Alice
Eu nunca vou me esquecer dela. Afinal, como eu poderia?
Minha querida Alice...
Nós estudamos juntos durante a faculdade, mas nunca nos
falamos muito. Ela era bem quieta, introvertida. Lembro-me de ter conversado
com ela apenas umas poucas vezes. Ela me parecia...ótima. Bonita, mas não chamava
muito a atenção. Inteligente, mas não se achava por conta disso. Carismática,
mas apenas com as pessoas que ela conversava.
Entretanto, eu estava naquela fase da vida em que não se
quer nada sério. Eu não me conseguia ver saindo com Alice como eu saia com
outras garotas. Se fosse para eu me envolver com ela, teria que ser daqui a
alguns anos, quando eu estivesse mais maduro.
Entretanto, com o fim da faculdade, eu perdi o contato
com praticamente todos os meus colegas. Com a exceção de dois amigos, eu não vi
mais ninguém de lá desde a festa de formatura.
Então, vocês podem imaginar a minha felicidade ao
reencontrar Alice.
Fazia um ano que eu não havia.Agora, lá estava ela, na
mesma livraria que eu estava. Eu...tenho
que admitir que eu não lembrava que ela era tão linda. Eu não pude conter o
sorriso ao vê-la. E eu fiquei feliz ao ver que ela sorriu de volta.
Nossa... Aquele dia foi muito bom. Nós fomos apenas para
um café após sairmos da livraria, mas aquelas horas foram inesquecíveis. Parecia
que fazia tanto tempo que eu não conversava com alguém como ela. Nós passamos
as quatro horas seguintes conversando. Sem falar mal de ninguém pelas costas.
Sem contar nenhuma piada infantil. Sem dizer nada ofensivo para qualquer tipo
de pessoa. Apenas...conversando. Sobre a vida. Sobre alguns arrependimentos. Sobre
algumas expectativas e sonhos. Sobre tudo o que quiséssemos.
Infelizmente, aquilo teve te acabar. Aparentemente, eu já
havia conseguido fazer com ela ficasse atrasada para ir para o aniversário de
alguma prima, tia... Não me lembro. Só me lembro que eu tive que me despedir
dela.
Eu estava prestes a ficar triste...mas foi aí que ela me
beijou. Eu...não esperava que fosse ela a tomar a iniciativa. Mas eu não
reclamaria. Aquele tempo em que nós ficamos conversando somado àquele beijo...
É, eu não tinha como reclamar.
Rapidamente, ele me pediu o meu número. Sem protestar, eu
contei a ela. Alice, aparentemente, conseguiu memorizar o número. Ela disse que
me ligaria quando pudesse. Eu...fiquei realmente feliz. O mera de ideia poder
ver ela de novo, de poder ter mais momentos como aquele...era ótima.
Após nos despedirmos e eu voltar para casa...eu tive
certeza. Eu não queria parecer um bobo apaixonado, mas...aquele meu pensamento
de quando eu estava na faculdade podia se tornar realidade. Em me envolvendo
com Alice. Um relacionamento sério. Nossa... Bem, talvez eu tivesse, enfim,
amadurecido.
O problema foi o que veio em seguida: nada. Ela...não me
ligava de volta. Por uma semana, eu esperei ela ligar para mim. Todo dia
passado devagar. Todo dia parecia cinzento. Nada tinha a mesma graça. Droga...
Eu não tinha meios de contatar Alice. Ela tinha o meu
número, mas eu não tinha o dela. Ela não usava nenhum tipo de rede social. Eu
não mantinha contato com nenhum conhecido dela.
Ao fim dessa semana, eu saí junto com um amigo meu. Eu o
conhecia desde que eu tinha uns seis anos de idade. Eu podia confiar nele
totalmente. Os conselhos dele já haviam me ajudado várias vezes.
Nós fomos para um bar naquela noite. Entre um copo e
outro de cerveja, nós conversávamos. Aos poucos, eu fui contando sobre Alice.
Quando eu terminei de contar tudo, ele simplesmente me aconselhou a me esquecer
dela. De acordo com ele, não valia a pena sofrer assim. Talvez eu não
significasse tanto assim para ela...apesar de ela significar muito para mim.
Aquele pensamento...conseguiu me deprimir ainda mais. Ao
ver aquilo, o meu amigo tentou me animar. Ele disse que, talvez, Alice tivesse
alguns problemas para resolver. Talvez, até, ela já estivesse saindo com outra
pessoa quando nós saímos. Nesse caso, ela precisaria de tempo para arrumar a
vida dela do melhor jeito possível. E pensar naquilo...realmente me animou.
Três dias depois daquela conversa, eu já tinha um
encontro com outra garota. Ela me passou uma boa impressão quando nos vimos
pela primeira vez.
Havia um parque municipal perto da minha casa. De vez em
quando, eu me animo para correr lá. Um dia desses, eu a encontrei. Corremos um
pouco juntos. Conversamos um pouco. Marcamos de sair já no dia seguinte.
Infelizmente...o encontro não foi muito bom. Eu tenho
certeza que, em circunstancias diferentes, aquele teria sido um ótimo dia,
mas...eu a vi. Foi apenas de relance, mas...eu vi Alice. No meio de uma
multidão andando pelas ruas. Ou...eu pelo menos acho que aquela era ela.
Droga... Depois daquilo, eu perdi a concentração. Eu
ficava olhando para todos os lados. Eu tinha certeza que eu poderia achar Alice
de novo. Eu sabia disso.
