terça-feira, 28 de abril de 2015

A Queda, Capítulo 6

O Estranho


Não demorou muito para que os dez companheiros voltassem a investigar os arredores. A luta anterior fora cansativa, porém, não foi o suficiente para esgotar as energias de nenhum deles. Todos conseguiam não só andar, como também, lutar. Portanto, enquanto ninguém sentisse necessidade de dormir ou comer, os dez poderiam continuar aquela missão.
Entretanto, as lutas não seguiram conforme o planejado. Eles já haviam percebido que não havia muitas criaturas nas redondezas. Agora, então, após matarem o Lobo Alfa, poucas eram as criaturas tolas o bastante para cruzarem o caminho deles.
Nenhum desafio veio até os dez. Algumas duplas ou, no pior dos casos, trios de lobos apareciam esporadicamente para confrontá-los. Aquelas feras pareciam desesperadas. O olhar perdido e a forma de luta imprudente delas evidenciavam isso. Era quase como se aqueles animais não tivessem opção. Como não havia muitas criaturas na redondeza, era possível que aqueles lobos apenas não tivessem outra alternativa para se alimentar.
Porém, nenhum dos dez questionava aquilo. As lutas não apresentavam desafio e, portanto, não os desgastavam muito fisicamente. Além disso, eles também precisariam, eventualmente, alimentar-se. Nenhum deles havia julgado necessário pegar a carne dos lobos do primeiro confronto, com uma exceção: a daquela criatura que se assemelhava a um coelho. Apesar do animal ter parado de exalar aquele cheiro doce com tanta intensidade, não havia como nenhum dos dez esquecer aquele aroma que lhes trazia água na boca.
Antes dos dez resolverem, enfim, parar para comer e descansar apropriadamente, eles conseguiram recolher uma boa quantidade de alimento. Ghost e Huntress se encarregaram de caçar a maioria dos animais que encontraram no caminho. Afinal, armadas com armas que a permitiam atacar a distância, era muito mais fácil para elas acertarem os alvos menores e mais ágeis. Então, a maioria, que lutava usando armas brancas, focou-se em lutar com os poucos lobos que apareciam enquanto Ghost e Huntress, com facas de arremesso e flechas, caçavam outras criaturas, como coelhos e uma espécie de ave.
Esse tipo de pássaro era incomum. Eles não deviam ter muito mais do que trinta centímetros de comprimento da ponta do bico até as penas da cauda. Os pés, que tinham garras afiadas e curtas, eram prateados. As penas de seus corpos eram brancas como a neve. Os bicos, que eram da mesma cor das patas, tinham um formato ovalado, sem ponta. Os olhos, apesar de pequenos, eram de um azul claro intenso, sendo, para alguns, um tanto quanto perturbador.
Quanto os dez decidiram, enfim, fazer uma pausa, eles já tinham comida mais do que o suficiente para todos. De aves a lobos a coelhos, era realmente surpreendente para todos que tamanha variedade fosse obtida. Eles mal podiam esperar para comer a próxima refeição.
Os dez sentaram do lado de fora de um prédio gigantesco. Sua altura, na verdade, não era nada de especial. Entretanto, seu comprimento era assombroso, podendo passar facilmente de um quilometro.
Calmamente, todos se sentaram juntos, formando, de maneira um pouco irregular, um círculo. Os irmãos sentaram juntos. Ghost estava à esquerda e, Specter, à direita. Seguindo essa ordem, sentaram-se, sempre à direita do anterior, o Mago, Overseer, Huntress, Judge, Silver, Pierce, Juggernaut e, enfim, à esquerda da assassina, Psycho.
Após alguns breves minutos de conversa, a fome começou a se tornar um problema para alguns. Apesar de estarem cansados, eles teriam que preparar a refeição. Sem muitas opções, porém, os dez chegaram ao consenso que tudo o que poderiam fazer era limpar, cortar e, por fim, assar a carne. Ghost, Specter, Silver e Judge se voluntariaram para as duas primeiras tarefas. Não houve objeções.
