Blackstone
Na manhã do dia seguinte, centenas de guerreiros, todos
usando armaduras cinza escuras idênticas, podiam ser vistos marchando por toda
uma cidade.
Blackstone era o nome do lugar. Uma das maiores cidades
das Terras Cinzentas. A cidade ficou famosa por seus depósitos de gigantita, um
mineral mais resistente e pesado do que as rochas normais, que, comparado a
metais, era muito mais rentável. Construir muralhas com elas foi o que colocou
Blackstone no mapa do mundo.
Entretanto, grande parte da população era mais humilde,
com muitos homens e mulheres trabalhando nas pedreiras locais. Isso somado a
localização de Blackstone, no extremo nordeste da região, contribuíram para certa
alienação com o resto do mundo.
Então, apesar da guerra que parecia não ter fim, os
cidadãos de Blackstone tinham um envolvimento mínimo com o resto das Terras
Cinzentas. Assim, eram poucos aqueles que se preparavam para lutas, ainda mais
por que a paz era quase absoluta no local.
Isso desmotivava o soberano das Terras Cinzentas a
recrutar guerreiros em Blackstone.
Porém, graças ao seu conselheiro, o rei tomou uma
iniciativa diferente.
Soldados iriam visitar a cidade. Uma demonstração de poder
que encorajaria jovens a se juntar ao exército, era o que ele esperava. Afinal,
não deveriam ser todos que gostariam de trabalhar numa pedreira pelo resto da
vida.
Aquela agitação prendeu a atenção de todos da cidade.
Homens e mulheres mais simples pareciam achar que aquilo era uma miragem. Os
idosos se lembravam de uma época distante em que soldados do exército vinham
até lá. Os olhos das crianças brilhavam, acreditando que eles eram como os
heróis dos contos dos pais e avós. Até os cidadãos ricos, aqueles que
controlavam as pedreiras, pareciam impressionados com as lustrosas armaduras
dos guerreiros da capital.
Da multidão de pessoas que havia se reunido ali, uma se
sobressaiu. Correndo, por meio do povo de Blackstone, ela chegou até a frente
da tropa do exército. Mais especificamente, na frente de seu general.
A menina de nove anos olhou, boquiaberta, para o
guerreiro de quase um metro e noventa de altura.
Sua monstruosa armadura era impressionante e, sem dúvida,
pesada. Feita de aço negro, ela brilhava sob a luz do sol da manhã. Sua longa
capa vermelha de seda chegava a centímetros do chão. Seu elmo, cujos chifres
laterais poderiam muito bem servir como armas, cobria completamente seu rosto.
Em cada lado da cintura, ele carregava uma arma. Do lado
esquerdo havia uma espada negra com lâmina curvada. Inscrições vermelhas podiam
ser vistas em toda a sua extensão de pouco mais de um metro. Do lado direito, no entanto, havia uma arma de
fogo. Uma escopeta, da mesma cor e comprimento da espada.
A multidão começou a cochichar algo sobre a menina. O
exército manteve-se em silêncio.
O general se ajoelhou, bem a frente da garotinha,
olhando-a calmamente.
Os belos olhos verdes da menina pareciam brilhar. Isso,
em conjunto com a pele alva, a faziam parecer descendente de algum nobre ou,
mais provavelmente, filha de um dono de uma pedreira local.
Entretanto, suas roupas diziam o contrário. Descalça, com
um vestido amarelo esfarrapado, a garota parecia não ter uma vida muito boa.
Isso ficava evidenciado pelos arranhões nas pernas e o cabelo castanho
desgrenhado, além das manchas negras de sujeira nas mãos e pés.
Calmamente, o general removeu seu elmo.
Com o capacete em suas mãos, ele sorriu, exibindo seu belo
sorriso branco.
Seu rosto inspirava confiança. Os cabelos, começando a se
tornar grisalhos, mostravam sua experiência. Seus olhos cinza eram
determinados. O rosto de pele clara, apesar de algumas leves rugas, era praticamente
perfeito, sem nenhuma cicatriz.
