Algo que parecia entreter os brutamontes daquele lugar
eram esportes. Não importava se eles estavam assistindo ou praticando, pois o
entusiasmo era o mesmo.
A área dedicada para atividades físicas era bem grande.
Os presos se dividiam em grupos para jogar futebol, basquete ou qualquer outra
coisa. Como era de se imaginar, brigas não eram o que faltava naquele lugar.
Se você pensa que os guardas parariam as brigas, eu já
lhe digo que você está errado. A prisão era, na maior parte do tempo, monótona.
Nossos queridos carcereiros ficavam entediados com facilidade. Então, com as
brigas vinha o entretenimento e, boa parte das vezes, as apostas.
O que você pensaria se eu te dissesse que os guardas
provocavam algumas dessas brigas? Atiçando uns brutamontes contra outros?
Eu, pra ser honesto, pouco me importava com aquilo. Não
dava a mínima para os carcereiros e os outros prisioneiros. Não sentia vontade
de jogar nada com eles, por razões óbvias. Afinal, uma coisa é jogar futebol
com seus amigos. Outra era jogar com alguém que você queria que nem existisse.
Em um canto, afastado do resto dos prisioneiros, eu me
sentei juntamente àquele sujeito.
Um momento de silêncio reinou de novo. Ao olhar para o
homem ao meu lado, percebi que ele sorria ao ver alguns dos prisioneiros
jogando basquete.
—
A ignorância é realmente uma bênção, não acha? —
Ele me perguntou de repente. —
Olha para eles... Tão felizes sem saber de nada que acontece à volta deles...
—
Verdade. — Concordei,
sem muito entusiasmo, apesar de eu realmente concordar com o que ele disse.
Olhei ao meu redor. Aquelas paredes sem vida só não eram
mais cinzentas que o céu sobre as nossas cabeças. Eu já estava há tanto tempo
lá que aquela monotonia era o habitual.
Eu cocei a nuca e, quando percebi, o sujeito olhava
diretamente para os meus olhos.
Eu não precisei dizer nada. A expressão em meu rosto foi
o suficiente para ele rir.
—
Medo é realmente uma das poucas certezas da vida, não?
Eu apenas fiquei parado, encarando o homem a minha
frente.
Eu nunca tinha parado pra pensar muito no “medo”. Apesar
de já ter passado muito tempo preso, eu nunca havia refletido sobre aquele tema
em específico. Por isso, tudo o que eu consegui dizer foi:
—
Explique-me.
O sujeito sorriu. Seus olhos brilharam enquanto disse:
—
Sabia que você era o cara certo para eu falar.
Eu permaneci quieto, pensativo. Rapidamente cheguei a uma
conclusão:
—
Você está procurando alguém para ser seu...?
—
Aluno? — Ele terminou
a minha pergunta. Eu assenti rapidamente com a cabeça e ele sorriu. — Sim, devo admitir que
sim. É como um passatempo para mim. Compartilhar a minha visão de mundo. Fazer
com que alguém pense sobre meus argumentos, pouco importando se ela concorde ou
não comigo, desde que ela pense.
—
Entendo... Então, o que você pode me dizer sobre o medo?
Ele olhou para o alto, respirando calmamente.
Rapidamente, ele olhou pela área onde os outros prisioneiros praticavam
esportes. O olhar dele atingiu alguns dos guardas que separavam uma briga, isso
é, depois que um dos detentos já estava desacordado e com a face coberta de
sangue.
—
Todos eles...bem como você...bem como boa parte do mundo. — O sujeito disse quase
cochichando. — Todos
me temem, não é?
Eu assenti com a cabeça, afinal, não tinha como negar. Os
crimes que ela já havia cometido eram atrozes e, pior, aconteceram em várias
partes do globo. Provavelmente estaria acontecendo uma grande discussão fora
dos muros da prisão sobre a pena dele. Afinal, a nossa nação, o país onde ele
foi preso, aplicava penas, digamos, mais brandas em seus criminosos. Pena de
morte e prisão perpétua estavam fora de questão. Com bom comportamento, talvez,
aquele homem estivesse de volta às ruas em pouco mais de vinte anos.