Não muito tempo depois, eles voltaram para a roda dos companheiros. Com eles, pedaços de carne crua estavam prontos para serem assados. Pelo o que tudo indicava, as carnes mais esbranquiçadas eram as das aves, enquanto as mais vermelhas eram provenientes dos lobos e, as mais rosadas, dos coelhos. Prontamente, Psycho propôs que ele preparasse a refeição. Uma vez que o mercenário carregava dezenas de cristais vermelhos consigo e, ainda por cima, conseguia manipular as chamas com maestria, ninguém que se opôs à ideia.
A cena era, no mínimo, inusitada. Enquanto um matador preparava a comida, os outros mercenários, e o próprio Mago, conversavam tranquilamente sobre qualquer assunto. É claro que, naquele grupo, existiam certos conflitos internos. Essas pessoas, obviamente, não conversavam entre si. Mas, no geral, todos estavam rindo e conversando alegremente. Quase não parecia que eles estavam em uma missão em que o desconhecido era confrontado a cada passo.
Quando Psycho terminou de preparar a refeição, rapidamente, Ghost distribui facas para cada um dos aliados. As simples lâminas eram as mesmas que ela usava nas lutas. Ninguém nem sabia de onde todas aquelas facas haviam saído. Foi então que Silver perguntou:
Garota... Quantas dessas daí você carrega?
Acho que a mesma quantidade que você carrega de cristais. Respondeu, Ghost, docemente.
Todos riram alegremente. Foram, sem dúvidas, risadas genuínas, frutos daquele momento. Silver, então, disse:
Você é precavida então.
Melhor ter a mais do que a menos. Argumentou Juggernaut com a voz abafada. Se elas não te atrapalhem, não há problema de carregar muitas.
Antes que alguém pudesse dizer mais alguma coisa, o guerreiro tirou o elmo. Enfim, o rosto de Juggernaut fora revelado. O cabelo loiro era desgrenhado. A barba, rala. Os olhos azuis eram escuros. O queixo, protuberante, tinha uma nítida cova no centro. Uma cicatriz na diagonal, bem abaixo de seu olho direito, marcava o rosto branco de traços fortes.
Poucos já tinham visto de Juggernaut, então, a maioria ficou um tanto quanto surpresa por ver o rosto do guerreiro, principalmente pela beleza dele. Um pouco confuso, ele olhou para os lados. Juggernaut realmente não parecia saber por que todos o encaravam. Após dar de ombros, ele pegou um pedaço de carne de coelho e perguntou:
E vocês? Não vão comer?
  Claro, bonitão. Respondeu Psycho, rindo baixo.
Então, em seguida, o mercenário que havia acabado de preparar a refeição tirou sua máscara. A visão do rosto de Pyscho chocou aqueles que não haviam, anteriormente, o visto. O homem era calvo, sem barba. Toda a superfície de sua cabeça alva era marcada por cicatrizes de, talvez, centenas de pequenos cortes. Seus lábios eram finos e rachados. As íris negras de seus olhos tinham um brilho frio. Então, Psycho disse apontando para a própria face:
Isso tudo é conversa pra outro dia. Se vocês não se incomodam, eu vou permanecer sem a minha máscara por enquanto.
Todos os outros pareciam se entreolhar. Enfim, parecia que ninguém comentaria nada. O clima de tranqüilidade e companheirismo deveria ser mantido. Foi então que Specter comentou:
E eu achando que eu e minha irmã éramos os únicos que éramos assassinos antes de nos tornarmos mercenários...
Com esse comentário, todos os outros voltaram seus olhares para Pyscho. O homem riu baixo e, então, disse:
Como eu já havia dito... Isso é conversa pra outro dia. Ele pegou um pedaço de carne de ave e o levou à boca. Após engolir, ele continuou a falar. E vocês? Temos três encapuzados aqui que eu nunca vi o rosto. Ghost... Specter... Psycho se voltou para o Mago. E não vamos nos esquecer do nosso amigo contratante.
