segunda-feira, 6 de abril de 2015

Conto 4

Um Acordo com o Diabo


Eu me encontrei com o Diabo anos atrás. Alguns podem achar que ele é o maior encantador do mundo. Bem, eu não o culpo se você pensa assim. O fama dele o precede. Quanto a isso, não me restam dúvidas. Aquele sorriso caloroso. Aquela pose triunfante. Aquelas belas palavras. Aquela voz profunda. É claro que isso tudo me levou a firmar um acordo por ele. Mas...é também por isso que eu acho que “encantador” não é exatamente a palavra que o descreve.
Sinceramente, parece que eu não tinha a opção de discordar dele. Eu senti que tudo fora planejado por ele com antecedência. Anos antes, bem como anos após, o nosso encontro. Tudo fora antecipado. Tudo fora culpa dele. Por isso, eu o considero o maior títere do mundo.
Enfim, chega de discutir títulos. Vamos falar do acordo que eu fiz com ele.
Não, eu não vendi a minha alma. Mas, hoje em dia, eu preferia ter vendido.
Eu o emprestei o meu corpo e, com isso, ele arruinou o meu futuro. Droga... Como eu gostaria de estar exagerando.
A dor que a minha carne sentiu. A dor que o meu espírito sente. Não sei nem como descrever. E talvez seja melhor assim. Eu não desejo que ninguém se sinta como eu me senti...e como eu ainda me sinto. Droga... Eu nem desejaria que o Diabo tivesse que sofrer assim.
Isso faz parte da minha personalidade, infelizmente. Logo, eu não posso mudar.
Eu sempre fui gentil. Eu sempre quis ajudar os outros, mesmo quando eu era quem precisava de ajuda. Eu sempre fui...ingênuo.
Porém...sempre houve uma parte minha diferente. Ambiciosa, sem dúvida. Eu sempre quis ser reconhecido. Acho que é por isso que eu sou tão bonzinho. Eu ajudava uma pessoa já preparado para ouvir um “obrigado”. Não importa o quão simples fosse o agradecimento. Eu só queria ouvir aquilo. Droga... Aquilo me fazia tão bem...
Essa fraqueza... O Diabo soube a explorar tão bem.
Em um momento de minha vida no qual eu não sabia o que fazer, ele veio até mim. A promessa de me tornar um herói fora feita. Aquilo...parecia ótimo. Eu não me importava de arriscar a minha vida. Uma nação inteira seria grata a mim. Os meus feitos fariam parte da História. Todos me amariam.
Mas...nada daquilo fora concretizado.
Você deve estar pensando que isso é óbvio. Afinal, foi um trato com o Diabo, certo? Bem, se você está pensando isso, é óbvio que o Diabo nunca lhe propôs um trato.
Não é possível recusar aquilo. Ele vem até você já sabendo como te persuadir. Ele sabe o que você deseja. Ele sabe o que você teme. Talvez por que, apesar de ele não ter te criado, ele te fez ser assim. Você...aliás, nós...somos as marionetes dele. Não temos escapatória caso ele queira arruinar a nossa vida.
Eu agora vago pelas ruas. Sem rumo. Sem esperança. Sem razão para viver.
Eu olho o meu reflexo em uma possa d’água e não encontro um herói. Droga...eu nem mesmo encontro o jovem rapaz ingênuo e ambicioso que eu era. Tudo o que eu vejo agora...é um monstro.
E como um monstro...as pessoas não gostam de mim.
Aqueles que me encontram vagando pelas ruas têm diversas reações. Nenhuma delas é boa.
Alguns me encaram. O desgosto no olhar desses é nítido.
Outros me insultam. Creio que o motivo de tanta raiva na voz deles é o medo que eles sentem de mim.
Por fim, há aqueles que me ignoram completamente. Simplesmente olhando em outra direção.
Eu realmente não sei qual tipo de pessoa me traz mais dor.
Com um corpo horrendo como o meu, eu não me importo com a dor física. Mas o meu espírito parece ser retalhado cada dia mais por essas pessoas. Droga... Eu ainda sou um humano. Eu...juro que sou...
A Loucura me encara todas as manhãs quando eu acordo. Ela espera que eu me renda a ela. Uma vez em seus braços...não há volta.
A Morte me encara todas as noites antes que eu possa dormir. Ela jura ser misericordiosa. Eu posso ter perdido as esperanças...mas algo ainda me motiva a não ir até ela.
Droga... Será que eu deveria aceitar a Morte? Ou a Loucura? Ou continuar sobrevivendo?
Droga! Até onde ele planejou isso? Até onde o Diabo planejou a minha vida?
Será que ele espere que eu tire a minha própria vida? Será que ele quer que eu enlouqueça? Será que ele quer que eu sofra com essa dúvida pelo resto da minha vida?
Droga! Droga! Qual fim ele planejou?
Droga! Droga! Droga! Será que só ele pode ganhar nesse jogo cruel?
Droga... Por que ele faz isso...?
Eu já servi o meu propósito, é isso? Eu sou inútil agora, certo?
Esse ser lastimável que eu me tornei...foi o melhor jeito que você encontrou para se livrar de mim?
Você é inteligente, isso é inegável.
Você usou todo o meu potencial e, agora, conseguiu se livrar de mim sem sujar as suas mãos.
Seu desgraçado...
Muito bem. Eu...já estou conformado com o meu destino.
Mas ainda há uma coisa que me revolta.
Eu não sou o único.
Outros sofrem, sofreram e sofrerão como eu.
Porém...não há nada que eu possa fazer.
Aos líderes de minha nação, eu tenho apenas mais algumas últimas palavras.
Vocês todos podem continuar sentados em suas cadeiras de couro importadas como os desalmados que vocês são.
Seu povo continuará a lutar as suas guerras como os idiotas que vocês os moldaram para ser.
Seus veteranos continuarão a vagar pelas suas ruas como animais abandonados que, de fato, são.

E mais uma vez o Diabo reina absoluto no Inferno.

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