A Primeira Caçada
Eu tenho que admitir...eu estava um tanto quanto nervoso.
Aquela seria a primeira vez que eu iria atrás de suprimentos. Levando em consideração
a minha inexperiência, todos concordaram que seria melhor eu ir acompanhado,
pelo menos, desta vez. Rapidamente, Emmanuelle se comprometeu a me ajudar. Nem
houve discussão. Todos aprovaram a ideia. E eu me lembro claramente do sorriso
no rosto dela, quase como se tudo aquilo fosse divertido. Entretanto, eu não
podia reclamar. Ver aquele sorriso caloroso no lindo rosto dela me animou. De
repente, eu me sentia um pouco mais confiante sobre a missão que me aguardava.
Mas aquilo foi ontem. Agora eu estava indo em direção ao
campo de batalha...e, finalmente, entendendo o que aconteceria. Daqui a não
muito tempo...eu teria que matar alguém.
Felizmente, o meu nervosismo se dissipava, um pouco ao
menos, ao ver o rosto dela. Emmanuelle, com um sorriso confiante em seu rosto,
guiava-me por aqueles corredores rochosos. Aparentemente, era muito difícil os
participantes começarem a matarem uns aos outros em locais como aqueles onde
estávamos. Brad já havia me contado que os suprimentos apenas são enviados por
locais específicos, tentando fazer com que eles sejam os mais próximos
possíveis do local onde uma morte ocorreu. Logo, caso alguém seja morto em uma
região como a onde estávamos, suprimentos apareceriam...porém, em um ponto
relativamente longe, possibilitando que outra pessoa adquira o caixote antes do
que nós.
Felizmente, essa loucura nos garantia certa paz em nosso esconderijo.
Claro, haviam aqueles que podiam tentar roubar os seus suprimentos ou, até,
tentar te matar. E era por isso que sempre mantínhamos um vigia no grupo.
—
Preparado? —
Emmanuelle me perguntou docemente.
—
Sim... — Eu respondi
quase como em um murmúrio, balançando a cabeça de cima para baixo levemente,
para deixar mais claro o que eu havia dito.
Eu estava claramente nervoso. Certamente, Emmanuelle
podia ver isso nos meus olhos. A fisionomia de seu rosto, então, mudou. Ela
parecia séria agora, mordendo levemente o lábio inferior, com seu olhar
distante. Emmanuelle... Ela estava preocupada comigo.
Droga... Eu estava me sentindo mal agora por fazê-la
sentir aquilo. Foi quando, de repente, ela voltou a exibir aquele lindo sorriso
caloroso. Ela colocou sua mão esquerda sobre o meu ombro direito. Apertando-o
com delicadeza, ela disse:
—
Não se preocupe. Vai dar tudo certo, viu?
O jeito doce com que ela falava parecia...maternal. Não
sei o porquê, mas todas as ações dela em relação a mim, em algum nível,
davam-me essa impressão. Talvez eu me parecesse com alguém que ela era muito afetuosa
fora do Matadouro. Esse jeito maternal também me fazia questionar a idade dela.
Ela era linda e fazia o possível para se manter bela nesse lugar. Isso
significava que ela poderia ser mais velha do que ela, de fato, aparentava. Não
que eu estivesse reclamando. No meio daquele inferno, Emmanuelle parecia soprar
uma brisa refrescante na direção do meu rosto. Eu...era grato por ter ela por
perto. Assim, eu sorri e respondi:
—
Certo. Entendi.
Emmanuelle sorriu de volta para mim. Satisfeita com
a minha resposta, ela prosseguiu andando. Eu, ainda um pouco nervoso, a acompanhava
de perto.
Nós caminhamos até onde, claramente, era parte do campo
de batalha. Emmanuelle e eu estávamos, agora, em uma sala gigantesca. As
paredes do local eram irregulares, além serem cobertas por vegetação, ajudando
à sala a obter um ar mais decrépito. Com a exceção de alguns rochedos, que
tinham de alguns centímetros a três metros de altura, espalhados
irregularmente, o terreno a nossa frente era plano. A vegetação era, predominantemente,
um matagal, chegando a quase um metro de altura. Também haviam algumas poucas
árvores na planície. Essas pareciam ter sido retiradas de algum filme de
terror. Os troncos e os galhos eram secos, retorcidos e enegrecidos.
