postes e latas de lixo, ele deveria estar parecendo um louco
fugindo de algo. Porém, o jovem não se importava, afinal, ele nem tinha tempo
para pensar nessas coisas.
O som das poças espalhando água sob os pés do rapaz a
cada cinco passos ou menos já havia se tornado algo normal. Seus tênis, já
encharcados, começavam a incomodar o rapaz. Seus pés começavam a doer. Sua
respiração estava se tornando ofegante. O jovem estava longe de estar
completamente recuperado após tudo o que havia passado.
Além disso, Joshua já havia sido quase atropelado, pelo
menos, seis vezes. Uma das vezes ele deslizou por cima do capô de um carro. É
claro que os motoristas o xingaram por ter se atirado no meio do trânsito com o
sinal verde, mas Joshua nem percebeu. Ele apenas sabia que não tinha tempo a
perder. Afinal, qualquer nova preocupação era insignificante no momento.
Ofegante e sem saber quanto tempo havia se passado,
Joshua chegou até a rua de Adriana.
Involuntariamente, seu corpo relaxou.
O coração do rapaz começou a bater mais rápido.
Seu corpo mais parecia um estorvo no momento. E foi
pensando assim que ele, cambaleando, quase se arrastando, seguiu até a casa no
fim da rua.
Trincando os dentes, tentando ignorar toda a dor que se
acumulou em seu corpo, Joshua chegou até a porta da humilde casa de Adriana.
Centenas de memórias poderiam ter vindo a sua mente.
Entretanto, ele não conseguiria se lembrar delas agora nem se ele quisesse. Sua
mente estava tão funcional quanto o seu corpo.
Apoiado contra a porta, Joshua apertou a campainha.
Uma, duas, três vezes.
Sem resposta.
Ele apertou mais uma vez. Agora, sem soltar o dedo da
campainha.
O som agudo se prolongou por dez segundos.
Ainda assim, não houve resposta.
Exasperado, Joshua socou a porta.
Uma, duas vezes. Na terceira, ele bateu com mais força.
Sem resposta.
Em seguida, ele se jogou contra a porta, batendo o ombro
com força contra a superfície de madeira.
Joshua soltou um grito de raiva.
Mais uma vez, o jovem se jogou contra a porta.
O som que veio a seguir não era esperado.
Ao invés de uma resposta, Joshua ouviu o som da porta de
madeira cedendo, soltando-se de suas dobradiças enferrujadas e caindo para
dentro da casa com o rapaz em cima dela.
O rapaz respirou apressadamente, recuperando-se do susto.
Rapidamente, Joshua se levantou e olhou para o interior
da casa.
O lugar fora herdado por Adriana após a morte de uma de
suas avós. Não muito grande, velha, com algumas rachaduras, precisando de
algumas demãos de tinta, mas, apesar disso tudo, era lá o lar de Adriana e, até
pouco tempo atrás, de Joshua também.
Naquele dia cinzento, sem sua amada, o jovem poderia
jurar que o lugar estava com uma aparência ainda mais decadente.
Joshua acendeu o interruptor do corredor. As luzes
funcionavam perfeitamente. Aquilo o relaxou um pouco.
—
Adriana! — O jovem
gritou. — Querida...!
Como antes, não houve resposta. Entretanto, isso não
impediu Joshua de continuar chamando por sua amada enquanto vasculhava a casa.
Em pouco tempo, o rapaz já estava suando frio, com o
corpo tenso, perdendo as esperanças.
A cada chamada não respondida, a cada cômodo vazio
vasculhado, a cada passo dado, a cada instante que se passava Joshua ficava com
mais medo. Afinal, durante todo o tempo passado na procura de Adriana, ele
sabia que o pior já poderia ter acontecido. Entretanto, ele continuou negando a
hipótese, esperando a encontrar de alguma forma.
Eventualmente, porém, Joshua teria que ceder.
Após o que pareceu uma eternidade, o rapaz caiu sentado no
corredor da casa, não muito longe da porta que viera abaixo, com as costas numa
parede. Ele levou as mãos ao rosto, fazendo com que o grito de frustração que
veio a seguir fosse abafado.
Joshua não tinha mais como negar. Adriana se foi. E ele
não pôde fazer nada.
—
Me desculpe... — Ele
murmurou, começando a chorar. —
Eu não pude fazer nada...
—
Mas que cena patética... —
Uma voz zombou com certo nojo.
Joshua ficou paralisado por um segundo. A voz feminina
lhe era familiar. Por um instante, ele chegou a pensar que era Adriana. Mas não
poderia ser. Não com aquele jeito de falar.
Lentamente, o rapaz abaixou as mãos e olhou para frente.
Diante dele estava uma mulher pálida, extremamente magra,
um pouco mais baixa que ele, vestida no que mais parecia ser um vestido de
noiva completamente negro. Sob o véu, belo seu rosto era bem visível,
principalmente seus lábios cor de carmim e olhos cor íris escarlates.
—
Não sei como sobreviveu àquele inferno na Terra... — A mulher falava, com certo desinteresse,
enquanto ajeitava os cabelos castanhos escuros que caíam sobre os ombros. — Mas você pode me contar
os detalhes no caminho.
—
Ah... — Joshua parecia
estar tonto de tão confuso. —
E você...?
Antes que o jovem pudesse terminar sua pergunta, uma
foice surgiu nas mãos da mulher.
Com um movimento rápido, a ceifadora apontou a lâmina
prateada contra o pescoço de Joshua, a milímetros da pele dele, e disse:
—
Sou uma amiga de Estmund. É tudo o que vou te contar. Por ora, pelo menos... — Ela sorriu sem mostrar os
dentes, porém, mantendo-se ameaçadora. —
Agora... Venha. Sem mais um pio até eu lhe conceder a permissão, entendeu?
O rapaz assentiu. A ceifadora afastou sua foice do
pescoço dele. Rapidamente, Joshua se levantou e a seguiu porta afora.
domingo, 27 de setembro de 2015
Um Outro Mundo, Capítulo 6
6.
O rapaz estava, agora, claramente alarmado. Ele adoraria
falar que Adriana ficou para trás, mas a verdade não era essa. O estado
patético em que o jovem se encontrava prova disso.
Joshua sentiu a aliança ainda no bolso e engoliu em seco.
Ele não conseguiria se esquecer dela. Talvez, nunca chegasse a esquecer.
Tendo tudo isso em mente, o rapaz olhou para Estmund. Sem
dizer nada, ele apenas assentiu para o ceifador, sinalizando que ele ouviria o
que o senhor tinha a dizer.
—
Bom... — Estmund
limpou a garganta. —
O que eu vou dizer agora, bem... Pode ser difícil para você acreditar. Porém,
como eu não tenho motivos para mentir... Peço que você tenha a mente aberta,
certo?
Joshua, novamente, assentiu, sem dizer uma palavra.
— Excelente... — O ceifador coçou a barba vagarosamente e,
então, olhou diretamente para os olhos do jovem. — Diga-me como você sabe que está vivo neste exato momento.
— Ah... — O rapaz tentou dizer algo. Entretanto, sua
mente parecia não conseguir vir a uma resposta. Da sua boca, apenas sons
inteligíveis saiam... — Ah... Eu...
Hm...
— A resposta é
simples. — Ele sorriu. — Você não tem como saber. Simples assim.
Joshua
se manteve em silêncio, pensando.
Estmund
se manteve quieto, apenas aguardando a pergunta.
— Então... Se eu
estivesse morto, como eu poderia estar, bem, vivendo essa vida? — Indagou o rapaz. — Como eu poderia estar aqui conversando com
você? Isso é o pós vida? O quê...?
— Muitas
perguntas, muitas perguntas... — O ceifador
murmurou. — Como previsto...
Ainda bem... — Ele sorriu. — Se você não mostrasse interesse, não teria a
mesma graça.
— Certo...
Então... Você poderia me responder algo?
— Claro que
posso. — Ele olhou, um
pouco distraído, para a lâmina da foice que parecia brilhar no ambiente cinzento.
— Quanto ao pós
vida... É algo um pouco complexo. Afinal, vocês, humanos, têm três
alternativas, apesar de nem todas serem visíveis a princípio.
— Ah... Claro...
— Joshua bufou. — Por favor, explique.
— Nós,
ceifadores, levamos as almas até o Plano Espiritual. Lá, vocês recebem a opção
de seguirem um anjo ou um demônio. Entretanto, é possível recusar a ajuda de
ambos. Nesse caso, uma terceira opção é apresentada para o falecido.
— E qual é a
pegadinha? Aliás... Quais são as pegadinhas? Tenho certeza que nada é muito
claro nesse momento...
— Pelo
contrário. — Estmund soou
melancólico. — Esse é o
momento de maior clareza da vida de uma pessoa. É o momento em que tudo que ela
precisa saber é revelado.
— Como o quê?
— Como o fato de
muitas delas já estarem mortas por anos e não saberem...
Joshua
permaneceu em silêncio. Ele precisaria de detalhes para acreditar no que o
ceifador estava dizendo. Felizmente, Estmund percebeu isso rapidamente.
— Pense assim,
garoto... — Ele começou a
dizer. — A sua alma é
um corpo completo e funcional. Assim sendo, ela tem uma mente que, na verdade,
é exatamente igual a do seu corpo físico. É por isso mesmo que você não a
percebe. Ela funcionaria mais como uma reserva que você nunca precisaria usar
até seu corpo físico perecer e você for para o plano espiritual. Entendeu?