Com sua voz firme, o general perguntou:
—
Qual o seu nome, garotinha?
—
Anna! — Ela
respondeu, exibindo um sorriso com um canino faltando. — Anna Strauss! E o senhor?
—
Eu me chamo Alexander Blackburn. Sou o general desse exército. — Ele sorriu. — Por falar nisso, o que
você achou dele? Gostou do meu exército?
—
Sim! — Ela respondeu
tão avidamente quanto da primeira vez. —
Meu irmão fala toda hora de ser um guerreiro como vocês.
—
É mesmo?
—
É!
—
E onde ele está?
—
Ele... — A garotinha
parou de falar. Rapidamente ele olhou para os dois lados. — Bem...ele...
—
Anna! — Alguém gritou
do meio da multidão.
Uma pequena começou no meio da multidão. Rapidamente, um
jovem saiu de lá.
—
Mano! — A garota
gritou.
O jovem veio correndo até a irmã.
—
Anna! — O garoto, com
roupas simples e esfarrapadas, gritou. Em seguida, ele parou, com as mãos
pousadas nos joelhos, ofegando. —
Eu já disse pra você não se afastar assim no meio do nada...
—
Mas olha! — A garota
apontou para o general. —
Os guerreiros
de quem você tanto fala! Eu queria vê-los de perto...
O
jovem ia falar alguma coisa, mas então percebeu que Alexander o olhava com um
sorriso no rosto.
Blackburn
tinha um olho bom para descobrir talentos. O garoto a frente dele, que tinha os
mesmos olhos verdes da irmã, tinha um olhar determinado. Com certeza, ele já
devia ter sofrido mais do que admitiria. Vendo as roupas, cicatrizes e manchas
de sujeira pelo corpo dele, Alexander tinha certeza disso.
Entretanto, o físico do garoto também chamava sua
atenção. Apesar de magro, ele era forte. Provavelmente ele tinha que trabalhar
para sustentar a si mesmo e sua irmã. Afinal, Alexander já presumia o pior
sobre os pais dos dois. Além disso, o jovem também era alto, com quase um metro
e oitenta de altura.
—
Qual o seu nome, garoto? —
Blackburn perguntou.
—
Ah... — O jovem
limpou a garganta. — Frederick.
Frederick Strauss.
—
E sua idade?
—
Quinze.
—
Você gostaria de lutar no meu exército?
Frederick ficou boquiaberto, sem conseguir dizer nada,
não conseguindo acreditar no que tinha ouvido.
Alexander sorriu e perguntou:
—Gostaria
que eu repetisse a pergunta?
—
Ah... — Frederick
parecia ter despertado de um transe. —
Eu? Me juntar a vocês?
—
Claro! É por isso que viemos até aqui. —
Blackburn olhou rapidamente para o resto do povo que estava prestando atenção
nele. Calmamente, o guerreiro se levantou. —
isso vale para todos os demais! Quem quiser se unir ao exército das Terras
Cinzentas, venha comigo! Aceitaremos qualquer um que esteja disposto a lutar e,
é claro, aprender a lutar! —
Ele fez uma breve pausa e percebeu que todos ouviam atentamente, sem dizer uma
palavra sequer. — A
todos aqueles que querem lutar por algo maior do si, venham! Um dia, vocês
podem estar ao meu lado! Um dia, vocês podem ser como eles!
Alexander apontou
para sua tropa. No mesmo instante, todos, simultaneamente, responderam com uma
saudação, como um coro, junto com uma batida de pé no chão, causando um
estrondo.
Enquanto todos olhavam embasbacados para os soldados,
Blackburn voltou-se para Frederick, colocando uma mão no ombro do garoto e a
outra no topo da cabeça de Anna, e disse:
—
Você, em especial, pode ser muito útil no exército. Vejo o fogo nos seus olhos.
Sei que você será um ótimo guerreiro. —
Ele fez uma breve pausa. —
Além disso, vocês teriam um lugar melhor para dormir, além de comida garantida.
Frederick olhou, com os olhos brilhando, para o General.
