Origem
Imagens começaram a vir até a mente de Damian. Em pouco
tempo, elas pareciam reais a ponto de ele poder tocá-las.
O guerreiro viu a si mesmo. Isso é, aquele que ele via
era Damian, porém, cinco anos mais jovem. Aos dezesseis anos de idade, ele não
sabia o quão cruel seria seu destino.
Naquela época, Damian imaginava que todo o seu sofrimento
havia sido deixado para trás há anos.
A guerra havia ceifado a vida de toda a família do
guerreiro. Aos seis anos de idade, ele se viu andando por entre as ruínas de
sua cidade.
O céu azul havia se tornado cinza. As plantações haviam
sido queimadas. As casas foram demolidas e ainda ardiam com chamas vermelhas.
Vestindo roupas esfarrapadas, o garoto tentava não
chorar. A cada passo que ele dava, Damian via um de seus amigos e parentes
mortos.
Sem seus pais, o garoto de seis anos estava confuso.
Não demorou para que o menino caísse de joelhos,
completamente desamparado.
Isso é, até aquele homem vir.
Um guerreiro estendeu a mão para o pobre Damian. Com um
sorriso no rosto, Sebastian prometeu que ele seria salvo.
Os próximos dez anos pareceram passar rapidamente.
Criado por Sebastian e sua esposa, Caroline, Damian se
tornou um guerreiro como poucos.
Agora, aos dezesseis anos de idade, o jovem poderia lutar
ao lado daquele quem ele aprendeu a chamar de “pai”.
Usando uma armadura muito mais simples do que aos vinte e
um anos de vida, feita de ferro e couro, Damian saia de casa. Seu rosto tinha
uma expressão confiante e cheia de vida. Seus olhos brilhavam como se ele
acreditasse em um futuro melhor.
Com um abraço apertado, ele se despediu de uma mulher com
cabelos pretos presos em um coque, roupas simples e olhos castanhos ternos. Com
pouco mais de um metro e sessenta e cinco de altura e o rosto sereno, ela não
parecia ter a idade que tinha. Aos trinta e um anos de idade, aquela era
Caroline, a pessoa que o chamava de filho com um sorriso no rosto.
Ao lado de Damian estava um homem. Com um metro e noventa
de altura, ele trajava uma armadura similar a do jovem. Com uma espada de aço embainhada
do lado esquerdo da cintura e um escudo de ferro nas costas, o sujeito já era
um guerreiro experiente. O cabelo loiro curto e o cavanhaque no rosto eram
acompanhados por uma cicatriz em cima da sobrancelha esquerda, outra na bochecha
direita e, é claro, seus olhos azuis confiantes. Aos vinte e nove anos de
idade, aquele era Sebastian.
Damian pegou sua espada. Na época, era uma arma grande e
grosseira. A princípio, parecia pesada demais para o jovem. Entretanto, em
batalha, ele se mostrava ser um guerreiro excepcional, sabendo usar o peso e o
comprimento da arma ao seu favor em cada ataque desferido.
Com mais um abraço em cada um, Caroline disse adeus.
Porém, ela pediu para que os dois prometessem voltar. Como sempre, Damian e
Sebastian sorriram e, sem hesitar, prometeram voltar sãos e salvos.
As imagens se desfizeram e, rapidamente, outras surgiram.
Damian estava, agora, na frente de um templo em ruínas. Sebastian
estava bem ao seu lado. Mais de trinta guerreiros estavam atrás dos dois.
Aquela não era a primeira missão de Damian. Porém, era a
primeira do gênero.
Não era sempre que uma tropa do exército das Terras
Verdes era mandada em uma busca como aquelas. Entretanto, a ligação daquele
povo com a magia era forte e, também, antiga. Séculos, talvez milênios atrás,
seus antepassados já conjuravam feitiços com maestria.
Com o tempo, porém, parte do conhecimento foi perdido. E
eram assim que essas missões surgiam.
Quando alguma pista surgia, soldados das Terras Verdes
iam atrás de algum artefato ou pergaminho mágico esquecido. Era algo
relativamente raro. Por isso, tais missões eram confiadas somente a poucos. E
Sebastian era bem respeitado a esse ponto.
