Capítulo 10
Os Arcanos do salão, que até alguns instantes atrás estavam
sentados calmamente no grandioso mosaico do chão da sala, levantaram-se às
pressas e se dirigiram para as paredes laterais, deixando um corredor livre
para que Elise se aproximasse.
—
Venha! — Disse
Valentina com a voz firme. —
Vamos acabar logo com isso...
—
Você espera que eu me ajoelhe e espere você cortar minha cabeça!? — Elise retrucou. Sua voz
era tão imponente quanto a da adversária agora.
Os olhares de todos os presentes na sala, inclusive o de
Ishmael, voltaram-se, arregalados, para a sacerdotisa. Murmúrios vieram em
seguida.
—
Ah... — Um sorriso
discreto surgiu no rosto da mageknight. —
Pretende lutar?
—
Eu fiquei mais forte. —
Elise disse séria. —
Caso contrário, não teria vindo até aqui.
—
Mais forte... —
Valentina cruzou os braços. —
Certo... Vamos ver se não é só falatório...
Calmamente, ela começou a andar pelo corredor. Seus olhos
estavam fixos em sua oponente.
Os espectadores, atentos, discutiam. Ninguém tinha coragem
de enfrentar a Lady Lockhart. Aqueles que travavam confrontos contra os Arcanos
não ousavam enfrentar a mageknight sem ter uma boa vantagem numérica. E, além
disso, ela era nova para padrões de magos. Certamente se tornaria mais poderosa
que o Ancião algum dia. Muitos já a respeitavam mais do que seu líder, Ishmael.
—
Você tem certeza...? —
Murmurou Lumia para Elise.
—
É a minha melhor chance de sair daqui com vida... — A sacerdotisa respondeu. — E com Lily... — Seus olhos foram ao
encontro dos de Viktor. —
Então... Vale a pena arriscar.
—
Não espere que o inimigo haja de maneira honrosa. —
Avisou Dreadraven.
—
Não se preocupe. —
Elise sorriu. — Eu conheço a Lady Lockhart. Ela não faria
nada do gênero...
—
Eu não estava falando dela... —
O doutor esclareceu.
A sacerdotisa não disse mais nada. Ela apenas olhou para
onde o companheiro olhava. Ishmael, sentando em seu trono, olhava para Elise e
seus amigos com uma expressão severa, certamente impaciente e intimidadora, em
seu rosto velho. Ela se lembrava do que o Ancião era capaz quando irritado.
—
Você vai se sair bem. — Disse
Viktor, quebrando um pouco a tensão no ar. Seu tom de voz não era muito
animado, porém, Elise sabia que o Sandrealmer não diria algo como aquilo
sarcasticamente, não numa situação como aquela. —
Tenho certeza. — Ele
esboçou um sorriso.
Então, entre murmúrios dos Arcanos e desejos de boa sorte
dos aliados, a sacerdotisa respirou fundo e andou com passos firmes até
Valentina. A mageknight, por sua vez, aguardava sua adversária. Na mão direita,
estava a sua espada. No rosto, uma expressão satisfeita.
—
Coragem você tem, garota. —
Ela disse quase alegre. —
Isso não dá pra negar...
—
Obrigada... — Elise
falou com um sorriso no rosto e, então, levantou os punhos cerrados que
começaram a soltar faíscas brancas. Seu olhar estava mais determinado do que
nunca. —
Agora, vamos... Mestra.
—
Vamos! — Valentina
retribuiu o sorriso e, então, olhou para sua espada. — Hm... —
Seu olhar se voltou para sua aprendiza. —
Espero não ter que usar isso... —
Disse séria, num tom mais baixo.
—
Espero o mesmo...
Com entusiasmo, a mageknight guardou a arma atrás da cintura
e respirou fundo.
—
O que é isso? —
Protestou Ishmael. O Ancião soava irritado. Sua voz ecoou pelo salão. — Não pretende matar a
traidora? Não pretende seguir as minhas ordens!?
