domingo, 19 de abril de 2015

A Queda, Capítulo 3

Criaturas


Enquanto andavam pelas ruínas da cidade, a equipe estava atenta a tudo a sua volta. Assim, eles não só estavam preparados para algum ataque surpresa, como também observavam o próprio lugar. Agora mais próximos, o mago e os mercenários, enxergavam, detalhadamente, as ruas e as edificações da cidade abandonada.
Apesar dos sons emitidos por o que se supunha ser animais, a área parecia estar bem conservada, quase como se as formas de vida do local não rondassem o local. Entretanto, havia alguns objetos não identificados. Nenhuma das dez pessoas sabia dizer o que eram aquelas coisas. Estruturas de metal, aparentemente mais complexas que todo o resto a sua volta, estavam espalhadas pela cidade. Todas estavam inertes, sendo que algumas estavam intactas enquanto outras pareciam ter sido esmagadas contra o solo.
Os prédios pareciam fortificações. A maioria tinha a mesma altura, cerca de cinqüenta metros, como se fossem padronizados. Entretanto, havia algumas edificações mais imponentes, como torres, que passavam dos cem, duzentos ou quinhentos metros. As paredes lisas e polidas de metal azulado eram impressionantes. Todos os prédios seguiam esse padrão, tendo também janelas de vidro cristalinas e portões sólidos que pareciam ser feitos para guardar tesouros.
Os dez companheiros sem dúvida estavam impressionados por tudo aquilo. Porém, eles estavam inquietos. Um mau pressentimento parecia percorrer a espinha de todos a cada ruído que eles ouviam. Eles não tinham como saber que tipo de criaturas habitava aquele lugar, além de não saberem se haveria alguma armadilha próxima. O ar frio da cidade somada a atmosfera morta do lugar, com as luzes brancas e as cores azuis metálicas, contribuíam para esse sentimento.
A equipe já andava pelo local há, pelo menos, quinze, minutos. Alguns deles apenas murmuravam comentários para aqueles que estavam próximos. Outros, entretanto, permaneciam calados, como Ghost e Specter, que andavam, cerca de cinco metros, atrás do resto do grupo.
Eles deixavam o Mago preocupado e Overseer havia percebido. Então, o líder do Blood Moon disse calmamente para o aliado:
Não se preocupe com aqueles dois. Eles estão do nosso lado.
Você confia completamente nos dois? Perguntou o Mago.
Confiar completamente? Overseer riu baixo. Eu nem confio completamente no meu bom senso, Mago. Eu não acho que eu possa confiar cegamente em ninguém.
Isso é sábio de sua parte.
Obrigado, mas... Com uma pausa rápida, ele olhou para trás, na direção dos dois encapuzados. Sinceramente...eu confio mais naqueles dois do que em qualquer outro aqui.
Acredito que você tenha os seus motivos para isso. O Mago ponderou por alguns instantes. Eles salvaram a sua vida em alguma ocasião, certo?
Certo. E eu salvei as deles antes. O líder mercenário respirou fundo. A vida desses jovens não deve ter sido nem um pouco fácil...
Jovens, você diz? O Mago soou um pouco surpreso. Quantos anos eles têm?
Eu não tenho certeza, mas...talvez...vinte anos, o Specter, e dezoito, a Ghost.  
Entendo... Então, qual é a história deles?
Eles são irmãos. Membros de um clã de assassinos desde que eles se entendem por gente. Mas, aparentemente, eles foram...ah, “adotados”. Talvez os assassinos tenham matado os pais deles e, então, criaram eles desde pequenos para serem matadores.
Um método deveras cruel.
Concordo.
Entretanto...quanto à formação deles como assassinos...
Deu muito certo.
Entendo...
Mas, mesmo assim, eu peço que não os tema. Enquanto eles estiverem do nosso lado, você pode confiar a sua vida a eles.
“Enquanto eles estiverem do nosso lado”. O Mago repetiu. Isso deveria gerar confiança?
Ah... Overseer deu de ombros. Eu esperava que sim. Mas eu só estou sendo realista. Eles já foram leais a um clã de assassinos. Agora eles são leais a nós. Enquanto não nos desentendermos, estaremos bem.
Certo...
Mas alguém o preocupa?
Na verdade, não. Não duvido na habilidade de luta dos outros, mas...não creio que ocorrerá nenhum conflito. Pelo menos, não comigo.
Ora... Overseer riu baixo. É tão óbvio assim?
Um pouco. Mas eu espero certo profissionalismo deles. Não creio que eles vão se deixar levar pelas próprias emoções. Ao menos, não durante uma situação como essa.
É... Eu também espero que você esteja certo.
O Mago olhou, de relance, todos os membros da equipe e, então, disse:
