quinta-feira, 28 de maio de 2015

Nightmareland, Capítulo 3

A Origem da Voz


Escuridão. Nada além disso. Pelo menos, escuridão era tudo o que existia a minha frente.
O pouco de luz que havia naquele corredor vinha de trás de mim. Com alguns passos para trás, eu estaria de volta ao lugar que eu achava seguro. Entretanto, eu conseguia manter a minha cabeça no lugar, pelo menos, naquele instante. Segurança era apenas uma ilusão, obra do demônio que me colocou lá. Eu sabia que não poderia baixar a guarda.
A voz soou de novo. Dessa vez, mais alta e, também, ecoando por todo o corredor.
Aquilo foi inesperadamente bom. Com isso, digo que foi útil. Eu estava começando a me perder em meus pensamentos. E eu sabia que, se eu fosse morrer naquele lugar, seria por algum descuido meu. Por isso, em meio às trevas, eu continuei caminhando. Foi aí que eu ouvi.
Um som alto, como um trovão, soou atrás de mim. Abruptamente, eu me virei para trás.
A passagem havia sido fechada. Alguém, ou algo, a havia fechado, batendo a porta com força além do necessário. Com isso, eu estava, agora, completamente imerso nas trevas.
A voz voltou a falar algo. Não sabia, ainda, o que dizia. Além disso, eu nem sabia de onde ela vinha. De dentro do corredor, o som parecia vir de todos os lados, ecoando por o que parecia ser uma eternidade.
Tentei me manter calmo. Toquei a parede que estava à minha esquerda. Em seguida, fiz o mesmo com a direita. Elas continuavam lá. Por isso, o meu caminho continuava o mesmo: seguir, reto, o corredor.
Sussurrando trechos de músicas, assoviando e até estralando os dedos, eu continuava a andar.
Cinco minutos? Talvez dez? Talvez apenas dois? Quem sabe uma hora? Eu não sabia quanto tempo havia se passado. E eu não queria saber se para isso eu tivesse que pensar. Enquanto minhas pernas não estivessem latejando de dor, eu continuaria em frente.
Em intervalos completamente irregulares, a voz falava algo. Às vezes se passavam não mais do que dez segundos. Noutras, passavam-se o que eu sentia ser minutos. Porém, pude chegar a uma conclusão: eu nunca entenderia o que a voz falava.
Não importava o quanto eu me aproximasse ou o quanto eu estivesse atento, as palavras ditas por ele, ou ela, eram totalmente incompreensíveis para mim. Isso por que elas estavam sendo ditas em uma língua que eu não conhecia.
Apesar de eu nem saber que idioma era aquele, eu ouvi vezes o suficiente aquela frase para saber pronunciá-la.
Era estranho, porém, prazeroso. Seja o que for que eu estava falando, soava bem. Era como cantar uma música de uma banda estrangeira na língua deles. Não fazia sentido, mas era simplesmente uma ótima sensação.
De repente, a voz gritou. Eram as mesmas palavras desconhecidas, mas a entonação era completamente diferente. Eu podia sentir o desespero na voz.
Uma. Duas. Três vezes. E não parava. A voz gritava com toda a força. Apenas a lembrança daquele som agudo me gela a espinha. Isso por que...por que foi aí que eu percebi que aqueles gritos desesperados pertenciam a uma criança de não mais de cinco anos idade.
Eu comecei a correr. A situação era inquietante além do imaginável. Todo aquele tempo que eu ouvi a voz...era uma criança sofrendo.
A cada passada que eu dava, eu pensava mais na história daquela mãe desnaturada e de seu filho não amado. Muita coisa não estava clara. Eu não sabia se ficava feliz ou não com isso. Mas eu tinha certeza que a história não teve um final feliz. Não era preciso ser nenhum tipo de adivinho para se chegar a tal conclusão.
Enquanto corria, comecei a achar que estava enlouquecendo. As paredes pareciam estar mudando de cor. Alias, não só elas. Todo o lugar parecia se transformar em uma fração de segundos e, com a mesma facilidade, voltava a ser o corredor imerso nas trevas.
Aquilo estava me deixando um pouco enjoada. Porém, eu continuava correndo.
Mas não demorou muito para eu perceber. Toda transformação conseguia se manter por alguns instantes a mais que a anterior. Assim, fui percebendo o novo cenário.
Paredes verdes e decrépitas. Luzes amarelas e fracas vindas do teto. Chão de madeira que rangia a cada passo que eu dava. Escuridão à distância. Droga... Foi aí que eu percebei que o novo cenário era, na verdade, o velho cenário: eu estava de volta ao mesmo corredor que estava quando saí do quarto branco.
Eu nem havia percebido, mas eu havia hesitado. Com isso, digo que eu havia não só parado de correr, como também parado de me mover. Logo em seguida, senti algo gelado tocar as minhas costas.
O frio tomou conta de meu corpo. Minha mente parou de funcionar naquele instante. Meu medo de me virar para trás e ver o que estava lá era grande demais. Entretanto, eu não tive que me mover. Algo passou por entre as minhas pernas. Senti todos os pelos de meu corpo se arrepiarem. Quando olhei para baixo, porém, nada havia lá...a não ser mais uma carta luminescente.
Como eu esperava, era mais uma mensagem do demônio.
“Você não devia ter parado...”.
Era difícil ler sob aquela luz fraca. Inconscientemente, eu balbuciei as palavras que estavam escritas no papel.
“Você...não...devia...ter...”.
Eu havia lido a última palavra, mas não a havia balbuciado. Algo acabou me impedindo.
Enquanto eu olhava para a carta, uma mão surgiu das trevas, agarrando o meu pescoço e me erguendo no ar. Então, eu o vi.
Em meio às trevas, o monstro surgiu, aos poucos, bem na minha frente.
Aquilo parecia uma pessoa, mas, tenho certeza de que não era. O corpo era musculoso, porém, esguio. Ele devia ter quase dois metros de altura. A pele era negra como carvão, sem brilho algum. Sua cabeça era um oval, lisa. O monstro não tinha cabelo, nem orelhas, nem nariz. Os olhos dele eram apenas círculos brancos que brilhavam intensamente. A boca era apenas um buraco largo e assimétrico na cabeça do monstro. Os dentes, contorcidos em um sorriso macabro, eram quadrados irregulares também feitos do que me parecia ser carvão.
A mão dele continuava a apertar o meu pescoço. Cheguei a pensar que ele o monstro o quebraria. Porém, enquanto o meu ar acaba e minha visão se embaçava, percebi que a criatura tinha optado por uma maneira mais lenta de me matar.
Foi aí que eu ouvi o som de algo se quebrando. Foram as lâmpadas do teto.
Em um instante, o monstro desapareceu. Eu caí de joelhos no chão. Eu respirava desesperadamente para recuperar o ar. Levei minha mão esquerda ao meu pescoço. Eu o sentia latejar. Por pouco, eu não havia morrido.
Envolto pela escuridão, e agora sem um monstro tentando me matar com um sorriso no rosto, eu vi de volta ao breu.
Porém, no mesmo instante em que eu havia pensado nisso, uma pequena luz brilhou, poucos metros a minha frente.
Lentamente, quase me arrastando, eu fui até o que eu tinha certeza que era mais uma mensagem do demônio.
Ao chegar lá, vi que eu estava certo. Agora, havia uma porta bem na minha frente com uma carta pregada nela.
“Você devia ter visto a sua cara! Hahahaha!”.
Ótimo. O Demônio estava tirando sarro de mim.
De repente, algo passou pela fresta da porta. Aos meus pés, estava mais uma carta luminescente. Nela, nada havia além de uma foto minha. O pavor estava estampado em meu rosto. O suor escorria pela minha face. Minha cara se contorcia de dor enquanto eu era estrangulado por uma mão negra como carvão.
Enquanto eu sentia o meu corpo tremer, outra carta passou por debaixo da porta.
“Hahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahaha!”