O lugar ficou em silêncio como se as vozes de todos fossem,
de repente, roubadas.
Ishmael era, sem duvidas, um dos Arcanos mais poderosos de
todos os tempos. Com a idade, veio a sapiência, inegável pelos seus aliados e
inimigos igualmente. Seus conhecimentos foram aprofundados. Suas habilidades
como feiticeiro, aperfeiçoadas. Guiado por sua fé inabalável, ele era o maior
exemplo a ser seguido naquele templo.
Entretanto, com o passar do tempo, sua paciência se tornava
cada vez mais escassa. O outrora pacífico Ishmael se transformou em alguém
amargo. Seu jeito pacífico e solene foi substituído por um caráter belicoso,
levemente sádico. Tendo em mente o seu poder, os acessos de fúria daquele velho
homem podiam ser devastadores. Disso, muitos daquele salão já sabiam. Era como
se o respeito houvesse sido substituído pelo medo.
Assim, o tirano reinava absoluto em seu trono.
—
Eu vou dar uma última luta para minha antiga aluna. — Valentina respondeu inabalada. — Uma maneira de redenção
antes da morte, se assim preferir.
—
Uma morte digna para uma traidora? —
Ishmael riu com escárnio. —
Percebe o quão sem sentido seria propor isso? Percebe o quão estúpido seria de
sua parte!?
Mais uma vez, o silêncio reinou no salão. E assim mesmo, sem
dizer nada, a mageknight respondeu. Seu olhar para o Ancião transbordava com
uma intenção assassina.
—
O quê...? — Ishamel
quase parecia preocupado.
—
Não se preocupe... —
Valentina disse pausadamente. —
Isso vai acabar rápido...
A Lady Lockhart, então, voltou-se para Elise. Seu olhar se alterou, não mais ameaçador. Agora
gentil, ela parecia convidar a sacerdotisa para um jogo.
— Sem
pressão, ok? —
Valentina disse num tom baixo para que o Ancião não pudesse ouvir. — Não pretendo te matar,
mas não espere que eu vá pegar leve.
—
Eu nunca esperaria isso. —
Elise sorriu.
Então, com uma ordem de Ishmael, vinte Arcanos fizeram um
círculo ao redor das duas adversárias. Levantando as mãos, uma barreira começou
a surgir na frente de cada um dos magos. Curvadas, as paredes de luz branca
foram, aos poucos, unindo-se com as que estavam ao lado, fortalecendo-se e estendendo-se.
Em questão de segundos, a arena de Elise e Valentina estava
pronta: sob um domo de luz, não havia para onde fugirem enquanto aqueles magos
estivessem a postos.
—
Temos bastante espaço mais que o suficiente para lutarmos... — Comentou a mageknight. — Alguém ainda espera que
isso vire uma luta de espadas... —
Ela bufou. — Enfim...
Vamos...
Rapidamente, o punho direito de Valentina foi envolto por
chamas. Com um soco, o fogo foi lançado contra Elise. Surpresa, a sacerdotisa
ergueu uma barreira de luz bem a sua frente, conseguindo bloquear o ataque sem muitas
dificuldades.
Os Arcanos começaram a torcer. Com gritos, urros e punhos
socando o ar, eles torciam pela Lady Lockhart. A preocupação de Viktor,
Dreadraven e Lumia aumentava.
—
Está rápida, hein? —
A mageknight sorriu. —
Metade desses Arcanos frouxos não teriam levantado uma barreira a tempo...
—
Magia defensiva é a minha especialidade, lembra? —
Disse Elise enquanto mantinha sua defesa. —
Contra um ataque fraco desses, então, nem precisei de muito...
— Fraco... —
Ela repetiu a palavra como se sentisse o gosto amargo dela. — Pois bem... Vamos usar
mais alguns desses... Veremos o quanto você aguenta...