Você reuniu essa equipe apenas pensando nas habilidades individuais de cada um. Você realmente não pensou no lado emocional ou psicológico deles, não é?
Ah... Overseer hesitou, mas, após alguns instantes, concordou, assentindo com a cabeça. Você está certo... Mas, sinceramente, esses conflitos não são recentes. Eles nunca nos atrapalharam em nenhuma missão antes...
Mas essa é diferente. O Mago interrompeu o líder mercenário. Não temos um objetivo muito claro. Não sabemos o que iremos encontrar durante o caminho. Não sabemos nem quanto tempo passaremos aqui.
Você tem razão. Overseer bufou. Mas, para ser sincero, nós nunca planejamos muito as coisas na Blood Moon. Parece que cada um consegue se posicionar no campo de batalha e fazer exatamente o que precisa ser feito.
Vocês são verdadeiros guerreiros então. Espero não me decepcionar com vocês.
  Com isso, eu garanto que você não vai ter que se preocupar. Disse Overseer com um sorriso triunfante no rosto.
Ei! Chamou Huntress. Vocês dois!
O Mago e Overseer se voltaram para trás. A mulher com o arco nas costas acenava com o braço esquerdo. O resto do grupo havia seguido por outra direção. Rapidamente, os dois se juntaram a Huntress e, então, ao resto da equipe.
Eles estavam em uma rua, próximos de um beco e uma estrutura metálica destroçada. A frente do resto do grupo estava Silver. Ele tinha um sorriso satisfeito estampado em seu rosto. Em sua mão direita, ele tinha um punhado de cristais. Então, ele disse:
Eu não esperava encontrar essas belezinhas aqui. Ele olhou diretamente para o Mago. Eu achei que esse lugar havia sido selado há muito tempo.
Talvez os cristais sejam apenas realmente antigos. Disse Pierce. Assim, eles já existiriam na época que esse lugar a civilização do passado ainda existisse. Isso não me surpreenderia.
Talvez esse lugar esteja relacionado com a origem dos cristais. Sugeriu Psycho. Me parece bem provável, sendo que não conhecemos nada sobre esse lugar ou essas pedrinhas brilhantes.
Talvez outras passagens deste lugar tenham tido os seus selos quebrados. Disse Judge. Imagino que, com um tamanho desses, este lugar tenha várias passagens.
Naquele momento, todos começaram a trocar olhares até que, enfim, todos encaravam o Mago. Ele, calmamente questionou:
Apenas por eu ser um Mago eu tenho que ter todas as respostas do mundo?
Ué, é assim que todos os magos agem. Silver comentou.
E, sinceramente, ninguém sabe o que o seu povo esconde. Complementou Juggernaut com sua voz abafada pelo elmo.
Sinceramente, nem eu sei exatamente o que o meu povo sabe. Disse o Mago. Muito do conhecimento antigo é reservado para um seleto grupo de anciões que nos lideram. E é exatamente por isso que nós estamos aqui. Eu quero saber o que é que os anciões de meu povo escondem do resto de nós.
E você acha que isso pode estar relacionado aos cristais? Perguntou Huntress.
Antes, era apenas uma hipótese. Mas, agora, ao ver que eles existem aqui também...
Agora é uma certeza. Concluiu Overseer.
O Mago concordou, assentindo com a cabeça.
O líder mercenário respirou fundo e, então, perguntou:
E sobre a tal criatura mitológica? Você não tem nenhum tipo de informação?
Não muitas. Admitiu o Mago. Eu não sei nenhuma característica física dela ou o que ela fez exatamente. Eu apenas sei que o meu povo se refere a ela como uma entidade que traz justiça, uma vez que ela trouxe o fim da civilização desta cidade.
E o seu povo tinha algum problema com essa civilização. Supôs Psycho.
Sim. O Mago concordou.
Esperem. Judge parecia tonta. Mago...você quer dizer que o seu povo causou tudo isso...?
Não teríamos como. Ele respondeu. Dominar uma criatura tão poderosa... Tal feito não estaria ao nosso alcance.
Até onde você sabe. Argumentou Pierce. O seu povo poderia omitir uma informação dessas tranquilamente, não?
O Mago ponderou um pouco e, após bufar, respondeu:
Temo que você esteja certo. Mas...mesmo assim...isso não me parece muito provável. Eu não sei exatamente como explicar. Eu apenas sinto isso.
Certo... Silver murmurou. Bem, eu não sei nada sobre essa criatura também. Mas, eu sei, agora, que existem cristais aqui.
Pode pegar quantos você conseguir carregar. O Mago disse calmamente. Considere isso como parte do pagamento. Em seguida, ele olhou rapidamente para os outros mercenários. Isso vale para todos vocês. Mesmo que vocês não forem usar os cristais, vocês podem muito bem os vender, não?