— Sim...
— Ótimo. — O ceifador respirou fundo. — Então... Já como sua alma é capaz de pensar,
ela também é capaz se sonhar... E, assim, ela é capaz de te mostrar um mundo
falso que pode parecer extremamente real...
— Ah... — O jovem engoliu em seco. Ele parecia ter
entendido o que o ceifador queria dizer. Ele também parecia preocupado com a
conclusão. — Então... A
nossa mente, a mente dos humanos, seria capaz de nos enganar para não sabermos
que estamos mortos...?
— Precisamente.
— Mas... Por
quê?
— Para evitar
finais decepcionantes.
— Como assim?
— Imagine que
sua vida é um filme e você é o protagonista. Você tem seus objetivos. Você
supera obstáculos para cumprir seus objetivos. A vida parece que tenta te
derrubar. Você cai, sofre, mas se levanta no final e segue em frente. No fim,
você é feliz. Ou não. — Ele riu baixo.
— Mas o que
realmente importa é que você fez as suas escolhas e viveu como quis, entende?
— Certo...
— Então o quão
decepcionante seria esse filme se, abruptamente, o protagonista morresse num
acidente qualquer, sem conseguir realizar seus objetivos?
— Ah... Entendi.
— Joshua ficou
em silêncio por um instante. — Então...
Somente as pessoas que tiveram um final infeliz e inesperado que passam a viver
essas vidas falsas?
— Sim... Para
nós, ceifadores, é quase como se elas estivessem em um coma. As almas não se
movem nem reagem a estímulos. Mas elas ainda, bem... Vivem. E é exatamente em
suas mentes que suas vidas se passam agora. Mas isso acaba podendo gerar um
grande problema.
— Que seria?
— O momento da
revelação...
— Ah... — O jovem pensou por um instante e suspirou. — Imagino que nem todos saibam lidar com
isso...
— Exatamente.
Saber que os momentos mais felizes de sua vida foram mentiras... Pode ter
efeitos terríveis... — A expressão no
rosto de Estmund estava ainda mais séria agora. — Muitos, tomados pela raiva, escolhem seguir o demônio que promete
vingança, abandonando qualquer tipo de paz ou salvação.
— O que
exatamente acontece com as almas que seguem os demônios?
— Existem muitas
possibilidades. Mas sei que você já viu de perto uma dessas possibilidades.
Joshua
não precisava parar para pensar naquilo. A risada de seu perseguidor soou em
sua cabeça, ecoando e fazendo seu corpo tremer.
— E isso me leva
ao nosso próximo tópico... — Estmund
continuou a falar. — O outro mundo.
O lugar onde você estava...
— O que você
pode me dizer sobre ele?
— Eu não conheço
muito sobre o lugar, então... Infelizmente, não posso te ajudar tanto quanto eu
gostaria.
— Pensei que
você sabia de tudo nesse mundo...
— Nesse em que
estamos? É bem provável. Num mundo que eu nunca coloquei os meus pés e que é
tão velho quanto esse em que estamos? Não... Não conheço tanto assim dele...
— Você nunca foi
lá? — Joshua soou
ainda mais intrigado. — Por quê?
— Porque aquela
é uma terra de amaldiçoados, garoto. Amaldiçoados pela tristeza, ódio e
sofrimento. E com isso eu me refiro aos vivos e aos mortos.
— Mas algo o
proíbe de entrar lá?
— Não. Mas nada
me motiva a ir lá. Anjos abandonaram os vivos que entram lá. As assombrações
fazem todo o trabalho sujo de matar e roubar almas, então os demônios não tem
motivo de ir até lá pessoalmente. É uma terra de ninguém, entendeu?
— Ah... Então eu
fui parar naquele lugar...?
— Por causa de
como você está depois de sua amada ter te deixado. — Estmund disse rispidamente. — Somente por isso. E, assim, antes que você
perceba, você estará perdido naquele pesadelo de novo.
Joshua
se sentiu como se tivesse levado um soco no estômago. Ele inclinou o corpo para
frente, apoiando os cotovelos nos joelhos e levando as mãos ao rosto. O rapaz
respirou fundo, soltando o ar, em seguida, lentamente pela boca.
— Garoto... — O ceifador parecia preocupado. — Você...
— Se eu parar de
me sentir assim...! — Joshua começou
a dizer exasperado, porém, hesitou por um instante para respirar profundamente.
— Se eu parar de
me sentir assim... — Ele repetiu,
agora mais calmo. — Eu nunca mais
volto para aquele lugar. É isso?
— Sim... Mas
você não é capaz.
— E como você é
capaz de saber isso?
— Eu já estou
observando vocês, humanos, há um bom tempo... Sei que vocês não conseguem lutar
contra seus sentimentos... Principalmente quando o sentimento em questão é amor
ou ódio.
— O que você
quer que eu faça então!? — Ele olhou
Estmund nos olhos. — Tire a minha
própria vida!?
— É uma opção.
Porém, é uma saída fácil demais, não acha?
— O que você
sugere que eu faça então!?
— Volte a ser
feliz. Ao lado dela.
— Claro! — Ele riu com escárnio. — Fácil fazer isso...
— Você não sabe
os motivos que ela tinha para fazer o que fez.
— E você sabe?
— Sim. Tem a ver
com a terceira opção que eu falei antes.
Joshua
se manteve quieto, pensando no que o ceifador havia dito antes. Seguir o anjo
ou o demônio eram apenas duas alternativas. A terceira opção viria caso as
outras fossem negadas.
— Qual seria a
terceira alternativa? — O rapaz
perguntou.
— Fugir do anjo
e do demônio até você achar um ser que não é nem bom, nem mau... Que não seja
preto, nem branco... Que não seja da luz, nem das trevas.
— Que seria o
que exatamente?
— Bem... Há
vários nomes. O meu favorito é Djinn.
— Djinn? — O jovem indagou. — Como gênios?
Que realizam desejos?
— Sim. Porém,
eles apenas realizam um desejo.
— Que seria...?
— Viver mais uma
vez. Conseguir atingir um novo objetivo. Não ser enganado pela própria alma
dessa vez.
— E o que o
Djinn ganha com isso?
— A alma da
pessoa que ele está ajudando.
— Então... O que
aconteceria com essa pessoa no pós vida?
— Nada.
— Como assim nada?
— Absolutamente
nada. É o fim da existência do indivíduo. A alma dela foi devorada pelo Djinn.
Ela simplesmente deixa de existir depois que seu corpo físico perece...
— Então... — O rapaz engoliu em seco. — Adriana vendeu a alma dela para o Djinn?
— Sim...
— E... O desejo
dela? O que foi?
— Apaixonar-se.
Casar-se. Ser feliz como ela não pôde da primeira vez...
— Ah...
Joshua
voltou seu olhar para o chão, melancólico.
— Eu não fui bom
o suficiente para realizar o último desejo dela... — O jovem falou com a voz chorosa. — É isso?
— Na verdade, é
exatamente o contrário. — O ceifador
disse com simplicidade.
Joshua
levantou a cabeça e olhou para Estmund.
Os
olhos do rapaz estavam avermelhados. Uma lágrima escorria de seu rosto.
Estmund
tinha a expressão serena, despreocupado. Ele estava dizendo a verdade com
certeza.
— Como assim? — Indagou Joshua.
— O desejo
concedido pelo Djinn tem um detalhe importante que eu não havia lhe contado. — O ceifador começou a explicar. — Depois que o desejo é realizado, a pessoa
morre.
Joshua
manteve-se em silêncio.
— Ao meu ver,
não é um acordo ruim. — Estmund
continuou falando. — Morrer com um
sorriso no rosto não é algo que todos conseguem. Entretanto... Tem aqueles que
temem a morte acima de tudo. — Ele olhou
diretamente nos olhos do jovem. — Sua amada
sabia que, caso continuasse com você, ela seria feliz, mas, com o tempo, ela
morreria por causa desse amor. Assim, ela decidiu que seria melhor viver na tristeza
do que morrer feliz. Péssima escolha, na minha opinião.
Joshua
permaneceu em silêncio, tentando assimilar tudo o que havia ouvido.
O
ceifador foi paciente. Ele esperou o tempo necessário para que o rapaz voltasse
a fazer contato visual com ele.
— Então... — Estmund falou calmamente. — O que você fará?
— Eu... — Joshua respirou fundo. — Eu não quero desrespeitar as decisões
dela... Mas... Eu não posso viver feliz... Não sabendo que ela está infeliz...
— E você vai
deixar que ela morra? Mesmo contra a vontade dela?
— Eu... Vou
fazer com que ela enxergue a situação por completo... Vou fazer com que ela
veja que não faz sentido viver na tristeza... Vou fazer com que ela seja feliz
até o fim da vida dela.
— Belas
palavras. — O ceifador
sorriu.
— Ah...
Obrigado. — Joshua sorriu
de volta, genuinamente feliz.
— Entretanto...
Ainda há um problema.
— O que seria?
— Encontrar
Adriana.
— Não creio que
isso seja um problema. Eu só preciso tomar um banho, me arrumar e passar na
casa dela. Talvez eu compre flores no caminho...
— Não é sobre
isso que eu estou falando, Romeu. — Ele zombou. — Há algo sério que pode acontecer com ela, se
é que já não aconteceu...
— Do que você
está falando?
— Do jeito que
ela está vivendo agora. Imersa na tristeza, sofrendo com a própria escolha...
Não vai demorar muito para que ela termine...