—
Não te culpo. — O
sujeito disse. — Como
eu poderia? Você só está seguindo a natureza humana, certo?
Eu me mantive em silêncio por alguns instantes,
refletindo sobre aquilo. Enfim, eu respondi:
—
Certo... Tudo isso por causa de nosso instinto de sobrevivência...
—
Exatamente. — Ele
sorriu. — O medo não
é nada mais, nada menos, do que nosso subconsciente nos lembrando de que nós
temos que nos preservar, de que temos que viver. —
Ele fez uma breve pausa. —
E vocês me temem exatamente por que eu sou uma ameaça, não é mesmo? Vocês acham
que eu posso fazer vocês desejarem uma morte rápida, não é?
—
Bem... Sim. —
Respondi murmurando. —
Não tenho como discutir com isso...
Ele sorriu e ficou em silêncio, apenas pesando. Alguns
instantes depois, ele me perguntou:
—
Medo nos dá uma sensação boa, não? A adrenalina, o sangue correndo mais rápido
em nossas veias, nossos corações batendo mais rapidamente. Tudo isso é muito
bom, você não acha?
Era mais uma pergunta que ele me fazia que eu não tinha
como responder com uma negativa. O sujeito continuou a falar:
—
É por isso que as pessoas fazem coisas, digamos, idiotas para conseguir tal
adrenalina. Andar numa montanha russa, assistir um filme de terror ou até beber
demais. Qualquer coisa para fugirem da monotonia da vida delas. Qualquer coisa
para sentirem medo. —
Ele sorriu. — Ou vai
me dizer que não era assim com você? Aposto que a sua vida era bem assim antes
de você ter a matado.
Eu fiquei boquiaberto. Porém, a descrição da minha vida
não foi o que realmente me motivou a fazer a minha próxima pergunta:
—Como
você sabe que eu vim parar aqui por ter matado alguém? E que esse alguém era
uma mulher?
—
Aproveite também para me perguntar como eu sei que você gostava dela. — O sujeito riu baixo. — Vamos. Pode perguntar.
Eu tentava pensar em alguma resposta. Em vão.
Como eu me mantive em silêncio, ele resolveu continuar a
falar:
—
Um especialista no assunto como sabe sobre as formas e os motivos.
Eu ouvi suas palavras, porém, optei por me manter em
silêncio. Afinal, não sabia o que falar. Muitas perguntas me passavam pela
cabeça, mas julguei melhor não as fazer.
—
Vejo o medo voltando aos seus olhos. —
Ele zombou. Entretanto, o sujeito não estava errado. — Normal. Meus últimos comentários provam que
eu posso ser uma ameaça a você. E, digo mais, uma ameaça além de sua
compreensão. O que é simplesmente aterrorizante, não? A incerteza? O desconhecido?
O inesperado? Essa é a verdadeira face do medo: não saber o que te aguarda.
Sinceramente, esse é um motivo plausível para se temer a morte. Não sabemos o
que nos aguarda do “outro lado”, ou se ele, de fato, existe. — Aquele homem olhou
calmamente para mim e continuou. —
É por isso que tememos o escuro. O que pode estar se espreitando nas sombras?
Não sabemos. Saber que um psicopata está vindo atrás de você é menos apavorante
do que não saber o que está atrás de você. Afinal, algo pode vir que o faça
desejar que sua vida estivesse nas mãos de um homem insano com uma motosserra. — Ele olhou brevemente para
os detentos que jogavam futebol. —
E é por isso também que a vida é tão assustadora. Não temos controle sobre ela.
É uma incerteza seguida de outra, forçando cada um de nós a sair de sua zona de
conforto e se arriscar. —
O sujeito riu. —
Lembro-me do quanto eu tinha medo de ser preso. Achei que seria o meu fim. Mas
aí... Aí eu percebi que haviam coisas bem piores. — Ele suspirou. —
Sinceramente, acredito que eu estou mais seguro aqui dentro do que lá fora.
Afinal, o ser mais imprevisível e aterrorizante da história está aqui dentro,
porém, também está lá fora. E, meu amigo, lá fora eles estão em um número bem
maior. E o fato de eu não saber o que eles querem de mim faz a minha espinha
gelar.
Cada palavra que ele havia dito fez sentido para mim.
Ainda mais hoje, já que eu não estou mais na prisão. Afinal, eu estava cercado
dos “seres mais imprevisíveis e aterrorizantes da história”: os seres humanos.
Com um sorriso no rosto, o sujeito terminou a conversa
que, admito, pareceu mais um discurso dele pela minha falta de participação:
—
Entretanto, eu não reclamaria se eu pudesse voltar para o mundo lá de fora.
Afinal, como eu disse antes, nós gostamos de sentir medo.
Não demorou muito para os guardas nos chamarem. Tínhamos
que voltar para as nossas celas. O sujeito e eu nos despedimos. Porém, ele me prometeu
que nos veríamos ainda mais uma vez naquela noite.
Dito e feito.
Uma tempestade começou ao anoitecer. Os trovões pareciam
rugidos furiosos vindos do céu. Os relâmpagos brilhavam como o sol. As chuvas e
os ventos, ambos igualmente impiedosos, pareciam não ter fim.
Não demorou para que a luz da prisão se extinguisse.
Obra de um raio, com certeza. Porém, aquilo foi o
suficiente para gerar um tumulto.
De dentro das celas, os brutamontes começaram a gritar e
rir, dizendo qualquer besteira que passasse em suas reles mentes. Os guardas
gritaram e bateram nas barras de metal com seus cassetetes. Aparentemente,
barulho era a única linguagem que eles conheciam.
De repente, veio o som de um tiro. Uma comoção começou. Mais
tiros vieram. Os gritos agora eram de dor e desespero. O som das balas começou
a tomar conta do lugar. Os flashes de luz dos tiros eram tudo o que eu
conseguia ver.
Gradativamente, os gritos foram se tornando mais baixos.
A própria tempestade se tornou mais branda. Agora, eu podia ouvir apenas leves
gotas de chuva fora da prisão pela minha janela.
O silêncio era praticamente absoluto. O mesmo podia ser
dito sobre a escuridão que me envolvia agora.
Então, passos vieram. Era apenas uma pessoa. Seria aquele
sujeito?
O som metálico de chaves sendo agitadas veio em seguida.
Pouco tempo depois, ouvi a porta da minha cela sendo aberta.
Porém, ninguém entrou. Também não ouvi mais nada. Até a
chuva havia aparado agora.
Então, vi uma luz. Meus olhos arderam. Alguém tinha uma
lanterna.
Eu segui a luz amarela. Tudo o que consegui pensar foi: quem
quer que esteja a segurando, estava no andar térreo da prisão.
Calmamente, desci as escadas. Cada passo meu nos degraus
de metal ecoava pelo lugar.
De repente, as luzes se acenderam. Eu caí de joelhos.
Eu mal podia acreditar na cena ao meu redor. Porém, pelo
o que eu havia ouvido, aquele homem era bem capaz de fazer aquilo.
Prisioneiros e guardas. Ninguém havia sido poupado. Os
corpos deles estavam espalhados pelos dois andares da prisão. O sangue escorria
de um lado para o outro como um rio. Eu conseguia ver nitidamente as marcas de
tiros nos corpos de alguns daqueles homens. Afinal, alguns tiveram partes do corpo
praticamente estilhaçadas pelas balas.
Dentre todos os corpos, um eu reconheci rapidamente.
Os olhos claros e os cabelos castanhos podiam ser vistos
de longe. Aquele sujeito estava sentado próximo a uma parede.
Eu me aproximei. Ele tinha uma pistola na mão esquerda,
três marcas de tiros espalhados pelo torso e um sorriso maníaco no rosto.
—
Eu achei que isso era obra sua... —
Murmurei, desacreditado com o que eu via.
—
Incerteza... Desconhecido... Inesperado... —
Ele balbuciou. —
Você...entendeu? — O
sujeito riu e tossiu sangue. —
Droga... Alguém resolveu...aplicar uma sentença...diferente em mim. — Ele olhou diretamente
para os meus olhos e disse suas últimas palavras. — Não estamos seguros...nem dentro de uma cadeia...
É por isso...que eu temo...as pessoas.
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