Com essas palavras, Valentina socou o ar novamente. Uma, duas,
três vezes. A cada golpe dado, uma nova bola de fogo era arremessada contra a
barreira de sua oponente. A cada instante que se passava, os ataques ficavam
mais rápidos, drenando a energia da fina parede de luz pouco a pouco.
Uma centena de bolas de fogo. Pelo menos, foi o que pareceu
para Elise. Após a saraivada de ataques, sua barreira cedeu. Com uma expressão
triunfante, Valentina lançou uma última esfera de chamas. Mais poderosas que
qualquer uma das últimas, o cometa foi ao encontro de Elise.
Um passo rápido da direita. Foi tudo o que foi possível
fazer em um intervalo tão curto de tempo. Felizmente, com isso, a sacerdotisa
desviou do ataque de sua mestra. A explosão de labaredas acertou a barreira de
luz que delimitava a arena, não causando danos a ninguém. O calor intenso das
labaredas, porém, não permitiam que Elise baixasse sua guarda. Um movimento em
falso, alguma reação tardia ou uma falta momentânea de foco e o seu fim estaria
definido.
—
Nada mal. — Admitiu
Valentina que havia acabado de cruzar os braços. —
Sete a cada dez desses molengas a sua volta já teria virado churrasco... Até
que...
A mageknight se calou.
Ela havia se agachado o mais rápido que pôde. Um raio branco
passou logo acima de sua cabeça, arrepiando alguns fios de seu cabelo loiro.
—
Não sabia que íamos ficar conversando... —
Elise sorriu confiante.
—
Ora... — Ela deu uma
única risada. —
Raios, é...?
Os antebraços de Valentina foram envoltos por correntes
elétricas brancas. Em seu rosto, uma expressão de alguém que estava feliz por
estar lutando. Ela respirou fundo e, então, lançou um olhar desafiador para
Elise.
A sacerdotisa não perdeu tempo. Rapidamente, ergueu uma
barreira de luz.
Entretanto, ela não duraria.
Três ataques. Um raio após o outro eles vieram. Em um
segundo a parede de luz cedeu.
Desprotegida, a sacerdotisa olhou sem reação o sorriso
zombeteiro da Lady Lockhart.
—
Será que você consegue desviar de um desses também? — A mestra desafiou a aluna.
Elise não respondeu.
Seus olhos estavam focados nos antebraços de Valentina.
Os raios pareciam se mover ainda mais inquietos. Tremendo
freneticamente, pareciam fora do controle da maga, quase escapando de seus
braços, escorregando pelos seus dedos, prestes a atacar o salão inteiro. A
barreira de luz dos Arcanos serviria mais como uma proteção para eles mesmos do
que uma arena para as duas.
A mageknight rugiu. Elise ergueu suas mãos. Uma barreira
surgiu. O raio atingiu o teto do domo de luz, errando a sacerdotisa por questão
de metros.
Muitos provavelmente diriam que Valentina errou o ataque.
Inclusive, que foi intencional, a fim de poupar sua antiga aluna. Estes
estariam certos e errados ao mesmo tempo: a trajetória do feitiço foi
intencional, porém, ela não estava poupando Elise.
O raio ricocheteou contra o domo de luz, voltando
rapidamente contra as costas da sacerdotisa.
Elise gritou de dor. Ela caiu de joelhos enquanto a
eletricidade percorria seu corpo, espalhando a dor e fazendo músculos se
contraírem fora de seu controle.
Dreadraven, Lumia e Viktor gritavam para a amiga se
levantar. Os Arcanos riam, aplaudiam e torciam ainda mais alto pela Lady
Lockhart, zombando da desafiante. Ishmael exibia um sorriso cruel, sem mostrar
os dentes, enquanto ria baixo. Claramente, alguém aproveitava o sofrimento da
sacerdotisa.
—
Droga... — Elise
tossiu.
