As Ruínas
A floresta verdejante era extremamente densa. A copa de
algumas árvores quase que bloqueavam por completo a luz do sol. As raízes
gigantescas delas atravessavam até mesmo as rochas cinzentas da região,
fixando-as fortemente. Orvalho escorria de algumas das folhas das plantas da
área. Havia chovido durante a noite. Agora, no começo da tarde, o sol brilhava
forte, mesmo que entre nuvens. Entretanto, fazia frio da região. Ventos gélidos
anunciavam o começo do outono, o que era evidenciado por algumas folhas
alaranjadas e marrons caídas no solo levemente avermelhado. Tais ventos também
traziam os mais variados aromas para o local, desde o perfume das plantas
silvestres, até o das maças e uvas, típicas da região.
Bem no centro desta floresta, havia um grupo de dez
pessoas. Duas estavam mais a frente do restante. Eram dois homens.
O que estava à esquerda parecia ter mais de cinqüenta
anos. O homem devia ter pelo menos um metro e oitenta de altura. Seu rosto cor
de bronze era marcado por algumas rugas e uma cicatriz, na horizontal, bem
abaixo de seu olho esquerdo. Sua barba espessa e seus cabelos desarrumados eram
grisalhos. A expressão séria em seu rosto era intimidadora. Seus lábios finos
eram secos. Seus olhos castanhos não emitiam brilho. Seus dentes, amarelados. Ele
vestia uma armadura de couro negro reforçada com aço, da mesma cor, em certos
pontos, como nos ombros, canelas, antebraços e peitoral. Nesta última parte da
armadura, em específico, havia a marca de uma lua na cor vermelha. Atrás da cintura haviam alguns bolsos presos
ao cinto.No lado esquerdo da cintura, havia uma longa espada, ligeiramente
curvada, guardada em uma bainha lustrosa.
O que estava à direita não se podia supor a idade. Seu
rosto estava coberto por um capuz. Toda a sua vestimenta, de coloração azul
escura, era feita de linho. Entretanto, suas botas e manoplas eram feitas de
algum tipo de metal de coloração dourada que, naquele momento, já estavam
levemente enferrujadas. O peitoral, que seguia o mesmo esquema de armadura,
tinha inscrições rúnicas nela. Os ombros, por sua vez, tinham pequenas águias,
como estatuetas, em sua superfície, em uma posição que sugeria que a criatura
iria atacar sua presa. Nas costas, o homem carregava um cajado. A arma, azul
celeste, era feita, aparentemente, com algum tipo de cristal perfeito, como se
ela tivesse sido esculpida de um bloco maior da pedra. Uma das pontas da arma
era regular, como um círculo. A outra, porém, tinha três extremidades, como
garras ligeiramente contorcidas, como se agarrassem algo. A extensão do cajado
era a mesma da altura do homem, que seria, aproximadamente, quatro centímetros
a mais do que aquele que estava ao seu lado.
—
Então...esse é o lugar, Mago? —
O homem à esquerda perguntou.
—
Sim. — O outro,
conhecido apenas como “Mago”, respondeu. Em seguida, ele apontou para frente. — Veja.
A frente dos dois havia uma parede rochosa de, pelo
menos, dez metros de altura. Ela era coberta por uma grande variedade de
plantas e algumas flores, fazendo com que a coloração verde encobrisse boa
parte da figura cinzenta. Entretanto, ainda era possível ver algumas partes da
parede rochosa que ainda não haviam sido cobertas. Nelas haviam o que pareciam
ser inscrições similares às que haviam na armadura do Mago. O homem de barba
grisalha riu baixo e, então disse:
—
É...o seu povo realmente selou esse lugar. Vocês são mais cruéis do que eu
imaginava...
—
Nós apenas fizemos o que era preciso. —
Retrucou o Mago. Apesar disso, ele ainda mantinha a calma. — Nós apenas fizemos o que
era o certo, mercenário.
—
Se você diz... — O
homem com a cicatriz no rosto murmurou e, em seguida, alcançou um de seus
bolos. De lá, tirou um pequeno cantil prateado. Ele abriu o frasco e tomou um
gole da bebida. Parecendo satisfeito, ele fechou a tampa do cantil e o guardou.
— Então...vá. Faça o
seu truque, Mago.
—
Não precisa me mandar fazer nada.
O Mago puxou o cajado nas costas e o apoiou, em pé, bem a
sua frente. Ele segurava a arma com ambas as mãos. Ao aproximar seu rosto da
haste do cajado, o Mago começou a murmurar algo. O mercenário ao seu lado não
conseguia compreender nada. Os outros oito estavam longe demais para ouvir,
porém, não era provável que eles entendessem alguma palavra que saia da boca do
Mago.
Após alguns segundos, o cajado começou a brilhar intensamente,
emanando uma luz azul celeste ofuscante. Aos poucos, pequenos orbes
luminescentes começaram a surgir da arma. Delicadamente, as esferas começaram a
flutuar em torno do Mago. Em questão de segundos, os orbes pareciam ter havido
congelado em pleno ar. Calmamente, o Mago distanciou sua face do cajado e,
vagarosamente, levantou a arma apenas com sua mão direita em sua base regular. Ele
respirou fundo. Com um movimento brusco, o Mago estendeu o cajado para trás,
levando o seu braço esquerdo para frente. Os orbes se agitaram. Com um
movimento rápido e preciso, como uma estocada, o Mago apontou o cajado para
frente, posicionando seu braço esquerdo, desta vez, para trás de si. No mesmo
instante, as esferas foram lançadas contra a parede rochosa, fazendo-a brilhar
levemente com uma luz azulada. Após girar o cajado no ar rapidamente, o Mago
bateu a base regular da arma contra o chão. Agora, somente as inscrições
brilhavam na parede. A luz se tornou ofuscante em uma fração de segundos e, em
seguida, extinguiu-se.