—
Sei que a situação aqui é difícil para vocês. —
Alexander continuou. —
Crescer sem os pais é um destino duro demais para qualquer jovem. — Ele suspirou. — Eu sei bem disso...
O jovem estava tentado a dizer sim, porém, ele hesitou e
olhou preocupado para Anna. Sua irmãzinha estava junto de sua perna, ouvindo
atentamente a conversa.
A garota percebeu que seu irmão olhava para ela e, então
sorriu. Frederick retribuiu o gesto.
Ele não podia deixá-la sozinha em Blackstone. Não havia
como. E, também, ele não queria ficar longe dela. O sorriso de sua irmãzinha era
o que lhe dava forças para trabalhar todos os dias e aguentar todo aquele
sofrimento.
—
Ela pode vir com você. —
Disse Alexander.
Antes que o jovem pudesse dizer qualquer coisa, o general
continuou:
—
Eu sei que você pensa nela como sua irmãzinha frágil, mas, com o tempo, ela irá
crescer. É claro que a maioria dos soldados são homens, mas as mulheres não
ficam para trás em dedicação nos treinamentos e destreza nas lutas. Temos
muitas oficiais no nosso exército também. —
Ele olhou rapidamente para a menina e, então, voltou a olhar para Frederick. — Além disso, você pode
ficar perto dela assim. Você ainda a continuaria protegendo.
O jovem olhou para sua irmã. Ele a abraçou a sussurrou
algo em seu ouvido.
Em seguida, Frederick olhou determinado para Alexander.
O general sorriu. Ele sabia que o jovem se juntaria a ele.
Então, Alexander perguntou:
—
Vocês vão se juntar ao Exército das Terras Cinzentas?
Frederick sorriu. A resposta seria “sim”.
Porém, ele não respondeu.
—
Existem outras opções, sabia? —
Alguém disse.
Um homem interveio na conversa. De repente, até a multidão
se acalmou. Os soldados prepararam suas armas.
O sujeito tinha pouco menos de um metro e oitenta de
altura. O cabelo castanho claro era sedoso e ondulado. Seus olhos eram cinza.
Sua pele era fortemente bronzeada. Seu rosto belo tinha um sorriso convencido.
Seu colete de couro preto era aperto no peito e não
cobria os braços. Tatuagens tribais cobriam os ombros. Manoplas de aço cobriam
seus antebraços. Ele usava calças negras e, por baixo, caneleiras também feitas
de aço. Seus sapatos eram da mesma cor que o resto do traje.
Em cada lado da cintura, o homem tinha uma espada. Elas
eram idênticas, com pouco mais de um metro de comprimento. Pareciam ser feitas
completamente de prata, com exceção dos cabos, recobertos por couro vermelho.
Em cada coxa, o sujeito carregava uma pistola. Ambas idênticas,
de cor prata, com dez balas no cartucho.
Ao redor do cinto, o homem carregava cartuchos reservas e
algumas granadas.
—
Você não precisa se juntar a esse daí. —
Disse o sujeito.
Com um sorriso amarelo, Alexander disse:
—
Johan Lacroix. A que devemos essa honra?
—
O de sempre. — Ele
sorriu. — Atrapalhar
a sua vida. E derrubar o governo.
Lacroix estralou os dedos.
Do meio da multidão, bem como de trás dos rochedos e do
topo de alguns morros das redondezas, surgiram homens e mulheres armados com
pistolas e espadas. Todos vestiam roupas pretas. Ninguém cobria o rosto
O vento soprou mais forte. A multidão se agitou. Muitos
correram de volta para suas casas.
Frederick tentava se manter calmo. Anna tremia agarrada
em sua perna.
O exército de Blackburn estava pronto. Eles lutariam contra os homens de Johan sem hesitarem.
Alexander bufou. Ele já conseguia ver tudo.
O general não esperava
encontrar Lacroix em Blackstone.
Porém, agora, só havia um desfecho possível.
Uma batalha estava prestes a eclodir. O chão cinzento da
cidade seria manchado de sangue.
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