quinta-feira, 30 de julho de 2015

Esboço 4

O mundo mudou.
Claro que parte da culpa é nossa. Porém, os principais responsáveis foram vocês, humanos.
Talvez você não acredite, mas essa é a verdade.
Nossa raça interviu no mundo de vocês? Sim. Porém, essa era uma intervenção necessária.
A Grande Guerra havia chego ao fim. Se não fossem por nós, outras viriam e vocês a chamariam de Guerras Mundiais.
Ver esse belo planeta ser transformado num lugar onde poucos têm muito e muitos têm pouco era triste. Ver espécies animais e vegetais desaparecendo da face da terra era trágico. Ver tudo que vocês criavam ser usados para guerra e disseminar o ódio era inaceitável.
Nós tivemos que agir.
Queríamos alterar a sua realidade. Daríamos a vocês parte da nossa dádiva. Veríamos se a sua raça merecia ser salva.
Mas nada parece dar certo com vocês, não?
Mais guerras viriam. Mais morte viria. E isso seria culpa nossa, mais especificamente, da nossa dádiva.
Vocês, humanos, conseguiram achar um jeito de transformar a nossa bênção em uma maldição.
Super heróis e super vilões vocês os chamaram. E uma maneira de explorar tais poderes vocês encontrariam.
Nesse novo século, nessa nova era, o mundo só conseguia pensar nesses super humanos.
Haviam aqueles que os idolatravam. Haviam aqueles que os temiam.
Assim, estudos foram feitos. Cobaias foram usadas. Poderes foram explorados. E as guerras continuaram.
Sinceramente, vocês conseguiram destruir o mundo ainda mais. Pelo menos, o mundo que vocês construíram.
Com isso, algo tornou-se muito nítido: vocês, humanos, não sabem conviver com diferenças.
Com ou sem super poderes, vocês poderiam ser bem desprezíveis.
Porém, eu devo admitir, vocês são bem interessantes.
Observar vocês teve um grande valor intelectual. Mas, droga, também foi bem divertido.
Das várias personagens que eu acompanhei, cinco se destacam.
Um homem severo, porém, sábio. Sem deixar se levar por suas emoções, ele conseguia entender como esse mundo funcionava.
Uma mulher que encarou a pior face da humanidade e sobreviveu. Cicatrizes a marcaram pelo resto da vida, mas ela também aprendeu a deixar cicatrizes nos outros.
Um super humano que ainda tinha fé na humanidade. Lutou por ela a fim de conseguir sua aprovação. Entretanto, ele teria que enfrentar oponentes que ele não gostaria.
Uma super humana criada para lutar. Ela seguiu ordens, sem questionar, matando quem deveria. Porém, não seria possível controlá-la por muito tempo.
 Um jovem que questionou o mundo. Ele não sabia dizer se seus poderes eram uma bênção ou uma maldição. Sozinho em um mundo frio, o garoto foi atrás de esclarecimento.
Os caminhos desses cinco se cruzaram. Várias vezes. E é exatamente por isso que contar sobre eles será tão divertido para mim.
Quanto ao meu povo, não pretendo falar muito. Afinal nós não somos os protagonistas dessa peça. Vocês que são.
Porém, uma coisa eu devo dizer. A minha raça intervirá na raça humana novamente, talvez em outro período, em outra dimensão. Veremos o que acontecerá com essas outras Terras.
Por ora, tenho uma história a contar.

Por onde eu começo...?
Ah, já sei...