Estmund
não precisou terminar aquela frase.
Joshua,
o mais rápido que pôde, levantou-se e saiu porta afora, rumo à casa de sua
amada.
quinta-feira, 24 de setembro de 2015
Um Outro Mundo, Capítulo 5
5.
Joshua estava quieto, encarando o vizinho, pensativo.
—
Ora... — Estmund riu
baixo. — Como era de
se imaginar, está surpreso...
—
Na verdade, não. — O
rapaz retrucou. —
Depois do que eu vi hoje... —
Ele suspirou. — Acho
que nada mais vai me surpreender.
Estmund abriu um largo, e ligeiramente assustador,
sorriso, deixando escapar uma risada baixa e grave.
—
O que é tão engraçado? —
Joshua indagou levemente irritado.
—
Até alguns instantes atrás... —
O ceifador começou a falar calmamente. —
Você me temia. Isso apenas por causa da minha vontade...
—
Isso é ridículo...
Quando ele terminou de enunciar aquelas palavras, o jovem
sentiu o ar ficar mais frio e denso a sua volta. Ao olhar para Estmund, voltou
a sentir medo daqueles olhos sem vida. Em questão de instantes, o rapaz tremia,
encolhendo-se lentamente no sofá, sentindo o corpo tremer, a visão embaçando e
quase não conseguindo respirar.
A mente do rapaz não parecia mais capaz de entender nada.
Não havia como ele ter noção do tempo passando a sua volta, muito menos se ele
estava em perigo ou não.
Não mais do que alguns segundos se passaram. Joshua
parecia fugir de um transe graças à risada do ceifador.
O rapaz levou a mão à testa como se reclamasse de uma dor
de cabeça.
Suas mãos suavam. Suas pernas tremiam. Sua respiração
estava pesada.
Estmund estava sentado na cadeira de madeira, olhando
entediado para Joshua, sem mover os lábios. Entretanto, o som grave ainda
parecia ecoar pelo pequeno e sombrio apartamento.
— Viu?
— O ceifador sorriu. — Você ainda pode sentir
medo. Muito medo.
Joshua se ajeitou no sofá. Claramente, apenas pela
expressão em seu rosto, o jovem estava desconfortável. Se fosse possível, ele
não diria mais uma palavra e se afastaria do apartamento e de seu dono naquele
mesmo instante.
—
Enfim... — Estmund
limpou a garganta. —
Você ainda tem muito a aprender, garoto. E é por isso que eu estou aqui. Para
te ensinar.
—
Por quê? — Indagou
Joshua. — Por que a
Morte está me contando isso?
—
Para isso... Vou ter que te contar outras coisas antes...
—
Como o quê?
—
Bem... Eu sou apenas um ceifador. Existem vários outros por aí.
—
Ah... — O rapaz parecia
pensativo, arrastando a voz. —
Mas... Por que isso? Por que existem vários de vocês?
—
Sabe quantos pessoas morrem no mundo inteiro a cada instante? Um só ser
sobrenatural com uma foice não bastaria para guiar todos para o além, não acha?
—
Mas...
—
A Morte não é onipresente. —
Ele disse rapidamente, antecipando a pergunta do jovem. — Entendeu?
—
Certo... — A mente de
Joshua estava inquieta. —
Então... Quantos ceifadores existem mundo afora?
—
Olha... — Ele coçou a
barba grisalha sobre o queixo. —
Não tenho certeza. Aliás... Não sei se alguém ainda tem certeza... — Estmund soou melancólico.
— Houve um tempo que
éramos imprescindíveis. Cada um de nós trabalhava duro, sabe? Haviam milhões de
pessoas no mundo e parecia que quase todas morreriam antes de completarem quarenta
anos de vida. — O
ceifador riu baixo. —
Agora... Vocês são bilhões. Por mais que muitos morram, muitos mais vêm. Além
disso, vocês estão vivendo cada vez mais. Entretanto, a nossa população também
aumenta, não como a de vocês, mas aumenta. —
O senhor fez uma breve pausa. —
O resultado disso é que muitos de nós, ceifadores, estamos trabalhando cada vez
menos... Alguns estão até parando de trabalhar.
—
Certo... — Joshua
olhou rapidamente ao seu redor, observando cada canto da sala empoeirada. — Então... Você anda
ocupado com seu trabalho?
—
Pra ser sincero... Não muito. Mas... Sabe como é... A vida não está muito
animadora ultimamente. Ando sem vontade de fazer praticamente qualquer coisa. Até
mesmo interagir com vocês, humanos, estava... Bem, chato. Depois de milênios...
Tudo acaba ficando um pouco chato.
—
Imagino... — O jovem
coçou a nuca. —
Então... Interação com humanos?
—
Sim. O que tem?
—
Que tipo de interação você está falando?
—
Ás vezes, só observamos as suas vidas. Fazemos apostas sobre o que vocês farão,
o que não farão, quando morrerão... Nada de mais.
—
Claro...
—
Aliás, anjos e demônios também compartilham de tais prazeres.
—
Então... É tudo um grande reality show pra vocês?
—
Quando você diz dessa maneira parece insultante, mas... — Ele bufou. —
Sim.
—
Mas... Vocês intervêm na vida dos humanos?
—
Em alguns casos. Anjos e demônios mais raramente. Pelo menos, quando nesse
mundo.
—
Como assim?
—
Eu explicarei em breve.
—
Mas...
—
Normalmente... —
Estmund não permitiu que Joshua pudesse fazer sua pergunta. — Ceifadores intervêm na
vida de mortais cercados pela morte, tanto pessoas que sofreram perdas como
aquelas que as causam. Podemos, por exemplo, proporcionar um adeus mais
conclusivo entre alguém que está vivo e alguém que morreu há pouco tempo. Isso
acaba sendo benéfico para ambos os lados, resolvendo o que não fora resolvido,
trazendo paz a ambas as partes. É uma pela ação de nossa parte... Porém... — Ele exibiu um sorriso
maligno. — Também
podemos fazer com que um assassino se encontre com sua vitima. Isso não é muito
benéfico. Um ser vivo é assombrado, um fantasma se vinga. Mas, sinceramente, é
bem divertido de assistir.
—
Então... Vocês, ceifadores, são neutros? Nem bons, nem maus?
—
Exato! — Ele sorriu. — Mas não são muitos que
entendem isso...
—
E o que você pretende fazer comigo? Além de jogar conversa fora, claro...
—
Ora... — Estmund
abriu um largo sorriso. —
Eu estou aqui para transmitir conhecimento, como já te disse. Sobre os
ceifadores, o mundo que você visitou, o seu destino e o destino dela.
—
Ah... Dela?
—
Sim. O futuro de sua amada também está em jogo, meu caro Joshua. — Sua expressão ficou séria.
— Por isso...
Deixe-me terminar de falar o que tenho para falar, certo?
quarta-feira, 23 de setembro de 2015
Capítulo 36
Leviathan, The
Lord of Light
Leviathan,
o Lorde da Luz
—
Então? — O Lorde da
Luz perguntou calmamente para Tristan. —
Você pretende ficar deitado no chão assim até quando?
—
Eu...não... — O
guerreiro das Trevas tossiu sangue.
—
Que estado patético para o Escolhido de Nidhogg. Eu poderia acabar com seu
sofrimento aqui e agora. Contemple...
Leviathan estendeu a palma da mão na direção no guerreiro
das Trevas. Todo o braço do Lorde da Luz começou a brilhar intensamente. A
forte luz fez com que Tristan cerrasse os olhos.
“Droga. Contra o Lorde da Luz, nem se eu estivesse
totalmente recuperado. Não há como eu derrotá-lo...”.
Uma explosão de luz branca atingiu Tristan. O guerreiro
das Trevas tentou gritar, mas nenhum som saiu de sua boca.
“Essa luz...ela...”.
Tristan conseguiu respirar fundo.
“Eu não acredito...”.
O guerreiro das Trevas se levantou.
“Ele me curou...”.
Todas as feridas de Tristan haviam desaparecido. Sua aura
púrpura voltou a brilhar. Seus olhos estavam recuperando o brilho.
—
Eu achava que trabalhar ao lado de Gabriel já era inusitado o suficiente. — O guerreiro sombrio riu. — Mas o Lorde da Luz salvar
a minha vida...
—
Não é o momento apropriado para nos enfrentarmos. — Leviathan disse rispidamente. — Esse estado risível em
que você se encontrava...apenas digamos que matá-lo naquela situação não seria
nenhum feito digno do meu poder.
—
Certo...
—
Além do mais, meu objetivo aqui é outro. Esse ilusionista atacou a minha
cidade. Isso eu não posso tolerar. Eu precisava exterminá-lo o quanto antes. — Ele guardou o florete,
agora limpo, junto à cintura. —
A Tiamat está cada vez mais ousada em seus ataques. Eu acreditava que eles não
tentariam atacar a capital de novo...pelo menos, não tão cedo.
—
Mas isso não foi obra da Tiamat.
A expressão no rosto de Leviathan mostrava certa
surpresa.
—
Ora...então quem foi? —
O Lorde da Luz perguntou.
—
Chimaera. — Tristan
respondeu calmamente. —
Uma organização que é contra qualquer outra. Eles acreditam que o mundo seria
um lugar melhor caso não houvesse nenhum tipo de líder. Overtrederen, o
ilusionista que você matou, era um dos três Generais. Esses três só estão
abaixo de um líder.
