1.
Era apenas mais um dia miserável na vida de Joshua.
O jovem homem não esperava que sua vida fosse mudar tanto
em tão pouco tempo. Com o abrupto fim de seu noivado, Joshua se viu sem rumo.
Forçado a se mudar para um apartamento pequeno em um
prédio antigo num bairro deplorável, isso graças a sua situação econômica, suas
noites de sono eram piores do que horríveis. O rosto de Adriana parecia
encará-lo todas as noites quando ele fechava seus olhos. Seu coração doía com
as lembranças. Sua mente se inquietava. Qualquer ruído, não importava o quão
baixo fosse, era o suficiente para impedi-lo de dormir. Seu quarto escuro,
então, parecia se tornar um inferno de farfalhares.
Os dias de Joshua não eram muito melhores. Seu trabalho
parecia mais exaustivo do que nunca. Ele passava o dia bufando, sem sorrir,
falando laconicamente em seu escritório.
Carro quebrado. Era a última coisa que ele precisava.
Mais uma conta para pagar. Ter que voltar de ônibus para seu apartamento
deplorável. A chuva torrencial daquela noite de sexta feira não deixava o clima
mais leve.
Entretanto, Joshua não reclamaria. Ele estava cansado
demais para aquilo. Tudo o que o jovem queria era voltar logo para casa. Desde
que não pensasse no que faria quando chegasse lá, não haveria problemas.
Entretanto, o ar frio da noite somado ao cansaço fora
mais do que o suficiente para derrubar Joshua. Praticamente deitado no assento
do ônibus e perdido em seus pensamentos, o jovem nem percebeu que ele tinha
passado de seu ponto.
Ao perceber aquilo, Joshua desceu do ônibus o mais rápido
que pôde. Três pontos além de onde deveria ter descido, o jovem tentou não se
irritar consigo mesmo. Afinal, a chuva havia diminuído. Uma leve garoa
refrescava sua pele agora. Caso ele pegasse um atalho por algumas ruas menores,
o rapaz poderia chegar ao seu prédio em alguns minutos.
Joshua tentava não pensar em nada a não ser a pizza que
ele pediria quando chegasse ao seu apartamento. A chuva, que se tornava mais e
menos intensa irregularmente, já havia encharcado seus tênis. Suas pernas
cansadas estavam frias agora. Ele se agarrava ao seu casaco preto e,
inutilmente, tentava desviar o rosto das gotas gélidas de chuva.
A iluminação dos postes de luz e dos prédios das ruas não
era ideal, porém, já era melhor do que nada. Ninguém, a não ser por Joshua,
andava pelas ruas sob a chuva. Porém, os latidos dos cachorros e conversas
ouvidas a distância eram o suficiente para deixar Joshua menos tenso. Uma rua
completamente vazia seria muito mais enervante para o rapaz.
Ao colocar uma das mãos no bolso de sua calça, o jovem
sentiu um pequeno objeto de metal gelado. Joshua tirou o objeto do bolso. Sua
aliança permanecia com ele. Antes que as memórias de Adriana voltassem para sua
cabeça, o rapaz colocou o anel de volta no bolso e tentou pensar em qualquer
outra coisa.
De repente, o jovem se viu sussurrando o refrão de uma
das músicas favoritas de Adriana. Rapidamente, ele decidiu não pensar em mais
nenhuma canção.
A cada passo que Joshua dava, mais frio ele parecia
sentir. Ele tremia quase imperceptivelmente, mas o jovem não tinha como negar o
frio que sentia. O casaco parecia inútil. Suas calças e tênis encharcados eram
estorvos agora.
O frio começou a perturbar tanto o rapaz que ele não
percebeu a vinda de algo: o silêncio.
Com a exceção dos passos de Joshua sobre a calçada e,
eventualmente, em algumas poças de água, a ausência de ruídos era praticamente
absoluta. Sua respiração baixa mal podia ser ouvida. A chuva havia cessado
vagarosamente sem o jovem perceber.
Joshua olhava a sua volta calmamente. O topo dos prédios
cinzentos parecia se misturar ao céu negro e nublado. As luzes fracas a sua
volta mal iluminavam a rua. Porém, o principal problema era o seu prédio.
Não importava o quanto o rapaz andava, ele não parecia se
aproximar de sua rua.
Parecendo agora vagar sem rumo por aquelas ruas, Joshua
estava ficando cansado. Suas pernas doíam. Sua respiração estava se tornando
gradativamente pesada.