Felizmente, elas não eram muito altas, não passando dos quatro metros de altura.
Haviam algumas poças da água espalhadas pelo solo. Aquilo fazia parecer que
haviam regado a área inteira com água demais, fazendo com que o solo e a
vegetação não pudessem absorver todo o líquido. As raras partes do chão e das
paredes que não eram cobertas por vegetação exibiam aquela coloração marrom com
a qual eu já havia me acostumado. Mas, sinceramente, a característica mais
marcante daquele local era o cheiro. Era uma mistura de mofo com carniça. O
cheiro me dava receio de ter que respirar. Percebi, então, que Emmanuelle não
parecia tão perturbada com o odor. Ela já devia estar acostumada, pensei.
—
Bem...está na hora de caçar. —
Disse Emmanuelle abruptamente.
Aquilo me pegou de surpresa. Mesmo estando naquele
inferno, mesmo sabendo que uma situação do tipo “matar ou morrer”...eu ainda
não conseguia me ver matando outra pessoa.
Eu estava perdido em meus pensamentos. Quando eu percebi
isso, eu voltei a olhar para frente. Nesse instante, eu vi Emmanuelle olhando
para mim. Aquela expressão de preocupação estava em seu rosto de novo. Droga...
Eu não queria a ver assim. Então, rapidamente, eu respirei fundo. Tentei ao máximo
colocar uma expressão confiante e determinada em meu rosto e, enfim, disse:
—
Eu sei. Vai dar tudo certo.
Aparentemente, aquilo deu certo. Emmanuelle sorriu
aliviada e concordou comigo ao assentir com a cabeça.
Pela planície, nós dois nos esgueiramos, passando de
pedra em pedra, árvore em árvore, a procura dos nossos alvos. O cheiro do lugar
me incomodava um pouco, bem como a água das poças entrando pelos meus tênis de
corrida vermelhos. O zumbido de insetos havia começado a se tornar um
transtorno também, tornando-se mais alto e mais irritante a cada segundo que eu
passava lá, sendo atingido, eventualmente, por algum dos próprios insetos, que
pareciam perdidos.
Droga... O pensamento que, do mesmo que Emmanuelle e eu
nos esgueirávamos por aquele matagal, outras pessoas poderiam estar fazendo o
mesmo... Aquele pensamento era simplesmente inquietante. Bem...eu ainda estava
vivo. Eu esperava continuar daquele jeito por mais algumas décadas, pelo menos.
De repente, Emmanuelle me mandou ficar em silêncio. Ela
fez o mesmo. Com um segundo passado, eu pude ouvir algo. Murmúrios.
Haviam...duas pessoas. A cerca de dez metros a nossa frente, um homem, com uma
voz nasal, e outro, com uma voz grave, discutiam algo. Eu fiquei apreensivo.
Pelo menos, nós havíamos percebido esses dois antes que eles nos percebessem.
Eu levei a minha mão direita ao bolso de minha calça jeans azulada. Lá, havia uma
faca. Droga... A minha mão tremia. Mas eu tinha que estar preparado para o que
poderia vir a acontecer. Então, eu olhei para a minha direita. Cautelosamente,
Emmanuelle havia se esgueirado até o meu lado. Ela já tinha uma faca em punho.
Eu respirei fundo. Ela olhou para mim de relance e murmurou:
—
Você pode ir. Eu cubro a sua retaguarda.
Eu respirei fundo. Emmanuelle continuou:
—
Apenas...tente não morrer, certo?
A minha respiração estava ainda mais acelerada agora. Foi
aí que ela disse:
—
Ah...eu posso fazer isso sozinha. Você só...
—
Não. — Eu a
interrompi. Enfim, eu havia tomado coragem. —
Não se preocupe comigo. Eu consigo fazer isso.
Ela assentiu com a cabeça. Sua expressão mostrava que ela
confiava em mim...pelo menos, no exterior. Eu...tinha que provar, não só para
ela, mas como também para Brad, Jerome e eu mesmo...que eu conseguiria fazer
aquilo. Eu puxei a faca de meu bolso e a apertei com força. Eu respirei fundo,
tentando relaxar.
