Ideia nova! (não sei quando, ou SE, vou continuar...mas
aqui está)
A porta da velha igreja se abriu com um rangido. A porta
de madeira, decrépita, quase não conseguia ficar de pé. O mesmo podia ser dito
sobre o resto do lugar. O que antes era uma bela construção, com paredes
brancas como marfim e vitrais coloridos e cheios de vida, agora não passava de
mais um lugar abandonado naquela cidade.
Passos soaram no interior do local. Eles pertenciam a um
homem que havia acabado de entrar. Seu rosto era coberto por um capuz preto que
se estendia com um manto preto, fosco. Nenhuma parte de seu corpo era visível.
Calmamente, o estranho observou o interior da igreja.
O chão de madeira era coberto por um carpete que,
outrora, era vermelho escarlate. Agora, sem brilho se fora, dando lugar a
diversas manchas negras.
As janelas e vitrais, belos e frágeis, já haviam sido despedaçados.
Com isso, alguns cacos de vidros, de várias cores, estavam espalhados no chão,
tanto no lado de dentro quanto no lado de fora da igreja.
Parte do próprio teto havia sido destruído. Com isso,
chuvas e ventos ajudaram a corroer o ambiente com o passar do tempo. Agora, não
chovia nem ventava. O céu estava repleto de nuvens cinzentas que bloqueavam
quase toda a luz do sol. Assim, apenas poucos raios de luz iluminavam o lugar,
fazendo com que apenas o centro da igreja fosse iluminado.
Das dezenas de bancos da igreja, apenas alguns poucos
estavam inteiros. Dentre eles, estava o que estava na primeira fileira, em
frente ao velho altar de mogno, no lado esquerdo da igreja. Nele, havia um
homem vestido com uma batina preta surrada e um colarinho branco: eis o padre
responsável por aquele lugar.
Claramente, ele havia ouvido a porta se abrir, bem como
ouviu os passos do estranho. Entretanto, nada fez o padre a respeito disso. Com
uma garrafa de vinho em suas mãos, ele bebia, aparentemente, tranquilo.
O desconhecido se aproximou vagarosamente do padre. Cada
passo gerava uma sinfonia de ruídos que eram ecoados por toda a igreja. Entretanto,
o padre não se importava com nada além de sua bebida.
Passo a passo, o estranho chegou até o lado do banco que
estava atrás do padre. O homem de batina continuou a tomar o seu vinho em paz.
Então, o homem encapuzado disse, em alto e bom som:
—
Padre. Vire-se.
O homem com a garrafa de vinho nas mãos olhou por cima do
ombro esquerdo. Mesmo avistando o estranho, ele não teve reação. O padre
simplesmente voltou a olhar para frente e tomar vinho.
O desconhecido estava calmo, de um jeito frio, sem
emoção. Desse jeito mesmo, ele falou:
—
Padre. Eu tenho que falar com você. Temos assuntos a tratar.
O padre resmungou algo inteligível e, então, com
dificuldade, levantou-se. Ainda segurando sua garrafa de vinho, ele encarou o
estranho. O padre, baixo e robusto, tinha a face barbada, outrora pálida, rubra
por causa da bebida alcoólica. Os olhos dele, castanhos, não tinham brilho. O
desconhecido reconhecia o olhar de um homem que havia perdido as esperanças
melhor do que ninguém, por isso, ele tinha certeza que aquele era o caso do
padre.
O homem de batina coçou o cabelo castanho claro desgrenhado
e, então disse, sem nenhuma empolgação:
—
Se você veio dar um fim a mim, peço que faça isso rápido. Aproveite que eu não
sinto nada nesse momento graças ao vinho.
Ao dizer as últimas palavras, o padre ergueu a garrafa
como se propusesse um brinde. O desconhecido apenas o olhou, um pouco
entristecido. Após respirar fundo, ele abaixou o capuz. Seus olhos olhavam
diretamente para os do padre. Entretanto, o homem barbado não se alterava.
Alguns segundos de silêncio tomaram o lugar. Então, o
desconhecido, que tinha seu rosto iluminado pela pouca luz do local, disse com
firmeza:
—
Eu não estou aqui para te matar. Aliás, não estou mais nesse ramo.
O padre encarou o estranho por alguns instantes, não
tendo certeza do que acabara de ouvir. Por alguns segundos, ele olhou para a
garrafa de vinho em suas mãos, perguntando-se o quão bêbado ele estava no
momento. Entretanto, ao olhar de volta para o rosto sério do homem que trajava
o manto negro, ele teve certeza que não havia ouvido uma piada à toa. Assim, o
padre começou a gargalhar incontrolavelmente.
O desconhecido bufou. Com um estralar de dedos, a garrafa
de vinho do padre se quebrou, fazendo com que cacos de vidro e a bebida escura
caíssem pelo chão. No mesmo instante, o homem barbado parou de rir.
Com um sorriso no rosto, o desconhecido disse:
—
Agora que tenho sua atenção... Será que você poderia cooperar?
—
O que você poderia querer de mim? —
Indagou, ligeiramente irritado, o padre.
—
Eu sei sobre o projeto que vocês tinham. Pensei que talvez vocês pudessem me
ajudar.
O padre riu e, então, perguntou:
—
Você pretende acabar com a sua própria existência?
—
Se for preciso, sim, templário. —
Respondeu, determinado, o homem de manto negro.
