5.
Joshua estava quieto, encarando o vizinho, pensativo.
—
Ora... — Estmund riu
baixo. — Como era de
se imaginar, está surpreso...
—
Na verdade, não. — O
rapaz retrucou. —
Depois do que eu vi hoje... —
Ele suspirou. — Acho
que nada mais vai me surpreender.
Estmund abriu um largo, e ligeiramente assustador,
sorriso, deixando escapar uma risada baixa e grave.
—
O que é tão engraçado? —
Joshua indagou levemente irritado.
—
Até alguns instantes atrás... —
O ceifador começou a falar calmamente. —
Você me temia. Isso apenas por causa da minha vontade...
—
Isso é ridículo...
Quando ele terminou de enunciar aquelas palavras, o jovem
sentiu o ar ficar mais frio e denso a sua volta. Ao olhar para Estmund, voltou
a sentir medo daqueles olhos sem vida. Em questão de instantes, o rapaz tremia,
encolhendo-se lentamente no sofá, sentindo o corpo tremer, a visão embaçando e
quase não conseguindo respirar.
A mente do rapaz não parecia mais capaz de entender nada.
Não havia como ele ter noção do tempo passando a sua volta, muito menos se ele
estava em perigo ou não.
Não mais do que alguns segundos se passaram. Joshua
parecia fugir de um transe graças à risada do ceifador.
O rapaz levou a mão à testa como se reclamasse de uma dor
de cabeça.
Suas mãos suavam. Suas pernas tremiam. Sua respiração
estava pesada.
Estmund estava sentado na cadeira de madeira, olhando
entediado para Joshua, sem mover os lábios. Entretanto, o som grave ainda
parecia ecoar pelo pequeno e sombrio apartamento.
— Viu?
— O ceifador sorriu. — Você ainda pode sentir
medo. Muito medo.
Joshua se ajeitou no sofá. Claramente, apenas pela
expressão em seu rosto, o jovem estava desconfortável. Se fosse possível, ele
não diria mais uma palavra e se afastaria do apartamento e de seu dono naquele
mesmo instante.
—
Enfim... — Estmund
limpou a garganta. —
Você ainda tem muito a aprender, garoto. E é por isso que eu estou aqui. Para
te ensinar.
—
Por quê? — Indagou
Joshua. — Por que a
Morte está me contando isso?
—
Para isso... Vou ter que te contar outras coisas antes...
—
Como o quê?
—
Bem... Eu sou apenas um ceifador. Existem vários outros por aí.
—
Ah... — O rapaz parecia
pensativo, arrastando a voz. —
Mas... Por que isso? Por que existem vários de vocês?
—
Sabe quantos pessoas morrem no mundo inteiro a cada instante? Um só ser
sobrenatural com uma foice não bastaria para guiar todos para o além, não acha?
—
Mas...
—
A Morte não é onipresente. —
Ele disse rapidamente, antecipando a pergunta do jovem. — Entendeu?
—
Certo... — A mente de
Joshua estava inquieta. —
Então... Quantos ceifadores existem mundo afora?
—
Olha... — Ele coçou a
barba grisalha sobre o queixo. —
Não tenho certeza. Aliás... Não sei se alguém ainda tem certeza... — Estmund soou melancólico.
— Houve um tempo que
éramos imprescindíveis. Cada um de nós trabalhava duro, sabe? Haviam milhões de
pessoas no mundo e parecia que quase todas morreriam antes de completarem quarenta
anos de vida. — O
ceifador riu baixo. —
Agora... Vocês são bilhões. Por mais que muitos morram, muitos mais vêm. Além
disso, vocês estão vivendo cada vez mais. Entretanto, a nossa população também
aumenta, não como a de vocês, mas aumenta. —
O senhor fez uma breve pausa. —
O resultado disso é que muitos de nós, ceifadores, estamos trabalhando cada vez
menos... Alguns estão até parando de trabalhar.
—
Certo... — Joshua
olhou rapidamente ao seu redor, observando cada canto da sala empoeirada. — Então... Você anda
ocupado com seu trabalho?
—
Pra ser sincero... Não muito. Mas... Sabe como é... A vida não está muito
animadora ultimamente. Ando sem vontade de fazer praticamente qualquer coisa. Até
mesmo interagir com vocês, humanos, estava... Bem, chato. Depois de milênios...
Tudo acaba ficando um pouco chato.
—
Imagino... — O jovem
coçou a nuca. —
Então... Interação com humanos?
—
Sim. O que tem?
—
Que tipo de interação você está falando?
—
Ás vezes, só observamos as suas vidas. Fazemos apostas sobre o que vocês farão,
o que não farão, quando morrerão... Nada de mais.
—
Claro...
—
Aliás, anjos e demônios também compartilham de tais prazeres.
—
Então... É tudo um grande reality show pra vocês?
—
Quando você diz dessa maneira parece insultante, mas... — Ele bufou. —
Sim.
—
Mas... Vocês intervêm na vida dos humanos?
—
Em alguns casos. Anjos e demônios mais raramente. Pelo menos, quando nesse
mundo.
—
Como assim?
—
Eu explicarei em breve.
—
Mas...
—
Normalmente... —
Estmund não permitiu que Joshua pudesse fazer sua pergunta. — Ceifadores intervêm na
vida de mortais cercados pela morte, tanto pessoas que sofreram perdas como
aquelas que as causam. Podemos, por exemplo, proporcionar um adeus mais
conclusivo entre alguém que está vivo e alguém que morreu há pouco tempo. Isso
acaba sendo benéfico para ambos os lados, resolvendo o que não fora resolvido,
trazendo paz a ambas as partes. É uma pela ação de nossa parte... Porém... — Ele exibiu um sorriso
maligno. — Também
podemos fazer com que um assassino se encontre com sua vitima. Isso não é muito
benéfico. Um ser vivo é assombrado, um fantasma se vinga. Mas, sinceramente, é
bem divertido de assistir.
—
Então... Vocês, ceifadores, são neutros? Nem bons, nem maus?
—
Exato! — Ele sorriu. — Mas não são muitos que
entendem isso...
—
E o que você pretende fazer comigo? Além de jogar conversa fora, claro...
—
Ora... — Estmund
abriu um largo sorriso. —
Eu estou aqui para transmitir conhecimento, como já te disse. Sobre os
ceifadores, o mundo que você visitou, o seu destino e o destino dela.
—
Ah... Dela?
—
Sim. O futuro de sua amada também está em jogo, meu caro Joshua. — Sua expressão ficou séria.
— Por isso...
Deixe-me terminar de falar o que tenho para falar, certo?
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