Nada de muito perigoso deveria estar à espera da tropa. O
povo antigo que construiu aquele templo queria compartilhar seu conhecimento,
em especial com seus sucessores. Não havia sentido protegê-lo com alguma armadilha,
principalmente por que os outros povos não conseguiriam achar aquele lugar.
—
Não consegue mesmo sentir? —
Perguntou Sebastian.
Damian balançou a cabeça em uma negativa.
Sebastian bufou e disse:
—
Você ainda tem que melhorar nessa parte. E muito.
—
Eu já sou bom o suficiente com uma espada. —
Damian retrucou.
—
E é exatamente por isso que você é previsível. —
Sebastian afirmou. — Não
estou pedindo para que você invoque uma tempestade ou bolas de fogo. Muito menos
peço para que você pegue uma varinha e coloque um vestido. Mas saber pressentir
a magia ao seu redor pode ser muito útil. E saber usá-la pode te fortalecer, te
deixar mais ágil ou até mesmo curar seus ferimentos. Você sabe muito bem disso.
Damian manteve-se em silêncio, olhando para baixo. Ele já
havia tentado dominar, pelo menos, o básico de magia, mas nunca tinha sucesso.
—
Senhor. — Um dos guerreiros
se dirigiu a Sebastian. —
Estamos todos prontos.
—
Ótimo. — Ele esboçou
um sorriso. — Vamos.
Os soldados começaram a se dirigir para a entrada do
templo subterrâneo. Sebastian os liderava. Damian ficou um pouco para trás,
pensativo.
Agora, mais do que nunca, a voz de um dos guerreiros era
nítida em sua mente:
—
Tenho um mau pressentimento sobre isso. A magia esta forte no ar, densa como
uma névoa.
— Besteira. — Disse uma guerreira.
—
Você está exagerando. —
Acrescentou um soldado.
Damian, agora, sabia que aquilo não era exagero.
O jovem encarava a porta do templo. Ele não queria
entrar. Mas ele tinha que seguir Sebastian. Ele tinha que prosseguir com a
missão. E, principalmente, aquilo era um sonho que recapitulava seu passado.
Não havia nada a ser feito a não ser assistir aquilo.
As imagens se desfizeram. Era chegada a hora dos momentos
mais angustiantes daquela dia virem.
Damian podia ver a si mesmo se aproximando da parte mais
profunda do templo. Lá, ele estava à beira do desespero. Criaturas feitas de
sombras o atacavam impiedosamente. Seus membros se alongavam em armas. Uns
pareciam atacar com espadas. Outros usavam lanças. Alguns atirar flechas e até
conjurar feitiços.
Com poucos ataques, Damian conseguia derrotar os
adversários. Porém, isso não o deixava mais confortável. Os corredores de pedra
estavam iluminados por uma luz vermelha sobrenatural. O som dos gritos das
criaturas o deixava tonto. Os golpes de seus adversários eram tão fortes quanto
os seus. Chamas negras e longos braços afiados o atacavam. Sua armadura tinha
dezenas de arranhões. Parte do peitoral havia sido destruído. Seus braços
tinham queimaduras leves. O desespero estava estampado em sua face encharcada
de suor.
O cenário foi ficando cada vez mais caótico. Damian percebeu
que as criaturas de sombras também atacavam umas as outras. A cada instante que
passava, todos pareciam ficar mais agressivos. Isso incluía o jovem guerreiro.
Seus ataques se tornavam cada vez menos precisos e
desgastantes para si. Sua respiração estava ofegante. Sua visão estava ficando
turva.
Damian mal conseguia pensar. Aquilo havia acontecido tão
de repente.
Paredes haviam se levantado. Portas foram trancadas
misteriosamente. O fogo das tochas havia se extinguido abruptamente. Tudo havia
acontecido para separar os soldados uns dos outros.
Porém, o desespero não havia sido o suficiente para
derrubar Damian. Ele seguia em frente, derrotando toda criatura que surgia em
seu caminho.
Entretanto, o jovem guerreiro não sabia para onde ele
estava indo. Ele seguia praticamente cambaleando pelos corredores, apoiando-se
nas paredes, torcendo para que o mundo a sua volta parasse de girar.
Damian não sabia quanto tempo havia se passado. Porém,
agora, ele havia chego a uma sala diferente das outras.
