domingo, 27 de setembro de 2015

Um Outro Mundo, Capítulo 6

6.


O rapaz estava, agora, claramente alarmado. Ele adoraria falar que Adriana ficou para trás, mas a verdade não era essa. O estado patético em que o jovem se encontrava prova disso.
Joshua sentiu a aliança ainda no bolso e engoliu em seco. Ele não conseguiria se esquecer dela. Talvez, nunca chegasse a esquecer.
Tendo tudo isso em mente, o rapaz olhou para Estmund. Sem dizer nada, ele apenas assentiu para o ceifador, sinalizando que ele ouviria o que o senhor tinha a dizer.
Bom... Estmund limpou a garganta. O que eu vou dizer agora, bem... Pode ser difícil para você acreditar. Porém, como eu não tenho motivos para mentir... Peço que você tenha a mente aberta, certo?
Joshua, novamente, assentiu, sem dizer uma palavra.
Excelente... O ceifador coçou a barba vagarosamente e, então, olhou diretamente para os olhos do jovem. Diga-me como você sabe que está vivo neste exato momento.
Ah... O rapaz tentou dizer algo. Entretanto, sua mente parecia não conseguir vir a uma resposta. Da sua boca, apenas sons inteligíveis saiam... Ah... Eu... Hm...
A resposta é simples. Ele sorriu. Você não tem como saber. Simples assim.
Joshua se manteve em silêncio, pensando.
Estmund se manteve quieto, apenas aguardando a pergunta.
Então... Se eu estivesse morto, como eu poderia estar, bem, vivendo essa vida? Indagou o rapaz. Como eu poderia estar aqui conversando com você? Isso é o pós vida? O quê...?
Muitas perguntas, muitas perguntas... O ceifador murmurou. Como previsto... Ainda bem... Ele sorriu. Se você não mostrasse interesse, não teria a mesma graça.
Certo... Então... Você poderia me responder algo?
Claro que posso. Ele olhou, um pouco distraído, para a lâmina da foice que parecia brilhar no ambiente cinzento. Quanto ao pós vida... É algo um pouco complexo. Afinal, vocês, humanos, têm três alternativas, apesar de nem todas serem visíveis a princípio.
Ah... Claro... Joshua bufou. Por favor, explique.
Nós, ceifadores, levamos as almas até o Plano Espiritual. Lá, vocês recebem a opção de seguirem um anjo ou um demônio. Entretanto, é possível recusar a ajuda de ambos. Nesse caso, uma terceira opção é apresentada para o falecido.
E qual é a pegadinha? Aliás... Quais são as pegadinhas? Tenho certeza que nada é muito claro nesse momento...
Pelo contrário. Estmund soou melancólico. Esse é o momento de maior clareza da vida de uma pessoa. É o momento em que tudo que ela precisa saber é revelado.
Como o quê?
Como o fato de muitas delas já estarem mortas por anos e não saberem...
Joshua permaneceu em silêncio. Ele precisaria de detalhes para acreditar no que o ceifador estava dizendo. Felizmente, Estmund percebeu isso rapidamente.
Pense assim, garoto... Ele começou a dizer. A sua alma é um corpo completo e funcional. Assim sendo, ela tem uma mente que, na verdade, é exatamente igual a do seu corpo físico. É por isso mesmo que você não a percebe. Ela funcionaria mais como uma reserva que você nunca precisaria usar até seu corpo físico perecer e você for para o plano espiritual. Entendeu?
Sim...
Ótimo. O ceifador respirou fundo. Então... Já como sua alma é capaz de pensar, ela também é capaz se sonhar... E, assim, ela é capaz de te mostrar um mundo falso que pode parecer extremamente real...
Ah... O jovem engoliu em seco. Ele parecia ter entendido o que o ceifador queria dizer. Ele também parecia preocupado com a conclusão. Então... A nossa mente, a mente dos humanos, seria capaz de nos enganar para não sabermos que estamos mortos...?
Precisamente.
Mas... Por quê?
Para evitar finais decepcionantes.
Como assim?