terça-feira, 28 de julho de 2015

Nightmareland, Capítulo 12

O Coveiro


Naquele momento, eu não sabia dizer exatamente onde estávamos.
Andando lentamente por aquele lugar sem vida, juntamente com o velho homem montado em seu cavalo, eu sentia como se eu estivesse em algum cenário de faroeste. Com umas poucas e óbvias diferenças, é claro. Afinal, eu preferia ver o sol naquele momento, não importando o quão escaldante ele estivesse. E, é claro, não apareceriam bandidos armados com revólveres e usando chapéus de couro. Algo muito pior apareceria. E eu não tinha como saber ou ver.
Eu poderia xingar a névoa daquele lugar, bem como o maldito frio, mas do que isso adiantaria? Nada.
O velho montado no cavalo não havia dito uma palavra desde que eu comecei a acompanhá-lo. Pensei em tentar puxar algum assunto com ele, mas julguei que talvez aquela não fosse uma ideia muito boa. Quando eu estava prestes a abrir a minha boca, senti algo estranho.
Eu não tenho certeza, mas acredito que o velho tenha me fitado por uma fração de segundos, discretamente, por cima do ombro esquerdo. O ar pareceu ficar mais pesado a minha volta naquele breve instante. Um súbito mal estar me atingiu. Algumas imagens sem nexo, todas em preto e branco, surgiram em minha mente.
E foi assim que eu desisti de falar com o velho. Além disso, fiquei com uma leve dor de cabeça.
Porém, aquilo logo passou. Afinal, eu estava em Nightmareland e os humanos se recuperavam mais rápido de, pelo visto, qualquer coisa.
Dores de cabeça não eram nada. Para quem podia se recuperar de ferimentos graves e recuperar toda a energia para voltar a correr em instantes, algo banal como aquilo não era nada.
Acabei pensando em Eric Fields novamente. Afinal, havia sido ele quem havia me ensinado sobre esse, digamos, super poder nosso.
Virar as costas para ele não havia sido algo tão fácil quanto pôde ter parecido. Eu queria ter podido confiar nele. Ficar vagando naquele lugar sozinho não era o que eu desejava.
Agora, porém, eu não estava mais sozinho.
Lá estava eu, andando pelo desconhecido, junto de alguém que eu nem sabia se era humano e que não falava nada sobre si.
Eu comecei a pensar mais a fundo sobre o tal “coveiro”. Aliás, comecei a pensar a fundo sobre a Cidade da Névoa.
Seria o lugar um local povoado por pessoas como eu? Pessoas que foram presas nesse lugar por aquele demônio sádico e, que ao invés de tentarem fugir, resolveram tentar sobreviver aqui? Ou, então, seria uma cidade de monstros? E, se sim, qual seria a relação daquele velho com o lugar? Se ele fosse um monstro, por que ele não me matou ainda? Por que eu não sentia que ele me atacaria? Por que eu tinha a impressão que ele estava ali para me ajudar?
Eu estava tão perdido em pensamentos sem sentido que quase não percebi aquilo.
O problema não era o que eu ouvia. E, sim, exatamente o que eu não ouvia.
Sons distantes de passos. Rugidos e grunhidos que pareciam se aproximar a cada segundo. Suspiros que vinham até os meus ouvidos. Nada disso vinha até mim.
Desde que eu havia começado a acompanhar aquele velho, a ameaça de Nightmareland parecia haver, de certa forma, acabado. Eu simplesmente tinha o pressentimento que nada surgiria para me atacar.
Talvez o velho tivesse assustando os monstros com aquele olhar dele. Era uma possibilidade que eu não descartaria tão cedo.
Podemos parar por aqui. O velho disse repentinamente.
O cavalo parou de andar. Eu parei logo em seguida.
Rapidamente, olhei em volta. Eu conseguia ver apenas a maldita neblina.
Algo de errado? O coveiro perguntou sem muita emoção.
Não há nada aqui. Eu respondi decepcionado. Eu esperava...
Ver mais alguém?
Bem... Sim.
Entendo... Ele fez uma breve pausa. Essa não deveria ser a sua maior preocupação, garoto. Pelo menos, não em Nightmareland.
Eu me mantive em silêncio, apenas olhando para o homem montado no cavalo. Eu sabia que ele continuaria falando.
O coveiro desviou o olhar de mim, olhando para o horizonte coberto de neblina. Ele respirou fundo antes de dizer:
Você já passou por muita coisa até vir aqui, não é?
Coisa até demais... Respondi.
Mas, mesmo assim, você está vivo. Ele olhou diretamente para mim. Você sabe que nem todos têm essa sorte, não é?
Eu queria responder que sim, mas não consegui.
Eu me pergunto se isso o que eu tenho é realmente sorte. Falei.
Como assim? O velho perguntou.
A morte... Murmurei. Ela quase me parece uma salvação. Já vi um homem, condenado a esse lugar terrível, morrer. Também vi uma mulher sofrer o mesmo destino, mesmo que por meio de uma...bem...visão.
A morte deles foi terrível, tenho certeza.
Sim... Mas o sofrimento deles acabou agora.
Você que acha...
Eu inclinei minha cabeça levemente ara a esquerda enquanto eu o encarava. O velho desviou o olhar, voltando seus olhos em direção ao horizonte coberto pela névoa.
Foi aí que eu tive certeza.
O coveiro sabia de muita coisa. Como? Isso eu não sabia. Mas era o que eu estava prestes a descobrir. E, também, descobriria o que mais ele sabia.
Tem muita coisa em Nightmareland que você não conhece. O coveiro disse, ainda olhando para o nada. E é melhor que continue assim... Ele olhou rapidamente para mim. A não ser que você esteja preparado para ouvir coisas que você não gostaria de saber.
O jeito que ele disse aquilo me deixou um pouco apreensivo.
Mas, droga, eu tinha que saber.
Fale. Eu pedi, quase como se eu tivesse dado uma ordem. Eu tenho que saber.
Com um sorriso amarelo, o coveiro murmurou:
  Certo... Ele bufou. Por onde devo começar?
Sobre o que acontece com quem morre aqui. Você deu a entender que eles ainda sofrem, mesmo apesar de não estarem vivos. Fiz uma breve pausa. Eles...são atormentados por algo?
Sim. Disso você pode ter certeza. Ele exibiu um sorriso pavoroso. Afinal, estamos num lugar pior que o inferno, não é mesmo?
Um calafrio me percorreu a espinha. Aquele velho não era normal. Isso era certo. Mas ele também não mentia. Isso era a minha outra certeza.
Apesar de um pouco hesitante, perguntei:
E como, exatamente, eles sofrem?
Eles são atormentados por suas maiores frustrações. O velho segurou seu riso. Noite e dia, os pobrezinhos vivem vendo o rosto daqueles que os traíram e dos sonhos que escaparam por entre seus dedos. O ódio e o desespero corroem suas almas pouco a pouco. Em pouco tempo, pouco sobra de sua humanidade. O desejo de matar e causar dor se torna maior do que qualquer coisa que eles já sentiram em vida. Sua aparência se torna tão doentia quanto sua falta de compaixão.
Eu permaneci em silêncio por alguns instantes, boquiaberto, pensando.
Só havia uma conclusão a qual eu poderia chegar. E era essa mesma que eu tentava negar.
Não pude deixar de pensar em Eric Fields e sua suposta amada.
Aqueles que morrem aqui...se transformam em monstros?
Sim. O coveiro sorriu. Sem exceção. Ele fez uma breve pausa. Só espero que você não tenha feito, e nem vá fazer, algo para provocar a ira de algum humano preso em Nightmareland. Afinal...essa pessoa virá atrás de você...
Não... Eu murmurei. Eric...
Eric, hein? Ele riu. Esse é o nome daquele que vai te matar?
Como ele faria isso!?
Como ele vai te matar? Ora... Tem vários jeitos... E isso vai depender muito do monstro que ele se tornou...
Não isso!
Então o quê?
Como ele vai vir atrás de mim!?
Ah... Essa é uma boa pergunta. Ele fez uma breve pausa. Mas não se preocupe. Ele vai dar um jeito. A vontade de ele se vingar o guiará.
Pensei rapidamente sobre Fields e o mostro que veio atrás dele. Aparentemente, ele já fugia dela há muito tempo. Mas a mulher sempre o achava.
Eles querem...vingança... Balbuciei. Como? Achei que a humanidade deles havia se extinguido... Como eles poderiam se lembrar de alguém que os condenou?
Eu disse que pouca sobra da humanidade deles. Preste mais atenção da próxima. Ele coçou a barba e olhou para mim. Ele riu. O medo nos meus olhos deveria ser engraçado para ele. Enfim... A humanidade deles também serve para outra coisa...
E...o que seria?
Para sofrer. O coveiro sorriu. Afinal, nem todas as pessoas que eles perseguem e matam é por vingança. Os pobrezinhos não têm controle da maioria delas. Mas se sentem culpados por elas. Se pudessem, chorariam, talvez até tentassem se matar. Mas não podem. Não podem fazer nada...anão ser assistir a matança feita por eles.
Eu fiquei em silêncio. Tudo aquilo era muita informação de uma vez. Pensar que eu poderia sofrer uma morte dolorosa e, ainda por cima, sofrer pelo resto da eternidade sem poder fazer nada...
Mas eu não morreria. Fraquejar não era uma opção.
Eu tinha que ser forte para sair de lá. Custe o que custar.
Mas, antes, eu tinha uma pergunta a fazer:
Se os monstros foram criados, mesmo que sem a intenção, por outros monstros... Então devem haver monstros originais daqui, certo?
O velho sorriu, exibindo dentes que mais pareciam presas agora, e respondeu:
Sim. Demônios, como aquele que criou Nightmareland e que se diverte ao ver você, e os outros humanos, sofrer aqui. Porém, nós somos muito mais poderosos do que qualquer monstro que tenha tentado te atacar.
Sua voz foi se tornando mais grave e profunda a cada palavra que ele dizia.
Inutilmente, eu comecei a andar, de costas, para trás, distanciando-me do coveiro.
Com uma risada maníaca, seu corpo começou a mudar de forma, fundindo-se com a de sua montaria em uma massa arroxeada e escura.
A risada continuava. O chão começava a tremer.
Sem equilíbrio, acabei caindo para trás, diretamente para dentro de um buraco.
Minhas costas bateram no chão de terra. Eu deixei um leve grito de dor escapar.
Eu havia caído mais de cinco metros e não sabia. Afinal, com toda aquela neblina, eu não tinha como saber que eu estava em uma cova aberta.
Eu olhei para cima, desesperado.
Por entre o nevoeiro cinzento, tudo o que eu podia ver eram os olhos vermelhos daquele demônio.
Sabe o que seria engraçado para mim e aterrorizante para você agora? Ele perguntou com sua voz profunda.
Ele não me deu tempo para responder.
Eu não podia ver, mas podia ouvi-lo mexendo sua pá, de um lado para o outro, como se brincasse com o instrumento.

