Kevin
—
Amor...quem é Kevin? —
Eu perguntei.
Ela não me respondeu. Apenas riu docemente. Eu permaneci
em silêncio, aguardando uma resposta. Enfim, ela suspirou e me respondeu:
—
Um amigo. Ninguém com quem você deva se preocupar, certo?
Após dizer isso, ela me beijou. Doce Betty.
Nós nos conhecemos há pouco menos de dois meses e já
estávamos namorando. E, céus, como eu estava adorando aquilo. Ela é
simplesmente perfeita para mim. Não me importava com o quão chiclé eu soava. O
que eu sentia por aquela garota...eu não tinha palavras para descrever. Para
mim, ela era simplesmente linda. Eu me sentia perfeitamente confortável e
aconchegado quando estávamos juntos. Ela conseguia me fazer sorrir nos dias
mais problemáticos apenas estando perto de mim. Quando começávamos a conversar,
eu perdia a noção do tempo. Podiam se
passar horas. Eu não me importava. Nada, para mim, era mais importante do que
estar ao lado dela.
Porém...eu temia que essa sentimento não fosse recíproco.
Tudo por causa desse tal de Kevin.
Era um dia qualquer. Nós estávamos na casa dela, deitados
no sofá da sala. Nos meus braços, lá estava ela. Betty tinha um lindo sorriso
estampado em seu rosto enquanto assistíamos a um filme. Eu...nem me lembro da
trama, muito menos do nome do filme. Apenas me lembro que era um romance,
daqueles bem bobos, com algumas cenas de comédias forçadas de tempos em tempos.
Eu realmente não entendia como ela podia gostar daquilo, mas eu não
questionaria. Eu não queria que nada arruinasse a paz daquele momento.
“O Kevin fazia uma imitação perfeita dele...”. Betty
disse isso com um sorriso que...eu nunca tinha visto. Era uma cena boba. Um
homem dançava de maneira estúpida, no melhor estilo de comédia pastelão.
Porém...ela, a minha doce Betty, parecia mais bela do que nunca. Por isso
fiquei feliz. Nem questionei quem era esse tal de Kevin. Realmente, aquilo foi
algo que não tinha me ocorrido no momento.
Entretanto, com o passar do tempo, ela foi fazendo ainda
mais comentários sobre o filme...e também sobre Kevin. Coisas simples como a
anterior, como ela e Kevin cantando alguma música do filme juntos ou, então,
como eles comparavam pessoas que eles conheciam com personagens do filme.
Porém, aquilo me levou a pensar.
Aquela não havia sido a primeira ocasião que ela havia
comentado sobre esse tal de Kevin. Acho que...desde as primeiras vezes que nós
começamos a sair ela me fala sobre ele. Nada muito específico, mas, mesmo
assim, o suficiente para aquele nome ficar no meu subconsciente.
Droga... Aquilo já estava começando a me perturbar. Mas
eu também não queria perguntar diretamente para ela. Com certeza ela acharia
que eu estava com ciúmes...o que não completamente errado, devo admitir.
Outro dia, porém, quando estávamos na minha casa...eu o
vi. Não em pessoa, mas uma foto. Ou, melhor dizendo, várias delas.
Betty e eu estávamos simplesmente usando todo o nosso
intelecto para tirar fotos fazendo caretas. Era bem estúpido, mas extremamente
divertido. Após alguns minutos fazendo isso, ela disse que precisava ir ao
banheiro. Ela deixou o celular dela na minha mão para que eu pudesse ir
avaliando as fotos que havíamos acabado de tirar. E assim foi. Enquanto ela
estava no banheiro, eu olhava as fotos. Com certeza, eu tinha um sorriso largo
e bobo no rosto. A cada foto que eu me via ao lado dela, eu ficava mais e mais
contente. Eu não conseguia deixar de pensar quanta sorte eu tinha por ter ela
ao meu lado.
Porém, após ver cada uma das dezenas de fotos que haviam
naquele álbum, eu voltei a galeria completa de fotos do celular. Eu juro que eu
havia apertado o botão por engano, mas...já que eu já estava ali, fiquei
curioso.
Deviam haver pelo menos uns vinte álbuns lá, organizadas
de viagens a fotos com pessoas especificas, como amigos e família. Mas...foi aí
que eu vi. “Kevin e Eu”. Era o nome do álbum. É claro que eu tive que ver
aquilo. É claro que eu tinha que me irritar sem motivo. Por quê?
Bem...porque...droga! Betty parecia muito mais feliz junto com aquele cara do
que comigo. E droga! Por que ele tinha que ser daquele jeito. Sorriso elegante.
Expressão tranquila no rosto. Cabelo bem penteado. Alto. Em forma. Olhos
verdes. Droga! Só de olhar para aqueles dois juntos...eu tinha que admitir que
eles faziam um par bem mais bonito do que eu e ela.
Droga... Eu mal conseguia conter a minha raiva. As fotos
com ela e ele se abraçando pareciam facas se cravando por todo o meu corpo.
Droga! A última foto fora tirada há quase um ano. Eles
deviam ser namorados. Ele der terminado com ela, mas...a minha doce Betty não
havia conseguido superar ainda o fim do relacionamento. Ela o mencionava
constantemente, mesmo que não percebesse. Claramente, ela era mais feliz com
ele do que comigo.
Quando Betty voltou do banheiro, eu tentei me manter
calmo. Ela havia me escolhido, certo? Nós estávamos namorando agora, certo?