Entretanto, o silêncio acabou sendo quebrado. Do meio de
alguns sacos de lixo numa viela, algo parecia estar se movendo agitadamente,
remexendo latas de metal e outras coisas que Joshua não sabia dizer o que era.
O rapaz se aproximou dos ruídos com passos cautelosos,
claramente apreensivo.
Ele passou a mão no cabelo preto e desgrenhado, tentando
arrumá-lo. Água da chuva escorreu dos fios negros até seu rosto alvo, descendo
até sua barba rala. Seus olhos cor de mel encaravam os sacos de lixo cor de
piche.
Repentinamente, uma forma sombria surgiu, saltando do
meio das sombras e correndo pela frente de Joshua.
Os olhos do jovem se arregalaram por um instante. Nenhum
grito saiu da garganta dele, mas era óbvio que o rapaz havia se assustado.
Entretanto, ao perceber que a forma sombria era apenas um gato, Joshua se
sentiu um pouco estúpido.
O animal de pelos negros como o céu noturno estava,
agora, alguns metros adiante do jovem, sentado no meio da rua enquanto
balançava calmamente sua cauda de um lado para o outro.
Joshua, tomado por uma curiosidade que ele não sabia de
onde vinha, olhava para o animal.
O gato olhou para trás. O rapaz podia ver o lado esquerdo
da face do animal. Seu olho amarelo brilhante parecia ter, rapidamente,
hipnotizado Joshua.
O animal disparou em direção à esquina mais próxima. O
jovem o seguiu quase que inconscientemente.
O ar havia se tornado mais gélido. Uma fina camada de
névoa havia se formado rente ao chão. A luz havia se tornado mais escassa. Entretanto,
o rapaz não havia notado nada.
Joshua também não pôde perceber, mas ele havia seguido
aquele gato por mais tempo do que poderia imaginar. Agora, ele estava ainda
mais distante de seu apartamento do que nunca.
O animal de pêlos pretos parou abruptamente. Agora, ele
estava em uma viela sem saída. Joshua estava logo atrás do gato.
Praticamente imóvel, o animal encarava a parede de
tijolos escuros. O jovem teve um mau pressentimento. Entretanto, isso não o
impediu de andar até o gato preto.
Quando Joshua estava a menos de dez passos do animal, ele
se voltou para o rapaz.
Um silêncio quase absoluto reinou quando o jovem parou de
respirar. Paralisado, Joshua não podia fazer nada a não ser olhar para a face
do gato.
Do lado esquerdo estava o olho amarelo hipnótico do
animal. Do direito, entretanto, estava um vazio, apenas uma cavidade ocular
oca, sem vida, que fazia os pelos da nuca de Joshua se arrepiarem.
Antes que o jovem pudesse ter alguma reação, o gato
correu em sua direção, passando por entre suas pernas.
Joshua respirou aliviado, como se tivesse acabado de sair
de um transe.
—
Achou um novo amigo?
A voz feminina atingiu os ouvidos de Joshua como facas. O
ar pareceu pesado sobre os ombros de Joshua quando ele percebeu que a voz vinha
de trás dele.
—
Você está perdido, não? —
A voz perguntou com certa delicadeza, bem como antes, o que deixava o jovem
ainda mais apreensivo. Afinal, aquela voz não soava natural.
Vagarosamente, com as pernas tremendo, o rapaz se voltou
para trás para ver uma mulher.
Ela, que não tinha muito mais de um metro e sessenta de
altura, trajava um vestido rosa antigo, pomposo, cheio de babados, desbotado e
com alguns rasgados espalhados por praticamente toda a roupa. Seu cabelo preto
e oleoso escorria pelo rosto, cobrindo-o quase que completamente.
A mulher olhava para baixo, em direção ao gato em seus
braços. O animal estava com a barriga para cima e ronronava despreocupado.
Aparentemente, ele ficava muito confortável junto dela.
Antes que Joshua pudesse dizer qualquer coisa, a mulher
riu baixo e murmurou:
—
É claro que você está perdido...
Lentamente, ela levantou o rosto e encarou o jovem,
praticamente petrificando-o de medo.
Sua face era doentiamente pálida, coberta de cicatrizes
como rachaduras em uma parede antiga. Seu sorriso branco era exageradamente
largo e horrendo graças aos lábios azulados e finos. Entretanto, a pior parte
eram os olhos: buracos sem vida, sombrios, completamente ocos, bem como o olho
direito do gato.
—
Afinal... — Ela
continuou a falar. —
Esse lugar não pertence somente aos vivos...
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