Em um instante, ele começou a rir incontrolavelmente enquanto jogava, lentamente, punhados e mais punhados de terra para dentro da cova.

domingo, 26 de julho de 2015

Capítulo 32

Murderers
Assassinos

“Sete então, hein?”.
Havia agora sete seguidores das Trevas em plena cidade de Leviathan antes que a noite chegasse. Em um instante, nobres e clérigos começaram a correr para longe. Dezenas de guardas sacaram suas armas. Astaroth e Gabriel estavam surpresos. Tristan estava aparentemente calmo.
“Muito bem...”.
Vamos tentar entender o que está acontecendo aqui, certo? Tristan disse em alto e bom som para que todos que estavam presentes pudessem ouvir.
Vocês estão tentando atacar a nossa cidade por dentro! Um guarda protestou. Eles estão aproveitando este momento! Estávamos com a guarda baixa por vocês estarem acompanhados de Gabriel! Isso é o que está acontecendo!
Murmúrios começaram entre os guardas. Em poucos instantes, eles formaram um círculo em volta dos seres das Trevas.
Vocês não têm como fugir! Um guerreiro que carregava uma espada e um escudo gritou.
Por favor, acalmem-se. Tristan pediu.
Não! Outro guarda gritou. Ele carregava um arco em uma mão e a outra estava em sua aljava. Vocês fiquem quietos! Vocês serão julgados pela tentativa de ataque a nossa cidade!
Julgados...? Astaroth perguntou sussurrando para Tristan.
Eles acham que estamos atacando eles. Tristan explicou. E que seremos julgados por isso. Eles avaliarão todos os fatores envolvidos no caso e nos punirão adequadamente...pelo menos, da maneira que eles acreditam ser justa.
Certo... Astaroth parecia pensativo. Por que complicar tanto? Eles poderiam matar logo ou prender a pessoa se há algum interesse em manter-la viva, nem que seja só pra torturar ela. Sabe? Do jeito que a gente faz.
A abordagem deles é diferente. Tristan bufou. A maioria das pessoas aprova essa maneira de agir. Esse é só mais um dos motivos pelos quais mais e mais pessoas se juntam as forças da Luz.
Sério? Astaroth parecia legitimamente surpreso. Não acredito. Quanta gente chata.
Tristan sorriu.
Vocês! O guarda já apontava a flecha para o Demônio e o guerreiro das Trevas. Parem de conversar?
Caso contrário? Astaroth exibiu os dentes em um sorriso largo e desafiador. O que você vai fazer?
 O guarda não respondeu com palavras. Ele apenas disparou a flecha na direção do rosto de Astaroth. A um centímetro para chegar ao rosto do Demônio, o projétil foi parado. Tristan havia agarrado a flecha. O guerreiro das Trevas encarou o arqueiro. Tristan apertou a flecha com sua mão, partindo-a no meio.
Você sabia que eu faria isso, não? O guerreiro das Trevas perguntou para o Demônio.
Claro que sabia! Astaroth sorriu. Você não perderia uma chance dessas para se exibir, não é?
Bem...é. Tristan sorriu. Mas não conte tanto assim com o meu bom humor, certo?
Vou tentar lembrar na próxima vez.
O som de mais cordas de arcos sendo esticadas simultaneamente fez com que o sorriso sumisse do rosto dos dois amigos.
Gabriel? Tristan chamou.
Sim? Ele respondeu desinteressado.
Você poderia mandar os seus homens não nos atacarem violentamente sem que averiguemos essa situação?
Há algo para averiguar?
Você realmente acha que nós planejamos esse ataque?
Vocês planejaram?
Não.
Ótimo. O guerreiro da Luz sorriu. Então prove.
Como?
Não sei. Até onde eu sei, esses ai são assassinos. Ele apontou para as sete pessoas vestidas com trajes pretos. E, aparentemente, seguidores das Trevas. Logo, são seus aliados. Sendo que estamos sob uma trégua, bem...um ataque desses seria no mínimo inapropriado. Mas, devo admitir, nem tão inesperado assim. Até que foi uma tentativa...ruim de nos atacar. Não chega a ser péssima, mas está longe de qualquer forma de sucesso. Vocês estão muito longe de Leviathan onde estão no momento. Vocês conseguirão, no máximo, matar algumas dezenas de nobres e alguns guardas. Acho que não mais que isso.
Astaroth grunhiu.
Algum problema, Demônio? Gabriel perguntou.
Dois, na verdade. Astaroth disse. Primeiro, eu não achava que você fosse burro a ponto de acreditar que nós fossemos burros a ponto de tentar atacar vocês de maneira tão...burra. E, segundo...algumas dezenas de nobres e alguns guardas? Sério!? Você realmente acha que nós conseguiríamos causar tão pouco estrago. Ele riu. Se eu e Tristan, sem a ajuda daqueles sete, atacássemos vocês...bem, vocês não gostariam nem um pouco do resultado. Principalmente você, brinquedinho do Lorde da Luz. Você estaria no chão, boiando em uma poça do seu próprio sangue, com seu rosto...
Astaroth! Tristan interrompeu. Pare. Você só está piorando a nossa situação.
O Demônio pensou por um segundo.
É...acho que você está certo. Astaroth sorriu maniacamente. Mas eu também estou certo quanto a...
Cale-se.
Certo...
Então...tem como provar? Gabriel perguntou impacientemente. Em algum momento, ele havia invocado sua espada e agora balançava a arma de um lado para o outro.
Tristan respirou fundo e cerrou os punhos.
Segure seus homens por alguns instantes. Tristan disse firmemente. Logo, você terá a sua resposta.
O guerreiro da Luz sorriu.
Ótimo. Gabriel fez com que sua espada desaparecesse. Boa sorte, Escolhido de Nidhogg.
O escolhido de Leviathan levantou sua mão direita. Todos os guardas abaixaram suas armas e guardaram suas flechas.
“Ótima maneira de se exibir”.
Tristan andou até os sete assassinos. Os capuzes pretos cobriam os rostos deles.
Senhor Tristan! Um dos assassinos exclamou. Essa é uma ótima oportunidade para semear o medo nos corações dos moradores da capital da Luz, não acha?
Eu nem sei quem são vocês. Tristan respondeu friamente.
Mas é claro que não! Uma assassina disse animada. Quem somos nós, não é? Somos apenas meros assassinos. Meros seguidores das Trevas. Nós somos insignificantes comparados aos Demônios e, principalmente, a você.
É provável que nossas mortes nem sejam notadas. Um assassino de voz grave acrescentou. Somos apenas pessoas que perderam tudo na vida...ou que nunca tiveram nada.
Sim, é verdade. Um quarto assassino afirmou. Muitos de nós nem temos mais parentes vivos e, os que têm, não são muito chegados a eles. Tios e avós que não cuidaram de nós quando precisamos. Não há amor deles por nós. Não há amor nosso por eles. Ele respirou fundo. Como poderíamos sentir amor por pessoas que nos abandonaram?
Não nos sobrou muita alternativa. Outra assassina acrescentou. Sem lugar para onde ir, sem ninguém que confiávamos a clamar por ajuda... Ela olhou para baixo por um segundo. Nós fomos forçados a nos tornar ladrões.
Nós estamos nessa vida há muito tempo. Uma terceira assassina disse. E esse mundo...é cruel. Mesmo sendo ladrões...nós não conseguíamos sobreviver. Não queríamos nos tornar assassinos. Não queríamos chegar a esse ponto. Eu sei que vocês, moradores da cidade de Leviathan, são trabalhadores honestos. Nós sabemos que vocês nos condenam por sermos assassinos, mas...não havia outra alternativa.
  Certo dia, um homem veio até nós. O último assassino, aquele que matou a nobre há pouco, contou. Ele parecia ser o líder do bando. Nós morávamos em uma cidade...simplesmente detestável. Labasura. Uma cidade nojenta no oeste de Lionrealm. Era, originalmente, uma pequena vila de pescadores onde muitos ladrões se refugiavam. Porém, com o passar dos anos, a população dos que pescavam peixes se tornou muito menor do que a que pescava moedas em bolsos. E, como se pode imaginar, os ladrões que conseguiam muito dinheiro não pensavam muito em sua comunidade. Era o único lugar que poderíamos viver. Mesmo não sendo muito seguro...não tínhamos como reclamar. Ele respirou fundo. Uma das assassinas andou até o seu lado e sussurrou algo. Ele sorriu. Desculpem-me. Acabei desviando do assunto principal. O homem que veio nos visitar. Ele limpou a garganta. Um dia, um homem trajando uma armadura negra e lustrosa apareceu na vila. Ele nem parecia real. Ele...
Ele era lindo. Uma das assassinas acrescentou.
Bem...é. Devo admitir. Ele era bem bonito. O assassino sorriu. Em seguida, ele olhou para o corpo da mulher que ele havia matado. Ele...nos acolheu. Aliás, as Trevas nos acolheram. Ele nos contou sobre Dragonrealm, sobre Nidhogg. Ele nos deu algo em que pudéssemos acreditar. As Trevas...bem, elas podem ser mal vistas nessa cidade, mas com certeza são mais bem vistas que os deuses pagãos em que os outros moradores de Labasura acreditavam.
Não viemos clamar por piedade. O primeiro assassino tornou a falar. Nós apenas queríamos que vocês vissem o nosso lado. Queríamos que vocês soubessem dos nossos motivos. Nós vamos seguir o nosso plano. Nós vamos atacar essa cidade. Nós morreremos acreditando em nosso ideal! Ele andou até Tristan e pousou sua mão esquerda no ombro direito do guerreiro das Trevas. E nós faremos isso juntos, não é?
Afinal, não acho que você queira contrariar Nidhogg. Uma das assassinas disse sorrindo. Eu sei que não houve nenhum aviso prévio, mas o Lorde das Trevas nos mandou aqui. Nós vamos lutar ao seu lado. Nós vamos causar o máximo de estrago possível a esta cidade nojenta.
  Nidhogg queria que aproveitássemos essa oportunidade. O aparente líder do grupo sorriu. Você não vê? Nós não nos importamos de morrer aqui para que nosso ideal seja cumprido! Você e esse Demônio podem fugir daqui quando acharem apropriado, mas nós ficaremos. Nosso sangue manchará o solo deste local juntamente com o deles!
Morrer por um ideal... O guerreiro das Trevas murmurou.