—
Generais...líder... —
Leviathan riu. — Eles
se hierarquizam, mas defendem a ideia de que não pode haver um líder opressor.
Fantástico. A estupidez e a hipocrisia de algumas pessoas são sem fim.
Tristan riu.
—
Ótimo, agora eu estou concordando com o Lorde da Luz. — O guerreiro das Trevas sorriu. — E agora? Nada mais me...
De repente, o chão começou a tremer abaixo dos pés de
Tristan e Leviathan. Algumas placas de ferro começaram a se soltar e cair no
infinito. Rachaduras negras começaram a aparecer no céu vazio.
—
O quê...? — Tristan
parou de falar e olhou para o corpo de Overtrederen caído no chão. — Ótimo. Esse lugar vai
ruir agora que o ilusionista está morto. Alguma idéia de como sair daqui?
—
Podemos sair daqui do mesmo jeito que eu entrei. —
Leviathan disse calmamente.
—
Que seria...?
Antes que Tristan pudesse terminar a pergunta, O Lorde da
Luz havia sacado seu florete e feito um corte no ar. O trajeto da lâmina
brilhava com uma luz dourada.
—
Vamos? — Leviathan
perguntou.
Com um estralar de dedos do Lorde da Luz, a linha dourada
começou a se abrir. Em um instante, um círculo de quase dois metros de diâmetro
se abriu na frente de Leviathan.
“Nossa...”.
Em uma fração de segundos, o Lorde da Luz havia entrado
pelo portal e desaparecido. Tristan respirou fundo. Ele encarou o portal de luz
a sua frente. O ruído das placas de metal se soltando junto com o das
rachaduras sendo formadas no céu era ensurdecedor.
“E se for uma armadilha...?”.
A placa de metal abaixo do guerreiro das Trevas cedeu. O
guerreiro sombrio caiu no buraco em direção ao desconhecido.
“Não!”.
Rapidamente, Tristan se transformou em trevas e se
arremessou para o alto. O guerreiro sombrio conseguiu subir em cima de uma
placa de metal. Ele respirou fundo e encarou novamente o portal de luz.
“É a minha única escolha...”.
Tristan se jogou para dentro do portal. Um flash de luz
quase o cegou. Em um instante ele estava de volta à capital.
—
Está vivo? —
Leviathan perguntou.
O guerreiro das Trevas estava de volta a mesma parte da
cidade onde estavam durante o ataque dos assassinos. O Lorde da Luz estava
acompanhado de vários guardas da cidade e até alguns Anjos. Os corpos de
Overtrederen e Buffone estavam jogados no chão.
—
Sim. — Tristan
respirou ofegante enquanto tentava voltar a enxergar.
—
Suspeito que você tenha hesitado ao ver o portal. — Leviathan disse. — Mas, já como não havia outra saída, você,
enfim, entrou nele.
—
É. Eu quase morri quando o chão despencou embaixo de mim. Foi bem emocionante.
— Esplendido.
— O Lorde da Luz
esboçou um sorriso.
Tristan olhou ao seu redor.
“Astaroth? Gabriel?”.
—
Algum problema? —
Leviathan perguntou.
—
Não consigo encontrá-los em lugar algum. —
Tristan respondeu. —
Astaroth e Gabriel...
—
Não se preocupe. — Um
dos Anjos pediu calmamente. Seu rosto era branco e não apresentava nenhum tipo
de imperfeição ou mesmo sujeira ou machucados. Seus cabelos eram loiros e
curtos. A armadura era dourada, bem como as espadas guardadas ao redor de sua
cintura. Suas asas eram de seu tamanho, constituída por penas brancas como a
neve. — O Escolhido e
seu amigo Demônio foram levar o corpo de Catherine para ser transformado em
Luz.
—
Obviamente, eles só resolveram fazer isso após a chegada do Lorde Leviathan. — Uma companheira do Anjo
disse. Ela também tinha asas brancas como à de seu aliado, bem como a armadura
dourada. Ela carregava uma clava junto à cintura e um escudo preso ao braço
esquerdo. Seu rosto era alvo e delicado. Seus olhos azuis eram penetrantes. Seu
longo cabelo castanho caia por cima dos ombros. Seus lábios eram tão vermelhos
e intensos como os olhos de Tristan. —
O ritual não demora muito tempo, mas é melhor você não interferir. Logo, logo
eles estarão de volta.
—
Mas, sinceramente, acho melhor você não esperar. —
O Lorde da Luz opinou. —
Em pouco tempo, nós realizaremos o nosso ataque contra os bárbaros. Você
precisa informar Nidhogg sobre o resultado da sua missão...e, também, sobre o
que aconteceu aqui. Alerte-o quanto antes sobre a Chimaera. E, pelo seu próprio
bem, descanse. Não sei por mais quanto tempo você vai conseguir ficar em pé.
Seu nível energético está muito baixo. Minha magia curou seus ferimentos, mas
não consegue restaurar muita energia. Pelo menos, não consegue restaurar muita
energia de um ser das Trevas.
“Realmente...até a minha visão está meio turva...”.
—
Ótimo...então...até o nosso ataque contra os bárbaros. — Tristan sorriu.
Alguns dos Anjos sorriram de volta, enquanto outros
apenas assentiram com a cabeça. Leviathan andou até o guerreiro das Trevas e
colocou sua mão direita sobre o ombro esquerdo de Tristan.
—
Não se preocupe. — O
Lorde da Luz sorriu. —
Quando aniquilarmos os bárbaros, voltaremos a ser inimigos.
—
Ora... — Tristan riu.
— Se esse é o único
jeito, tudo bem.
—
A não ser que você se junte a nós.
—
Eu...? — O guerreiro
das Trevas gargalhou. —
Claro. Existe essa alternativa. O único problema é que eu e o Nidhogg já temos
um acordo. Desculpe-me, mas terei que recusar a sua proposta.
—
Não se preocupe. Ela sempre estará em aberto para você, Tristan.
—
Bem...nesse caso...vamos ver o que o futuro me reserva.
—
Ótimo.
Leviathan estendeu a mão para Tristan, que a apertou. Com
apenas um sorriso, os dois se despediram. Tristan se transformou em trevas e
desapareceu da cidade.
“Só espero conseguir chegar à cidade com a energia que me
resta...”.
Tristan sobrevoou toda a distância das duas cidades e,
enfim, havia chegado à cidade de Nidhogg.
“Ótimo”.
Tristan entrou pela janela do último andar do palácio.
Sem nem dizer nada, os guardas abriram a porta para a sala do trono. Tristan,
apesar de estar arfando, andou firmemente pelo tapete vermelho em direção ao
Lorde das Trevas.
—
Tristan! — Nidhogg
ergueu e taça na direção do guerreiro das Trevas. — Como foi a missão?
Antes que Tristan pudesse falar qualquer coisa, ele caiu
desacordado no chão.
segunda-feira, 21 de setembro de 2015
Um Outro Mundo, Capítulo 4
4.
—
Vamos até o meu apartamento. —
O senhor Estmund disse. —
Poderemos falar o quanto quisermos lá sem sermos... — Ele fez uma breve pausa e olhou para o rapaz.
— Sem sermos
perturbados.
Apesar de receoso, Joshua percebeu que não havia outra
escolha.
A uma distância que ele julgava segura, o jovem seguiu o
senhor Estmund pelas escadas até o andar térreo. Surpreendentemente, o homem a
frente de Joshua andava com passos rápidos e com uma postura elegante. O rapaz
nunca havia percebido aquilo sobre o vizinho até aquele momento.
Em silêncio, os dois seguiram até o elevador.
Joshua estava aliviado por não ter que subir até o quinto
andar pelas escadas. Suas pernas mal aguentavam mantê-lo em pé.
Entretanto, ao perceber que ele estaria numa caixa de
metal, mesmo que por alguns instantes, confinado com o senhor Estmund, o
estômago de Joshua começou a revirar.
Antes que o jovem pudesse protestar, a porta se fechou.
Com as costas encostadas numa das paredes do elevador,
Joshua cruzou os braços e tentou não pensar na situação. Em vão.
O ar parecia mais frio e denso. A luz do elevador
oscilava, piscando constantemente.
O corpo de Joshua estava tenso. Ele pensava que aquilo
não o perturbaria. Afinal, o elevador deveria chegar ao quinto andar em alguns
segundos. Entretanto, não era isso o que acontecia.
A mera respiração do senhor Estmund ao lado de Joshua o
perturbava mais do que ele poderia esperar. Parecia que aquilo era o que estava
fazendo o ar ficar menos confortável.
Ainda mais tenso, o rapaz percebia que o seu coração
batia excessivamente rápido. Paranoico ou não, ele poderia jurar que podia ouvir
os batimentos sob seu peito.
Após o que pareceram minutos, a porta do elevador se
abriu. O senhor Estmund saiu rapidamente. Joshua respirou fundo, aliviado,
antes de seguir o vizinho.
Chovia forte naquela noite. Trovões podiam ser ouvidos à
distância. O vento soprava forte pelo corredor. O senhor Estmund parecia não se
importar. Joshua, por outro lado, apesar de usar um casaco, tremia. Ele tinha
certeza que estava frio. Seu vizinho simplesmente parecia não se importar.
Os dois atravessaram rapidamente o corredor, passando na
frente do apartamento de Joshua.
