sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Um Outro Mundo, Capítulos 1, 2 e 3

1.


Era apenas mais um dia miserável na vida de Joshua.
O jovem homem não esperava que sua vida fosse mudar tanto em tão pouco tempo. Com o abrupto fim de seu noivado, Joshua se viu sem rumo.
Forçado a se mudar para um apartamento pequeno em um prédio antigo num bairro deplorável, isso graças a sua situação econômica, suas noites de sono eram piores do que horríveis. O rosto de Adriana parecia encará-lo todas as noites quando ele fechava seus olhos. Seu coração doía com as lembranças. Sua mente se inquietava. Qualquer ruído, não importava o quão baixo fosse, era o suficiente para impedi-lo de dormir. Seu quarto escuro, então, parecia se tornar um inferno de farfalhares.
Os dias de Joshua não eram muito melhores. Seu trabalho parecia mais exaustivo do que nunca. Ele passava o dia bufando, sem sorrir, falando laconicamente em seu escritório.
Carro quebrado. Era a última coisa que ele precisava. Mais uma conta para pagar. Ter que voltar de ônibus para seu apartamento deplorável. A chuva torrencial daquela noite de sexta feira não deixava o clima mais leve.
Entretanto, Joshua não reclamaria. Ele estava cansado demais para aquilo. Tudo o que o jovem queria era voltar logo para casa. Desde que não pensasse no que faria quando chegasse lá, não haveria problemas.
Entretanto, o ar frio da noite somado ao cansaço fora mais do que o suficiente para derrubar Joshua. Praticamente deitado no assento do ônibus e perdido em seus pensamentos, o jovem nem percebeu que ele tinha passado de seu ponto.
Ao perceber aquilo, Joshua desceu do ônibus o mais rápido que pôde. Três pontos além de onde deveria ter descido, o jovem tentou não se irritar consigo mesmo. Afinal, a chuva havia diminuído. Uma leve garoa refrescava sua pele agora. Caso ele pegasse um atalho por algumas ruas menores, o rapaz poderia chegar ao seu prédio em alguns minutos.
Joshua tentava não pensar em nada a não ser a pizza que ele pediria quando chegasse ao seu apartamento. A chuva, que se tornava mais e menos intensa irregularmente, já havia encharcado seus tênis. Suas pernas cansadas estavam frias agora. Ele se agarrava ao seu casaco preto e, inutilmente, tentava desviar o rosto das gotas gélidas de chuva.
A iluminação dos postes de luz e dos prédios das ruas não era ideal, porém, já era melhor do que nada. Ninguém, a não ser por Joshua, andava pelas ruas sob a chuva. Porém, os latidos dos cachorros e conversas ouvidas a distância eram o suficiente para deixar Joshua menos tenso. Uma rua completamente vazia seria muito mais enervante para o rapaz.
Ao colocar uma das mãos no bolso de sua calça, o jovem sentiu um pequeno objeto de metal gelado. Joshua tirou o objeto do bolso. Sua aliança permanecia com ele. Antes que as memórias de Adriana voltassem para sua cabeça, o rapaz colocou o anel de volta no bolso e tentou pensar em qualquer outra coisa.
De repente, o jovem se viu sussurrando o refrão de uma das músicas favoritas de Adriana. Rapidamente, ele decidiu não pensar em mais nenhuma canção.
A cada passo que Joshua dava, mais frio ele parecia sentir. Ele tremia quase imperceptivelmente, mas o jovem não tinha como negar o frio que sentia. O casaco parecia inútil. Suas calças e tênis encharcados eram estorvos agora.
O frio começou a perturbar tanto o rapaz que ele não percebeu a vinda de algo: o silêncio.
Com a exceção dos passos de Joshua sobre a calçada e, eventualmente, em algumas poças de água, a ausência de ruídos era praticamente absoluta. Sua respiração baixa mal podia ser ouvida. A chuva havia cessado vagarosamente sem o jovem perceber.
Joshua olhava a sua volta calmamente. O topo dos prédios cinzentos parecia se misturar ao céu negro e nublado. As luzes fracas a sua volta mal iluminavam a rua. Porém, o principal problema era o seu prédio.