Rapidamente, Tristan invocou sua espada e a cravou no peito do assassino a sua frente.

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Godsbane, Capítulo 4

Blackstone


Na manhã do dia seguinte, centenas de guerreiros, todos usando armaduras cinza escuras idênticas, podiam ser vistos marchando por toda uma cidade.
Blackstone era o nome do lugar. Uma das maiores cidades das Terras Cinzentas. A cidade ficou famosa por seus depósitos de gigantita, um mineral mais resistente e pesado do que as rochas normais, que, comparado a metais, era muito mais rentável. Construir muralhas com elas foi o que colocou Blackstone no mapa do mundo.
Entretanto, grande parte da população era mais humilde, com muitos homens e mulheres trabalhando nas pedreiras locais. Isso somado a localização de Blackstone, no extremo nordeste da região, contribuíram para certa alienação com o resto do mundo.
Então, apesar da guerra que parecia não ter fim, os cidadãos de Blackstone tinham um envolvimento mínimo com o resto das Terras Cinzentas. Assim, eram poucos aqueles que se preparavam para lutas, ainda mais por que a paz era quase absoluta no local.
Isso desmotivava o soberano das Terras Cinzentas a recrutar guerreiros em Blackstone.
Porém, graças ao seu conselheiro, o rei tomou uma iniciativa diferente.
Soldados iriam visitar a cidade. Uma demonstração de poder que encorajaria jovens a se juntar ao exército, era o que ele esperava. Afinal, não deveriam ser todos que gostariam de trabalhar numa pedreira pelo resto da vida.
Aquela agitação prendeu a atenção de todos da cidade. Homens e mulheres mais simples pareciam achar que aquilo era uma miragem. Os idosos se lembravam de uma época distante em que soldados do exército vinham até lá. Os olhos das crianças brilhavam, acreditando que eles eram como os heróis dos contos dos pais e avós. Até os cidadãos ricos, aqueles que controlavam as pedreiras, pareciam impressionados com as lustrosas armaduras dos guerreiros da capital.
Da multidão de pessoas que havia se reunido ali, uma se sobressaiu. Correndo, por meio do povo de Blackstone, ela chegou até a frente da tropa do exército. Mais especificamente, na frente de seu general.
A menina de nove anos olhou, boquiaberta, para o guerreiro de quase um metro e noventa de altura.
Sua monstruosa armadura era impressionante e, sem dúvida, pesada. Feita de aço negro, ela brilhava sob a luz do sol da manhã. Sua longa capa vermelha de seda chegava a centímetros do chão. Seu elmo, cujos chifres laterais poderiam muito bem servir como armas, cobria completamente seu rosto.
Em cada lado da cintura, ele carregava uma arma. Do lado esquerdo havia uma espada negra com lâmina curvada. Inscrições vermelhas podiam ser vistas em toda a sua extensão de pouco mais de um metro.  Do lado direito, no entanto, havia uma arma de fogo. Uma escopeta, da mesma cor e comprimento da espada.
A multidão começou a cochichar algo sobre a menina. O exército manteve-se em silêncio.
O general se ajoelhou, bem a frente da garotinha, olhando-a calmamente.
Os belos olhos verdes da menina pareciam brilhar. Isso, em conjunto com a pele alva, a faziam parecer descendente de algum nobre ou, mais provavelmente, filha de um dono de uma pedreira local.
Entretanto, suas roupas diziam o contrário. Descalça, com um vestido amarelo esfarrapado, a garota parecia não ter uma vida muito boa. Isso ficava evidenciado pelos arranhões nas pernas e o cabelo castanho desgrenhado, além das manchas negras de sujeira nas mãos e pés.
Calmamente, o general removeu seu elmo.
Com o capacete em suas mãos, ele sorriu, exibindo seu belo sorriso branco.
Seu rosto inspirava confiança. Os cabelos, começando a se tornar grisalhos, mostravam sua experiência. Seus olhos cinza eram determinados. O rosto de pele clara, apesar de algumas leves rugas, era praticamente perfeito, sem nenhuma cicatriz.
Com sua voz firme, o general perguntou:
Qual o seu nome, garotinha?
Anna! Ela respondeu, exibindo um sorriso com um canino faltando. Anna Strauss! E o senhor?
Eu me chamo Alexander Blackburn. Sou o general desse exército. Ele sorriu. Por falar nisso, o que você achou dele? Gostou do meu exército?
Sim! Ela respondeu tão avidamente quanto da primeira vez. Meu irmão fala toda hora de ser um guerreiro como vocês.
É mesmo?
É!
E onde ele está?
Ele... A garotinha parou de falar. Rapidamente ele olhou para os dois lados. Bem...ele...
Anna! Alguém gritou do meio da multidão.
Uma pequena começou no meio da multidão. Rapidamente, um jovem saiu de lá.
Mano! A garota gritou.
O jovem veio correndo até a irmã.
Anna! O garoto, com roupas simples e esfarrapadas, gritou. Em seguida, ele parou, com as mãos pousadas nos joelhos, ofegando. Eu já disse pra você não se afastar assim no meio do nada...
Mas olha! A garota apontou para o general. Os guerreiros de quem você tanto fala! Eu queria vê-los de perto...
O jovem ia falar alguma coisa, mas então percebeu que Alexander o olhava com um sorriso no rosto.
Blackburn tinha um olho bom para descobrir talentos. O garoto a frente dele, que tinha os mesmos olhos verdes da irmã, tinha um olhar determinado. Com certeza, ele já devia ter sofrido mais do que admitiria. Vendo as roupas, cicatrizes e manchas de sujeira pelo corpo dele, Alexander tinha certeza disso.
Entretanto, o físico do garoto também chamava sua atenção. Apesar de magro, ele era forte. Provavelmente ele tinha que trabalhar para sustentar a si mesmo e sua irmã. Afinal, Alexander já presumia o pior sobre os pais dos dois. Além disso, o jovem também era alto, com quase um metro e oitenta de altura.
Qual o seu nome, garoto? Blackburn perguntou.
Ah... O jovem limpou a garganta. Frederick. Frederick Strauss.
E sua idade?
Quinze.
Você gostaria de lutar no meu exército?
Frederick ficou boquiaberto, sem conseguir dizer nada, não conseguindo acreditar no que tinha ouvido.
Alexander sorriu e perguntou:
Gostaria que eu repetisse a pergunta?
Ah... Frederick parecia ter despertado de um transe. Eu? Me juntar a vocês?
Claro! É por isso que viemos até aqui. Blackburn olhou rapidamente para o resto do povo que estava prestando atenção nele. Calmamente, o guerreiro se levantou. isso vale para todos os demais! Quem quiser se unir ao exército das Terras Cinzentas, venha comigo! Aceitaremos qualquer um que esteja disposto a lutar e, é claro, aprender a lutar! Ele fez uma breve pausa e percebeu que todos ouviam atentamente, sem dizer uma palavra sequer. A todos aqueles que querem lutar por algo maior do si, venham! Um dia, vocês podem estar ao meu lado! Um dia, vocês podem ser como eles!
 Alexander apontou para sua tropa. No mesmo instante, todos, simultaneamente, responderam com uma saudação, como um coro, junto com uma batida de pé no chão, causando um estrondo.
Enquanto todos olhavam embasbacados para os soldados, Blackburn voltou-se para Frederick, colocando uma mão no ombro do garoto e a outra no topo da cabeça de Anna, e disse:
Você, em especial, pode ser muito útil no exército. Vejo o fogo nos seus olhos. Sei que você será um ótimo guerreiro. Ele fez uma breve pausa. Além disso, vocês teriam um lugar melhor para dormir, além de comida garantida.
Frederick olhou, com os olhos brilhando, para o General.
Sei que a situação aqui é difícil para vocês. Alexander continuou. Crescer sem os pais é um destino duro demais para qualquer jovem. Ele suspirou. Eu sei bem disso...
O jovem estava tentado a dizer sim, porém, ele hesitou e olhou preocupado para Anna. Sua irmãzinha estava junto de sua perna, ouvindo atentamente a conversa.
A garota percebeu que seu irmão olhava para ela e, então sorriu. Frederick retribuiu o gesto.
Ele não podia deixá-la sozinha em Blackstone. Não havia como. E, também, ele não queria ficar longe dela. O sorriso de sua irmãzinha era o que lhe dava forças para trabalhar todos os dias e aguentar todo aquele sofrimento.
Ela pode vir com você. Disse Alexander.
Antes que o jovem pudesse dizer qualquer coisa, o general continuou:
Eu sei que você pensa nela como sua irmãzinha frágil, mas, com o tempo, ela irá crescer. É claro que a maioria dos soldados são homens, mas as mulheres não ficam para trás em dedicação nos treinamentos e destreza nas lutas. Temos muitas oficiais no nosso exército também. Ele olhou rapidamente para a menina e, então, voltou a olhar para Frederick. Além disso, você pode ficar perto dela assim. Você ainda a continuaria protegendo.
O jovem olhou para sua irmã. Ele a abraçou a sussurrou algo em seu ouvido.
Em seguida, Frederick olhou determinado para Alexander.
O general sorriu. Ele sabia que o jovem se juntaria a ele. Então, Alexander perguntou:
Vocês vão se juntar ao Exército das Terras Cinzentas?
Frederick sorriu. A resposta seria “sim”.
Porém, ele não respondeu.
Existem outras opções, sabia? Alguém disse.
Um homem interveio na conversa. De repente, até a multidão se acalmou. Os soldados prepararam suas armas.
O sujeito tinha pouco menos de um metro e oitenta de altura. O cabelo castanho claro era sedoso e ondulado. Seus olhos eram cinza. Sua pele era fortemente bronzeada. Seu rosto belo tinha um sorriso convencido.
Seu colete de couro preto era aperto no peito e não cobria os braços. Tatuagens tribais cobriam os ombros. Manoplas de aço cobriam seus antebraços. Ele usava calças negras e, por baixo, caneleiras também feitas de aço. Seus sapatos eram da mesma cor que o resto do traje.
Em cada lado da cintura, o homem tinha uma espada. Elas eram idênticas, com pouco mais de um metro de comprimento. Pareciam ser feitas completamente de prata, com exceção dos cabos, recobertos por couro vermelho.
Em cada coxa, o sujeito carregava uma pistola. Ambas idênticas, de cor prata, com dez balas no cartucho.
Ao redor do cinto, o homem carregava cartuchos reservas e algumas granadas.
Você não precisa se juntar a esse daí. Disse o sujeito.
Com um sorriso amarelo, Alexander disse:
Johan Lacroix. A que devemos essa honra?
O de sempre. Ele sorriu. Atrapalhar a sua vida. E derrubar o governo.
Lacroix estralou os dedos.
Do meio da multidão, bem como de trás dos rochedos e do topo de alguns morros das redondezas, surgiram homens e mulheres armados com pistolas e espadas. Todos vestiam roupas pretas. Ninguém cobria o rosto
O vento soprou mais forte. A multidão se agitou. Muitos correram de volta para suas casas.
Frederick tentava se manter calmo. Anna tremia agarrada em sua perna.
O exército de Blackburn estava pronto. Eles lutariam contra os homens de Johan sem hesitarem.
Alexander bufou. Ele já conseguia ver tudo. 
O general não esperava encontrar Lacroix em Blackstone.
Porém, agora, só havia um desfecho possível.