Com uma cidade deste tamanho, tenho certeza que encontraremos muitos cristais aqui. Comentou Huntress.
Conseguiremos uma boa quantia de dinheiro. Complementou Judge. Disso, eu tenho certeza.
Sendo assim, eu não tenho nada do que reclamar. Disse Silver. Ele olhou rapidamente para frente e, então, voltou-se para os seus companheiros. Então, vamos? Nosso pagamento...
Antes que ele pudesse terminar de falar, uma criatura, vinda do beco próximo a eles, pulou por cima dos restos da estrutura metálica diretamente contra a mão direita de Silver. Em uma fração de segundos, um objeto atingiu o animal, matando-o instantaneamente. O corpo da criatura caiu no chão junto com um cristal vermelho que estava com Silver.
Mas o quê...? Isso foi tudo o que Silver conseguiu balbuciar.
Todos olharam para o chão, na direção da criatura. O animal de meio metro de altura se assemelhava com um coelho. Sua pelagem, entretanto, era no mínimo estranha. A coloração verde parecia brilhar nas patas com garras longas, orelhas longas e caídas, além de na cauda que parecia ser feita de algodão. Seus olhos eram completamente vermelhos. O resto da pelagem era cor de grafite. Os dentes brancos pareciam extremamente afiados.
Cravado em seu pescoço estava o objeto que havia o matado. Era uma faca prateada, simples, com cerca de dez centímetros de comprimento. Naquele instante, alguns dos mercenários se voltaram para uma pessoa: Ghost. Os outros, incluindo o Mago, acompanharam o gesto.
Ao que tudo indicava, Ghost havia sacado e arremessado uma faca naquele pequeno e ágil animal, matando-o com apenas um golpe, antes que qualquer um tivesse tempo de reagir. Por mais admirável que aquilo fosse, infelizmente, o acontecimento apenas deixou o Mago mais inquieto.
Calmamente, Ghost andou até o animal morto e retirou a faca de seu pescoço, limpando-a em sua roupa e a guardando por dentro da manga esquerda de sua roupa. Então, ela disse com sua voz delicada:
Que bicho mais estranho. Nunca vi um coelho pular tão alto.
Sim. Concordou Specter. Sua voz era, estranhamente, gentil e calma. Ainda mais nessas cores.
É bem provável que encontremos mais criaturas estranhas assim, não? Ela perguntou diretamente para o Mago.
Bem...eu creio que sim. Ele respondeu, um pouco relutante, uma vez que ele não conseguia ver o rosto nem de Specter nem de Ghost. Talvez...seja algum tipo de adaptação a esse ambiente. Se eles forem realmente criações da...
O Mago parou de falar. Naquele instante, todos pareciam haver sido paralisados devido ao cheiro que a criatura morta começou a exalar. Era uma mistura equilibrada entre um doce perfume floral com o de uma carne sendo feita na brasa. O aroma conseguiu abrir o apetite de todos. Os dez já imaginavam o gosto da carne macia do animal assada com uma calda levemente doce combinando perfeitamente com ela. Com água na boca, Juggernaut perguntou:
Será que conseguiríamos um tempo pra comer antes de prosseguirmos com a missão?
Será que conseguiríamos achar mais desses bichos? Indagou Psycho.
De repente, eles parecem mais interessantes que os cristais... Admitiu Pierce.
Não exagere. Pediu Silver. Mas... É... Comer não faria mal agora...
Aos poucos, todos andavam na direção do animal, quase como se estivessem hipnotizados. Entretanto, Huntress parecia ter percebido algo e, então, gritou:
Parem!
Todos se voltaram na direção dela. Então, Huntress continuou:
Do mesmo jeito que esse cheiro nos atrai, eles também pode atrair outras coisas.
Todos captaram a mensagem. Logo em seguida, veio um uivo. Do beco, apareceu uma criatura que se assemelhava a um lobo. A pelagem dele era cor de grafite como os do “coelho”. Os olhos brilhantes eram completamente amarelos. As garras cinzentas de suas patas brilhavam como pontas de adagas. As longas e afiadas presas da mandíbula e do maxilar pareciam se entrelaçar, estendendo-se para fora da boca, inclusive nas laterais de sua face. Apesar de estar sobre quatro patas, o animal tinha um pouco mais de dois metros de altura. Com mais um uivo, o “lobo” chamou os seus aliados. Em alguns instantes, versões dele, com cerca de oitenta centímetros a menos de altura, surgiram das ruas à frente e atrás deles, encurralando-os. Havia, pelo menos, duas dezenas daqueles animais agora.
Overseer, então, sorriu e disse:

Muito bem, queridos. Nossa primeira luta nesse lugar... Vamos mostrar ao Mago que nós valemos cada cristal que receberemos!

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