terça-feira, 8 de setembro de 2015

Um Outro Mundo, Capítulo 1

1.


Era apenas mais um dia miserável na vida de Joshua.
O jovem homem não esperava que sua vida fosse mudar tanto em tão pouco tempo. Com o abrupto fim de seu noivado, Joshua se viu sem rumo.
Forçado a se mudar para um apartamento pequeno em um prédio antigo num bairro deplorável, isso graças a sua situação econômica, suas noites de sono eram piores do que horríveis. O rosto de Adriana parecia encará-lo todas as noites quando ele fechava seus olhos. Seu coração doía com as lembranças. Sua mente se inquietava. Qualquer ruído, não importava o quão baixo fosse, era o suficiente para impedi-lo de dormir. Seu quarto escuro, então, parecia se tornar um inferno de farfalhares.
Os dias de Joshua não eram muito melhores. Seu trabalho parecia mais exaustivo do que nunca. Ele passava o dia bufando, sem sorrir, falando laconicamente em seu escritório.
Carro quebrado. Era a última coisa que ele precisava. Mais uma conta para pagar. Ter que voltar de ônibus para seu apartamento deplorável. A chuva torrencial daquela noite de sexta feira não deixava o clima mais leve.
Entretanto, Joshua não reclamaria. Ele estava cansado demais para aquilo. Tudo o que o jovem queria era voltar logo para casa. Desde que não pensasse no que faria quando chegasse lá, não haveria problemas.
Entretanto, o ar frio da noite somado ao cansaço fora mais do que o suficiente para derrubar Joshua. Praticamente deitado no assento do ônibus e perdido em seus pensamentos, o jovem nem percebeu que ele tinha passado de seu ponto.
Ao perceber aquilo, Joshua desceu do ônibus o mais rápido que pôde. Três pontos além de onde deveria ter descido, o jovem tentou não se irritar consigo mesmo. Afinal, a chuva havia diminuído. Uma leve garoa refrescava sua pele agora. Caso ele pegasse um atalho por algumas ruas menores, o rapaz poderia chegar ao seu prédio em alguns minutos.
Joshua tentava não pensar em nada a não ser a pizza que ele pediria quando chegasse ao seu apartamento. A chuva, que se tornava mais e menos intensa irregularmente, já havia encharcado seus tênis. Suas pernas cansadas estavam frias agora. Ele se agarrava ao seu casaco preto e, inutilmente, tentava desviar o rosto das gotas gélidas de chuva.
A iluminação dos postes de luz e dos prédios das ruas não era ideal, porém, já era melhor do que nada. Ninguém, a não ser por Joshua, andava pelas ruas sob a chuva. Porém, os latidos dos cachorros e conversas ouvidas a distância eram o suficiente para deixar Joshua menos tenso. Uma rua completamente vazia seria muito mais enervante para o rapaz.
Ao colocar uma das mãos no bolso de sua calça, o jovem sentiu um pequeno objeto de metal gelado. Joshua tirou o objeto do bolso. Sua aliança permanecia com ele. Antes que as memórias de Adriana voltassem para sua cabeça, o rapaz colocou o anel de volta no bolso e tentou pensar em qualquer outra coisa.
De repente, o jovem se viu sussurrando o refrão de uma das músicas favoritas de Adriana. Rapidamente, ele decidiu não pensar em mais nenhuma canção.
A cada passo que Joshua dava, mais frio ele parecia sentir. Ele tremia quase imperceptivelmente, mas o jovem não tinha como negar o frio que sentia. O casaco parecia inútil. Suas calças e tênis encharcados eram estorvos agora.
O frio começou a perturbar tanto o rapaz que ele não percebeu a vinda de algo: o silêncio.
Com a exceção dos passos de Joshua sobre a calçada e, eventualmente, em algumas poças de água, a ausência de ruídos era praticamente absoluta. Sua respiração baixa mal podia ser ouvida. A chuva havia cessado vagarosamente sem o jovem perceber.
Joshua olhava a sua volta calmamente. O topo dos prédios cinzentos parecia se misturar ao céu negro e nublado. As luzes fracas a sua volta mal iluminavam a rua. Porém, o principal problema era o seu prédio.
Não importava o quanto o rapaz andava, ele não parecia se aproximar de sua rua.
Parecendo agora vagar sem rumo por aquelas ruas, Joshua estava ficando cansado. Suas pernas doíam. Sua respiração estava se tornando gradativamente pesada.