Uma batalha estava prestes a eclodir. O chão cinzento da cidade seria manchado de sangue.

terça-feira, 21 de julho de 2015

Nightmareland, Capítulo 11

O Cavaleiro


Eu deveria ter morrido naquele instante.
Não exatamente em um único segundo, entenda.
Aquele monstro provavelmente teria me matado o mais lentamente possível, torturando-me por quanto tempo ele desejasse, fazendo-me implorar por minha morte.
Mas eu não quero pensar muito nisso.
Só sei que ele me salvou. O que me deixou extremamente confuso. Afinal, aquele monstro queria me matar antes.
Mas eu não sabia daquilo no momento. A chegada dele não teve nenhum impacto inicial para mim. Afinal, não tinha como aquela situação piorar. Não para mim ao menos.
Cercado por aquelas aberrações, eu já havia aceitado o meu fim. O toque frio dos dedos do homem a minha frente havia ceifado toda a minha esperança.
Enquanto ele me levantava no ar e apertava meu pescoço, eu fechei os olhos.
Então, mo meio da confusão de grunhidos daquelas criaturas asquerosas, eu ouvi aquilo.
O som dos cascos veio em minha direção. As criaturas pareciam ter sido tomadas pelo medo, ficando completamente paralisadas.
Então, tudo aconteceu rápido demais.
Um surto de adrenalina me atingiu, juntamente com uma certa dose de esperança. Eu aproveitei aquele momento para me soltar das mãos do monstro. Força não foi necessária, afinal, ele mal se lembrava de que eu ainda estava lá.
Tudo o que eu tive tempo de fazer foi me ajoelhar. Aquela foi uma das minhas melhores decisões em Nightmareland.
Vindo do nada, o ceifador cavalgando em seu cavalo espectral.
Ele atacou com sua longa foice, passando menos de um palmo acima de minha cabeça e, ao mesmo tempo, acertando o monstro a minha frente.
Eu fiquei boquiaberto enquanto o tronco daquela criatura voava por cima de mim. Sangue escuro, quase cor de carvão, saiu dele, atingindo e tingindo o ombro esquerdo de minha camisa. Suas tripas também foram praticamente expulsas do resto do corpo, exalando seu aroma fétido.
Eu não tinha tempo a perder. Enquanto o ceifador fazia uma volta com seu cavalo, eu comecei a correr desesperadamente, sem saber para onde ia. Afinal, aquilo não importava no momento.
Eu podia ouvir nitidamente os gritos das criaturas atrás de mim. O som dos cascos do cavalo pisoteando o solo, bem como o seu relinchar, eram, entretanto, bem mais claros.
Minha respiração começou a se tornar ofegante após algum tempo. Eu não sabia por quanto tempo eu havia corrido. E eu não pretendia parar.
O ceifador havia realmente me salvo? Sim. Mas eu tinha certeza de que aquela não era a intenção dele. Afinal, eu não era o único alvo e, por sorte, eu não era o mais lento.
Montado em seu cavalo, era bem provável que o ceifador tivesse matado todas aquelas criaturas. E talvez ele viesse atrás de mim. Talvez ele cavalgasse em minha direção naquele exato instante. E era exatamente por isso que eu não pararia de correr.
É claro que não demorou muito para eu cair de exaustão. Meus pés ardiam. Respirar me trazia ainda mais dor. O chão rochoso sob mim não melhorava a situação.
A névoa parecia mais densa na região onde eu estava. Deveria estar frio, mas não tinha como eu sentir aquilo naquele instante, não depois de correr tanto.
Eu respirei fundo. Várias vezes. Tinha que recuperar todo o ar que eu havia perdido na corrida.
Deitado naquele chão, eu não pensei em conforto. Não sentia nem vontade de me levantar. Não sentia vontade de fazer nada.
Então, ouvi algo que fez meu coração disparar.
O som dos cascos voltou.
Eu comecei a tremer de medo. Porém, não havia mais nada que eu pudesse fazer.
Eu já havia aceitado a morte minutos atrás. Desistir da vida agora não seria difícil, ainda mais no estado que eu estava.
Calmamente, o cavalo se aproximou de mim. Os cascos tocavam gentilmente o solo.
Alguns instantes se passaram. E absolutamente nada aconteceu.
Eu comecei a ficar inquieto. Aquilo estava me torturando.
Deitado de costas para cima, eu nem podia olhar para o ceifador.
Eu não queria dizer que eu estava ansioso para morrer. Mas, infelizmente, esse era o sentimento. Afinal, eu queria que aquilo acabasse o mais rápido possível. Tamanho suspense era apenas cruel.
Eu não resisti.
Com o que me restava de força, eu me virei, ficando com as costas no chão.
E eu o vi claramente.
O homem velho, com cabelos e barba grisalhas, e o rosto cheio de rugas olhava para mim. Ele trajava uma roupa simples. Camiseta azul com mangas compridas, jeans surrados e sandálias marrons e gastas, além de um chapéu de palha na cabeça.
O senhor estava montado em seu cavalo castanho com crina negra. O animal parecia ser extremamente bem tratado, forte e confiante.
O velho carregava uma pá com ambas as mãos. O objeto parecia ainda mais antigo que o homem que a manejava.
Não sabia se você estava vivo ou morto. Disse o senhor com um sotaque forte, um pouco intimidador. Por isso que eu não havia começado a te enterrar.
Eu fiquei em silêncio. Eu olhava rapidamente do homem para a pá em suas mãos. Não sabia dizer se ele era um monstro ou uma pessoa comum. Estranhamente, aquilo não me incomodava tanto. Além disso, algo me dizia que eu podia confiar nele.
Após alguns instantes, eu consegui perguntar:
Você... Você é um coveiro?
Pode-se dizer que sim. O senhor sorriu. O melhor da Cidade da Névoa.
Eu iria falar que aquilo era algo meio estranho de se orgulhar, porém, havia algo de mais importante no que ele disse.
Cidade da Névoa... Eu balbuciei. Onde fica isso.
O senhor apenas apontou para frente. Pelo espesso nevoeiro cinzento, eu não pude ver nada.
Menos de dez minutos andando e você chega lá. O velho acrescentou.
Eu suspirei. Olhei mais uma vez para o senhor. Sua expressão calma naquele lugar era um pouco desconcertante.
Você pode me dizer o que me aguarda lá? Perguntei.
O velho sorriu e respondeu:
Veja por você mesmo. O cavalo começou a andar. Eu estou para lá agora. Caso queira um guia para o trajeto... O animal parou. Diga. Logo.
Fiquei em silêncio, apenas pensando. Nightmareland era um inferno, mas, por algum motivo, eu sentia que eu deveria ir para a Cidade da Névoa. Algo me aguardava. Respostas? Aliados? Uma saída daquele lugar? Eu não tinha como saber.
Porém, eu precisava me arriscar.
Certo. Eu disse. Vamos.
O senhor assentiu, sem muita emoção em seu rosto. Ele era um enigma, mas resolvi confiar nele.

Pelo nevoeiro, seguimos até o nosso destino.