—
Droga... — A voz nasal
resmungou. — Não aguento
mais ficar rastejando...
No mesmo instante em que ele disse isso, o homem de voz
nasal se levantou, encostando-se em uma larga rocha de mais de dois metros de
altura. Ele tinha pouco mais de um metro e sessenta de altura. Seus olhos e
cabelos curtos eram negros. Sua pele alva apresentava algumas cicatrizes e uma
tatuagem, vermelha e amarela, de uma ave em seu ombro esquerdo. Seu rosto era
fino. No septo de seu nariz, havia um piercing prateado. Suas orelhas eram um
pouco grande demais para a cabeça. Seu porte físico, esbelto. Suas roupas
fariam alguns ativistas adoradores de animais ficarem irritado, uma vez que a
jaqueta e as calças eram feitos de couro preto. Talvez os sapatos também fossem
de couro, porém, por causa da grama alta, eu não conseguia vê-los.
—
Idiota... — Murmurou
a voz grave.
E um instante, o outro homem se levantou do meio da
vegetação. Ele tinha mais de um metro e oitenta de altura. Sua pele era cor de
canela. Ele era calvo. No rosto de traços fortes, havia um cavanhaque espesso. Havia
uma cicatriz, na vertical, bem no centro de sua testa, resultado de, talvez,
uma facada. Ele era consideravelmente mais forte que o aparente parceiro dele,
o que ficava bem nítido por causa da camisa regata branca e justa que ele
vestia. As calças jeans dele eram azuladas. Bem como o seu parceiro, eu não
conseguia ver o que ele calçava.
—
Você vai delatar a nossa posição assim... —
O homem com a cicatriz na testa disse.
E foi muito bem dito. É bem provável que algum dos dois
tivesse dito mais alguma coisa...mas eu não prestei atenção. Eu estava mais
concentrado em cada passo que eu dava. A minha própria respiração encobria
todos os outros sons a minha volta. Eu estava determinado...a fazer o que tinha
que ser feito. E, então, tudo aconteceu tão rápido...
Eu surgi do meio da mata atrás do mais alto...mas,
aparentemente, ele me ouviu chegando. Quando ataquei com a faca, em um golpe de
cima para baixo, ele conseguiu se virar, encarando-me. O que era para ser um
ataque certeiro no topo das costas dele...acabou se tornando um golpe
bloqueado. Ele segurou o meu braço direito com o esquerdo dele. A faca nem chegou
a tocá-lo. Eu já estava estonteado o suficiente, então, mal percebi o facão na
mão direita dele. Felizmente, percebi aquilo a tempo, o que me permitiu avançar
levemente contra ele e, então, aplicar uma joelhada diretamente contra seu abdômen.
Aquilo o tirou um pouco do ar de seus pulmões, além de fazê-lo derrubar o facão
e soltar o meu braço. Eu consegui esboçar um leve sorriso. Porém, antes que eu
pudesse atacá-lo com a faca, o seu parceiro resolveu agir. Ele avançou contra
mim com uma faca. Aquele ataque horizontal,a direita para a esquerda, fora
fácil de desviar. Agachando, eu o fiz não só errar o golpe, como também, já que
ele avançava, eu pude me posicionar atrás dele, passando por baixo de seu braço
direito. Rapidamente, golpeei as costas do homem, abrindo um rasgo na parte de
trás da jaqueta de couro dele. Infelizmente, o corte foi apenas superficial da
pele dele. Não havia problema. Com mais uma tentativa, eu o mataria.
Entretanto, um braço apareceu vindo por trás de mim. Quando eu me dei conta, o
homem com o cavanhaque estava me sufocando com o braço direito, enquanto o
esquerdo imobilizava o meu braço esquerdo. O movimento brusco me fez derrubar a
minha faca. Quando olhei para frente, o homem com a jaqueta de couro olhava
para mim com uma faca em punho. O homem atrás de mim disse:
—
É o seu fim, pirralho.
Sem que eu pudesse fazer nada, o homem a minha frente
avançou velozmente contra mim.
O som de uma lâmina metálica rasgando tecido e pele e,
enfim, cravando-se em um osso pôde ser ouvido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário