O Cavaleiro
Eu deveria ter morrido naquele instante.
Não exatamente em um único segundo, entenda.
Aquele monstro provavelmente teria me matado o mais
lentamente possível, torturando-me por quanto tempo ele desejasse, fazendo-me
implorar por minha morte.
Mas eu não quero pensar muito nisso.
Só sei que ele me salvou. O que me deixou extremamente
confuso. Afinal, aquele monstro queria me matar antes.
Mas eu não sabia daquilo no momento. A chegada dele não
teve nenhum impacto inicial para mim. Afinal, não tinha como aquela situação
piorar. Não para mim ao menos.
Cercado por aquelas aberrações, eu já havia aceitado o
meu fim. O toque frio dos dedos do homem a minha frente havia ceifado toda a
minha esperança.
Enquanto ele me levantava no ar e apertava meu pescoço, eu
fechei os olhos.
Então, mo meio da confusão de grunhidos daquelas
criaturas asquerosas, eu ouvi aquilo.
O som dos cascos veio em minha direção. As criaturas
pareciam ter sido tomadas pelo medo, ficando completamente paralisadas.
Então, tudo aconteceu rápido demais.
Um surto de adrenalina me atingiu, juntamente com uma
certa dose de esperança. Eu aproveitei aquele momento para me soltar das mãos
do monstro. Força não foi necessária, afinal, ele mal se lembrava de que eu
ainda estava lá.
Tudo o que eu tive tempo de fazer foi me ajoelhar. Aquela
foi uma das minhas melhores decisões em Nightmareland.
Vindo do nada, o ceifador cavalgando em seu cavalo
espectral.
Ele atacou com sua longa foice, passando menos de um
palmo acima de minha cabeça e, ao mesmo tempo, acertando o monstro a minha frente.
Eu fiquei boquiaberto enquanto o tronco daquela criatura
voava por cima de mim. Sangue escuro, quase cor de carvão, saiu dele, atingindo
e tingindo o ombro esquerdo de minha camisa. Suas tripas também foram praticamente
expulsas do resto do corpo, exalando seu aroma fétido.
Eu não tinha tempo a perder. Enquanto o ceifador fazia
uma volta com seu cavalo, eu comecei a correr desesperadamente, sem saber para
onde ia. Afinal, aquilo não importava no momento.
Eu podia ouvir nitidamente os gritos das criaturas atrás
de mim. O som dos cascos do cavalo pisoteando o solo, bem como o seu relinchar,
eram, entretanto, bem mais claros.
Minha respiração começou a se tornar ofegante após algum
tempo. Eu não sabia por quanto tempo eu havia corrido. E eu não pretendia
parar.
O ceifador havia realmente me salvo? Sim. Mas eu tinha
certeza de que aquela não era a intenção dele. Afinal, eu não era o único alvo
e, por sorte, eu não era o mais lento.
Montado em seu cavalo, era bem provável que o ceifador
tivesse matado todas aquelas criaturas. E talvez ele viesse atrás de mim.
Talvez ele cavalgasse em minha direção naquele exato instante. E era exatamente
por isso que eu não pararia de correr.
É claro que não demorou muito para eu cair de exaustão.
Meus pés ardiam. Respirar me trazia ainda mais dor. O chão rochoso sob mim não
melhorava a situação.
A névoa parecia mais densa na região onde eu estava.
Deveria estar frio, mas não tinha como eu sentir aquilo naquele instante, não
depois de correr tanto.
Eu respirei fundo. Várias vezes. Tinha que recuperar todo
o ar que eu havia perdido na corrida.
Deitado naquele chão, eu não pensei em conforto. Não
sentia nem vontade de me levantar. Não sentia vontade de fazer nada.
Então, ouvi algo que fez meu coração disparar.
O som dos cascos voltou.
Eu comecei a tremer de medo. Porém, não havia mais nada
que eu pudesse fazer.
Eu já havia aceitado a morte minutos atrás. Desistir da
vida agora não seria difícil, ainda mais no estado que eu estava.
Calmamente, o cavalo se aproximou de mim. Os cascos
tocavam gentilmente o solo.
Alguns instantes se passaram. E absolutamente nada
aconteceu.
Eu comecei a ficar inquieto. Aquilo estava me torturando.
Deitado de costas para cima, eu nem podia olhar para o
ceifador.
Eu não queria dizer que eu estava ansioso para morrer.
Mas, infelizmente, esse era o sentimento. Afinal, eu queria que aquilo acabasse
o mais rápido possível. Tamanho suspense era apenas cruel.
Eu não resisti.
Com o que me restava de força, eu me virei, ficando com
as costas no chão.
E eu o vi claramente.
O homem velho, com cabelos e barba grisalhas, e o rosto
cheio de rugas olhava para mim. Ele trajava uma roupa simples. Camiseta azul
com mangas compridas, jeans surrados e sandálias marrons e gastas, além de um
chapéu de palha na cabeça.
O senhor estava montado em seu cavalo castanho com crina
negra. O animal parecia ser extremamente bem tratado, forte e confiante.
O velho carregava uma pá com ambas as mãos. O objeto
parecia ainda mais antigo que o homem que a manejava.
—
Não sabia se você estava vivo ou morto. —
Disse o senhor com um sotaque forte, um pouco intimidador. — Por isso que eu não havia
começado a te enterrar.
Eu fiquei em silêncio. Eu olhava rapidamente do homem
para a pá em suas mãos. Não sabia dizer se ele era um monstro ou uma pessoa
comum. Estranhamente, aquilo não me incomodava tanto. Além disso, algo me dizia
que eu podia confiar nele.
Após alguns instantes, eu consegui perguntar:
—
Você... Você é um coveiro?
—
Pode-se dizer que sim. —
O senhor sorriu. — O
melhor da Cidade da Névoa.
Eu iria falar que aquilo era algo meio estranho de se
orgulhar, porém, havia algo de mais importante no que ele disse.
—
Cidade da Névoa... —
Eu balbuciei. — Onde
fica isso.
O senhor apenas apontou para frente. Pelo espesso
nevoeiro cinzento, eu não pude ver nada.
—Menos
de dez minutos andando e você chega lá. —
O velho acrescentou.
Eu suspirei. Olhei mais uma vez para o senhor. Sua expressão
calma naquele lugar era um pouco desconcertante.
—
Você pode me dizer o que me aguarda lá? —
Perguntei.
O velho sorriu e respondeu:
—
Veja por você mesmo. —
O cavalo começou a andar. —
Eu estou para lá agora. Caso queira um guia para o trajeto... — O animal parou. — Diga. Logo.
Fiquei em silêncio, apenas pensando. Nightmareland era um
inferno, mas, por algum motivo, eu sentia que eu deveria ir para a Cidade da
Névoa. Algo me aguardava. Respostas? Aliados? Uma saída daquele lugar? Eu não
tinha como saber.
Porém, eu precisava me arriscar.
—
Certo. — Eu disse. — Vamos.
O senhor assentiu, sem muita emoção em seu rosto. Ele era
um enigma, mas resolvi confiar nele.
Pelo nevoeiro, seguimos até o nosso destino.
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