Não importava o quanto o rapaz andava, ele não parecia se aproximar de sua rua.
Parecendo agora vagar sem rumo por aquelas ruas, Joshua estava ficando cansado. Suas pernas doíam. Sua respiração estava se tornando gradativamente pesada.
Entretanto, o silêncio acabou sendo quebrado. Do meio de alguns sacos de lixo numa viela, algo parecia estar se movendo agitadamente, remexendo latas de metal e outras coisas que Joshua não sabia dizer o que era.
O rapaz se aproximou dos ruídos com passos cautelosos, claramente apreensivo.
Ele passou a mão no cabelo preto e desgrenhado, tentando arrumá-lo. Água da chuva escorreu dos fios negros até seu rosto alvo, descendo até sua barba rala. Seus olhos cor de mel encaravam os sacos de lixo cor de piche.
Repentinamente, uma forma sombria surgiu, saltando do meio das sombras e correndo pela frente de Joshua.
Os olhos do jovem se arregalaram por um instante. Nenhum grito saiu da garganta dele, mas era óbvio que o rapaz havia se assustado. Entretanto, ao perceber que a forma sombria era apenas um gato, Joshua se sentiu um pouco estúpido.
O animal de pelos negros como o céu noturno estava, agora, alguns metros adiante do jovem, sentado no meio da rua enquanto balançava calmamente sua cauda de um lado para o outro.
Joshua, tomado por uma curiosidade que ele não sabia de onde vinha, olhava para o animal.
O gato olhou para trás. O rapaz podia ver o lado esquerdo da face do animal. Seu olho amarelo brilhante parecia ter, rapidamente, hipnotizado Joshua.
O animal disparou em direção à esquina mais próxima. O jovem o seguiu quase que inconscientemente.
O ar havia se tornado mais gélido. Uma fina camada de névoa havia se formado rente ao chão. A luz havia se tornado mais escassa. Entretanto, o rapaz não havia notado nada.
Joshua também não pôde perceber, mas ele havia seguido aquele gato por mais tempo do que poderia imaginar. Agora, ele estava ainda mais distante de seu apartamento do que nunca.
O animal de pelos pretos parou abruptamente. Agora, ele estava em uma viela sem saída. Joshua estava logo atrás do gato.
Praticamente imóvel, o animal encarava a parede de tijolos escuros. O jovem teve um mau pressentimento. Entretanto, isso não o impediu de andar até o gato preto.
Quando Joshua estava a menos de dez passos do animal, ele se voltou para o rapaz.
Um silêncio quase absoluto reinou quando o jovem parou de respirar. Paralisado, Joshua não podia fazer nada a não ser olhar para a face do gato.
Do lado esquerdo estava o olho amarelo hipnótico do animal. Do direito, entretanto, estava um vazio, apenas uma cavidade ocular oca, sem vida, que fazia os pelos da nuca de Joshua se arrepiarem.
Antes que o jovem pudesse ter alguma reação, o gato correu em sua direção, passando por entre suas pernas.
Joshua respirou aliviado, como se tivesse acabado de sair de um transe.
Achou um novo amigo?
A voz feminina atingiu os ouvidos de Joshua como facas. O ar pareceu pesado sobre os ombros de Joshua quando ele percebeu que a voz vinha de trás dele.
Você está perdido, não? A voz perguntou com certa delicadeza, bem como antes, o que deixava o jovem ainda mais apreensivo. Afinal, aquela voz não soava natural.
Vagarosamente, com as pernas tremendo, o rapaz se voltou para trás para ver uma mulher.
Ela, que não tinha muito mais de um metro e sessenta de altura, trajava um vestido rosa antigo, pomposo, cheio de babados, desbotado e com alguns rasgados espalhados por praticamente toda a roupa. Seu cabelo preto e oleoso escorria pelo rosto, cobrindo-o quase que completamente.
A mulher olhava para baixo, em direção ao gato em seus braços. O animal estava com a barriga para cima e ronronava despreocupado. Aparentemente, ele ficava muito confortável junto dela.