Ou...será que ela escolheu alguém só por namorar? Para tentar, ou fingir,
mostrar que ela havia superado ele? Ou talvez ela só não houvesse se envolvido
com alguém desde Kevin e, agora, havia escolhido uma pessoa qualquer só por que
se sentia solitária? Se fosse assim, ela não seria feliz. Eu não poderia
substituir esse Kevin.
—
Tudo certo? — Betty
me perguntou.
Eu devia estar visivelmente perturbado. Mesmo assim, eu
menti:
—
Tudo certo...
Alguns minutos depois, eu não aguentei. Foi o momento que
eu acabei perguntando sobre Kevin. E ela me respondeu aquilo, aconselhando-me a
não me preocupar.
Tudo piorou dois dias depois. Eu estava indo para a casa
de um amigo. Encontraríamos mais algumas outras pessoas lá e, então, sairíamos
todos juntos. Seria bom. Eu tinha muito assunto para conversar com alguns
deles. E seria bom sair sem a Betty também. A situação entre nós dois
estava...um pouco estranha. Talvez fosse só impressão minha. Mas não importava
no momento. Agora, eu apenas queria passar um bom tempo com meus amigos.
Mas...foi aí que eu a vi.
Eu conhecia aquela mulher que vinha andando do outro lado
da rua. Era a tia de Betty. Eu já havia a visto uma vez ou outra na casa dela.
Ela foi muito simpática comigo nas ocasiões. Acho que não faria mal algum a
cumprimentar, principalmente quando ela também já havia me visto. Com um
sorriso, ela veio até mim. Cumprimentamo-nos e falamos aquelas trivialidades de
sempre. “Você está bem?” e “como anda a família?”. Esse tipo de coisa.
Porém, antes que eu percebesse, eu já havia perguntado:
—
O que você sabe sobre Kevin?
Eu me surpreendi com o que havia escapado de minha boca.
Entretanto, não era de todo mal. Betty parecia conhecer Kevin a um bom tempo.
Talvez algum parente dela pudesse me dizer algo de útil. Porém, eu também já
havia percebido que essa mulher não era muito sensata. Betty também já havia me
contado um pouco sobre essa tia. Um divórcio seguido de alcoolismo. Aquilo não
fez bem a ela. Antes que eu, talvez, pudesse me arrepender de ter feito a pergunta,
ela respondeu:
—
Ele é um bom garoto. Ele e Betty eram amigos desde que tinham uns seis ou sete
anos. Os dois ficaram muito bonitos enquanto cresciam. Eu sempre achei que eles
seriam um casal. —
Ela fez uma pausa para suspirar. —
É uma pena, realmente... Mas Betty prometeu visitá-lo ainda. Faz quase um ano
que eles não se vêem. Quase um ano desde...
Eu não aguentava mais ouvir. Grosseiramente, eu me
despedi dela, interrompendo-a no meio da frase.
Então...Betty iria se encontrar novamente com Kevin,
hein? Ótimo...
Eu nem me lembro daquela noite com meus amigos. Aquilo
pareceu não ter importância de repente.
Os dois dias seguintes também passaram sem eu notar.
Enfim, três dias passados desde o encontro com a tia
dela, Betty me contou algo. Ela me falou que não poderíamos sair no próximo
final de semana. “Um compromisso com a família”. Algo do gênero.
Ela não conseguiria me enganar. Pelo menos, não tão
facilmente. Eu sabia que Betty se encontraria com Kevin naquele final de
semana. Eu simplesmente sabia disso. Então, eu esperei a chegada daquele dia.
Eu só tinha que seguir a minha doce Betty agora. Eu já
havia esperado pacientemente fora da casa dela, apenas a aguardando. Agora, ela
me guiaria até aquele desgraçado chamado Kevin. Droga, eu podia não podia ser
melhor que ele, mas, numa briga, eu com certeza levaria a melhor. Eu só tinha
que ter o elemento surpresa do meu lado. Aí sim. Aí Betty veria que, pelo menos
naquele momento, eu fui superior ao Kevin.
Betty foi de ônibus. Eu a segui com a minha bicicleta. Eu
tinha que estar atento. Eu não sabia em que ponto ela desceria. Mas aquilo não
seria problema. Toda a minha atenção estava voltada a ela.
Droga... As minhas mãos suavam. Minhas pernas tremiam. Eu
bufava de raiva enquanto eu andava na minha bicicleta. Mas...eu precisava
manter a calma. Eu tinha que estar calmo naquele momento.
Então, após alguns minutos, ela desceu do ônibus e
começou a anda. Cuidadosamente, eu a segui. Com um par de óculos escuros no
rosto e um boné na cabeça, eu esperava que, caso ela olhasse na minha direção,
Betty não me reconhecesse.
Eu demorei um pouco para perceber o que ela carregava na
mão direita. Era um buquê. Havia pelo menos uma dezena de rosas vermelhas com
ela. Ela pretendia reconquistar o amado sendo romântica então? Bem, eu não
deixaria o desgraçado ter o prazer de estar perto da minha Betty.
Então...ela chegou ao local. Eu não achei que aquilo
fosse sério. Será que ela sabia que eu a estava seguindo e fez aquilo para me
despistar? Podia ser. Podia não ser. Então, resolvi entrar no local.
O que eu vi me fez, no dia seguinte, terminar o meu
namoro com Betty. Eu...nunca antes havia sentido tanta raiva...de mim mesmo.
Kevin Richards. 1991 a 2014. Era o que estava escrita na
lápide na frente de Betty. Rosas vermelhas haviam sido colocadas em cima do túmulo.
Lágrimas escorriam do rosto daquela dama que eu não merecia.
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