Sua respiração estava, agora, ofegante. A visão, turva. Ela
se sentia tonta, olhando para baixo, esperando que o mundo parasse de girar tão
rápido.
—
Para a sua sorte, esses raios não são tão fortes. — Informou Valentina.
Elise levantou os olhos na direção da mestra. Ela viu sua
oponente parada, de braços cruzados, com uma expressão séria no rosto. Seu
olhar voltou para o chão em seguida.
—
Seria impossível matar alguém como você só com um desses. — Valentina olhou
rapidamente para as correntes elétricas que ainda percorriam seu braço direito.
Então, suspirou. —
Você lutou bem... Não espero que você continue lutando. Ninguém espera...
Houve um momento de silêncio quase absoluto. Apenas a
respiração arfante de Elise podia ser ouvida.
— Vou
acabar logo com isso... —
Valentina sacou sua espada sem muito entusiasmo. —
Ok?
Sem resposta.
—
Ok... — A maegknight
apontou a ponta de sua espada na direção do pescoço de sua antiga aluna. — Desculpe-me...
—
Não... — Elise disse
com dificuldade. — Não...
Valentina hesitou. Todos os espectadores ficaram
apreensivos.
—
Não vou desistir... —
A sacerdotisa falou. Parecia haver determinação em sua voz fraca. — Não posso desistir...
Elise, lentamente, começou a se levantar. A dificuldade era
clara, porém, sua cabeça estava erguida. Uma vez de pé, ela encarou a mestra na
mesma altura novamente.
—
E se eu não desistir... —
Ela sorriu para a adversária. —
Você vai ter que continuar a lutando.
— Olha
só... — Valentina
pareceu surpresa por um segundo e, então, ficou contente, guardando sua espada.
— Continua me
surpreendendo, garota... Continue assim, ok?
Elise assentiu. Sua mestra sorriu. O brilho nos olhos
indicava que ela voltaria a lutar como se nada tivesse acontecido.
A mageknight estendeu as mãos. Uma saraivada de raios veio
em seguida. Ricocheteando por todas as paredes da arena, os ataques iam contra
Elise por qualquer ângulo imaginável.
A sacerdotisa, entretanto, estava preparada desta vez.
Sob um clarão de raios, ninguém mais conseguia ver Elise.
Apenas quando Valentina cessou seus ataques foi possível ver o que fora feito
pela sacerdotisa.
—
Nada mal... — Admitiu
a mestra ao olhar para aluna.
Sob um pequeno domo de luz, Elise sorria sem um arranhão no
corpo. A magia ter drenado um pouco de suas forças, mas Valentina estava
certamente mais cansada após a saraivada lançada por ela mesma.
—
Graças a Yamlight... —
Suspirou Lumia aliviada.
Viktor pensou em fazer algum comentário sobre o que salvou
Elise foi ela mesma e não um suposto deus, porém, resolveu ficar quieto e
sorrir pela amiga que ainda lutava.
—
Impressionante. —
Dreadraven elogiou. —
Porém... Elise terá que fazer muito mais do que defender para ganhar.
Lumia e Viktor trocaram olhares preocupados. Eles sabiam que
Dreadraven falava a verdade. Atacar era, obviamente, obrigatório para vencer
uma luta. Então, qual seria a estratégia de Elise? Cansar a oponente primeiro?
Esperar o momento perfeito para contra-atacar? Mudar sua forma de lutar
repentinamente, esperando pegar a adversária de surpresa?
Eles até poderiam discutir, mas não queriam. Não assistiam a
uma luta qualquer sem motivo algum fora o entretenimento. O duelo que ocorria
bem diante de seus olhos poderia terminar com a morte de uma amiga. O
nervosismo estava quase incontrolável. Os dois se seguravam para não atrapalhar
e algo pior acontecer. Afinal, todos podiam ser executados se Ishamel assim
quisesse. Por ora, Viktor e Lumia ficariam quietos como Dreadraven, atentos ao
combate.