O jovem resistiu ao ímpeto de entrar no conforto de seu
lar. Por mais deprimente que fosse, aquele pequeno apartamento era seu único
lugar de paz. Depois de uma experiência traumática como aquela, jogar-se em sua
cama, cerrar os olhos e cair rapidamente num sono profundo era tudo o que ele
queria.
Entretanto, Joshua tinha que saber o que havia sido a
experiência bizarra pela qual ele havia acabado de passar. Aquilo havia sido
real. Daquilo o rapaz tinha certeza.
Ao chegarem ao fim do corredor, na frente do apartamento
do senhor Estmund, o velho olhou o rapaz nos olhos.
Como de costume, um mal estar súbito atingiu Joshua.
Porém, antes que o rapaz pudesse perceber, ele já estava de volta ao normal.
Surpreso, o jovem olhou para seu vizinho. Estmund abria a
porta a sua frente calmamente.
—
Venha. — Ele ordenou
Joshua enquanto entrava em seu apartamento.
O jovem hesitou. Ele engoliu em seco, mas, por fim,
percebeu que aquela era a melhor opção.
Não muito animado, Joshua entrou no apartamento.
—
Sinta-se em casa. —
Disse o senhor Estmund em um tom quase humano.
O rapaz olhou para todos os cantos da sala cinzenta.
A única janela era coberta por uma persiana bege. A luz
branca do teto iluminava fracamente o ambiente. A televisão, bem como o móvel
em que ela estava em cima, estavam cobertos de pó. Um cesto de palha ao lado do
sofá verde escuro continha uma quantidade absurda jornais. Uma pequena mesa de
vidro, do tamanho de um criado mudo, estava do outro lado do sofá. Um único e
solitário quadro estava numa parede. Sua pintura com cores escuras parecia
abstrata, ao menos, para Joshua.
Do outro lado da sala estava um corredor imerso na
escuridão. Joshua esperava não ter que ir tão fundo no lar de seu vizinho.
—
Aceita algo para beber? —
O senhor Estmund perguntou.
—
Ah... — Joshua queria
dizer não, porém, depois de tanto
correr, ele estava morrendo de sede. Entretanto, o jovem só havia percebido
isso agora que estava um pouco menos tenso. —
Um copo de água seria bom.
—
Ótimo. — Ele apontou
para o sofá. —
Sente-se.
As pernas de Joshua não o deixaram contrariar a ordem de
Estmund. Rapidamente, o jovem assentiu e, praticamente desabando, sentou-se no
lado esquerdo do sofá.
Enquanto o senhor Estmund foi buscar o copo de água,
Joshua se perdeu em pensamentos.
Entretanto, sua mente ficou em branco rapidamente.
Cansado daquele jeito, era esperado que ele desmaiasse, caindo num sono
profundo.
E, assim, o jovem teria seu descanso merecido.
Entretanto, cicatrizes já haviam sido marcadas em Joshua.
A risada do maníaco ecoou dentro da cabeça do jovem,
acordando-o abruptamente, trazendo-o de volta à realidade.
Com os olhos arregalados e a respiração ofegante, ele
olhou para frente.
Sentado em uma cadeira de madeira no meio da sala, o
senhor Estmund abaixou um jornal e olhou de volta para Joshua.
—
Um pesadelo, não é? —
Ele perguntou para o rapaz já sabendo a resposta.
Joshua levou as mãos trêmulas ao rosto. Suor escorria por
sua face. Suas pernas tremiam.
—
Você está seguro. —
Disse Estmund confiante. —
Pelo menos, por enquanto.
—
Como você pode estar certo disso? —
Perguntou Joshua. —
Aliás... — Ele
abaixou as mãos e olhou o senhor nos olhos. Dessa vez, sem sentir medo. — Como você sabe do que
aconteceu comigo? O que você é por acaso?
Estmund sorriu. Rapidamente, ele se levantou. Apoiada do
lado da cadeira estava a sua bengala. Rapidamente, o senhor a pegou.
Entretanto, ele não se apoiou nela.
Joshua mal podia acreditar no que estava prestes a ver.
A cor da bengala mudou rapidamente, bem como sua
extensão. Em um instante, o objeto dobrou de comprimento e se tornou negro como
piche. Na extremidade superior, uma lâmina se formou. Prateada, no formato de
uma lua crescente.
Os olhos de Estmund agora brilhavam com uma cor escarlate.
Com um sorriso sinistro no rosto e apoiado em sua foice, ele disse:
—
Eu sou a Morte. Muito prazer.
sexta-feira, 18 de setembro de 2015
Um Outro Mundo, Capítulos 1, 2 e 3
1.
Era apenas mais um dia miserável na vida de Joshua.
O jovem homem não esperava que sua vida fosse mudar tanto
em tão pouco tempo. Com o abrupto fim de seu noivado, Joshua se viu sem rumo.
Forçado a se mudar para um apartamento pequeno em um
prédio antigo num bairro deplorável, isso graças a sua situação econômica, suas
noites de sono eram piores do que horríveis. O rosto de Adriana parecia
encará-lo todas as noites quando ele fechava seus olhos. Seu coração doía com
as lembranças. Sua mente se inquietava. Qualquer ruído, não importava o quão
baixo fosse, era o suficiente para impedi-lo de dormir. Seu quarto escuro,
então, parecia se tornar um inferno de farfalhares.
Os dias de Joshua não eram muito melhores. Seu trabalho
parecia mais exaustivo do que nunca. Ele passava o dia bufando, sem sorrir,
falando laconicamente em seu escritório.
Carro quebrado. Era a última coisa que ele precisava.
Mais uma conta para pagar. Ter que voltar de ônibus para seu apartamento
deplorável. A chuva torrencial daquela noite de sexta feira não deixava o clima
mais leve.
Entretanto, Joshua não reclamaria. Ele estava cansado
demais para aquilo. Tudo o que o jovem queria era voltar logo para casa. Desde
que não pensasse no que faria quando chegasse lá, não haveria problemas.
Entretanto, o ar frio da noite somado ao cansaço fora
mais do que o suficiente para derrubar Joshua. Praticamente deitado no assento
do ônibus e perdido em seus pensamentos, o jovem nem percebeu que ele tinha
passado de seu ponto.
Ao perceber aquilo, Joshua desceu do ônibus o mais rápido
que pôde. Três pontos além de onde deveria ter descido, o jovem tentou não se
irritar consigo mesmo. Afinal, a chuva havia diminuído. Uma leve garoa
refrescava sua pele agora. Caso ele pegasse um atalho por algumas ruas menores,
o rapaz poderia chegar ao seu prédio em alguns minutos.
Joshua tentava não pensar em nada a não ser a pizza que
ele pediria quando chegasse ao seu apartamento. A chuva, que se tornava mais e
menos intensa irregularmente, já havia encharcado seus tênis. Suas pernas
cansadas estavam frias agora. Ele se agarrava ao seu casaco preto e,
inutilmente, tentava desviar o rosto das gotas gélidas de chuva.
A iluminação dos postes de luz e dos prédios das ruas não
era ideal, porém, já era melhor do que nada. Ninguém, a não ser por Joshua,
andava pelas ruas sob a chuva. Porém, os latidos dos cachorros e conversas
ouvidas a distância eram o suficiente para deixar Joshua menos tenso. Uma rua
completamente vazia seria muito mais enervante para o rapaz.
Ao colocar uma das mãos no bolso de sua calça, o jovem
sentiu um pequeno objeto de metal gelado. Joshua tirou o objeto do bolso. Sua
aliança permanecia com ele. Antes que as memórias de Adriana voltassem para sua
cabeça, o rapaz colocou o anel de volta no bolso e tentou pensar em qualquer
outra coisa.
De repente, o jovem se viu sussurrando o refrão de uma
das músicas favoritas de Adriana. Rapidamente, ele decidiu não pensar em mais
nenhuma canção.
A cada passo que Joshua dava, mais frio ele parecia
sentir. Ele tremia quase imperceptivelmente, mas o jovem não tinha como negar o
frio que sentia. O casaco parecia inútil. Suas calças e tênis encharcados eram
estorvos agora.
O frio começou a perturbar tanto o rapaz que ele não
percebeu a vinda de algo: o silêncio.
Com a exceção dos passos de Joshua sobre a calçada e,
eventualmente, em algumas poças de água, a ausência de ruídos era praticamente
absoluta. Sua respiração baixa mal podia ser ouvida. A chuva havia cessado
vagarosamente sem o jovem perceber.
Joshua olhava a sua volta calmamente. O topo dos prédios
cinzentos parecia se misturar ao céu negro e nublado. As luzes fracas a sua
volta mal iluminavam a rua. Porém, o principal problema era o seu prédio.
Não importava o quanto o rapaz andava, ele não parecia se
aproximar de sua rua.
Parecendo agora vagar sem rumo por aquelas ruas, Joshua
estava ficando cansado. Suas pernas doíam. Sua respiração estava se tornando
gradativamente pesada.
Entretanto, o silêncio acabou sendo quebrado. Do meio de
alguns sacos de lixo numa viela, algo parecia estar se movendo agitadamente,
remexendo latas de metal e outras coisas que Joshua não sabia dizer o que era.
O rapaz se aproximou dos ruídos com passos cautelosos,
claramente apreensivo.
Ele passou a mão no cabelo preto e desgrenhado, tentando
arrumá-lo. Água da chuva escorreu dos fios negros até seu rosto alvo, descendo
até sua barba rala. Seus olhos cor de mel encaravam os sacos de lixo cor de
piche.
Repentinamente, uma forma sombria surgiu, saltando do
meio das sombras e correndo pela frente de Joshua.