Antes que Joshua pudesse dizer qualquer coisa, a mulher riu baixo e murmurou:
É claro que você está perdido...
Lentamente, ela levantou o rosto e encarou o jovem, praticamente petrificando-o de medo.
Sua face era doentiamente pálida, coberta de cicatrizes como rachaduras em uma parede antiga. Seu sorriso branco era exageradamente largo e horrendo graças aos lábios azulados e finos. Entretanto, a pior parte eram os olhos: buracos sem vida, sombrios, completamente ocos, bem como o olho direito do gato.
Afinal... Ela continuou a falar. Esse lugar não pertence somente aos vivos...


2.


Joshua mal sabia dizer o que havia acontecido.
Sua mente parecia haver se tornado confusa, quase caótica.
A risada aguda e aterrorizante de uma mulher ecoava dentro de sua cabeça. Seu rosto estava gravado em suas memórias. Entretanto, ela não podia ser mais vista.
Aterrorizado, Joshua esteve paralisado por alguns instantes. Porém, ele não tinha como perceber isso.
Sozinho, de joelhos em uma rua escura, o rapaz começava a duvidar de sua própria sanidade.
Culpando o próprio cansaço pelos pensamentos confusos, Joshua se levantou, com certo esforço, e começou a andar em direção ao seu prédio.
Pelo menos, isso era o que o jovem queria. Afinal, Joshua nem sabia onde estava.
Tudo ao redor do rapaz lhe parecia vagamente familiar. Cada rua, poste de luz, parede e prédio. E era exatamente esse o problema. Nada servia de orientação. Assim, mais parecia que Joshua estava preso em um labirinto.
Sem carros, motos ou mesmo outras pessoas em vista, o jovem decidiu andar pelo asfalto da rua. Não havia nenhuma razão especial. Era apenas algo que ele sentiu que deveria ser feito.
Andando mais rápido a cada minuto que passava, a calma ia se esvaindo do rapaz. Se a situação não se alterasse, sua sanidade teria o mesmo destino em breve.
Talvez aquilo fosse apenas um pesadelo. Talvez Joshua ainda estivesse dormindo no ônibus. Talvez ele tivesse caído no sono em seu escritório horas atrás.
Aqueles eram pensamentos mais felizes e racionais. Entretanto, a realidade logo seria revelada para Joshua da pior forma possível.
Alguns metros à frente, havia um prédio abandonado de três andares, mesmo tamanho daqueles em torno dele. Seguindo aquela rua, ele poderia escolher virar à esquerda ou à direita em breve.
Perdido em seus pensamentos, porém, o jovem não ouviu os passos e a respiração ofegante vindo na direção dele.
Quando ele percebeu, era tarde demais.
Uma mulher, que corria desesperadamente, foi de encontro contra Joshua. Ambos caíram na rua.
O jovem levantou o mais rápido que pôde, tentando se afastar da mulher que havia caído junto com ele.
Entretanto, ao vê-la se levantando, Joshua sentiu um misto de pena e pavor.
A mulher, que devia ter um pouco menos de um metro e setenta de altura, usava calças jeans, tênis de corrida brancos, uma camiseta branca e, por cima, uma jaqueta de couro bege. Tudo estaria normal se não fossem pelos detalhes. A camiseta e a jaqueta estavam manchadas de sangue. Uma ferida profunda na coxa esquerda vertia sangue. O rosto claro, de olhos azuis claros e cabelos loiros e cacheados seria lindo. Entretanto, Joshua não conseguia apreciar a beleza dela com aquela expressão de terror na face, com os olhos arregalados, com as lágrimas escorrendo pelo semblante, com as sutis gotas de sangue que respingaram na testa e bochechas, com a orelha direita que havia sido dilacerada e com o pedaço de fita isolante que cobria seus lábios.
O que quer que a mulher tenha tentado dizer, Joshua não tinha como entender. A voz dela estava abafada graças à fita isolante.
Ao perceber que não conseguiria se comunicar com o rapaz, a jovem resolveu voltar a correr.
Entretanto, ela logo caiu.
Uma faca prateada atravessou o ar rapidamente a atingiu a panturrilha direita da mulher.