—
Está fazendo algo sozinha que precisou de vinte Arcanos juntos... — Comentou Valentina de
braços cruzados. —
Numa escala menor, é claro... Porém... Parece tão resistente quanto essa a sua
volta... — Ela
sorriu. — Nada mal
mesmo...
—
Porém...? —
Indagou Elise.
—
Porém... — Ela
começou. — Não vai
durar por muito mais tempo.
A mageknight apontou para o domo de luz. Na ponta de seu
indicador, uma chama começou a brilhar. Então, a atmosfera mudou.
O tempo parecia se arrastar vagarosamente. O ar estava se
alterando pouco a pouco. Quente, denso, sufocante. Elise estava suando. A
sacerdotisa teve a sensação que tudo a sua volta se transformaria em chamas.
Então, ela viu que seu pensamento não estava muito longe da
verdade.
Na ponta do indicador de Valentina, Elise podia ver que
pequenas brasas pareciam estar se convergindo, unindo-se num vórtice de
pequenos pontos incandescentes rente a unha da adversária.
A sacerdotisa não tinha certeza do que estava por vir,
porém, um mau pressentimento a avisou que sua defesa não seria suficiente.
Um tiro veio da ponta do indicador de Valentina. Um projétil
de chamas concentrado zuniu. O som fez o ar tremer. Elise se agachou. O ataque
passou por sua barreira, por cima de sua cabeça, atravessando o outro lado de
seu domo, transpassando os limites da arena.
Elise olhou boquiaberta a destruição. Enquanto a sua defesa
cedia, desfazendo-se como uma folha de papel sobre uma fogueira, ela viu o
projétil atravessar o peito de um dos Arcanos que mantinha o grande domo.
Enquanto ele caía sem vida, o tiro prosseguiu sua rota, levando mais seis magos
que não foram rápidos o suficiente para desviarem, causando caos até mesmo
depois de parar contra uma parede do salão.
Sem um dos Arcanos que mantinha a barreira, um buraco logo
surgiu no domo, deixando o resto de sua composição instável. Elise poderia tentar
fugir, ainda mais aproveitando aquele alarde. Porém, aquilo não salvaria Lily
e, muito menos, provaria seu valor a sua mestra.
O tumulto e gritos, entretanto, logo tiveram fim.
—
Basta! — Vociferou
Ishmael. — O duelo
ainda não acabou! Voltem até onde estavam ou saiam deste salão imediatamente.
Como de esperado, as vozes se silenciaram.
Um Arcano assumiu o lugar do primeiro morto, restaurando o
domo. Alguns magos deixaram o lugar para levar seus amigos atingidos até onde
pudessem tentar curá-los em paz. Outros, porém, já sabiam que não conseguiriam
salvar seus companheiros. Algumas cerimônias fúnebres já seriam providenciadas.
Entretanto, houveram aqueles que deixaram o local apenas por não mais
aguentarem o jeito do Ancião. Não havia alguém capaz de contrariá-lo ou
enfrentá-lo, logo, afastar-se dele era a solução mais sensata.
—
Prossigam! —Ishmael
ordenou.
Elise e Valentina trocaram olhares. Ambas estavam cansadas
daquele tirano. Porém, nada seria menos sábio do que enfrentarem o Ancião
naquelas condições. Cansadas e sem um plano, nunca poderiam enfrentar o velho
Arcano aliado ao seu exército de seguidores.
—
Bem... — Valentina
bufou e, então, exibiu um sorriso desafiador. —
Sinceramente, eu não vou aguentar lutar por mais cinco minutos... Então... Vou
tentar acabar com isso logo... Certo?
Ela nem ao menos esperou uma resposta. Da sua mão direita,
chamas irromperam. Controladas pela mageknight, elas foram tomando forma,
alongando-se até formar uma espada de fogo.
—
Ah... — Elise sorriu.
— Isso ainda faz parte
da luta de magos?