Os olhos do jovem se arregalaram por um instante. Nenhum
grito saiu da garganta dele, mas era óbvio que o rapaz havia se assustado.
Entretanto, ao perceber que a forma sombria era apenas um gato, Joshua se
sentiu um pouco estúpido.
O animal de pelos negros como o céu noturno estava,
agora, alguns metros adiante do jovem, sentado no meio da rua enquanto
balançava calmamente sua cauda de um lado para o outro.
Joshua, tomado por uma curiosidade que ele não sabia de
onde vinha, olhava para o animal.
O gato olhou para trás. O rapaz podia ver o lado esquerdo
da face do animal. Seu olho amarelo brilhante parecia ter, rapidamente,
hipnotizado Joshua.
O animal disparou em direção à esquina mais próxima. O
jovem o seguiu quase que inconscientemente.
O ar havia se tornado mais gélido. Uma fina camada de
névoa havia se formado rente ao chão. A luz havia se tornado mais escassa. Entretanto,
o rapaz não havia notado nada.
Joshua também não pôde perceber, mas ele havia seguido
aquele gato por mais tempo do que poderia imaginar. Agora, ele estava ainda
mais distante de seu apartamento do que nunca.
O animal de pelos pretos parou abruptamente. Agora, ele
estava em uma viela sem saída. Joshua estava logo atrás do gato.
Praticamente imóvel, o animal encarava a parede de
tijolos escuros. O jovem teve um mau pressentimento. Entretanto, isso não o
impediu de andar até o gato preto.
Quando Joshua estava a menos de dez passos do animal, ele
se voltou para o rapaz.
Um silêncio quase absoluto reinou quando o jovem parou de
respirar. Paralisado, Joshua não podia fazer nada a não ser olhar para a face
do gato.
Do lado esquerdo estava o olho amarelo hipnótico do
animal. Do direito, entretanto, estava um vazio, apenas uma cavidade ocular
oca, sem vida, que fazia os pelos da nuca de Joshua se arrepiarem.
Antes que o jovem pudesse ter alguma reação, o gato
correu em sua direção, passando por entre suas pernas.
Joshua respirou aliviado, como se tivesse acabado de sair
de um transe.
—
Achou um novo amigo?
A voz feminina atingiu os ouvidos de Joshua como facas. O
ar pareceu pesado sobre os ombros de Joshua quando ele percebeu que a voz vinha
de trás dele.
—
Você está perdido, não? —
A voz perguntou com certa delicadeza, bem como antes, o que deixava o jovem
ainda mais apreensivo. Afinal, aquela voz não soava natural.
Vagarosamente, com as pernas tremendo, o rapaz se voltou
para trás para ver uma mulher.
Ela, que não tinha muito mais de um metro e sessenta de
altura, trajava um vestido rosa antigo, pomposo, cheio de babados, desbotado e
com alguns rasgados espalhados por praticamente toda a roupa. Seu cabelo preto
e oleoso escorria pelo rosto, cobrindo-o quase que completamente.
A mulher olhava para baixo, em direção ao gato em seus
braços. O animal estava com a barriga para cima e ronronava despreocupado.
Aparentemente, ele ficava muito confortável junto dela.
Antes que Joshua pudesse dizer qualquer coisa, a mulher
riu baixo e murmurou:
—
É claro que você está perdido...
Lentamente, ela levantou o rosto e encarou o jovem,
praticamente petrificando-o de medo.
Sua face era doentiamente pálida, coberta de cicatrizes
como rachaduras em uma parede antiga. Seu sorriso branco era exageradamente
largo e horrendo graças aos lábios azulados e finos. Entretanto, a pior parte
eram os olhos: buracos sem vida, sombrios, completamente ocos, bem como o olho
direito do gato.
—
Afinal... — Ela
continuou a falar. —
Esse lugar não pertence somente aos vivos...
2.
Joshua mal sabia dizer o que havia acontecido.
Sua mente parecia haver se tornado confusa, quase
caótica.
A risada aguda e aterrorizante de uma mulher ecoava
dentro de sua cabeça. Seu rosto estava gravado em suas memórias. Entretanto,
ela não podia ser mais vista.
Aterrorizado, Joshua esteve paralisado por alguns
instantes. Porém, ele não tinha como perceber isso.
Sozinho, de joelhos em uma rua escura, o rapaz começava a
duvidar de sua própria sanidade.
Culpando o próprio cansaço pelos pensamentos confusos,
Joshua se levantou, com certo esforço, e começou a andar em direção ao seu
prédio.
Pelo menos, isso era o que o jovem queria. Afinal, Joshua
nem sabia onde estava.
Tudo ao redor do rapaz lhe parecia vagamente familiar. Cada
rua, poste de luz, parede e prédio. E era exatamente esse o problema. Nada
servia de orientação. Assim, mais parecia que Joshua estava preso em um
labirinto.
Sem carros, motos ou mesmo outras pessoas em vista, o
jovem decidiu andar pelo asfalto da rua. Não havia nenhuma razão especial. Era
apenas algo que ele sentiu que deveria ser feito.
Andando mais rápido a cada minuto que passava, a calma ia
se esvaindo do rapaz. Se a situação não se alterasse, sua sanidade teria o
mesmo destino em breve.
Talvez aquilo fosse apenas um pesadelo. Talvez Joshua
ainda estivesse dormindo no ônibus. Talvez ele tivesse caído no sono em seu escritório
horas atrás.
Aqueles eram pensamentos mais felizes e racionais.
Entretanto, a realidade logo seria revelada para Joshua da pior forma possível.
Alguns metros à frente, havia um prédio abandonado de
três andares, mesmo tamanho daqueles em torno dele. Seguindo aquela rua, ele
poderia escolher virar à esquerda ou à direita em breve.
Perdido em seus pensamentos, porém, o jovem não ouviu os
passos e a respiração ofegante vindo na direção dele.
Quando ele percebeu, era tarde demais.
Uma mulher, que corria desesperadamente, foi de encontro
contra Joshua. Ambos caíram na rua.
O jovem levantou o mais rápido que pôde, tentando se
afastar da mulher que havia caído junto com ele.
Entretanto, ao vê-la se levantando, Joshua sentiu um
misto de pena e pavor.
A mulher, que devia ter um pouco menos de um metro e
setenta de altura, usava calças jeans, tênis de corrida brancos, uma camiseta
branca e, por cima, uma jaqueta de couro bege. Tudo estaria normal se não
fossem pelos detalhes. A camiseta e a jaqueta estavam manchadas de sangue. Uma
ferida profunda na coxa esquerda vertia sangue. O rosto claro, de olhos azuis
claros e cabelos loiros e cacheados seria lindo. Entretanto, Joshua não
conseguia apreciar a beleza dela com aquela expressão de terror na face, com os
olhos arregalados, com as lágrimas escorrendo pelo semblante, com as sutis
gotas de sangue que respingaram na testa e bochechas, com a orelha direita que
havia sido dilacerada e com o pedaço de fita isolante que cobria seus lábios.
O que quer que a mulher tenha tentado dizer, Joshua não
tinha como entender. A voz dela estava abafada graças à fita isolante.
Ao perceber que não conseguiria se comunicar com o rapaz,
a jovem resolveu voltar a correr.
Entretanto, ela logo caiu.
Uma faca prateada atravessou o ar rapidamente a atingiu a
panturrilha direita da mulher.
Os gritos de dor soaram como murmúrios ao serem abafados.
—
Não pense que você vai escapar tão fácil, docinho...
A voz grave veio da rua à esquerda, a mesma de onde a
mulher havia vindo.
Joshua se virou lentamente na direção do desconhecido.
O rapaz voltou a duvidar de sua sanidade quando viu o
homem que mais parecia um monstro.
O sujeito tinha mais de dois metros de altura. Seu corpo cinzento
mais parecia uma montanha de músculos coberto por cicatrizes e sangue que, Joshua
poderia arriscar, não era dele. Suas calças azuis, quase negras, haviam sido
cortadas irregularmente abaixo dos joelhos. Na cintura havia outra faca
prateada, junto ao cinto, brilhando. Seus pés estavam descalços. Seu peito, nu.
Nas costas, ele carregava uma mala de couro, antes cinza, agora ensopada de
sangue. Seu cabelo, levemente espetado, era tão claro que era praticamente
branco. No rosto, um largo sorriso aterrorizante com lábios azuis e, como a
mulher de antes, dois vazios no lugar dos olhos.
—
Ora, ora... — O homem
riu histericamente, levando as duas mãos aos cabelos e olhando para o alto. — Quando acordei hoje, não
achei que fosse achar três presas no mesmo dia.
O cérebro de Joshua parecia estar voltando a funcionar
lentamente. Pelo menos, ele entendia que aquele maníaco já havia matado alguém
antes e, do jeito que aquela jovem estava no chão, ela seria a segunda vítima.
Entretanto, se o rapaz não agisse rápido, ele poderia ser o número três.
Repentinamente, o gigante sacou a faca da cintura e a
arremessou.
O mais rapidamente que ele pôde, Joshua se agachou.
A lâmina passou por onde a cabeça do jovem estava parada,
atravessando e ar e se cravando no chão de asfalto.
—
Até que você é ligeiro, hein? —
O maníaco riu. —
Talvez eu tenha que me aproximar...
Aos ouvir aquelas palavras, Joshua começou a dar passos
cautelosos para trás.