Antes que alguém pudesse dizer algo sobre o que havia
acabado de acontecer, a área começou a tremer. Lentamente, a grande parede
rochosa começou a afundar na terra. Aos poucos, uma passagem foi se tornando
visível. O Mago já sabia o que aconteceria, é claro. Os mercenários,
entretanto, não faziam ideia. Tudo aquilo parecia loucura para os oito que,
agora, se aproximavam da passagem. Porém, o líder deles, o homem que estava ao
lado do Mago, podia praticamente pressentir o que aconteceria, bem como ele sabia
que poderia no sujeito ao seu lado. Aquilo
era um dom digno de alguém como Overseer, líder do bando de mercenários Blood
Moon.
Após o portão se pôr completamente, a passagem estava
liberada. Um corredor completamente escuro, seguindo, como uma grande rampa,
para o subsolo, estava à frente deles agora. O desconhecido os aguardava.
Aquilo fez Overseer abrir um largo sorriso e dizer com sua voz rouca:
—
Bem...eu não sei o que vocês estão esperando. Vamos logo, queridos!
Gargalhando, Overseer se juntou aos seus homens. Eles
entraram logo após o Mago. Era o mais sensato a se fazer em uma situação como
aquelas. Aquele que conhecia os segredos daquele lugar, pelo menos em parte,
deveria liderar os demais.
Em questão de segundos, as trevas os engoliriam. Logo, os
mercenários tiraram, cada um, um cristal vermelho de seus bolsos. Eles
seguraram as pedras dentro de seus punhos fechados e, as apertaram. Com
facilidade, os mercenários quebraram os cristais e, em seguida, abriram as
mãos, virando a palma de suas mãos para cima. Em uma fração de segundos, chamas
surgiram entre os seus dedos, como uma tocha. Esse fogo era quase que
completamente controlado por eles. Portanto, as chamas não os feriam, mas os
aqueciam e iluminava os arredores deles, apesar dessa última parte não ser
controlada por eles. Overseer riu baixo e disse:
—
Espero não ter que entrar em nenhum tipo de discussão com você, Mago.
Ele deu de ombros e, então, afirmou:
—
Eu não sou tão conservador quanto o resto do meu povo, mercenário. Eu sei que
essa é a única alternativa de vocês. —
O Mago puxou o seu cajado e, rapidamente, a arma mudou de cor. Agora, toda a
haste de cristal havia assumido uma coloração avermelhada. Na extremidade
irregular do cajado, chamas surgiram em um piscar de olhos. — Afinal, vocês não
conseguem dominar nenhum tipo de magia sem os seus pequenos cristais.
Overseer revirou os olhos e murmurou:
—
Exibido...
A equipe continuou a prosseguir pelo corredor. Graças às
chamas, eles podiam ver, além de estarem aquecidos. Entretanto, o silêncio do
lugar era perturbador. O chão dos passos sobre a superfície metálica parecia
ecoar infinitamente. Rapidamente, além de felizmente, os mercenários começaram
a conversar. Eram apenas murmúrios, mas aquilo parecia dar vida àquele lugar.
Conversas bobas, irrelevantes, mas que tinham o efeito de fazer os sons de seus
passos menos inquietantes.
Entretanto, tanto o Mago quanto Overseer permaneciam
quietos. O líder dos mercenários estava atento a qualquer problema que viesse a
acontecer. O Mago parecia estar em uma espécie de transe. Ele não desejava
interagir com aquelas pessoas. Ele apenas queria cumprir o seu objetivo. Claro,
seria impossível fazer aquilo sozinho. Seu povo não o apoiou. Grande parte do
mundo parecia já estar concentrada em seus próprios problemas. A promessa de
encontrar fortunas inestimáveis, entretanto, foi o suficiente para se aliar a
um bando de mercenários. Mas o Mago não podia reclamar. Ele havia conseguido
seu reforço. Seu próprio povo havia lhe virado as costas. Mas ele não carregava
rancor deles. Na verdade, ele sentia pena. O seu grandioso povo havia se
tornado ganancioso e cego, não vendo o mal que eles poderiam trazer ao mundo.
Após mais alguns minutos de caminhada, o bando pôde,
enfim, avistar luz. Isso levantou o moral de todos que, em um instante,
começaram a andar mais rapidamente. Passo a passo, eles foram se aproximando do
destino deles. Alguns estavam animados, outros, preocupados com o que estaria a
frente deles. O ruído de seus passos no chão metálico não mais o incomodava.
Após terminarem de descer a grande rampa, eles chegaram,
enfim naquele local. Ninguém, nem mesmo o Mago, pôde prever a aparência do
local.
Edificações, ruas e até mesmo o teto. Tudo era feito a
partir de um metal azulado. Espalhados pelo local, objetos em formatos cúbicos,
inseridos no chão, paredes e, principalmente, no teto, emitiam uma luz branca.
Entretanto, o tenebroso labirinto a frente do grupo era tão frio e silencioso
quanto o corredor de antes.
Um misto de insegurança e curiosidade pelo lugar foi
sentido pelos dez. Todos tinham uma expressão de surpresa estampadas em seus
rostos. Ninguém dizia nada. Claramente incomodado pelo silêncio, e após de,
enfim, se der conta de tudo a sua volta, Overseer disse:
—
Então...esse é o lugar, Mago. — Ele levou a mão ao rosto
para enxugar o suor com sua luva. —
Esse é o lugar que teve toda a sua civilização exterminada sem deixar rastros...
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