Imagine que sua vida é um filme e você é o protagonista. Você tem seus objetivos. Você supera obstáculos para cumprir seus objetivos. A vida parece que tenta te derrubar. Você cai, sofre, mas se levanta no final e segue em frente. No fim, você é feliz. Ou não. Ele riu baixo. Mas o que realmente importa é que você fez as suas escolhas e viveu como quis, entende?
Certo...
Então o quão decepcionante seria esse filme se, abruptamente, o protagonista morresse num acidente qualquer, sem conseguir realizar seus objetivos?
Ah... Entendi. Joshua ficou em silêncio por um instante. Então... Somente as pessoas que tiveram um final infeliz e inesperado que passam a viver essas vidas falsas?
Sim... Para nós, ceifadores, é quase como se elas estivessem em um coma. As almas não se movem nem reagem a estímulos. Mas elas ainda, bem... Vivem. E é exatamente em suas mentes que suas vidas se passam agora. Mas isso acaba podendo gerar um grande problema.
Que seria?
O momento da revelação...
Ah... O jovem pensou por um instante e suspirou. Imagino que nem todos saibam lidar com isso...
Exatamente. Saber que os momentos mais felizes de sua vida foram mentiras... Pode ter efeitos terríveis... A expressão no rosto de Estmund estava ainda mais séria agora. Muitos, tomados pela raiva, escolhem seguir o demônio que promete vingança, abandonando qualquer tipo de paz ou salvação.
O que exatamente acontece com as almas que seguem os demônios?
Existem muitas possibilidades. Mas sei que você já viu de perto uma dessas possibilidades.
Joshua não precisava parar para pensar naquilo. A risada de seu perseguidor soou em sua cabeça, ecoando e fazendo seu corpo tremer.
E isso me leva ao nosso próximo tópico... Estmund continuou a falar. O outro mundo. O lugar onde você estava...
O que você pode me dizer sobre ele?
Eu não conheço muito sobre o lugar, então... Infelizmente, não posso te ajudar tanto quanto eu gostaria.
Pensei que você sabia de tudo nesse mundo...
Nesse em que estamos? É bem provável. Num mundo que eu nunca coloquei os meus pés e que é tão velho quanto esse em que estamos? Não... Não conheço tanto assim dele...
Você nunca foi lá? Joshua soou ainda mais intrigado. Por quê?
Porque aquela é uma terra de amaldiçoados, garoto. Amaldiçoados pela tristeza, ódio e sofrimento. E com isso eu me refiro aos vivos e aos mortos.
Mas algo o proíbe de entrar lá?
Não. Mas nada me motiva a ir lá. Anjos abandonaram os vivos que entram lá. As assombrações fazem todo o trabalho sujo de matar e roubar almas, então os demônios não tem motivo de ir até lá pessoalmente. É uma terra de ninguém, entendeu?
Ah... Então eu fui parar naquele lugar...?
Por causa de como você está depois de sua amada ter te deixado. Estmund disse rispidamente. Somente por isso. E, assim, antes que você perceba, você estará perdido naquele pesadelo de novo.
Joshua se sentiu como se tivesse levado um soco no estômago. Ele inclinou o corpo para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos e levando as mãos ao rosto. O rapaz respirou fundo, soltando o ar, em seguida, lentamente pela boca.
Garoto... O ceifador parecia preocupado. Você...
Se eu parar de me sentir assim...! Joshua começou a dizer exasperado, porém, hesitou por um instante para respirar profundamente. Se eu parar de me sentir assim... Ele repetiu, agora mais calmo. Eu nunca mais volto para aquele lugar. É isso?
Sim... Mas você não é capaz.
E como você é capaz de saber isso?
Eu já estou observando vocês, humanos, há um bom tempo... Sei que vocês não conseguem lutar contra seus sentimentos... Principalmente quando o sentimento em questão é amor ou ódio.  
O que você quer que eu faça então!? Ele olhou Estmund nos olhos. Tire a minha própria vida!?
É uma opção. Porém, é uma saída fácil demais, não acha?
O que você sugere que eu faça então!?
Volte a ser feliz. Ao lado dela.
Claro! Ele riu com escárnio. Fácil fazer isso...
Você não sabe os motivos que ela tinha para fazer o que fez.
E você sabe?
