sexta-feira, 3 de abril de 2015

O Matadouro, Capítulo 3

O Rato


Cinco dias já haviam se passado. E eu...estava me acostumando com aquilo. O ambiente já não me deixava mais inquieto como antes. A companhia de Brad, Emmanuelle e Jerome chegou a se tornar aconchegante. Eu...realmente podia confiar neles. Eu tinha certeza disso agora.
Quanto à luta com facas...eu estava aprendendo tudo com muita facilidade. Minha agilidade e precisão nos golpes surpreenderam até mesmo Jerome. De acordo com ele, bem como Brad e Emmanuelle, eu tenho algum histórico com artes marciais. Aparentemente, essa é apenas uma das várias coisas que eu não sabia sobre mim mesmo.
Enfim, eu ainda não havia participado de nenhuma missão para conseguir suprimentos. Eu devo admitir que eu estava ansioso para a ocasião, mas eu também tinha noção da minha falta de experiência. Eu teria que acompanhar um de meus aliados algumas vezes em tais missões antes de eu poder fazer esse tipo de coisa sozinho.
Porém, essa noite vai ser a primeira vez que eu fico de vigia. Eu estava um pouco nervoso, é claro, mas também estava animado, o q eu era bom, considerando que eu tinha que passar parte da noite acordado, com os olhos bem abertos.
Eu olhava para frente. Da onde eu estava, eu via apenas duas passagens possíveis para alguém chegar até mim. Ao nordeste, um corredor rochoso, de mais de cem metros de comprimento, seguia ligeiramente para o alto. Ao noroeste, um corredor, praticamente idêntico ao outro, seguia, íngreme, para baixo.
Eu olhei para trás por um instante. Brad, Emmanuelle e Jerome. Os três dormiam tranquilamente nos sacos de dormir de couro. Aquilo realmente me fez me sentir bem. Eles não estariam dormindo tão tranquilamente assim se não confiassem em mim, certo?
Tal pensamento me trouxe um sorriso no rosto. Rapidamente, voltei a olhar para frente. Eu tinha que me manter vigilante.
Nada. Não havia nada a minha frente. Ambos os corredores continuavam vazios. Aparentemente, a área onde estávamos era mais afastada da carnificina. Se fosse estivesse acompanhado de um grupo relativamente numeroso ou forte, você estaria seguro. Acontecia uma espécie de trégua entre os bandos da região. É claro que, caso você entre nessa área sem um grupo bom o suficiente...você acabava morto. Um destino terrível para os desavisados, mas, para os grupos que já estavam aqui, era um jeito fácil de conseguir mantimentos.
Entretanto, eu ainda não tinha visto com os meus próprios olhos como aquilo acontecia. Eu me refiro aos mantimentos. Pelo o que o resto do grupo me contou, existem algumas passagens de acesso a essa local. Entretanto, elas são muito bem protegidas. São grandes portões de aço espessos que abrem apenas quando chegam novos participantes do reality ou quando descarregam mantimentos.
Independentemente do motivo, quando os portões são abertos, eles aparecem. Apelidados de Capatazes, esses guardas podem matar qualquer um daqui facilmente no caso de algum tipo de rebelião ou tentativa de fuga, o que, de acordo com Jerome, já foi tentado antes. Não houve sucesso em nenhuma tentativa. Isso por causa do armamento deles.
Protegidos por o que mais parecem ser armaduras de aço, os Capatazes, que sempre são muito altos e fortes, ainda carregam armas pesadas como metralhadoras, lança mísseis, lança granadas ou lança chamas. Partir para cima deles com facas não é uma boa opção.
Enfim, no caso dos mantimentos, os Capatazes apenas aparecem para proteger algum outro funcionário que transporta os caixotes. Com o trabalho deles concluído, todos retornam pela passagem. Já que os portões permanecem abertos durante a descarga dos mantimentos, algumas pessoas tiveram a idéia de tentarem escapar durante esse instante. Até Brad e Emmanuelle já viram algumas tentativas do tipo. Nenhuma deu certo.
