O Estranho
Não demorou muito para que os dez companheiros voltassem
a investigar os arredores. A luta anterior fora cansativa, porém, não foi o
suficiente para esgotar as energias de nenhum deles. Todos conseguiam não só
andar, como também, lutar. Portanto, enquanto ninguém sentisse necessidade de
dormir ou comer, os dez poderiam continuar aquela missão.
Entretanto, as lutas não seguiram conforme o planejado.
Eles já haviam percebido que não havia muitas criaturas nas redondezas. Agora,
então, após matarem o Lobo Alfa, poucas eram as criaturas tolas o bastante para
cruzarem o caminho deles.
Nenhum desafio veio até os dez. Algumas duplas ou, no
pior dos casos, trios de lobos apareciam esporadicamente para confrontá-los. Aquelas
feras pareciam desesperadas. O olhar perdido e a forma de luta imprudente delas
evidenciavam isso. Era quase como se aqueles animais não tivessem opção. Como
não havia muitas criaturas na redondeza, era possível que aqueles lobos apenas
não tivessem outra alternativa para se alimentar.
Porém, nenhum dos dez questionava aquilo. As lutas não
apresentavam desafio e, portanto, não os desgastavam muito fisicamente. Além
disso, eles também precisariam, eventualmente, alimentar-se. Nenhum deles havia
julgado necessário pegar a carne dos lobos do primeiro confronto, com uma
exceção: a daquela criatura que se assemelhava a um coelho. Apesar do animal
ter parado de exalar aquele cheiro doce com tanta intensidade, não havia como
nenhum dos dez esquecer aquele aroma que lhes trazia água na boca.
Antes dos dez resolverem, enfim, parar para comer e descansar
apropriadamente, eles conseguiram recolher uma boa quantidade de alimento.
Ghost e Huntress se encarregaram de caçar a maioria dos animais que encontraram
no caminho. Afinal, armadas com armas que a permitiam atacar a distância, era
muito mais fácil para elas acertarem os alvos menores e mais ágeis. Então, a
maioria, que lutava usando armas brancas, focou-se em lutar com os poucos lobos
que apareciam enquanto Ghost e Huntress, com facas de arremesso e flechas, caçavam
outras criaturas, como coelhos e uma espécie de ave.
Esse tipo de pássaro era incomum. Eles não deviam ter
muito mais do que trinta centímetros de comprimento da ponta do bico até as
penas da cauda. Os pés, que tinham garras afiadas e curtas, eram prateados. As
penas de seus corpos eram brancas como a neve. Os bicos, que eram da mesma cor
das patas, tinham um formato ovalado, sem ponta. Os olhos, apesar de pequenos,
eram de um azul claro intenso, sendo, para alguns, um tanto quanto perturbador.
Quanto os dez decidiram, enfim, fazer uma pausa, eles já
tinham comida mais do que o suficiente para todos. De aves a lobos a coelhos,
era realmente surpreendente para todos que tamanha variedade fosse obtida. Eles
mal podiam esperar para comer a próxima refeição.
Os dez sentaram do lado de fora de um prédio gigantesco.
Sua altura, na verdade, não era nada de especial. Entretanto, seu comprimento
era assombroso, podendo passar facilmente de um quilometro.
Calmamente, todos se sentaram juntos, formando, de
maneira um pouco irregular, um círculo. Os irmãos sentaram juntos. Ghost estava
à esquerda e, Specter, à direita. Seguindo essa ordem, sentaram-se, sempre à
direita do anterior, o Mago, Overseer, Huntress, Judge, Silver, Pierce,
Juggernaut e, enfim, à esquerda da assassina, Psycho.
Após alguns breves minutos de conversa, a fome começou a
se tornar um problema para alguns. Apesar de estarem cansados, eles teriam que
preparar a refeição. Sem muitas opções, porém, os dez chegaram ao consenso que
tudo o que poderiam fazer era limpar, cortar e, por fim, assar a carne. Ghost,
Specter, Silver e Judge se voluntariaram para as duas primeiras tarefas. Não houve
objeções.