Conto 9 - Final Alternativo

A Verdadeira Face do Medo


As escolhas que fazemos em nossa vida podem mudar tudo de maneira tão drástica...
Penso todas as noites como eu estaria agora caso eu tivesse escolhido tomar outro rumo.
O que teria acontecido se eu deixasse tudo aquilo de lado? O que teria acontecido se eu tivesse me esquecido dela? O que teria acontecido se eu não a tivesse seguido? O que teria acontecido se eu não estivesse armado?
Só sei que eu não estaria aqui, preso.
Ou talvez eu tivesse sido preso, mas por outro motivo. Talvez nem vivo eu estivesse agora.
Tenho certeza de apenas três coisas nessa vida, e uma delas é que eu não posso mudar o passado. E, que independentemente do que tivesse acontecido comigo, eu estaria pensando em uma realidade alternativa.
Talvez eu pudesse ser rico em alguma delas. E também nunca ter tido nenhum grande amor ou amigo verdadeiro.
Talvez eu pudesse ser um gênio. E completamente infeliz com o meu corpo e a minha falta de força de vontade para mudar.
 Mas as minhas três certezas não mudariam.
Além do passado, que não posso mudar, mais duas coisas são certas para mim.
Uma é sobre o meu destino. A outra é sobre algo que todos sentimos.
Minha segunda certeza é, sem dúvidas, a morte. Inegável e absoluta, ela é o fim. Sem mais.
Entretanto, eu me sinto obrigado a comentar algumas coisas sobre a morte. Coisas que, ironicamente, eu aprendi graças à vida.
A morte não é má. Mas ela também não é boa. Ela é, pura e simplesmente, neutra.
Não tema a morte. Mas também não a aguarde.
Apenas viva, sem se esquecer de que ela virá.
Na minha posição, por exemplo, a morte poderia ser algo muito bom ou muito ruim.
Imagine um cenário extremo: você está sendo torturado.
Uma morte horrenda e lenta o espera. Você chorará de dor por cada ferimento feito em  seu corpo, mas, no fim, eles podem nem te matar. Talvez nem mesmo a perda de sangue pode te levar a óbito. Talvez a desidratação o faça. Não imagino que torturadores se preocupem em te alimentar ou te dar água.
Por outro lado, a morte seria a sua salvadora nessa situação, não? Sem ela, o fim da tortura não chegaria. Imortalidade seria um péssimo super poder caso você fosse capturado por um psicopata, não?
E quanto a mim? Se eu morresse agora, nesse exato instante, eu não teria que continuar a viver nesse inferno. Não mais teria que tolerar os outros criminosos ficando, pouco a pouco, lunáticos ou amargurados com a vida bem ao meu lado. Também não teria que aguentar o maldito autoritarismo dos guardas estúpidos daqui.
Por outro lado, eu poderia perder algo muito bom se eu não estivesse vivo. Fora ou, até mesmo, dentro da prisão. Quem sabe? Não temos como saber quando alguém interessante cruzará o nosso caminho.
E foi exatamente isso o que aconteceu comigo.
Um novo prisioneiro chegou à prisão outro dia. Boatos sobre ele podiam ser ouvidos de todos os cantos. Guardas e prisioneiros temiam o homem com o largo sorriso no rosto.
Eu não tinha como saber, mas aquele homem peculiar seria a pessoa que me daria a minha terceira certeza.
Eu nem o vi vindo. Eu estava sentado longe dos outros prisioneiros, como de costume, na hora do almoço. Enquanto eu comia aquela comida insossa, o homem sorridente se sentou do meu lado, juntamente com seu prato de comida, e perguntou:
Só temos isso de comida por aqui?
 Eu o olhei, sem responder. Os olhos azuis claros dele eram inquietantes. O cabelo castanho ondulado chegava até os ombros. A pele era levemente bronzeada. A barba era rala. O sorriso era branco como mármore. No geral, devo admitir, ele era um sujeito bonito e simpático. O que me deixou um pouco intrigado.
Uma olhada rápida pela minha adorada prisão e você entenderia o porquê.
Homens sem esperança, com raiva nos olhos e ódio no coração. Seus espíritos já pareciam haver sido consumidos pelo o que havia de pior nesse mundo. O que sobrou, seus corpos, eram cascas ásperas e ocas marcadas de tatuagens, cicatrizes e desgosto por tudo e por todos.
Ver alguém como esse novato era incomum. Aliás, ele era incomum.
Eu ouvi os boatos, bem como todos os outros prisioneiros. O que foi dito havia sido o suficiente para ninguém resolver ficar próximo dele.
Só... Eu respondi, simplesmente. Não temos nada muito sofisticado. Afinal, estamos numa prisão...
É...faz sentido. Ele murmurou, ainda sorrindo.
Os boatos sobre ele me assustavam. Mas o sujeito em si me intrigava. Ele não era como os outros. Um certo brilho em seus olhos me chamava a atenção.
Seu olhar... O sujeito murmurou. Ele é bem parecido com os dos outros. O medo é bem nítido.
Eu senti minha espinha gelar enquanto ele dizia aquelas palavras, sorrindo calmamente. Porém, o sujeito não havia terminado de falar:
Mas...tem algo diferente neles também. Você...está intrigado. Intrigado comigo, talvez?
Eu achei que eu não conseguiria dizer nada. Porém, eu abri os meus lábios levemente e, quase que como um suspiro, disse:
Sim...
O homem sorriu e continuou a falar:
Então realmente escolhi a pessoa certa para conversar. Ele fez uma breve pausa. Você... Você é diferente. É inteligente, acho. Pelo menos, em comparação com o resto dos ogros daqui...
Foi então que eu percebi o silêncio que havia tomado conta do refeitório. Ou, melhor dizendo, o silêncio relativo. Afinal, todos falavam, mesmo que apenas cochichando.
Estão falando de nós dois. Disse o homem. Ele havia acabado de dar uma garfada para comer um pouco de sua refeição. Surpreendentemente, o homem parecia não se importar com o gosto horrível daquilo. Nada mais normal. Tenho certeza que todos, inclusive você, sabem o que eu fiz, não é?
Não tinha como negar. Eu assenti com a cabeça. O sujeito, sorrindo, continuou a falar:
Isso é bom. Assim, eu não preciso perder tempo me apresentando. Ele se levantou, mal tendo comido. Vamos.
Hein? Indaguei. Para onde?
Um lugar mais calmo...
Sem dizer mais nada, o homem se levantou. Eu, apesar de ainda estar com um pouco de fome, deixei meu prato sobre a mesa e o segui.