Quanto a chegada dos novos participantes, os Capatazes o protegem...temporariamente. Matar alguém que acabou de entrar no Matadouro é muito fácil. A vítima está confusa e assustada. E é por isso que os Capatazes os protegem. Assim, os novos participantes tem tempo de entender o que está acontecendo...na maioria das vezes. É claro que muitos morrem pouco tempo depois de entrarem, mas sempre existem aqueles que conseguem formar alianças com outros grupos ou, até, formarem alianças, temporárias ou não, com os outros novos participantes.
Comigo a situação foi um pouco diferente. Eu...estava desacordado quando eu cheguei. Algo, que acabou me causando amnésia, já tinha acontecido. Logo, naquele estado, eu seria deixado para morrer. Os outros novatos já haviam me abandonado. Após algum tempo, os Capatazes fizeram o mesmo. E eu teria sido morto...se não fosse por Brad e Emmanuelle.
Outros participantes já iam se aproximando de mim. Eles me matariam e, rapidamente, teriam um caixote de suprimentos frescos. Mas Brad já havia bolado um plano. Logicamente, os participantes que queiram me matar, que eram três no total, estavam com a guarda baixa. Brad e Emmanuelle, que estavam em um plano elevado em relação a eles, conseguiram realizar um ataque surpresa, matando o trio sem dificuldade. Motivados pela curiosidade, eles me acolheram e, agora, juntamente com Jerome, eles estão me ajudando.
Eu ainda não sei, em detalhes, o que aconteceu com Jerome, Emmanuelle e Brad nesses anos todos, mas, por algum motivo, eu sentia que descobriria com o tempo.
Enfim...eu já não tinha mais noção de que horas eram naquele instante. Tudo estava calmo demais. Minhas pálpebras pesavam. Eu começava a bocejar. Daquele jeito, eu acabaria dormindo em poucos segundos.
Então você é o protegido deles? Perguntou uma voz desconhecida.
Eu levei um susto. A voz vinha logo acima de mim. Eu levantei rapidamente a minha cabeça e me virei para trás. Então, eu o vi. Um homem com um pouco mais de um metro e setenta de altura se segurava na parede logo acima da entrada do esconderijo. Ele era extremamente magro. Seu rosto pálido era enegrecido por marcas de sujeira e um cavanhaque espesso. O nariz era pontiagudo e, os olhos, cinzentos. Seus cabelos castanhos escuros eram formados por dreadlocks. Suas vestes, uma camiseta de mangas compridas e as calças, eram feitas de linho. Talvez a cor original fosse branca, mas, agora, desgastadas, elas eram amareladas cheias de rasgos. Por cima da camiseta, ele trajava uma jaqueta de couro negra sem mangas. Seus pés estavam descalços.
Já que você não responde, vou presumir que sim. Ele afirmou.
Eu aproximei minha mão direita do bolso de minha calça jeans. Minha faca estava lá. Infelizmente, o desconhecido percebeu o meu gesto. Rapidamente, ele se lançou da parede, pousando logo atrás de mim. Antes que eu pudesse me virar, uma lâmina já estava próxima a minha garganta. Eu olhei para baixo. Não importava que o estilete estivesse meio enferrujado. Era bem provável que aquilo pudesse me matar.
Que tal você começar a me responder algumas perguntas, hein? Ele propôs.
Eu trinquei os dentes. Eu não sei quem ele era, mas ele conseguiu me surpreender. Após alguns instantes, eu suspirei e perguntei:
O que você quer comigo?
Apenas estou curioso sobre você. O homem disse calmamente. Garoto...você é especial. Por algum motivo. E eu quero saber o porquê.
O cheiro dele já estava me dando náuseas depois daqueles poucos segundos. É óbvio que não era possível ser muito higiênico no Matadouro, mas...droga. Aquele homem parecia não tomar um banho a nos e comer apenas carniça. Ao olhar mais calmamente para a mão que estava quase na minha garganta, notei suas unhas. Elas eram amareladas e aterrorizantemente longas, assemelhando-se a garras. Tentando respirar o mínimo possível perto dele, eu, enfim, consegui dizer:
Imagino que você conheça algum dos três.
Ah...sim. Ele riu baixo. O grande Jerome...a bela Emmanuelle...e o desgraçado do Brad. Conheço eles, sim.
Por que tanta raiva do Brad?