Os gritos de dor soaram como murmúrios ao serem abafados.
Não pense que você vai escapar tão fácil, docinho...
A voz grave veio da rua à esquerda, a mesma de onde a mulher havia vindo.
Joshua se virou lentamente na direção do desconhecido.
O rapaz voltou a duvidar de sua sanidade quando viu o homem que mais parecia um monstro.
O sujeito tinha mais de dois metros de altura. Seu corpo cinzento mais parecia uma montanha de músculos coberto por cicatrizes e sangue que, Joshua poderia arriscar, não era dele. Suas calças azuis, quase negras, haviam sido cortadas irregularmente abaixo dos joelhos. Na cintura havia outra faca prateada, junto ao cinto, brilhando. Seus pés estavam descalços. Seu peito, nu. Nas costas, ele carregava uma mala de couro, antes cinza, agora ensopada de sangue. Seu cabelo, levemente espetado, era tão claro que era praticamente branco. No rosto, um largo sorriso aterrorizante com lábios azuis e, como a mulher de antes, dois vazios no lugar dos olhos.
Ora, ora... O homem riu histericamente, levando as duas mãos aos cabelos e olhando para o alto. Quando acordei hoje, não achei que fosse achar três presas no mesmo dia.
O cérebro de Joshua parecia estar voltando a funcionar lentamente. Pelo menos, ele entendia que aquele maníaco já havia matado alguém antes e, do jeito que aquela jovem estava no chão, ela seria a segunda vítima. Entretanto, se o rapaz não agisse rápido, ele poderia ser o número três.
Repentinamente, o gigante sacou a faca da cintura e a arremessou.
O mais rapidamente que ele pôde, Joshua se agachou.
A lâmina passou por onde a cabeça do jovem estava parada, atravessando e ar e se cravando no chão de asfalto.
Até que você é ligeiro, hein? O maníaco riu. Talvez eu tenha que me aproximar...
Aos ouvir aquelas palavras, Joshua começou a dar passos cautelosos para trás.
À medida que o assassino se aproximava dele, o jovem se afastava, horrorizado pela expressão de alegria no rosto sem olhos do gigante.
Joshua parou de andar por um instante. Ele ouviu os murmúrios de desespero não muito longe dele.
Ao olhar para o chão, a menos de três metros a frente dele, o rapaz viu a jovem, de bruços, arrastando-se no chão com dificuldade.
Joshua queria poder ajudá-la. O desespero nos olhos da jovem fazia com que ele se sentisse mal por pensar em abandoná-la. Entretanto, não havia mais esperança para ela.
Vou atrás de você depois que eu cuidar dessa daqui... O maníaco sorriu. Então, espere quietinho aí...
Ele estava, agora, bem ao lado da jovem. Antes que ela pudesse olhar para trás, o gigante se agachou e, bruscamente, retirou a faca da panturrilha dela.
Mais um grito de jovem foi abafado. Mais lágrimas escorreram de seus olhos azuis arregalados.
O maníaco ria suavemente enquanto se levantava, brincando com a faca como se fosse um pino de malabarismo. Ele andou até o lado da cabeça da jovem, que ainda rastejava pelo asfalto, cantarolando algo. Com um sorriso ainda mais largo do que antes, o maníaco olhou na direção de Joshua.
Sabe... O gigante começou a falar. Eu realmente não queria ter vindo com as facas hoje. Mas essa daqui... Ele pisou em cima das costas da jovem que, enfim, parou de tentar fugir. Essa daqui resolveu fugir enquanto nos divertíamos. Aí tive que pegar o que estava em mãos, sabe?
Antes que Joshua pudesse pensar em dizer alguma coisa, o maníaco agarrou o cabelo da jovem e, puxando-os, levantou-a abruptamente. A expressão de dor era nítida no rosto dela.
Então... O maníaco voltou a falar, levando a faca ensanguentada ao pescoço da jovem. Eu não sinto prazer em acabar com a vida de uma pessoa usando facas. Ele soltou os cabelos da mulher, derrubando-a de bruços novamente. O mesmo vale para qualquer lâmina, arma de fogo, venenos... Essas coisas são muito...impessoais, sabe?