Obviamente...eu acabei não prestando muita atenção no que
a garota que eu saia falava...ou fazia... É...eu nem a vi deixando o
restaurante onde estávamos.
Bem...eu mereci aquilo. Ela com certeza não ia querer me
ver de novo depois daquela noite. E eu não a culpava. Afinal, a culpa era minha
e somente minha... Ou era o que eu achava.
Nós próximos cinco encontros que eu tive...eu a vi.
Alice. Eu tenho certeza. Sempre de relance, como se ela apenas me observasse de
longe. Droga! Eu perdi a concentração. O encontro foi um fiasco. A garota não
quis mais me ver. Isso tudo aconteceu mais cinco vezes.
Eu...tinha certeza que aquela era Alice. Só podia ser
ela. Eu não entendia o que se passava na cabeça dela. E eu nem queria. Eu só
conseguia sentir raiva dela. Afinal, ela teve a chance dela comigo. Nós
poderíamos estar juntos e felizes agora se ela não tivesse me deixado de lado.
Tudo o que estava acontecendo de errado ultimamente na minha
vida...era culpa dela... Culpa da minha querida Alice.
No meu próximo encontro, lá estava ela. Alice. Sempre de
longe. Apenas observando. Aquela maldita... Dessa vez, ela não me
desconcentraria. Esse encontro daria certo... E foi exatamente isso o que
aconteceu.
Eu fico feliz em dizer que outros encontros vieram em
seguida. E eu realmente estava gostando dessa garota que, com o tempo,
tornou-se, oficialmente a minha namorada.
Alice parecia uma memória distante agora. Isso se devia
ao fato que, nem mesmo de relance, eu a via mais. Sim. Toda a minha atenção
estava focada naquela que poderia ser muito bem o maior da minha vida.
Droga... Tudo estava bom até aquele dia.
Chegava ao fim mais um encontro maravilhoso...quando eu
percebi que eu estava sem o meu celular. Antes que eu começasse a vasculhar
todo o restaurante, minha namorada sugeriu ligar para o meu celular. Bem, fazia
sentido. O celular tocaria e nós iríamos até ele. Talvez mais alguém o achasse.
Eu não acho que alguém tentaria roubar aquele meu celular antigo, então, caso
aquilo começasse a tocar, não teria lado negativo, certo? Bem... O que
aconteceu em seguida...foi realmente inesperado.
Minha namorada ligou para o número. Não ouvíamos o
celular tocar. Foi aí...que alguém atendeu a ligação. Eu não sabia o que estava
sendo dito para a minha namorada, mas...eu tinha certeza que não poderia ser
bom. O rosto dela havia empalidecido em uma fração de segundos. Além
disso...ela parecia paralisada, quase como em transe.
Eu estava morrendo de preocupação naquele instante.
Quando ela tirou o celular dela do lado de seu rosto, a ligação já havia
acabado. Ela...parecia exausta de repente. Quando eu perguntei o que havia
acontecido, ela nem soube me explicar. Quando eu sugeri ligar, ela me aconselhou
a não fazer aquilo. Mesmo sem entender o porquê, eu resolvi não começar uma
discussão por causa daquilo... Pelo menos, não com ela naquele estado.
Eu a levei para casa dela. Claramente, ela precisava de
uma boa noite de descanso... E eu precisava ligar para o meu celular. Você me
julgaria? A curiosidade estava me matando.
Ao chegar a minha casa, fui direto para o telefone fixo
que ficava em minha cozinha. Uma vez lá, liguei para o meu celular.
Um. Dois. Três toques. E foi aí que a ligação foi atendida...por
aquilo.
Eu não faço a mínima ideia de quanto tempo se passou. Eu
só sei que, durante todo aquele tempo, eu permaneci imóvel...ouvindo aquele
som.
Parecia uma espécie de gemido. Parecia ser de uma mulher.
Mas o som estava distorcido, abafado e, estranhamente...próximo.
Aquilo...parecia vir de trás de mim.
Quando a ligação foi encerrada, eu me virei rapidamente
para trás.
Nada. Não havia nada de anormal atrás de mim.
Aquilo me deu certo alívio...mas eu estava exausto. Assim
como a minha namorada, aquele som me deixou cansado...além de perturbado.
Uma boa noite de sono resolveria tudo, certo? Bem, talvez
não, mas valia a pena tentar. Eu não conseguia pensar em mais nada além da
minha cama. Então, eu fui até o meu quarto.
Ao entrar lá, percebi algo estranho. O meu computador
estava ligado. Droga... Será que eu o teria esquecido ligado esse tempo todo?
Droga... Eu nem queria pensar na conta de luz no fim do mês...
Porém, quando fui até ele, percebi que apenas uma página
estava aberta. Era a de um jornal. Falava sobre um acidente. Uma mulher havia
morrido. Aparentemente, ela estava indo visitar alguns parentes em outra
cidade. O trecho da estrada que ligava a cidade aonde ela ia até a minha cidade
era perigoso. Apesar de asfaltados, aquele trecho era cheio de curvas, na
encosta de uma montanha. O horário do acidente estava estimado para depois das
três da manhã. A mulher havia adormecido enquanto dormia. E o nome dela... O
nome dela era Alice.
Nesse instante, eu ouvi algo vibrando. Eu olhei para o
meu lado direito e...lá estava ele. O meu celular...
Ao mesmo tempo em que eu tremia...uma dose de adrenalina
percorreu o meu corpo.
Eu peguei o meu celular e li a mensagem...
“Viu? Eu não esqueci do seu número...”.
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