—
Caro que sim. —
Valentina retribuiu o sorriso. —
Enquanto eu não sacar a minha espada de Azzurra, não estou quebrando nenhuma
regra... — Raios
saíram da sua mão esquerda. Rapidamente, eles se moldaram no formato de uma
segunda espada. — Ou
estou?
Elise riu. Foi uma risada baixa, porém, alegre.
—
Se ninguém é contra... —
Os punhos da sacerdotisa brilharam com uma luz branca. — Pode vir, mestra.
Valentina não perdeu tempo. Com um urro, ela avançou contra
a adversária.
Elise sabia que não podia permanecer mais imóvel. Suas
barreiras cairiam rapidamente contra os ataques da mageknight e, quando
caíssem, sua oponente estaria perto demais. Contra duas espadas a curta
distância nada poderia ser feito. Não haveria como correr e, muito menos, como
erguer mais uma parede de luz. O jeito seria tentar desviar dos ataques, usar
defesas rápidas.
A espada de chamas veio pela direita. A de raios, pela
esquerda. Ataques fortes e, principalmente, rápidos. Eles vinham contra o peito
de Elise. Quase impulsivamente, a sacerdotisa colocou seus braços entre seu
tórax e as armas.
Fogo e relâmpago se chocaram contra Elise. Explosões seguiram
os golpes. Entretanto, nenhuma das espadas conseguiu atingir a sacerdotisa.
Valentina observou, legitimamente surpresa, dois broqueis de
luz nos antebraços da adversária. Quase transparentes, os pequenos escudos
arredondados se desfizeram perante seus olhos, desfazendo-se lentamente após
absorverem o impacto dos ataques.
—
Infelizmente, eles não aguentam muito dano. —
Elise admitiu. —
Porém, consigo fazê-los sem muito esforço e me cansam muito menos do que as
barreiras.
—
Isso é novidade... —
Valentina deu um passo para trás, cautelosa, ainda brandindo suas espadas. — Nunca vi nada do tipo...
A mageknight respirou fundo enquanto olhava atentamente sua
antiga aluna. Ela havia realmente ficado mais forte. Sua expressão determinada
era prova mais que o suficiente agora. Chegou a desenvolver uma magia, ou
aprender alguma muito rara, focada nesse confronto. Ela tinha certeza daquilo.
Elise havia achado o melhor jeito de parar os golpes de sua espada num
confronto direto. Nunca que aquela sacerdotisa iria se render. Com isso tudo em
mente, Valentina apenas sorriu mais uma vez antes de voltar ao duelo.
Os ataques da mageknight pareciam inúteis agora. Um golpe
era o suficiente para obliterar os escudos. Porém, Valentina não era rápida o
suficiente. Um novo broquel surgia, no mesmo lugar, antes mesmo que ela pudesse
pensar onde atacaria em seguida. Talvez a sacerdotisa pudesse se cansar, porém,
a Lady Lockhart já estava ofegante. Seus golpes ficariam cada vez mais lentos.
Um contra-ataque seria iminente.
Elise não mais fugia. Seus passos rápidos para as laterais
apenas serviam para deixar sua oponente mais cansada. Seus bloqueios eram precisos.
Era quase como se as espadas fossem até seus escudos. Não demoraria muito para
que as energias de Valentina se extinguissem.
Entretanto, a paciência acabou antes.
Valentina atacou. Ambas as espadas golpearam ao mesmo tempo.
O impacto de uma explosão lançou Elise para trás, roubando-a perder o
equilíbrio.
Caída de joelhos, a sacerdotisa se sentiu fraca. Ela, então,
levantou a cabeça e fitou sua mestra. Ofegante, porém, com um olhar determinado
no rosto. A mageknight começou a andar para os lados, rondando seu alvo, como
se procurasse o melhor ângulo para atacar.
Elise sabia o que viria a seguir.