Não muito tempo depois, eles voltaram para a roda dos
companheiros. Com eles, pedaços de carne crua estavam prontos para serem
assados. Pelo o que tudo indicava, as carnes mais esbranquiçadas eram as das
aves, enquanto as mais vermelhas eram provenientes dos lobos e, as mais
rosadas, dos coelhos. Prontamente, Psycho propôs que ele preparasse a refeição.
Uma vez que o mercenário carregava dezenas de cristais vermelhos consigo e,
ainda por cima, conseguia manipular as chamas com maestria, ninguém que se opôs
à ideia.
A cena era, no mínimo, inusitada. Enquanto um matador
preparava a comida, os outros mercenários, e o próprio Mago, conversavam
tranquilamente sobre qualquer assunto. É claro que, naquele grupo, existiam
certos conflitos internos. Essas pessoas, obviamente, não conversavam entre si.
Mas, no geral, todos estavam rindo e conversando alegremente. Quase não parecia
que eles estavam em uma missão em que o desconhecido era confrontado a cada
passo.
Quando Psycho terminou de preparar a refeição, rapidamente,
Ghost distribui facas para cada um dos aliados. As simples lâminas eram as
mesmas que ela usava nas lutas. Ninguém nem sabia de onde todas aquelas facas
haviam saído. Foi então que Silver perguntou:
—
Garota... Quantas dessas daí você carrega?
—
Acho que a mesma quantidade que você carrega de cristais. — Respondeu, Ghost,
docemente.
Todos
riram alegremente. Foram, sem dúvidas, risadas genuínas, frutos daquele
momento. Silver, então, disse:
— Você é
precavida então.
— Melhor ter a
mais do que a menos. — Argumentou
Juggernaut com a voz abafada. — Se elas não te
atrapalhem, não há problema de carregar muitas.
Antes
que alguém pudesse dizer mais alguma coisa, o guerreiro tirou o elmo. Enfim, o
rosto de Juggernaut fora revelado. O cabelo loiro era desgrenhado. A barba,
rala. Os olhos azuis eram escuros. O queixo, protuberante, tinha uma nítida
cova no centro. Uma cicatriz na diagonal, bem abaixo de seu olho direito,
marcava o rosto branco de traços fortes.
Poucos
já tinham visto de Juggernaut, então, a maioria ficou um tanto quanto surpresa
por ver o rosto do guerreiro, principalmente pela beleza dele. Um pouco
confuso, ele olhou para os lados. Juggernaut realmente não parecia saber por
que todos o encaravam. Após dar de ombros, ele pegou um pedaço de carne de
coelho e perguntou:
— E vocês? Não
vão comer?
— Claro,
bonitão. — Respondeu
Psycho, rindo baixo.
Então,
em seguida, o mercenário que havia acabado de preparar a refeição tirou sua
máscara. A visão do rosto de Pyscho chocou aqueles que não haviam, anteriormente,
o visto. O homem era calvo, sem barba. Toda a superfície de sua cabeça alva era
marcada por cicatrizes de, talvez, centenas de pequenos cortes. Seus lábios
eram finos e rachados. As íris negras de seus olhos tinham um brilho frio. Então,
Psycho disse apontando para a própria face:
— Isso tudo é
conversa pra outro dia. Se vocês não se incomodam, eu vou permanecer sem a
minha máscara por enquanto.
Todos
os outros pareciam se entreolhar. Enfim, parecia que ninguém comentaria nada. O
clima de tranqüilidade e companheirismo deveria ser mantido. Foi então que
Specter comentou:
— E eu achando
que eu e minha irmã éramos os únicos que éramos assassinos antes de nos
tornarmos mercenários...
Com
esse comentário, todos os outros voltaram seus olhares para Pyscho. O homem riu
baixo e, então, disse:
— Como eu já
havia dito... Isso é conversa pra outro dia. — Ele pegou um pedaço de carne de ave e o levou à boca. Após
engolir, ele continuou a falar. — E vocês? Temos
três encapuzados aqui que eu nunca vi o rosto. Ghost... Specter... — Psycho se voltou para o Mago. — E não vamos nos esquecer do nosso amigo
contratante.