Sim. Tem a ver com a terceira opção que eu falei antes.
Joshua se manteve quieto, pensando no que o ceifador havia dito antes. Seguir o anjo ou o demônio eram apenas duas alternativas. A terceira opção viria caso as outras fossem negadas.
Qual seria a terceira alternativa? O rapaz perguntou.
Fugir do anjo e do demônio até você achar um ser que não é nem bom, nem mau... Que não seja preto, nem branco... Que não seja da luz, nem das trevas.
Que seria o que exatamente?
Bem... Há vários nomes. O meu favorito é Djinn.
Djinn? O jovem indagou. Como gênios? Que realizam desejos?
Sim. Porém, eles apenas realizam um desejo.
Que seria...?
Viver mais uma vez. Conseguir atingir um novo objetivo. Não ser enganado pela própria alma dessa vez.
E o que o Djinn ganha com isso?
A alma da pessoa que ele está ajudando.
Então... O que aconteceria com essa pessoa no pós vida?
Nada.
Como assim nada?
Absolutamente nada. É o fim da existência do indivíduo. A alma dela foi devorada pelo Djinn. Ela simplesmente deixa de existir depois que seu corpo físico perece...
Então... O rapaz engoliu em seco. Adriana vendeu a alma dela para o Djinn?
Sim...
E... O desejo dela? O que foi?
Apaixonar-se. Casar-se. Ser feliz como ela não pôde da primeira vez...
Ah...
Joshua voltou seu olhar para o chão, melancólico.
Eu não fui bom o suficiente para realizar o último desejo dela... O jovem falou com a voz chorosa. É isso?
Na verdade, é exatamente o contrário. O ceifador disse com simplicidade.
Joshua levantou a cabeça e olhou para Estmund.
Os olhos do rapaz estavam avermelhados. Uma lágrima escorria de seu rosto.
Estmund tinha a expressão serena, despreocupado. Ele estava dizendo a verdade com certeza.
Como assim? Indagou Joshua.
O desejo concedido pelo Djinn tem um detalhe importante que eu não havia lhe contado. O ceifador começou a explicar. Depois que o desejo é realizado, a pessoa morre.
Joshua manteve-se em silêncio.
Ao meu ver, não é um acordo ruim. Estmund continuou falando. Morrer com um sorriso no rosto não é algo que todos conseguem. Entretanto... Tem aqueles que temem a morte acima de tudo. Ele olhou diretamente nos olhos do jovem. Sua amada sabia que, caso continuasse com você, ela seria feliz, mas, com o tempo, ela morreria por causa desse amor. Assim, ela decidiu que seria melhor viver na tristeza do que morrer feliz. Péssima escolha, na minha opinião.
Joshua permaneceu em silêncio, tentando assimilar tudo o que havia ouvido.
O ceifador foi paciente. Ele esperou o tempo necessário para que o rapaz voltasse a fazer contato visual com ele.
Então... Estmund falou calmamente. O que você fará?
Eu... Joshua respirou fundo. Eu não quero desrespeitar as decisões dela... Mas... Eu não posso viver feliz... Não sabendo que ela está infeliz...
E você vai deixar que ela morra? Mesmo contra a vontade dela?
Eu... Vou fazer com que ela enxergue a situação por completo... Vou fazer com que ela veja que não faz sentido viver na tristeza... Vou fazer com que ela seja feliz até o fim da vida dela.
Belas palavras. O ceifador sorriu.
Ah... Obrigado. Joshua sorriu de volta, genuinamente feliz.
Entretanto... Ainda há um problema.
O que seria?
Encontrar Adriana.
Não creio que isso seja um problema. Eu só preciso tomar um banho, me arrumar e passar na casa dela. Talvez eu compre flores no caminho...
Não é sobre isso que eu estou falando, Romeu. Ele zombou. Há algo sério que pode acontecer com ela, se é que já não aconteceu...
Do que você está falando?
Do jeito que ela está vivendo agora. Imersa na tristeza, sofrendo com a própria escolha... Não vai demorar muito para que ela termine...
Estmund não precisou terminar aquela frase.

Joshua, o mais rápido que pôde, levantou-se e saiu porta afora, rumo à casa de sua amada.

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