Repentinamente, o assassino pisou em cima da cabeça da jovem.
Joshua cerrou os olhos no mesmo instante. Ele não precisava olhar sob o pé do maníaco para saber que aquela jovem havia morrido. O som do crânio dela sendo quebrado e o fim dos murmúrios abafados foram o suficiente.
Ao abrir os olhos, o jovem viu o assassino sorrindo largamente para ele.
Você poderia me fazer um favor? O gigante soltou uma risada baixa. Tente correr. O mais rápido possível. Quero que a caçada seja divertida.
Ele não precisava dizer mais nada.
Joshua se virou para trás e começou a correr desesperadamente enquanto a risada do maníaco ecoava nas ruas.


3.


O desespero logo tomaria conta de Joshua.
O jovem não ousaria parar de correr. Afinal, por mais pesado que fosse, o maníaco era rápido e conseguia se aproximar de seu alvo sem dificuldades.
Felizmente, ele não era muito ágil. O rapaz conseguia se distanciar um pouco do psicopata toda vez que entrava em um beco estreito ou, simplesmente, entrava em uma rua à esquerda ou à direita.
O suor escorria pelo rosto de Joshua. Seu coração batia acelerado. Ele podia sentir a respiração pesada de seu perseguidor em sua nuca, porém, o rapaz já não sabia se só estava delirando ou se aquilo era realidade. Parar para olhar para trás para checar se aquilo era verdade não estava em seus planos.
Os músculos das pernas de Joshua já haviam estavam ardendo. Seu fôlego já estava prestes a acabar. A risada maníaca vindo de trás dele parecia lhe drenar o que restava de energia.
O fim do rapaz teria chego em breve naquele ritmo.
Entretanto, a sorte pareceu sorrir para Joshua.
O jovem entrou em uma série de ruas estreitas, impossível para um carro transitar lá. Pulando por cima de sacos de lixo reviradas no meio do caminho, virando rapidamente a cada curva que aparecia, Joshua conseguiu se distanciar do assassino.
Ao chegar num beco, o jovem avistou uma grande lixeira. O caminho estava parcialmente bloqueado com uma grade de metal. Se ele escalasse aquilo, seria possível se esconder do assassino lá.
Joshua estava receoso com e ideia. Porém, com sua respiração cansada e pernas queimando de dor, o jovem julgou que aquela seria a melhor opção.
O mais rápido que pôde, o rapaz escalou a grade a sua frente. O toque com a superfície gelada de metal fez o corpo de Joshua tremer. Entretanto, ele sabia que não poderia fraquejar agora.
Em poucos instantes, ele já havia pulado para o outro lado da grade. Suas pernas doeram ao aterrissar. Joshua suprimiu seu grito. Uma breve expressão de dor pôde ser vista em seu semblante.
Rapidamente, o jovem correu para trás da lixeira, fora do campo de visão de qualquer que olhasse para o beco.
Os passos pesados pareciam se aproximar novamente, bem como a risada maníaca.
Joshua torcia para que seu plano desse certo.
O rapaz encostou suas costas na lixeira. No mesmo instante, ele desabou, caindo sentado no chão gelado.
Joshua respirou fundo, diversas vezes. Ele nem se importava com o cheiro do lugar. A oportunidade de poder respirar com calma era tudo o que ele queria.
Os passos pesados do gigante se tornaram mais altos.
Tenho que admitir... Soou a voz do assassino. Você sabe correr bem, Coelhinho! Ele riu histericamente. Aliás, já como eu não sei o seu nome, é assim mesmo que eu vou te chamar: Coelhinho! 
O psicopata riu novamente. A cada palavra dita, ele parecia elevar mais a voz.
O coração do rapaz batia cada vez mais rápido. Ele sentia todo o seu corpo tremendo a cada batimento cardíaco.
A cada instante que se passava, o gigante se aproximava mais de onde Joshua estava escondido.
Se você não gostou do apelido, dê uma outra sugestão! Ele riu. Eu sou bem mente aberta. E também gosto de abrir a mente das outras pessoas... Se é que você me entende. O assassino gargalhou. Aí, aí...
