Criaturas
Enquanto andavam pelas ruínas da cidade, a equipe estava
atenta a tudo a sua volta. Assim, eles não só estavam preparados para algum ataque
surpresa, como também observavam o próprio lugar. Agora mais próximos, o mago e
os mercenários, enxergavam, detalhadamente, as ruas e as edificações da cidade
abandonada.
Apesar dos sons emitidos por o que se supunha ser
animais, a área parecia estar bem conservada, quase como se as formas de vida
do local não rondassem o local. Entretanto, havia alguns objetos não
identificados. Nenhuma das dez pessoas sabia dizer o que eram aquelas coisas.
Estruturas de metal, aparentemente mais complexas que todo o resto a sua volta,
estavam espalhadas pela cidade. Todas estavam inertes, sendo que algumas
estavam intactas enquanto outras pareciam ter sido esmagadas contra o solo.
Os prédios pareciam fortificações. A maioria tinha a
mesma altura, cerca de cinqüenta metros, como se fossem padronizados.
Entretanto, havia algumas edificações mais imponentes, como torres, que
passavam dos cem, duzentos ou quinhentos metros. As paredes lisas e polidas de
metal azulado eram impressionantes. Todos os prédios seguiam esse padrão, tendo
também janelas de vidro cristalinas e portões sólidos que pareciam ser feitos
para guardar tesouros.
Os dez companheiros sem dúvida estavam impressionados por
tudo aquilo. Porém, eles estavam inquietos. Um mau pressentimento parecia
percorrer a espinha de todos a cada ruído que eles ouviam. Eles não tinham como
saber que tipo de criaturas habitava aquele lugar, além de não saberem se
haveria alguma armadilha próxima. O ar frio da cidade somada a atmosfera morta
do lugar, com as luzes brancas e as cores azuis metálicas, contribuíam para
esse sentimento.
A equipe já andava pelo local há, pelo menos, quinze,
minutos. Alguns deles apenas murmuravam comentários para aqueles que estavam
próximos. Outros, entretanto, permaneciam calados, como Ghost e Specter, que
andavam, cerca de cinco metros, atrás do resto do grupo.
Eles deixavam o Mago preocupado e Overseer havia
percebido. Então, o líder do Blood Moon disse calmamente para o aliado:
—
Não se preocupe com aqueles dois. Eles estão do nosso lado.
—
Você confia completamente nos dois? —
Perguntou o Mago.
—
Confiar completamente? —
Overseer riu baixo. —
Eu nem confio completamente no meu bom senso, Mago. Eu não acho que eu possa
confiar cegamente em ninguém.
—
Isso é sábio de sua parte.
—
Obrigado, mas... —
Com uma pausa rápida, ele olhou para trás, na direção dos dois encapuzados. — Sinceramente...eu confio
mais naqueles dois do que em qualquer outro aqui.
—
Acredito que você tenha os seus motivos para isso. — O Mago ponderou por alguns instantes. — Eles salvaram a sua vida
em alguma ocasião, certo?
—
Certo. E eu salvei as deles antes. —
O líder mercenário respirou fundo. —
A vida desses jovens não deve ter sido nem um pouco fácil...
—
Jovens, você diz? — O
Mago soou um pouco surpreso. —
Quantos anos eles têm?
—
Eu não tenho certeza, mas...talvez...vinte anos, o Specter, e dezoito, a Ghost.
—
Entendo... Então, qual é a história deles?
—
Eles são irmãos. Membros de um clã de assassinos desde que eles se entendem por
gente. Mas, aparentemente, eles foram...ah, “adotados”. Talvez os assassinos
tenham matado os pais deles e, então, criaram eles desde pequenos para serem
matadores.
—
Um método deveras cruel.
—
Concordo.
—
Entretanto...quanto à formação deles como assassinos...
—
Deu muito certo.
—
Entendo...
—
Mas, mesmo assim, eu peço que não os tema. Enquanto eles estiverem do nosso
lado, você pode confiar a sua vida a eles.
—
“Enquanto eles estiverem do nosso lado”. —
O Mago repetiu. —
Isso deveria gerar confiança?
—
Ah... — Overseer deu
de ombros. — Eu
esperava que sim. Mas eu só estou sendo realista. Eles já foram leais a um clã
de assassinos. Agora eles são leais a nós. Enquanto não nos desentendermos,
estaremos bem.
—Certo...
—
Mas alguém o preocupa?
—
Na verdade, não. Não duvido na habilidade de luta dos outros, mas...não creio
que ocorrerá nenhum conflito. Pelo menos, não comigo.
—
Ora... — Overseer riu
baixo. — É tão óbvio
assim?
—
Um pouco. Mas eu espero certo profissionalismo deles. Não creio que eles vão se
deixar levar pelas próprias emoções. Ao menos, não durante uma situação como
essa.
—
É... Eu também espero que você esteja certo.
O Mago olhou, de relance, todos os membros da equipe e,
então, disse:
—
Você reuniu essa equipe apenas pensando nas habilidades individuais de cada um.