O salão era gigantesco. O teto estava a quase cinco
metros do chão. E, do outro lado da sala, havia uma porta aberta. Nela, uma
criatura diferente das anteriores entrou.
Ela era bem mais alta que as anteriores, com quase dois
metros de altura. Sua forma era mais sólida do que a das outras. Seus músculos
eram bem definidos. A cabeça parecia uma caveira com longos chifres pontiagudos
nas laterais. O braço esquerdo tinha uma longa placa presa a ele, como um
escudo. O direito se estendia por mais um metro, tocando o chão, tendo uma
extremidade afiada como uma espada.
A criatura rugiu e avançou contra Damian. Com um brado, o
jovem correu contra o oponente.
A lâmina do monstro desceu contra a cabeça do guerreiro.
Rapidamente, ele bloqueou o ataque com sua espada na horizontal. Ferozmente, a
criatura repetiu os ataques.
Uma. Duas. Três vezes mais o monstro atacou Damian. O
jovem nada fez a não ser bloquear os golpes. Ele estava esperando uma brecha
para contra atacar. Afinal, seu oponente era muito mais rápido que ele.
Desferir ataques desesperadamente não funcionaria agora.
A espada da criatura veio, agora, da esquerda para a
direita. Em seguida, da direita para esquerda. Damian apenas recuava, desviando
dos ataques.
A criatura rugiu. Rapidamente, ela atacou de cima para
baixo com sua espada. Com um giro veloz para a esquerda, Damian esquivou do
golpe.
Desta vez, porém, o monstro foi imprudente. Seu ataque o
deixou desprotegido.
O jovem guerreiro não perdeu a oportunidade. Com um
rápido golpe da esquerda para a direita, ele atingiu o monstro.
Damian sentiu sua espada atravessar a pele da criatura
que era dura como metal. Sua lâmina deixou uma marca escarlate no monstro por
onde sangue começou a verter.
Um rugido ainda mais pavoroso que o de antes. Com isso, a
criatura avançou novamente.
Como antes, o monstro optou por atacar de cima para
baixo. Damian usou a mesma defesa para bloquear o golpe.
O jovem olhou de relance para seu adversário. A criatura
parecia estar ficando cansada. Sangue ainda vertia por sua ferida.
Damian percebeu que, caso as coisas continuassem daquele
jeito, ele poderia vencer.
O monstro atacou novamente da mesma maneira. Damian
defendeu, sentindo seus braços doerem. Porém, ele viu uma nova oportunidade.
Com a espada ainda bloqueando o ataque anterior de seu
inimigo, o jovem resolveu golpear monstro de outra forma.
Com toda a força que ele tinha, Damian chutou o abdômen
da criatura, diretamente na ferida que ele havia causado.
O monstro rugiu e caiu ajoelhado.
Rapidamente, o guerreiro atacou. Sua lâmina desceu contra
a cabeça da criatura.
Em um instante, o braço esquerdo do monstro surgiu na
frente da espada de Damian, bloqueando o ataque.
O guerreiro olhou rapidamente para o braço direito de seu
oponente. A criatura iria golpeá-lo com sua lâmina.
Damian trincou os dentes e, em seguida, bradou.
O mais rápido que ele pôde, o jovem guerreiro atacou. Seu
joelho direito atingiu o queixo do monstro, atordoando-o e fazendo-o perder o
equilíbrio, caindo para trás.
Damian respirou fundo.
A sua frente, a criatura estava caída com o corpo estirado
no chão.
O guerreiro sabia que só tinha uma oportunidade. Afinal,
ele não teria mais forças para um próximo ataque.
Com toda a força que ele pode reunir, Damian gritou e atacou.
Sua espada atravessou o abdômen da criatura, fincando-a
no chão.
A respiração do guerreiro estava ofegante. Trêmulo,
Damian se apoiou em sua espada.
Aos poucos, as trevas do monstro foram se dissipando.
A vista cansada do guerreiro não conseguia enxergar
direito o que acontecia.
Suas pálpebras pesavam.
A criatura foi se desfazendo, deixando, no lugar, um
homem.
O guerreiro não queria acreditar em seus olhos.
Atônito, Damian viu sua espada cravada no peito de
Sebastian.
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