À medida que o assassino se aproximava dele, o jovem se
afastava, horrorizado pela expressão de alegria no rosto sem olhos do gigante.
Joshua parou de andar por um instante. Ele ouviu os
murmúrios de desespero não muito longe dele.
Ao olhar para o chão, a menos de três metros a frente
dele, o rapaz viu a jovem, de bruços, arrastando-se no chão com dificuldade.
Joshua queria poder ajudá-la. O desespero nos olhos da
jovem fazia com que ele se sentisse mal por pensar em abandoná-la. Entretanto,
não havia mais esperança para ela.
—
Vou atrás de você depois que eu cuidar dessa daqui... — O maníaco sorriu. — Então, espere quietinho aí...
Ele estava, agora, bem ao lado da jovem. Antes que ela
pudesse olhar para trás, o gigante se agachou e, bruscamente, retirou a faca da
panturrilha dela.
Mais um grito de jovem foi abafado. Mais lágrimas
escorreram de seus olhos azuis arregalados.
O maníaco ria suavemente enquanto se levantava, brincando
com a faca como se fosse um pino de malabarismo. Ele andou até o lado da cabeça
da jovem, que ainda rastejava pelo asfalto, cantarolando algo. Com um sorriso
ainda mais largo do que antes, o maníaco olhou na direção de Joshua.
—
Sabe... — O gigante
começou a falar. — Eu
realmente não queria ter vindo com as facas hoje. Mas essa daqui... — Ele pisou em cima das
costas da jovem que, enfim, parou de tentar fugir. — Essa daqui resolveu fugir enquanto nos
divertíamos. Aí tive que pegar o que estava em mãos, sabe?
Antes que Joshua pudesse pensar em dizer alguma coisa, o
maníaco agarrou o cabelo da jovem e, puxando-os, levantou-a abruptamente. A
expressão de dor era nítida no rosto dela.
—
Então... — O maníaco
voltou a falar, levando a faca ensanguentada ao pescoço da jovem. — Eu não sinto prazer em
acabar com a vida de uma pessoa usando facas. —
Ele soltou os cabelos da mulher, derrubando-a de bruços novamente. — O mesmo vale para
qualquer lâmina, arma de fogo, venenos... Essas coisas são muito...impessoais,
sabe?
Repentinamente, o assassino pisou em cima da cabeça da
jovem.
Joshua cerrou os olhos no mesmo instante. Ele não
precisava olhar sob o pé do maníaco para saber que aquela jovem havia morrido.
O som do crânio dela sendo quebrado e o fim dos murmúrios abafados foram o
suficiente.
Ao abrir os olhos, o jovem viu o assassino sorrindo
largamente para ele.
—
Você poderia me fazer um favor? —
O gigante soltou uma risada baixa. —
Tente correr. O mais rápido possível. Quero que a caçada seja divertida.
Ele não precisava dizer mais nada.
Joshua se virou para trás e começou a correr
desesperadamente enquanto a risada do maníaco ecoava nas ruas.
3.
O desespero logo tomaria conta de Joshua.
O jovem não ousaria parar de correr. Afinal, por mais pesado
que fosse, o maníaco era rápido e conseguia se aproximar de seu alvo sem
dificuldades.
Felizmente, ele não era muito ágil. O rapaz conseguia se
distanciar um pouco do psicopata toda vez que entrava em um beco estreito ou,
simplesmente, entrava em uma rua à esquerda ou à direita.
O suor escorria pelo rosto de Joshua. Seu coração batia
acelerado. Ele podia sentir a respiração pesada de seu perseguidor em sua nuca,
porém, o rapaz já não sabia se só estava delirando ou se aquilo era realidade.
Parar para olhar para trás para checar se aquilo era verdade não estava em seus
planos.
Os músculos das pernas de Joshua já haviam estavam
ardendo. Seu fôlego já estava prestes a acabar. A risada maníaca vindo de trás
dele parecia lhe drenar o que restava de energia.
O fim do rapaz teria chego em breve naquele ritmo.
Entretanto, a sorte pareceu sorrir para Joshua.
O jovem entrou em uma série de ruas estreitas, impossível
para um carro transitar lá. Pulando por cima de sacos de lixo reviradas no meio
do caminho, virando rapidamente a cada curva que aparecia, Joshua conseguiu se
distanciar do assassino.
Ao chegar num beco, o jovem avistou uma grande lixeira. O
caminho estava parcialmente bloqueado com uma grade de metal. Se ele escalasse
aquilo, seria possível se esconder do assassino lá.
Joshua estava receoso com e ideia. Porém, com sua
respiração cansada e pernas queimando de dor, o jovem julgou que aquela seria a
melhor opção.
O mais rápido que pôde, o rapaz escalou a grade a sua
frente. O toque com a superfície gelada de metal fez o corpo de Joshua tremer.
Entretanto, ele sabia que não poderia fraquejar agora.
Em poucos instantes, ele já havia pulado para o outro
lado da grade. Suas pernas doeram ao aterrissar. Joshua suprimiu seu grito. Uma
breve expressão de dor pôde ser vista em seu semblante.
Rapidamente, o jovem correu para trás da lixeira, fora do
campo de visão de qualquer que olhasse para o beco.
Os passos pesados pareciam se aproximar novamente, bem
como a risada maníaca.
Joshua torcia para que seu plano desse certo.
O rapaz encostou suas costas na lixeira. No mesmo
instante, ele desabou, caindo sentado no chão gelado.
Joshua respirou fundo, diversas vezes. Ele nem se
importava com o cheiro do lugar. A oportunidade de poder respirar com calma era
tudo o que ele queria.
Os passos pesados do gigante se tornaram mais altos.
—
Tenho que admitir... —
Soou a voz do assassino. —
Você sabe correr bem, Coelhinho! —
Ele riu histericamente. —
Aliás, já como eu não sei o seu nome, é assim mesmo que eu vou te chamar:
Coelhinho!
O psicopata riu novamente. A cada palavra dita, ele
parecia elevar mais a voz.
O coração do rapaz batia cada vez mais rápido. Ele sentia
todo o seu corpo tremendo a cada batimento cardíaco.
A cada instante que se passava, o gigante se aproximava
mais de onde Joshua estava escondido.
—
Se você não gostou do apelido, dê uma outra sugestão! — Ele riu. —
Eu sou bem mente aberta. E também gosto de abrir a mente das outras pessoas...
Se é que você me entende. —
O assassino gargalhou. —
Aí, aí...
De repente, Joshua percebeu que os passos, a respiração e
até mesmo a voz do maníaco estavam se distanciando dele.
O corpo do jovem pareceu relaxar por completo.
Joshua percebeu que suava frio. Nada mais normal, uma vez
que nunca havia passado por uma situação daquelas.
O rapaz julgou melhor aguardar alguns instantes antes de
deixar o beco. Ele preferia que o assassino estivesse o mais longe possível antes
de voltar a correr. Aproveitar a chance de descansar mais um pouco também seria
benéfico.
Para compensar o corpo quase morto, a mente de Joshua
nunca pareceu estar mais ativa.
Ele tentava assimilar tudo o que havia acontecido, do
gato preto à aparente dona do animal, da jovem morta diante de seus olhos ao
maníaco que o perseguia.
O rapaz tentou se lembrar de outras vezes que sentiu um
medo que parecia o consumir.
Ele se lembrou de quando havia se perdido dos pais em um
parque de diversões quanto tinha seis anos, de quando acabou tendo que brigar
com um colega de classe muito mais forte que ele aos treze anos, de quando fora
vítima de um programa de pegadinhas e foi perseguido por um “fantasma” aos
dezenove anos.
Parando para pensar nisso agora, Joshua teve que rir.
Todas essas foram situações ridículas. Pelo menos, quando comparadas com a que
ele passava agora.
Como de costume, ele se lembrou de Adriana. O medo que o
rapaz sentiu ao perceber que teria que viver sem ela há pouco tempo atrás.
O último pensamento o deixou mais triste do que qualquer
outra coisa.
Entretanto, quando o tópico era medo, uma imagem tinha que
surgir em sua mente: seu vizinho.
Joshua já tivera vizinhos estranhos, bem como
praticamente qualquer outra pessoa. Entretanto, o senhor Estmund era diferente.
Ele, que talvez já tivesse um século de vida, estava sempre elegante, apoiado
em sua fiel bengala de carvalho. Vestido sempre formalmente, o velho tinha uma
aura fria. Seus olhos eram a pior parte. Eles encaravam Joshua, sem vida, como
se estivesse tentado analisar o jovem.
O mal estar fez com que o corpo do rapaz treme-se.
Realmente, quando ele encontrava o vizinho no corredor do
prédio, uma sensação de medo comparável com a atual o atingia.
Joshua passou mais alguns instantes sentado. Ele queria
sair logo do lugar, entretanto, caso fosse necessário correr, o rapaz
precisaria que suas pernas não o falhassem.
De repente, um som veio da parede ao seu lado. Três
toques rápidos. Alguém parecia estar batendo nela como em uma porta.
Joshua, obviamente, estranhou o som vindo da parede de
tijolos.
Após algumas sequencias de três batidas, simplesmente, os
sons pararam.
O jovem resolveu se levantar.
Ele não sabia o que era aquilo, porém, Joshua não se
sentia mais confortável lá.
Subir na lixeira para, então, pular para a grade parecia
a rota de saída mais prática.
Joshua respirou fundo e torceu para que suas pernas
agüentassem.
Rapidamente, o rapaz subiu em cima da lixeira.