Você realmente não pensou no lado emocional ou psicológico deles, não é?
—
Ah... — Overseer
hesitou, mas, após alguns instantes, concordou, assentindo com a cabeça. — Você está certo... Mas,
sinceramente, esses conflitos não são recentes. Eles nunca nos atrapalharam em
nenhuma missão antes...
—
Mas essa é diferente. —
O Mago interrompeu o líder mercenário. —
Não temos um objetivo muito claro. Não sabemos o que iremos encontrar durante o
caminho. Não sabemos nem quanto tempo passaremos aqui.
—
Você tem razão. —
Overseer bufou. —
Mas, para ser sincero, nós nunca planejamos muito as coisas na Blood Moon.
Parece que cada um consegue se posicionar no campo de batalha e fazer
exatamente o que precisa ser feito.
—
Vocês são verdadeiros guerreiros então. Espero não me decepcionar com vocês.
— Com isso, eu
garanto que você não vai ter que se preocupar. — Disse Overseer com um sorriso triunfante no rosto.
— Ei! — Chamou Huntress. — Vocês dois!
O
Mago e Overseer se voltaram para trás. A mulher com o arco nas costas acenava
com o braço esquerdo. O resto do grupo havia seguido por outra direção.
Rapidamente, os dois se juntaram a Huntress e, então, ao resto da equipe.
Eles
estavam em uma rua, próximos de um beco e uma estrutura metálica destroçada. A
frente do resto do grupo estava Silver. Ele tinha um sorriso satisfeito
estampado em seu rosto. Em sua mão direita, ele tinha um punhado de cristais.
Então, ele disse:
— Eu não
esperava encontrar essas belezinhas aqui. — Ele olhou
diretamente para o Mago. — Eu achei que
esse lugar havia sido selado há muito tempo.
— Talvez os
cristais sejam apenas realmente antigos. — Disse Pierce. — Assim, eles já existiriam na época que esse
lugar a civilização do passado ainda existisse. Isso não me surpreenderia.
— Talvez esse
lugar esteja relacionado com a origem dos cristais. — Sugeriu Psycho. — Me parece bem provável, sendo que não
conhecemos nada sobre esse lugar ou essas pedrinhas brilhantes.
— Talvez outras
passagens deste lugar tenham tido os seus selos quebrados. — Disse Judge. — Imagino que, com um tamanho desses, este lugar tenha várias
passagens.
Naquele
momento, todos começaram a trocar olhares até que, enfim, todos encaravam o
Mago. Ele, calmamente questionou:
— Apenas por eu
ser um Mago eu tenho que ter todas as respostas do mundo?
— Ué, é assim
que todos os magos agem. — Silver
comentou.
— E,
sinceramente, ninguém sabe o que o seu povo esconde. — Complementou Juggernaut com sua voz abafada
pelo elmo.
— Sinceramente,
nem eu sei exatamente o que o meu povo sabe. — Disse o Mago. —Muito do
conhecimento antigo é reservado para um seleto grupo de anciões que nos
lideram. E é exatamente por isso que nós estamos aqui. Eu quero saber o que é
que os anciões de meu povo escondem do resto de nós.
— E você acha
que isso pode estar relacionado aos cristais? — Perguntou Huntress.
— Antes, era
apenas uma hipótese. Mas, agora, ao ver que eles existem aqui também...
— Agora é uma
certeza. — Concluiu
Overseer.
O
Mago concordou, assentindo com a cabeça.
O
líder mercenário respirou fundo e, então, perguntou:
— E sobre a tal
criatura mitológica? Você não tem nenhum tipo de informação?
— Não muitas. — Admitiu o Mago. — Eu não sei nenhuma característica física
dela ou o que ela fez exatamente. Eu apenas sei que o meu povo se refere a ela
como uma entidade que traz justiça, uma vez que ela trouxe o fim da civilização
desta cidade.
— E o seu povo
tinha algum problema com essa civilização. —Supôs Psycho.
— Sim. — O Mago concordou.
— Esperem. — Judge parecia tonta. — Mago...você quer dizer que o seu povo causou
tudo isso...?
— Não teríamos
como. — Ele respondeu.
— Dominar uma
criatura tão poderosa... Tal feito não estaria ao nosso alcance.
— Até onde você
sabe. — Argumentou
Pierce. — O seu povo
poderia omitir uma informação dessas tranquilamente, não?
O
Mago ponderou um pouco e, após bufar, respondeu:
— Temo que você
esteja certo. Mas...mesmo assim...isso não me parece muito provável. Eu não sei
exatamente como explicar. Eu apenas sinto isso.
— Certo... — Silver murmurou. — Bem, eu não sei nada sobre essa criatura
também. Mas, eu sei, agora, que existem cristais aqui.
— Pode pegar
quantos você conseguir carregar. — O Mago disse
calmamente. — Considere isso
como parte do pagamento. — Em seguida,
ele olhou rapidamente para os outros mercenários. — Isso vale para todos vocês. Mesmo que vocês
não forem usar os cristais, vocês podem muito bem os vender, não?