Algumas desavenças. Algumas situações que ele me passou a perna. Tanto aqui, no Matadouro, tanto lá fora, quando éramos apenas criminosos comuns. Longa história...
Entendo...
Abruptamente, ele aproximou o estilete ainda mais perto de minha garganta. O homem bufava irritado agora. Tentando manter a calma, eu abri a boca para perguntar se ele estava bem, quando ele gritou:
Pare de se fazer de esperto! Tentando ganhar tempo!
Eu não estava tentando fazer isso. Eu disse. Bem, em parte era verdade, mas eu também estava intrigado sobre aquele homem.
Me diga logo o que eu quero saber!
E o que você quer saber?
É... Disse Brad calmamente. Ele havia acabado de se aproximar de nós e apontava o revólver na direção do rosto do homem com dreadlocks. O que você quer saber, Trent?
O homem bufou, pressionando a lâmina contra o meu pescoço. Então, Trent disse:
Ora...nada de mais. Acho que você deve saber o que, não é, Brad?
Ele sorriu e então perguntou
O que você acha ser mais provável, Trent? Eu te contar tudo o que eu sei sobre o moleque ou eu atirar na sua cabeça?
Quanta agressividade... Trent bufou. Então, ele passou as unhas da mão esquerda em meu rosto e perguntou. Você realmente quer ver esse menino tão jovem e cheio de vida morrer bem na sua frente?
Mate-o, se quiser. Eu já sei tudo o que eu queria saber sobre ele. Agora, ele é só mais um no meu grupo. Não é nada de especial.
De repente, a lâmina se afastou do meu pescoço. Trent apontou a lâmina na direção de Brad. Sua mão esquerda apertava o meu ombro. Então, ele bradou:
Você é um verme, Brad! E você sabe muito bem disso! Você descarta as pessoas como se fossem lixo! Você...
Eu não o deixei terminar de falar. Trent abriu uma brecha grande o suficiente para eu me soltar e, ao levantar o meu cotovelo direito, acertei em cheio seu nariz, derrubando-o para trás. Brad, com um passo largo, posicionou-se ao meu lado e, com o revólver, apontou na direção de Trent. O homem com dreadlocks se levantou e, ao ver a situação em que ele estava, cuspiu no chão e trincou os dentes. Sorrindo, Brad disse:
Você sabe que eu não quero gastar essa bala com um verme como você, Trent. E eu sei que, antes que eu possa me aproximar de você para te esfaquear, você vai conseguir fugir. Então, para variar, nós dois sairemos vivos dessa. Eu com meu orgulho e você...nem tanto.
Você ainda vai morrer pelas minhas mãos, Brad! Trent exclamou.
Volte logo para os seus ratos, Trent. Disse a voz de Emmanuelle.
Ela e Jerome haviam acabado de sair do esconderijo. Brad sorriu e disse:
Eu falei que eu resolveria tudo. Vocês não precisavam ter levantado...
A voz desse maluco não me deixa dormir. Admitiu Emmanuelle.
Idem. Disse Jerome.
É...eu não os culpo. Brad riu baixo e, rapidamente, olhou de volta para Trent. Então...?
Trent cuspiu novamente no chão e, então, disse:
Não se preocupem comigo. Eu vou embora...mas eu voltarei.
E não se esqueça de trazer os seus ratos da próxima vez. Aconselhou Jerome. É sempre fácil de matar aquelas coisas.
Claro... Trent grunhiu e se virou em direção ao corredor noroeste. Apenas esperem...
Após dizer isso, ele começou a andar em direção à escuridão. Brad, Jerome, Emmanuelle e eu apenas o observamos até que, com alguns segundos passados, ele desapareceu nas sombras. Apenas respirar fundo, eu disse:
Espero que ele não continue sendo um problema...
Nada que não possamos derrotar. Disse Jerome. Disso, você pode ter certeza.
Sim. Emmanuelle concordou sorrindo. E, então, ela se voltou diretamente para mim. Você deveria dormir agora. Acho que já foi adrenalina demais por uma noite.
Verdade. Admitiu Brad e, em seguida, ele bagunçou o meu cabelo. Temos muito o que fazer e falar amanhã. Agora, tente dormir um pouco, Jack. Deixe que eu assumo a vigia agora.

Eu nem tinha como discordar. Eu realmente estava bem cansado. Quase me arrastando, eu voltei para dentro do esconderijo. No mesmo instante em que eu me deitei, eu peguei no sono.

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