De repente, Joshua percebeu que os passos, a respiração e até mesmo a voz do maníaco estavam se distanciando dele.
O corpo do jovem pareceu relaxar por completo.
Joshua percebeu que suava frio. Nada mais normal, uma vez que nunca havia passado por uma situação daquelas.
O rapaz julgou melhor aguardar alguns instantes antes de deixar o beco. Ele preferia que o assassino estivesse o mais longe possível antes de voltar a correr. Aproveitar a chance de descansar mais um pouco também seria benéfico.
Para compensar o corpo quase morto, a mente de Joshua nunca pareceu estar mais ativa.
Ele tentava assimilar tudo o que havia acontecido, do gato preto à aparente dona do animal, da jovem morta diante de seus olhos ao maníaco que o perseguia.
O rapaz tentou se lembrar de outras vezes que sentiu um medo que parecia o consumir.
Ele se lembrou de quando havia se perdido dos pais em um parque de diversões quanto tinha seis anos, de quando acabou tendo que brigar com um colega de classe muito mais forte que ele aos treze anos, de quando fora vítima de um programa de pegadinhas e foi perseguido por um “fantasma” aos dezenove anos.
Parando para pensar nisso agora, Joshua teve que rir. Todas essas foram situações ridículas. Pelo menos, quando comparadas com a que ele passava agora.
Como de costume, ele se lembrou de Adriana. O medo que o rapaz sentiu ao perceber que teria que viver sem ela há pouco tempo atrás.
O último pensamento o deixou mais triste do que qualquer outra coisa.
Entretanto, quando o tópico era medo, uma imagem tinha que surgir em sua mente: seu vizinho.
Joshua já tivera vizinhos estranhos, bem como praticamente qualquer outra pessoa. Entretanto, o senhor Estmund era diferente. Ele, que talvez já tivesse um século de vida, estava sempre elegante, apoiado em sua fiel bengala de carvalho. Vestido sempre formalmente, o velho tinha uma aura fria. Seus olhos eram a pior parte. Eles encaravam Joshua, sem vida, como se estivesse tentado analisar o jovem.
O mal estar fez com que o corpo do rapaz treme-se.
Realmente, quando ele encontrava o vizinho no corredor do prédio, uma sensação de medo comparável com a atual o atingia.
Joshua passou mais alguns instantes sentado. Ele queria sair logo do lugar, entretanto, caso fosse necessário correr, o rapaz precisaria que suas pernas não o falhassem.
De repente, um som veio da parede ao seu lado. Três toques rápidos. Alguém parecia estar batendo nela como em uma porta.
Joshua, obviamente, estranhou o som vindo da parede de tijolos.
Após algumas sequencias de três batidas, simplesmente, os sons pararam.
O jovem resolveu se levantar.
Ele não sabia o que era aquilo, porém, Joshua não se sentia mais confortável lá.
Subir na lixeira para, então, pular para a grade parecia a rota de saída mais prática.
Joshua respirou fundo e torceu para que suas pernas agüentassem.
Rapidamente, o rapaz subiu em cima da lixeira.
No mesmo instante, a parede ao seu lado se quebrou.
Tijolos escuros foram lançados para frente. Uma nuvem de poeira se levantou. Uma risada histérica soou.
Onde está o meu Coelhinho!? O assassino perguntou animado.
Ao ver a silhueta monstruosa do maníaco por entre a nuvem de poeira, Joshua se voltou para frente. O mais rápido possível, ele pulou sobre a grade de metal e caiu, de joelhos, do outro lado.
O rapaz se levantou, ignorando a dor nas pernas e voltou a correr.
Entretanto, não demorou muito para que a parede atrás dele se quebrasse.
Joshua não precisava olhar para trás para saber que o maníaco estava, mais uma vez, próximo dele.
Corra, Coelhinho! Corra! O gigante gargalhou.
Novamente, o jovem corria do psicopata. Novamente, o rapaz contava com todas as curvas que aparecessem para tentar se distanciar de seu predador.
Entretanto, havia algo diferente desta vez.
A névoa densa parecia cada vez alta e espessa, dificultando a visibilidade, envolvendo o rapaz.
Agora, Joshua mal conseguia ver um metro a sua frente.
O pensamento que ele poderia correr contra uma parede ou, então, cair em um buraco passou pela mente do jovem. Porém, não foi isso o que aconteceu.
Após alguns instantes, que pareceram horas para Joshua, a névoa se dissipou.
O rapaz, mesmo correndo para fugir de um psicopata, acabou percebendo as mudanças.
Os prédios a sua volta não tinham mais janelas, portas ou qualquer outro detalhe. Era como se todos eles tivessem se unido em uma grande muralha escura. Os postes de luz também haviam desaparecido. Entretanto, as ruas continuavam iluminadas, quase como se a luz brilhasse mais intensamente.
Enquanto fugia de seu perseguidor, Joshua percebeu que ele não tinha mais escolha. A rua era contínua. Sempre que uma curva aparecia, era apenas um único caminho disponível.
Um mau pressentimento o atingiu. A sensação de que ele estava sendo guiado para algum lugar era inquietante.
Joshua estava ofegante novamente. Suas pernas, e até mesmo seu abdômen, ardiam. Seu cabelo estava encharcado de suor. Apesar do frio, o rapaz parecia não aguentar o calor que sentia após tanto correr.
O jovem queria tanto poder parar de correr que se arrependeu do desejo.
Não demorou muito para que Joshua se deparasse com o fim de seu caminho.
Ele não queria acreditar. Depois de tanto fugir. Depois de tanto sentir tanto medo. Depois de quase morrer múltiplas vezes aquele era o fim de Joshua.
O jovem não pôde evitar ficar irritado.
Ora, ora... A voz já familiar veio de trás dele. Parece que o Coelhinho não tem mais pra onde fugir...
Joshua olhou para trás.
 O maníaco tinha um largo sorriso no rosto. Ele ria baixo enquanto andava lentamente na direção do jovem. Junto ao seu cinto, estava apenas uma das facas prateadas. A outra lâmina estava na mão direita do maníaco.
Fazia tempo que ninguém fugia de mim por tanto tempo... O gigante murmurou. Por isso, parabéns, Coelhinho... Ele gargalhou. Mas, agora, chegou o seu fim...
O rapaz olhou para o assassino. Com um largo sorriso aterrorizante no rosto, ele mirou sua faca contra o peito de Joshua e, em um instante, arremessou-a.
A lâmina prateada atravessou o ar rapidamente, brilhando sob a luz da lua.
Entretanto, Joshua não havia desistido de viver. Pelo menos, não ainda.
Rapidamente, o jovem se jogou para a direita, caindo de joelhos enquanto a faca se cravava na parede de tijolos.
Sem escapatória e ainda se recusa a morrer? O psicopata gargalhou. Eu gosto do seu jeito, Coelhinho! É uma pena ter que te matar, mas...
O gigante parou de falar ao ver que, rapidamente, sua presa havia se levantado e se dirigido até a faca na parede.
Com um puxão brusco, Joshua retirou a lâmina da parede e a apontou contra seu perseguidor.
O gigante não conseguiu fazer nada a não ser olhar para o alto e começar a gargalhar.
Achando que pode me enfrentar? Ele sorriu. Coelhinho, como eu te adoro! Que pena que eu tenho que te matar, não é?
Antes que Joshua pudesse dizer ou fazer qualquer coisa, o maníaco sacou a segunda faca e a arremessou.
O rapaz estava pronto para ter que desviar da lâmina. Entretanto, ele não teve que fazer isso, já que a faca arremessada pelo gigante se cravou bem diante de seus pés.
Você quer lutar, Coelhinho? Ele indagou. Então se prepare!
Um pouco receoso, Joshua retirou a faca do chão com força.
Armado com duas facas agora, o jovem olhou para o adversário. A montanha de músculos cinzentos sorria para ele.
Agora! O assassino bradou.
Com isso, o gigante correu na direção de Joshua, praticamente rosnando como um animal.
O jovem começou a tremer. O medo iria o dominar.
O tempo parecia passar vagarosamente na mente de Joshua. Ele apertou os cabos das facas em suas mãos com firmeza. Ele, que raramente esteve em uma briga a vida toda, teria que tirar a vida de um homem, se aquilo realmente fosse humano, para poder viver.
O maníaco abaixou o tronco enquanto se aproximava de Joshua. O jovem logo pensou em atacar as costas, ou talvez até a nuca, do inimigo.
Entretanto, o ombro direito do maníaco acertou a cintura do jovem.
O impacto fez com que Joshua derrubasse as lâminas antes que pudesse atacar.
O golpe jogou o rapaz contra a parede que, como se fosse feita de vidro, quebrou-se no instante do impacto.
Após o ataque, o gigante ainda segurava Joshua pela cintura, carregando-o enquanto corria em direção ao buraco que havia aberto, gargalhando animado.
A cabeça de Joshua estava girando. Ele não sabia o que havia ao seu redor. Entretanto, após alguns instantes, ele percebeu que não havia nada: a sala era como um grande cômodo vazio imerso nas sombras.
Ao perceber isso, o jovem caiu de costas no chão, emitindo um grito baixo de dor.
O maníaco riu. Joshua se levantou para olhar para ele.
O Gigante estava parado, a pouco mais de dois metros do rapaz, com os braços cruzados.
Olha... Me diverti muito hoje, sabe, Coelhinho? Ele sorriu largamente. Por isso, quero que você viva até a próxima vez que nos encontrarmos, ok? Quero me divertir mais com você antes de te matar, Coelhinho...
Com uma risada baixa e grave, o assassino deu meia volta e, calmamente, andou para fora da sala escura, afastando-se de Joshua.
O rapaz respirou aliviado. Lentamente, ele se levantou. Seu corpo inteiro doía, mas ele não pensou nisso.
Joshua havia conseguido escapar do maníaco, mesmo que por um tempo limitado.
Agora, sua preocupação era como sair daquele lugar.
O jovem não pretendia voltar por onde o gigante havia saído. Assim, ele resolveu olhar em volta, na escuridão.
Surpreendentemente, não foi difícil achar uma saída.
Atrás de onde ele estava, há alguns metros de distância, uma luz amarela brilhava.
Receoso, porém, sem muita alternativa, ele seguiu pelas sombras.
A cada passo que ele dava, seu corpo doía mais. Porém, o frio ia diminuindo, bem como a escuridão que ia se dissipando.
Em alguns instantes, Joshua chegou até uma parede translúcida, praticamente impossível de ser vista. A luz amarela passava facilmente por ela.
Lentamente, ele levou a mão esquerda até a parede. Entretanto, ele não a conseguiu tocar. Seus dedos a atravessaram como se não houvesse nada lá.
Convencido de que realmente não havia uma parede em seu caminho, Joshua deu um passo largo.
Rapidamente, o jovem se viu na sala iluminada pela luz amarela. Parecia o subsolo de algum lugar, com paredes cinzentas rachadas, cheio de sacolas de lixo em um canto e uma escadaria não muito longe de onde ele estava.
Joshua olhou para trás. Na passagem por onde ele tinha atravessado havia, agora, uma parede.
Novamente, o jovem iria questionar sua sanidade. Entretanto, alguém aparecia para esclarecer as coisas.
Creio que você tenha muitas dúvidas sobre o que acabou de acontecer. Disse uma voz profunda.
Joshua sabia que já tinha ouvido a voz. Porém, seu interlocutor havia falado com ele tão poucas vezes que era normal ele não reconhecer a voz de imediato.
O jovem se virou e sentiu medo.
Na escadaria, um homem de quase um metro e noventa, vestido um terno cinza, encarava Joshua. Sua pele era cor de café. Seus dedos, ossudos, pareciam garras apoiados numa bengala de carvalho. Sua cabeça era calva. Sua barba grisalha era bem aparada. As rugas no rosto eram esperadas dada a idade avançada. Seus olhos pretos e mortos, sem brilho algum, pareciam ver além de onde o rapaz estava.

Se ainda conseguir andar, venha. Disse o senhor Estmund. Quero explicar isso o mais rápido possível.

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