Custosamente, a sacerdotisa se levantou. Ela endireitou as
costas e respirou fundo. Ao olhar para sua oponente, ela recebeu um olhar
severo.
Valentina não disse uma palavra. Apenas correu. Ambas as
espadas em mãos. Elise apenas observava. De repente, a mageknight saltou. Suas
armas apontavam para o alto. A sacerdotisa estendeu as mãos contra a oponente.
Um domo surgiu sobre Elise. As espadas de se chocaram contra
sua defesa. Fogo e relâmpago rugiram. A sacerdotisa viu seu grande escudo
rachar.
Com um estrondo, o domo veio abaixo. Então, tudo pareceu se
mover lentamente.
Os cacos de luz caíram no chão como se fossem de uma taça
quebrada. Valentina, exausta, aterrissou bem em frente à adversária,
praticamente se ajoelhando. Ela podia ver os fragmentos da última defesa da
oponente no chão. Em breve, eles iriam se desfazer como pó. Ela tentaria fazer
com que a antiga aluna tivesse um fim menos drástico.
A sacerdotisa estava indefesa. A mageknight tinha duas
espadas. Era o fim.
Valentina levantou a cabeça. Ela olharia sua adversária nos
olhos antes de derrotá-la. Apenas um golpe era preciso para terminar aquela
luta.
E assim foi.
Os olhos de Valentina encontraram a mão aberta de Elise.
Raios emanavam dela. Antes que ela a mgeknight pudesse reagir, uma descarga
elétrica atravessou seu crânio. Seu corpo caiu imóvel no chão branco da arena.
O silêncio reinou por alguns instantes. Então, murmúrios
começaram. Todos estavam inquietos.
Os Arcanos desfizeram o domo de luz. Alguns se aproximaram
da Lady Lockhart, ignorando Elise que estava ajoelhada a pouco menos de um
metro de distância. No rosto da maga, viram um sorriso contente.
Nesse momento, Dreadraven, Lumia e Viktor tentavam
atravessar um mar de magos curiosos para chegarem até a amiga.
— Ela
morreu? —Indagou um.
—
Não pode ser. — Outro
disse incrédulo. —
Ela não morreria tão fácil... Não é?
—
Ela é durona, mas levou um raio da cabeça... —
Murmurou uma. — Não é
algo que se sobrevive com facilidade...
Então, os Arcanos que estavam envolta da Lady Lockhart se surpreenderam
e, ao mesmo tempo, sentiram-se aliviados.
Valentina, no chão, ria suavemente.
—
Garota... — Ela murmurou.
— Não esperava que
você fosse pegar leve comigo.
—
Queria estar morta agora? — Indagou Elise,
aproximando-se da mestra, num tom brincalhão.
—
Claro que não... Mas... Nossa... —
Valentina levantou o tronco com certa dificuldade e, então, olhou para os olhos
da antiga aluna. — Não
imaginava que você fosse ficar tão forte... E tão rápido assim...
—
Talvez você só esteja ficando velha.
—
É bem provável.
Elise, então, sorriu e estendeu sua mão para Valentina. A
Lady Lockhart retribuiu o sorriso e, com a ajuda daquela que a derrotou,
levantou-se contente.
A atmosfera parecia mais leve, calma. Isso, porém, não
duraria.
Uma mão puxou abruptamente Valentina para trás, fazendo-a
cair de costas no chão.
Antes que Elise pudesse reagir, duas pessoas ao seu lado
seguraram seus braços e a forçaram a se ajoelhar.
Os Arcanos foram saindo lentamente do campo de visão da
sacerdotisa. Outras pessoas pareciam guiá-los para fora do caminho, ignorando
protestos, usando a força bruta sem hesitar.
Então, os olhos de Elise encontraram a carranca de Ishmael.
—
Você lutou bem. —
Admitiu o Ancião. —
Mas isso não vai mudar a sua pena. —
Ele disse pausadamente. —
Você será executada.