— Com uma cidade
deste tamanho, tenho certeza que encontraremos muitos cristais aqui. — Comentou Huntress.
— Conseguiremos
uma boa quantia de dinheiro. — Complementou
Judge. — Disso, eu
tenho certeza.
— Sendo assim,
eu não tenho nada do que reclamar. — Disse Silver.
Ele olhou rapidamente para frente e, então, voltou-se para os seus
companheiros. — Então, vamos?
Nosso pagamento...
Antes
que ele pudesse terminar de falar, uma criatura, vinda do beco próximo a eles,
pulou por cima dos restos da estrutura metálica diretamente contra a mão direita
de Silver. Em uma fração de segundos, um objeto atingiu o animal, matando-o
instantaneamente. O corpo da criatura caiu no chão junto com um cristal
vermelho que estava com Silver.
— Mas o quê...? — Isso foi tudo o que Silver conseguiu
balbuciar.
Todos
olharam para o chão, na direção da criatura. O animal de meio metro de altura se
assemelhava com um coelho. Sua pelagem, entretanto, era no mínimo estranha. A
coloração verde parecia brilhar nas patas com garras longas, orelhas longas e
caídas, além de na cauda que parecia ser feita de algodão. Seus olhos eram
completamente vermelhos. O resto da pelagem era cor de grafite. Os dentes
brancos pareciam extremamente afiados.
Cravado
em seu pescoço estava o objeto que havia o matado. Era uma faca prateada,
simples, com cerca de dez centímetros de comprimento. Naquele instante, alguns
dos mercenários se voltaram para uma pessoa: Ghost. Os outros, incluindo o
Mago, acompanharam o gesto.
Ao
que tudo indicava, Ghost havia sacado e arremessado uma faca naquele pequeno e
ágil animal, matando-o com apenas um golpe, antes que qualquer um tivesse tempo
de reagir. Por mais admirável que aquilo fosse, infelizmente, o acontecimento
apenas deixou o Mago mais inquieto.
Calmamente,
Ghost andou até o animal morto e retirou a faca de seu pescoço, limpando-a em
sua roupa e a guardando por dentro da manga esquerda de sua roupa. Então, ela
disse com sua voz delicada:
— Que bicho mais
estranho. Nunca vi um coelho pular tão alto.
— Sim. — Concordou Specter. Sua voz era,
estranhamente, gentil e calma. — Ainda mais
nessas cores.
— É bem provável
que encontremos mais criaturas estranhas assim, não? — Ela perguntou diretamente para o Mago.
— Bem...eu creio
que sim. — Ele respondeu,
um pouco relutante, uma vez que ele não conseguia ver o rosto nem de Specter
nem de Ghost. — Talvez...seja
algum tipo de adaptação a esse ambiente. Se eles forem realmente criações da...
O
Mago parou de falar. Naquele instante, todos pareciam haver sido paralisados
devido ao cheiro que a criatura morta começou a exalar. Era uma mistura
equilibrada entre um doce perfume floral com o de uma carne sendo feita na
brasa. O aroma conseguiu abrir o apetite de todos. Os dez já imaginavam o gosto
da carne macia do animal assada com uma calda levemente doce combinando
perfeitamente com ela. Com água na boca, Juggernaut perguntou:
— Será que
conseguiríamos um tempo pra comer antes de prosseguirmos com a missão?
— Será que
conseguiríamos achar mais desses bichos? — Indagou
Psycho.
— De repente,
eles parecem mais interessantes que os cristais... — Admitiu Pierce.
— Não exagere. — Pediu Silver. — Mas... É... Comer não faria mal agora...
Aos
poucos, todos andavam na direção do animal, quase como se estivessem
hipnotizados. Entretanto, Huntress parecia ter percebido algo e, então, gritou:
— Parem!
Todos
se voltaram na direção dela. Então, Huntress continuou:
— Do mesmo jeito
que esse cheiro nos atrai, eles também pode atrair outras coisas.
Todos
captaram a mensagem. Logo em seguida, veio um uivo. Do beco, apareceu uma
criatura que se assemelhava a um lobo. A pelagem dele era cor de grafite como
os do “coelho”. Os olhos brilhantes eram completamente amarelos. As garras
cinzentas de suas patas brilhavam como pontas de adagas. As longas e afiadas presas
da mandíbula e do maxilar pareciam se entrelaçar, estendendo-se para fora da
boca, inclusive nas laterais de sua face. Apesar de estar sobre quatro patas, o
animal tinha um pouco mais de dois metros de altura. Com mais um uivo, o “lobo”
chamou os seus aliados. Em alguns instantes, versões dele, com cerca de oitenta
centímetros a menos de altura, surgiram das ruas à frente e atrás deles,
encurralando-os. Havia, pelo menos, duas dezenas daqueles animais agora.
Overseer,
então, sorriu e disse:
— Muito bem,
queridos. Nossa primeira luta nesse lugar... Vamos mostrar ao Mago que nós
valemos cada cristal que receberemos!
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