Entretanto, o silêncio acabou sendo quebrado. Do meio de alguns sacos de lixo numa viela, algo parecia estar se movendo agitadamente, remexendo latas de metal e outras coisas que Joshua não sabia dizer o que era.
O rapaz se aproximou dos ruídos com passos cautelosos, claramente apreensivo.
Ele passou a mão no cabelo preto e desgrenhado, tentando arrumá-lo. Água da chuva escorreu dos fios negros até seu rosto alvo, descendo até sua barba rala. Seus olhos cor de mel encaravam os sacos de lixo cor de piche.
Repentinamente, uma forma sombria surgiu, saltando do meio das sombras e correndo pela frente de Joshua.
Os olhos do jovem se arregalaram por um instante. Nenhum grito saiu da garganta dele, mas era óbvio que o rapaz havia se assustado. Entretanto, ao perceber que a forma sombria era apenas um gato, Joshua se sentiu um pouco estúpido.
O animal de pelos negros como o céu noturno estava, agora, alguns metros adiante do jovem, sentado no meio da rua enquanto balançava calmamente sua cauda de um lado para o outro.
Joshua, tomado por uma curiosidade que ele não sabia de onde vinha, olhava para o animal.
O gato olhou para trás. O rapaz podia ver o lado esquerdo da face do animal. Seu olho amarelo brilhante parecia ter, rapidamente, hipnotizado Joshua.
O animal disparou em direção à esquina mais próxima. O jovem o seguiu quase que inconscientemente.
O ar havia se tornado mais gélido. Uma fina camada de névoa havia se formado rente ao chão. A luz havia se tornado mais escassa. Entretanto, o rapaz não havia notado nada.
Joshua também não pôde perceber, mas ele havia seguido aquele gato por mais tempo do que poderia imaginar. Agora, ele estava ainda mais distante de seu apartamento do que nunca.
O animal de pêlos pretos parou abruptamente. Agora, ele estava em uma viela sem saída. Joshua estava logo atrás do gato.
Praticamente imóvel, o animal encarava a parede de tijolos escuros. O jovem teve um mau pressentimento. Entretanto, isso não o impediu de andar até o gato preto.
Quando Joshua estava a menos de dez passos do animal, ele se voltou para o rapaz.
Um silêncio quase absoluto reinou quando o jovem parou de respirar. Paralisado, Joshua não podia fazer nada a não ser olhar para a face do gato.
Do lado esquerdo estava o olho amarelo hipnótico do animal. Do direito, entretanto, estava um vazio, apenas uma cavidade ocular oca, sem vida, que fazia os pelos da nuca de Joshua se arrepiarem.
Antes que o jovem pudesse ter alguma reação, o gato correu em sua direção, passando por entre suas pernas.
Joshua respirou aliviado, como se tivesse acabado de sair de um transe.
Achou um novo amigo?
A voz feminina atingiu os ouvidos de Joshua como facas. O ar pareceu pesado sobre os ombros de Joshua quando ele percebeu que a voz vinha de trás dele.
Você está perdido, não? A voz perguntou com certa delicadeza, bem como antes, o que deixava o jovem ainda mais apreensivo. Afinal, aquela voz não soava natural.
Vagarosamente, com as pernas tremendo, o rapaz se voltou para trás para ver uma mulher.
Ela, que não tinha muito mais de um metro e sessenta de altura, trajava um vestido rosa antigo, pomposo, cheio de babados, desbotado e com alguns rasgados espalhados por praticamente toda a roupa. Seu cabelo preto e oleoso escorria pelo rosto, cobrindo-o quase que completamente.
A mulher olhava para baixo, em direção ao gato em seus braços. O animal estava com a barriga para cima e ronronava despreocupado. Aparentemente, ele ficava muito confortável junto dela.
Antes que Joshua pudesse dizer qualquer coisa, a mulher riu baixo e murmurou:
É claro que você está perdido...
Lentamente, ela levantou o rosto e encarou o jovem, praticamente petrificando-o de medo.
Sua face era doentiamente pálida, coberta de cicatrizes como rachaduras em uma parede antiga. Seu sorriso branco era exageradamente largo e horrendo graças aos lábios azulados e finos. Entretanto, a pior parte eram os olhos: buracos sem vida, sombrios, completamente ocos, bem como o olho direito do gato.

Afinal... Ela continuou a falar. Esse lugar não pertence somente aos vivos...

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