No mesmo instante, a parede ao seu lado se quebrou.
Tijolos escuros foram lançados para frente. Uma nuvem de
poeira se levantou. Uma risada histérica soou.
—
Onde está o meu Coelhinho!? —
O assassino perguntou animado.
Ao ver a silhueta monstruosa do maníaco por entre a nuvem
de poeira, Joshua se voltou para frente. O mais rápido possível, ele pulou
sobre a grade de metal e caiu, de joelhos, do outro lado.
O rapaz se levantou, ignorando a dor nas pernas e voltou
a correr.
Entretanto, não demorou muito para que a parede atrás
dele se quebrasse.
Joshua não precisava olhar para trás para saber que o
maníaco estava, mais uma vez, próximo dele.
Corra, Coelhinho! Corra! —
O gigante gargalhou.
Novamente, o jovem corria do psicopata. Novamente, o
rapaz contava com todas as curvas que aparecessem para tentar se distanciar de
seu predador.
Entretanto, havia algo diferente desta vez.
A névoa densa parecia cada vez alta e espessa,
dificultando a visibilidade, envolvendo o rapaz.
Agora, Joshua mal conseguia ver um metro a sua frente.
O pensamento que ele poderia correr contra uma parede ou,
então, cair em um buraco passou pela mente do jovem. Porém, não foi isso o que
aconteceu.
Após alguns instantes, que pareceram horas para Joshua, a
névoa se dissipou.
O rapaz, mesmo correndo para fugir de um psicopata,
acabou percebendo as mudanças.
Os prédios a sua volta não tinham mais janelas, portas ou
qualquer outro detalhe. Era como se todos eles tivessem se unido em uma grande
muralha escura. Os postes de luz também haviam desaparecido. Entretanto, as
ruas continuavam iluminadas, quase como se a luz brilhasse mais intensamente.
Enquanto fugia de seu perseguidor, Joshua percebeu que ele
não tinha mais escolha. A rua era contínua. Sempre que uma curva aparecia, era
apenas um único caminho disponível.
Um mau pressentimento o atingiu. A sensação de que ele
estava sendo guiado para algum lugar era inquietante.
Joshua estava ofegante novamente. Suas pernas, e até
mesmo seu abdômen, ardiam. Seu cabelo estava encharcado de suor. Apesar do
frio, o rapaz parecia não aguentar o calor que sentia após tanto correr.
O jovem queria tanto poder parar de correr que se
arrependeu do desejo.
Não demorou muito para que Joshua se deparasse com o fim
de seu caminho.
Ele não queria acreditar. Depois de tanto fugir. Depois
de tanto sentir tanto medo. Depois de quase morrer múltiplas vezes aquele era o
fim de Joshua.
O jovem não pôde evitar ficar irritado.
—
Ora, ora... — A voz
já familiar veio de trás dele. —
Parece que o Coelhinho não tem mais pra onde fugir...
Joshua olhou para trás.
O maníaco tinha um
largo sorriso no rosto. Ele ria baixo enquanto andava lentamente na direção do
jovem. Junto ao seu cinto, estava apenas uma das facas prateadas. A outra
lâmina estava na mão direita do maníaco.
—
Fazia tempo que ninguém fugia de mim por tanto tempo... — O gigante murmurou. — Por isso, parabéns, Coelhinho... — Ele gargalhou. — Mas, agora, chegou o seu
fim...
O rapaz olhou para o assassino. Com um largo sorriso
aterrorizante no rosto, ele mirou sua faca contra o peito de Joshua e, em um
instante, arremessou-a.
A lâmina prateada atravessou o ar rapidamente, brilhando
sob a luz da lua.
Entretanto, Joshua não havia desistido de viver. Pelo
menos, não ainda.
Rapidamente, o jovem se jogou para a direita, caindo de
joelhos enquanto a faca se cravava na parede de tijolos.
—
Sem escapatória e ainda se recusa a morrer? —
O psicopata gargalhou. —
Eu gosto do seu jeito, Coelhinho! É uma pena ter que te matar, mas...
O gigante parou de falar ao ver que, rapidamente, sua
presa havia se levantado e se dirigido até a faca na parede.
Com um puxão brusco, Joshua retirou a lâmina da parede e
a apontou contra seu perseguidor.
O gigante não conseguiu fazer nada a não ser olhar para o
alto e começar a gargalhar.
—
Achando que pode me enfrentar? —
Ele sorriu. —
Coelhinho, como eu te adoro! Que pena que eu tenho que te matar, não é?
Antes que Joshua pudesse dizer ou fazer qualquer coisa, o
maníaco sacou a segunda faca e a arremessou.
O rapaz estava pronto para ter que desviar da lâmina.
Entretanto, ele não teve que fazer isso, já que a faca arremessada pelo gigante
se cravou bem diante de seus pés.
—
Você quer lutar, Coelhinho? —
Ele indagou. — Então
se prepare!
Um pouco receoso, Joshua retirou a faca do chão com
força.
Armado com duas facas agora, o jovem olhou para o
adversário. A montanha de músculos cinzentos sorria para ele.
—
Agora! — O assassino
bradou.
Com isso, o gigante correu na direção de Joshua,
praticamente rosnando como um animal.
O jovem começou a tremer. O medo iria o dominar.
O tempo parecia passar vagarosamente na mente de Joshua.
Ele apertou os cabos das facas em suas mãos com firmeza. Ele, que raramente
esteve em uma briga a vida toda, teria que tirar a vida de um homem, se aquilo
realmente fosse humano, para poder viver.
O maníaco abaixou o tronco enquanto se aproximava de
Joshua. O jovem logo pensou em atacar as costas, ou talvez até a nuca, do
inimigo.
Entretanto, o ombro direito do maníaco acertou a cintura
do jovem.
O impacto fez com que Joshua derrubasse as lâminas antes
que pudesse atacar.
O golpe jogou o rapaz contra a parede que, como se fosse
feita de vidro, quebrou-se no instante do impacto.
Após o ataque, o gigante ainda segurava Joshua pela cintura,
carregando-o enquanto corria em direção ao buraco que havia aberto, gargalhando
animado.
A cabeça de Joshua estava girando. Ele não sabia o que
havia ao seu redor. Entretanto, após alguns instantes, ele percebeu que não
havia nada: a sala era como um grande cômodo vazio imerso nas sombras.
Ao perceber isso, o jovem caiu de costas no chão,
emitindo um grito baixo de dor.
O maníaco riu. Joshua se levantou para olhar para ele.
O Gigante estava parado, a pouco mais de dois metros do
rapaz, com os braços cruzados.
—
Olha... Me diverti muito hoje, sabe, Coelhinho? —
Ele sorriu largamente. —
Por isso, quero que você viva até a próxima vez que nos encontrarmos, ok? Quero
me divertir mais com você antes de te matar, Coelhinho...
Com uma risada baixa e grave, o assassino deu meia volta
e, calmamente, andou para fora da sala escura, afastando-se de Joshua.
O rapaz respirou aliviado. Lentamente, ele se levantou.
Seu corpo inteiro doía, mas ele não pensou nisso.
Joshua havia conseguido escapar do maníaco, mesmo que por
um tempo limitado.
Agora, sua preocupação era como sair daquele lugar.
O jovem não pretendia voltar por onde o gigante havia
saído. Assim, ele resolveu olhar em volta, na escuridão.
Surpreendentemente, não foi difícil achar uma saída.
Atrás de onde ele estava, há alguns metros de distância,
uma luz amarela brilhava.
Receoso, porém, sem muita alternativa, ele seguiu pelas
sombras.
A cada passo que ele dava, seu corpo doía mais. Porém, o
frio ia diminuindo, bem como a escuridão que ia se dissipando.
Em alguns instantes, Joshua chegou até uma parede
translúcida, praticamente impossível de ser vista. A luz amarela passava
facilmente por ela.
Lentamente, ele levou a mão esquerda até a parede.
Entretanto, ele não a conseguiu tocar. Seus dedos a atravessaram como se não
houvesse nada lá.
Convencido de que realmente não havia uma parede em seu
caminho, Joshua deu um passo largo.
Rapidamente, o jovem se viu na sala iluminada pela luz
amarela. Parecia o subsolo de algum lugar, com paredes cinzentas rachadas, cheio
de sacolas de lixo em um canto e uma escadaria não muito longe de onde ele
estava.
Joshua olhou para trás. Na passagem por onde ele tinha
atravessado havia, agora, uma parede.
Novamente, o jovem iria questionar sua sanidade.
Entretanto, alguém aparecia para esclarecer as coisas.
—
Creio que você tenha muitas dúvidas sobre o que acabou de acontecer. — Disse uma voz profunda.
Joshua sabia que já tinha ouvido a voz. Porém, seu
interlocutor havia falado com ele tão poucas vezes que era normal ele não
reconhecer a voz de imediato.
O jovem se virou e sentiu medo.
Na escadaria, um homem de quase um metro e noventa,
vestido um terno cinza, encarava Joshua. Sua pele era cor de café. Seus dedos,
ossudos, pareciam garras apoiados numa bengala de carvalho. Sua cabeça era
calva. Sua barba grisalha era bem aparada. As rugas no rosto eram esperadas
dada a idade avançada. Seus olhos pretos e mortos, sem brilho algum, pareciam
ver além de onde o rapaz estava.
—
Se ainda conseguir andar, venha. —
Disse o senhor Estmund. —
Quero explicar isso o mais rápido possível.
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