Isso estava escrita em letras exageradamente grandes. Claramente, o demônio estava gostando de ver o meu sofrimento.
Eu amassei a última carta e a joguei para trás. Rapidamente, tentei girar a maçaneta da porta. O ato fora em vão. Ela estava trancada. Furiosamente, comecei a bater na porta. Outra ação minha em vão. Quando percebi, minhas mãos estavam rubras, a ponto de começarem a sangrar.
Eu respirei fundo, exalando lentamente, tentando me acalmar. Repeti o ato algumas vezes.
Quando eu consegui voltar a pensar, ouvi o som de outra carta passando por debaixo da porta.
“Agora que você está mais calminho, eu vou abrir a porta. Quando você entrar nessa sala, procura a lâmpada. Não é difícil, viu?”.
Resolvi manter aquilo em mente. Após eu ouvir o som da porta se destrancando pelo lado de dentro, eu girei a maçaneta. A porta se abriu.
Mais trevas estavam a minha frente. Eu já estava me acostumando com aquilo. Por isso, não hesitei ao entrar na sala.
Não havia nada de especial lá. O ambiente era ligeiramente mais frio e úmido. Porém, eu ainda tinha em mente o que o demônio me contou na última carta.
Após dois passos dados para frente, eu senti que eu havia batido a cabeça em algo. Calmamente, eu envolvi aquilo com minha mão direita. O objeto era leve, frio e longo: uma pequena corda de metal.
A lâmpada. Aquilo deveria acender-la. Com isso em mente, puxei a corrente.
O ambiente a minha volta era desconcertante. O chão e o teto eram cinzentos. As paredes eram de pedra, também cinzas. Nelas, entretanto, estava o motivo de minha inquietação.
Palavras em algum idioma estranho estavam escritas nessas paredes. Alguém as havia escrito com várias cores diferentes. Todas as letras haviam sido escritas de um jeito preguiçoso, arrastado. Além disso, haviam algumas marcas de unhas nas superfícies rochosas.
Foi então que eu ouvi um estrondo como o de um trovão novamente. Eu não precisava me virar para saber que a porta atrás de mim havia se fechado.
Calmamente, eu me voltei para trás. Olhei para a porta que, agora, percebi ser de metal. Nela, havia uma carta branca que brilhava, bem como, perturbadoramente, mais marcas de unhas.
“Resolvi te contar como a história termina! Então, lembra que a mãe falou que não ia matar o filho? Então... Hahahahaha! Ela resolveu trancar o moleque neste quarto! Ela fazia isso sempre que ela sentia vontade! Haha! Só que tem um problema! Um dia, ela teve que sair de casa! Não me lembro o que ela foi comprar...mas isso não importa! O que importa é que ela acabou sendo atropelada! Haha!”.
O desfecho da história é, no mínimo, inquietante.
“E o moleque? Ele acabou ficando preso nesse quarto! Sem nada pra comer ou beber! Só foram achar o corpo dele muito tempo depois! No tempo que ele ficou aqui, ele tentou escapar cavando com as próprias mãos! Que idiota! Mas não antes de ele escrever com os gizes de cor nas paredes! Sabe o que elas dizem? É claro que não! Mas não se preocupe! Eu traduzo!”.
Abismado, eu li:
“Eu prometo que vou me comportar, mamãe! Deixe-me sair, por favor!”.
Para finalizar, eu tremi enquanto lia o fim da carta.
“E foi exatamente isso o que você estava ouvindo o fantasma do menino gritar esse tempo todo! Haha!”.
Eu gostaria de dizer que eu estava paralisado de medo, mas a verdade era que eu estava tremendo como nunca antes.
Eu tentei respirar fundo. Eu tinha que me acalmar. Mas eu não consegui. Mais uma vez, eu ouvi a voz. Desta vez, ainda mais próxima e, também, eu pude entender o que ela disse:

Eu prometo que vou me comportar, mamãe! Deixe-me sair, por favor! O menino fez uma breve pausa e, então, disse algo novo enquanto senti algo gelado tocando a parte de trás de minha perna esquerda. Que bom que eu não estou sozinho agora...

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