Algo que parecia entreter os brutamontes daquele lugar eram esportes. Não importava se eles estavam assistindo ou praticando, pois o entusiasmo era o mesmo.
A área dedicada para atividades físicas era bem grande. Os presos se dividiam em grupos para jogar futebol, basquete ou qualquer outra coisa. Como era de se imaginar, brigas não eram o que faltava naquele lugar.
Se você pensa que os guardas parariam as brigas, eu já lhe digo que você está errado. A prisão era, na maior parte do tempo, monótona. Nossos queridos carcereiros ficavam entediados com facilidade. Então, com as brigas vinha o entretenimento e, boa parte das vezes, as apostas.
O que você pensaria se eu te dissesse que os guardas provocavam algumas dessas brigas? Atiçando uns brutamontes contra outros?
Eu, pra ser honesto, pouco me importava com aquilo. Não dava a mínima para os carcereiros e os outros prisioneiros. Não sentia vontade de jogar nada com eles, por razões óbvias. Afinal, uma coisa é jogar futebol com seus amigos. Outra era jogar com alguém que você queria que nem existisse.
Em um canto, afastado do resto dos prisioneiros, eu me sentei juntamente àquele sujeito.
Um momento de silêncio reinou de novo. Ao olhar para o homem ao meu lado, percebi que ele sorria ao ver alguns dos prisioneiros jogando basquete.
A ignorância é realmente uma bênção, não acha? Ele me perguntou de repente. Olha para eles... Tão felizes sem saber de nada que acontece à volta deles...
Verdade. Concordei, sem muito entusiasmo, apesar de eu realmente concordar com o que ele disse.
Olhei ao meu redor. Aquelas paredes sem vida só não eram mais cinzentas que o céu sobre as nossas cabeças. Eu já estava há tanto tempo lá que aquela monotonia era o habitual.
Eu cocei a nuca e, quando percebi, o sujeito olhava diretamente para os meus olhos.
Eu não precisei dizer nada. A expressão em meu rosto foi o suficiente para ele rir.
Medo é realmente uma das poucas certezas da vida, não?
Eu apenas fiquei parado, encarando o homem a minha frente.
Eu nunca tinha parado pra pensar muito no “medo”. Apesar de já ter passado muito tempo preso, eu nunca havia refletido sobre aquele tema em específico. Por isso, tudo o que eu consegui dizer foi:
Explique-me.
O sujeito sorriu. Seus olhos brilharam enquanto disse:
Sabia que você era o cara certo para eu falar.
Eu permaneci quieto, pensativo. Rapidamente cheguei a uma conclusão:
Você está procurando alguém para ser seu...?
Aluno? Ele terminou a minha pergunta. Eu assenti rapidamente com a cabeça e ele sorriu. Sim, devo admitir que sim. É como um passatempo para mim. Compartilhar a minha visão de mundo. Fazer com que alguém pense sobre meus argumentos, pouco importando se ela concorde ou não comigo, desde que ela pense.
Entendo... Então, o que você pode me dizer sobre o medo?
Ele olhou para o alto, respirando calmamente. Rapidamente, ele olhou pela área onde os outros prisioneiros praticavam esportes. O olhar dele atingiu alguns dos guardas que separavam uma briga, isso é, depois que um dos detentos já estava desacordado e com a face coberta de sangue.
Todos eles...bem como você...bem como boa parte do mundo. O sujeito disse quase cochichando. Todos me temem, não é?
Eu assenti com a cabeça, afinal, não tinha como negar. Os crimes que ela já havia cometido eram atrozes e, pior, aconteceram em várias partes do globo. Provavelmente estaria acontecendo uma grande discussão fora dos muros da prisão sobre a pena dele. Afinal, a nossa nação, o país onde ele foi preso, aplicava penas, digamos, mais brandas em seus criminosos. Pena de morte e prisão perpétua estavam fora de questão. Com bom comportamento, talvez, aquele homem estivesse de volta às ruas em pouco mais de vinte anos.
Não te culpo. O sujeito disse. Como eu poderia? Você só está seguindo a natureza humana, certo?
Eu me mantive em silêncio por alguns instantes, refletindo sobre aquilo. Enfim, eu respondi:
Certo... Tudo isso por causa de nosso instinto de sobrevivência...
Exatamente. Ele sorriu. O medo não é nada mais, nada menos, do que nosso subconsciente nos lembrando de que nós temos que nos preservar, de que temos que viver. Ele fez uma breve pausa. E vocês me temem exatamente por que eu sou uma ameaça, não é mesmo? Vocês acham que eu posso fazer vocês desejarem uma morte rápida, não é?
Bem... Sim. Respondi murmurando. Não tenho como discutir com isso...
Ele sorriu e ficou em silêncio, apenas pesando. Alguns instantes depois, ele me perguntou:
Medo nos dá uma sensação boa, não? A adrenalina, o sangue correndo mais rápido em nossas veias, nossos corações batendo mais rapidamente. Tudo isso é muito bom, você não acha?
Era mais uma pergunta que ele me fazia que eu não tinha como responder com uma negativa. O sujeito continuou a falar:
É por isso que as pessoas fazem coisas, digamos, idiotas para conseguir tal adrenalina. Andar numa montanha russa, assistir um filme de terror ou até beber demais. Qualquer coisa para fugirem da monotonia da vida delas. Qualquer coisa para sentirem medo. Ele sorriu. Ou vai me dizer que não era assim com você? Aposto que a sua vida era bem assim antes de você ter a matado.
Eu fiquei boquiaberto. Porém, a descrição da minha vida não foi o que realmente me motivou a fazer a minha próxima pergunta:
Como você sabe que eu vim parar aqui por ter matado alguém? E que esse alguém era uma mulher?
Aproveite também para me perguntar como eu sei que você gostava dela. O sujeito riu baixo. Vamos. Pode perguntar.
Eu tentava pensar em alguma resposta. Em vão.
Como eu me mantive em silêncio, ele resolveu continuar a falar:
Um especialista no assunto como sabe sobre as formas e os motivos.