O Mago olhou na direção dos irmãos. O gesto foi recíproco. Os outros olhavam na direção deles. Era óbvio que eles estavam curiosos para saber como eles realmente eram. Então, após murmurarem algo, Ghost e Specter abaixaram seus capuzes, surpreendendo a todos.
Claramente os dois eram irmãos. Os cabelos negros. Os olhos azuis claros penetrantes. A pele pálida. A expressão de serenidade no rosto magro. Todos eram aspectos que os dois assassinos compartilhavam.
Entretanto, também havia diferenças. Specter, por exemplo, parecia ser ainda mais magro que a irmã, basicamente pelo fato de ele ser alto. Com quase um metro e oitenta de altura, o jovem de cabelo desgrenhado não se parecia nem um pouco como um mercenário. Entretanto, ele já havia mostrado ser um excelente lutador em lutas corpo a corpo. Certamente, por mais magro que esguio que fosse o seu físico, Specter era bem musculoso. Ghost, além de não parecer ser uma mercenária, também não parecia ser uma assassina. O rosto delicado da jovem, somado a baixa estatura, um pouco menos de um metro e sessenta, faziam com que ela parecesse uma jovem frágil. Entretanto, após todos a verem em ação, ninguém ousaria dizer algo do gênero.
Parecendo satisfeito, Psycho, então, disse:
Não doeu, não é? Ele riu baixo e, então, voltou-se para o Mago. Só falta você...
Os olhares de todos agora estavam voltados para o Mago. Ele não conseguia entender o porquê de tamanha curiosidade. Enfim, após bufar, o Mago baixou o capuz.
Sua pele era ligeiramente morena. Seus cabelos castanhos curtos eram levemente espetados. Seu rosto liso tinha uma expressão de seriedade. Porém, eram os olhos que chamavam mais atenção, uma vez que suas íris tinham uma coloração violeta que parecia brilhar.
Aquela característica era muito comum em seu povo, por isso o Mago não entendia por que todos os mercenários a sua volta olhavam embasbacados para ele.
Entretanto, antes que alguém pudesse falar mais alguma coisa, um ruído soou. Os dez se voltaram para a origem do barulho. O que quer que fosse aquilo, vinha de dentro do prédio à frente deles.
Mais vezes aquele som soou. Aquilo parecia estar se aproximando dos dez. Ao perceberem isso, todos brandiram suas armas. Eles não poderiam permanecer a guarda baixa. Uma criatura desconhecida poderia vir contra eles a qualquer momento.
Em poucos instantes, os sons se aproximaram. Agora, eles podiam, parcialmente, distinguir o que era aquilo. Pareciam passos dados por alguém trajando uma armadura pesada misturado com algo que eles nunca haviam ouvido antes.
Passados mais alguns instantes, a porta da edificação se abriu. De lá, saiu a criatura mais estranha que eles já haviam visto.
A primeira vista, o ser, esguio, parecia trajar uma armadura de aço prateado que estava colada a sua pele. Entretanto, quanto mais ele se aproximava, mais os dez tiverem certeza de uma coisa: aquela era a pele daquele monstro.
A criatura humanoide carregava em suas costas um objeto que nenhum dos dez poderia conhecer. A arma de metal negro com quase um metro de comprimento não tinha lâminas. Entretanto, ela tinha um gatilho, mira com lentes, um cano, munição e um gatilho.
O androide, então, olhou um por um dos dez com seus olhos completamente brancos, analisando-os minuciosamente. Por fim, ele se dirigiu ao Mago. Com sua voz distorcida, o androide disse como se lamentasse:
Isso tudo é culpa do seu povo podre...

Com essas palavras, ele apontou o rifle para a cabeça do Mago.

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