—
Templário... —
Balbuciou o padre. —
Não... Não mais. Creio que você conhecesse a história...
—
Sim. O que vocês planejavam era considerado heresia. Traição do grau mais
elevado. — Ele fez
uma breve pausa. — E
é por isso mesmo que eu preciso de sua ajuda. Eu sei que posso confiar em você.
—
Você é louco.
—
Eu tenho que ser. Caso contrário, eu já teria perdido as esperanças nesse
mundo...
—
Ah...sim. Um herói louco... É exatamente o que esse mundo precisa.
—
Tem uma sugestão melhor? Esperar um segundo Arrebatamento, talvez?
O padre ficou em silêncio. Ele sabia que aquilo não
aconteceria. Ele havia perdido aquela chance, afinal, ele havia perdido a sua
fé. Agora, ele esperava o Apocalipse chegar para exterminá-lo.
O desconhecido bufou e, então, voltou a falar:
—
O plano de vocês. Ir contra a vontade de Deus e impedir o Apocalipse... Vocês
planejavam matar os Quatro Cavaleiros, não?
O padre olhou com medo para o desconhecido. Seu olhar
desesperançado agora tinha uma pitada de pavor. Suas pernas tremiam. De
repente, o efeito da bebida parecia ter acabado.
O desconhecido, então, sorriu. Com suavidade, ele disse:
—
Não se preocupe. Eu já havia dito que eu não te mataria. Mas, eu volto a dizer,
preciso da sua cooperação.
—
Onde o Diabo aparece nessa história...? —
Perguntou, o padre, hesitante.
—
Que bom que você perguntou. —
O desconhecido sorriu e fez uma breve pausa. —
Eu...falei com ele alguns dias atrás. Ele contou o plano dele para mim...e para
os meus irmãos também. E, se o Apocalipse acontecer, o plano dele vai dar
certo.
—
Mas...por quê?
—
Bem...não foram muitas as pessoas salvas pelo Arrebatamento. Talvez Deus tenha
sido um pouco criterioso demais sobre quem salvar. Enfim... Como você talvez
tenha percebido, muitas pessoas permaneceram na terra. O problema é que, com o
Apocalipse, o Diabo pretende obter a alma de todos que permaneceram na terra.
Com isso, o poder dele poderá ser uma ameaça até mesmo...
—
Para Deus...
—
Exato.
O padre balançou a cabeça de um lado para o outro,
incrédulo, por fim perguntando:
—
Mas...como? Não... Isso não...
—
Lúcifer não deve ser subestimado. Achei que você, acima de todos, saberia
disso. — Disse, com
firmeza, o desconhecido.
O padre olhou novamente para o rosto do homem a sua
frente. A face pálida e de traços finos, apesar de um pouco magra de mais, era
bela. Os cabelos prateados eram lisos, caindo até o meio das costas. Os olhos tinham
a íris dourada, fazendo com que seu olhar sempre fosse intimidador, dando a ele
um ar de superioridade. Sem dúvidas, o padre queria que aquilo não fosse
verdade. Aquele homem, ali, tendo aquela conversa com ele. Nada daquilo era
falso. E, como o padre bem sabia, a realidade era muito difícil de se lidar às
vezes.
O homem barbado respirou fundo e, então, indagou:
—
E você tem certeza que tudo dará certo?
—
É claro que não. —
Admitiu o desconhecido. —
Mas é a minha única opção. Aliás, é a única opção desse mundo...
O padre ficou calado durante alguns instantes, pensando. O
estranho permanecia calmo, aguardando uma pergunta. Enfim, o homem de batina
disse:
—
Eu...ainda não entendo.
—
O quê? — Perguntou,
um pouco rispidamente, o estranho.
—
Por que você escolheu ficar contra o próprio Diabo?
Com um sorriso no rosto, o homem de olhos dourados
respondeu:
—
Eu não quero que esse mundo acabe. Vocês, mortais, são muito divertidos. A
graça de tudo acabaria sem vocês.
O padre estava perplexo. Sem dúvida, ele não esperava uma
resposta daquelas.
De repente, urros vieram do lado de fora da igreja. O som
de pessoas correndo somado com o de armas de fogo atirando vieram em seguida. O
cheiro de algo queimando começou a entrar na igreja pelas janelas quebradas. O
padre voltou a tremer. Foi aí que o estranho colocou sua mão no ombro dele e
disse:
—
Não se preocupe. Vai ficar tudo bem. Apenas...deixe que eu resolvo isso.
O desconhecido tirou seu manto e o jogou em um dos bancos
da igreja. Sua armadura, feita inteiramente de prata, protegia todo o seu
corpo, com a única exceção sendo a cabeça. Ela, sozinha, parecia iluminar e
trazer vida para todo o lugar apenas com o seu brilho. Por baixo da armadura,
ele vestia uma cota de correntes negra. Com um estralar de dedos, ele invocou
sua arma: uma foice. O cabo da arma parecia ser feito de ônix. A lâmina afiada,
no formato de uma lua crescente, era feita de prata, assim como a armadura. Uma
aura branca envolviam o guerreiro e sua arma.
O padre, após respirar fundo, ainda não acreditando muito
bem na situação, murmurou:
—
Boa sorte...Morte.
As portas da igreja se abriram. O Quarto Cavaleiro do
Apocalipse partiu para o campo de batalha.