Eu ouvi suas palavras, porém, optei por me manter em silêncio. Afinal, não sabia o que falar. Muitas perguntas me passavam pela cabeça, mas julguei melhor não as fazer.
Vejo o medo voltando aos seus olhos. Ele zombou. Entretanto, o sujeito não estava errado. Normal. Meus últimos comentários provam que eu posso ser uma ameaça a você. E, digo mais, uma ameaça além de sua compreensão. O que é simplesmente aterrorizante, não? A incerteza? O desconhecido? O inesperado? Essa é a verdadeira face do medo: não saber o que te aguarda. Sinceramente, esse é um motivo plausível para se temer a morte. Não sabemos o que nos aguarda do “outro lado”, ou se ele, de fato, existe. Aquele homem olhou calmamente para mim e continuou. É por isso que tememos o escuro. O que pode estar se espreitando nas sombras? Não sabemos. Saber que um psicopata está vindo atrás de você é menos apavorante do que não saber o que está atrás de você. Afinal, algo pode vir que o faça desejar que sua vida estivesse nas mãos de um homem insano com uma motosserra. Ele olhou brevemente para os detentos que jogavam futebol. E é por isso também que a vida é tão assustadora. Não temos controle sobre ela. É uma incerteza seguida de outra, forçando cada um de nós a sair de sua zona de conforto e se arriscar. O sujeito riu. Lembro-me do quanto eu tinha medo de ser preso. Achei que seria o meu fim. Mas aí... Aí eu percebi que haviam coisas bem piores. Ele suspirou. Sinceramente, acredito que eu estou mais seguro aqui dentro do que lá fora. Afinal, o ser mais imprevisível e aterrorizante da história está aqui dentro, porém, também está lá fora. E, meu amigo, lá fora eles estão em um número bem maior. E o fato de eu não saber o que eles querem de mim faz a minha espinha gelar.
Cada palavra que ele havia dito fez sentido para mim. Ainda mais hoje, já que eu não estou mais na prisão. Afinal, eu estava cercado dos “seres mais imprevisíveis e aterrorizantes da história”: os seres humanos.
Com um sorriso no rosto, o sujeito terminou a conversa que, admito, pareceu mais um discurso dele pela minha falta de participação:
Entretanto, eu não reclamaria se eu pudesse voltar para o mundo lá de fora. Afinal, como eu disse antes, nós gostamos de sentir medo.
Não demorou muito para os guardas nos chamarem. Tínhamos que voltar para as nossas celas. O sujeito e eu nos despedimos. Porém, ele me prometeu que nos veríamos ainda mais uma vez naquela noite.
Dito e feito.
Uma tempestade começou ao anoitecer. Os trovões pareciam rugidos furiosos vindos do céu. Os relâmpagos brilhavam como o sol. As chuvas e os ventos, ambos igualmente impiedosos, pareciam não ter fim.
Não demorou para que a luz da prisão se extinguisse.
Obra de um raio, com certeza. Porém, aquilo foi o suficiente para gerar um tumulto.
De dentro das celas, os brutamontes começaram a gritar e rir, dizendo qualquer besteira que passasse em suas reles mentes. Os guardas gritaram e bateram nas barras de metal com seus cassetetes. Aparentemente, barulho era a única linguagem que eles conheciam.
De repente, veio o som de um tiro. Uma comoção começou. Mais tiros vieram. Os gritos agora eram de dor e desespero. O som das balas começou a tomar conta do lugar. Os flashes de luz dos tiros eram tudo o que eu conseguia ver.
Gradativamente, os gritos foram se tornando mais baixos. A própria tempestade se tornou mais branda. Agora, eu podia ouvir apenas leves gotas de chuva fora da prisão pela minha janela.
O silêncio era praticamente absoluto. O mesmo podia ser dito sobre a escuridão que me envolvia agora.
Então, passos vieram. Era apenas uma pessoa. Seria aquele sujeito?
O som metálico de chaves sendo agitadas veio em seguida. Pouco tempo depois, ouvi a porta da minha cela sendo aberta.
Porém, ninguém entrou. Também não ouvi mais nada. Até a chuva havia aparado agora.
Então, vi uma luz. Meus olhos arderam. Alguém tinha uma lanterna.
Eu segui a luz amarela. Tudo o que consegui pensar foi: quem quer que esteja a segurando, estava no andar térreo da prisão.
Calmamente, desci as escadas. Cada passo meu nos degraus de metal ecoava pelo lugar.
De repente, as luzes se acenderam. Eu caí de joelhos.
Eu mal podia acreditar na cena ao meu redor. Porém, pelo o que eu havia ouvido, aquele homem era bem capaz de fazer aquilo.
Prisioneiros e guardas. Ninguém havia sido poupado. Os corpos deles estavam espalhados pelos dois andares da prisão. O sangue escorria de um lado para o outro como um rio. Eu conseguia ver nitidamente as marcas de tiros nos corpos de alguns daqueles homens. Afinal, alguns tiveram partes do corpo praticamente estilhaçadas pelas balas.
Dentre todos os corpos, um eu reconheci rapidamente.
Os olhos claros e os cabelos castanhos podiam ser vistos de longe. Aquele sujeito estava sentado próximo a uma parede.
Mas ele não estava mais vivo. Era bem óbvio. Haviam três buracos de balas em seu peito.
Agora, eu não tinha como saber o que aconteceria.
Alguém havia tirado a vida de todos a minha volta. E eu nem sabia quantos eram os assassinos. Aliás, nem sabiam o que eram e, muito menos, o porquê de eu ter sido poupado. Afinal, minha cela havia sido aberta. Pelo que vi, foi o único a ter tal destino.
Eu tentei não surtar. Porém, não era fácil.
Minhas mãos suavam. Minhas pernas tremiam. Meu coração batia acelerado. Minha respiração estava pesada.
Ouvi um ruído baixo ao longe. Não sabia dizer o que era. Mas, com certeza, eu não queria saber. Eu estava aterrorizado.
Antes de cair de joelhos, balbuciei:
A incerteza... O desconhecido... O inesperado...

Soltei uma risada nervosa que ecoou pelo corredor. Quase arrancando meus cabelos com as mãos, continuei rindo, tomado completamente pelo medo.