O
Mago olhou na direção dos irmãos. O gesto foi recíproco. Os outros olhavam na
direção deles. Era óbvio que eles estavam curiosos para saber como eles
realmente eram. Então, após murmurarem algo, Ghost e Specter abaixaram seus
capuzes, surpreendendo a todos.
Claramente
os dois eram irmãos. Os cabelos negros. Os olhos azuis claros penetrantes. A
pele pálida. A expressão de serenidade no rosto magro. Todos eram aspectos que os
dois assassinos compartilhavam.
Entretanto,
também havia diferenças. Specter, por exemplo, parecia ser ainda mais magro que
a irmã, basicamente pelo fato de ele ser alto. Com quase um metro e oitenta de
altura, o jovem de cabelo desgrenhado não se parecia nem um pouco como um mercenário.
Entretanto, ele já havia mostrado ser um excelente lutador em lutas corpo a
corpo. Certamente, por mais magro que esguio que fosse o seu físico, Specter
era bem musculoso. Ghost, além de não parecer ser uma mercenária, também não
parecia ser uma assassina. O rosto delicado da jovem, somado a baixa estatura,
um pouco menos de um metro e sessenta, faziam com que ela parecesse uma jovem
frágil. Entretanto, após todos a verem em ação, ninguém ousaria dizer algo do
gênero.
Parecendo
satisfeito, Psycho, então, disse:
— Não doeu, não
é? — Ele riu baixo
e, então, voltou-se para o Mago. — Só falta
você...
Os
olhares de todos agora estavam voltados para o Mago. Ele não conseguia entender
o porquê de tamanha curiosidade. Enfim, após bufar, o Mago baixou o capuz.
Sua
pele era ligeiramente morena. Seus cabelos castanhos curtos eram levemente
espetados. Seu rosto liso tinha uma expressão de seriedade. Porém, eram os olhos
que chamavam mais atenção, uma vez que suas íris tinham uma coloração violeta
que parecia brilhar.
Aquela
característica era muito comum em seu povo, por isso o Mago não entendia por
que todos os mercenários a sua volta olhavam embasbacados para ele.
Entretanto,
antes que alguém pudesse falar mais alguma coisa, um ruído soou. Os dez se
voltaram para a origem do barulho. O que quer que fosse aquilo, vinha de dentro
do prédio à frente deles.
Mais
vezes aquele som soou. Aquilo parecia estar se aproximando dos dez. Ao
perceberem isso, todos brandiram suas armas. Eles não poderiam permanecer a
guarda baixa. Uma criatura desconhecida poderia vir contra eles a qualquer
momento.
Em
poucos instantes, os sons se aproximaram. Agora, eles podiam, parcialmente,
distinguir o que era aquilo. Pareciam passos dados por alguém trajando uma
armadura pesada misturado com algo que eles nunca haviam ouvido antes.
Passados
mais alguns instantes, a porta da edificação se abriu. De lá, saiu a criatura
mais estranha que eles já haviam visto.
A
primeira vista, o ser, esguio, parecia trajar uma armadura de aço prateado que
estava colada a sua pele. Entretanto, quanto mais ele se aproximava, mais os
dez tiverem certeza de uma coisa: aquela era a pele daquele monstro.
A
criatura humanoide carregava em suas costas um objeto que nenhum dos dez
poderia conhecer. A arma de metal negro com quase um metro de comprimento não
tinha lâminas. Entretanto, ela tinha um gatilho, mira com lentes, um cano,
munição e um gatilho.
O
androide, então, olhou um por um dos dez com seus olhos completamente brancos,
analisando-os minuciosamente. Por fim, ele se dirigiu ao Mago. Com sua voz
distorcida, o androide disse como se lamentasse:
— Isso tudo é
culpa do seu povo podre...
Com
essas palavras, ele apontou o rifle para a cabeça do Mago.