Aquilo dentro do Armário
Esse feriado foi o suficiente para arruinar a minha vida.
Droga... Eu não sei nem se eu sair vivo dele. Por quê? Bem, eu estou escrevendo
essa carta exatamente para responder isso. Por ora, eu apenas direi que eu
estou prestes a fazer algo que possa tirar a minha vida, mas...eu preciso fazer
isso. Eu tenho certeza disso. Só me falta coragem para eu agir. Eu espero que
até o fim dessa carta eu tenha conseguido isso...
Meus pais sempre quiseram uma casa de campo. Eles
trabalharam duro para isso. Depois de anos...eles finalmente conseguiram o
dinheiro. Quando eles me avisaram, descobri que meus já haviam comprado a casa.
Aparentemente, os dois já estavam de olho no lugar há muito tempo. Eu não pude
deixar de ficar feliz por eles. O sonho de meus pais havia se tornado
realidade. Agora, eles teriam um lugar para fugir do estresse do trabalho e da
cidade grande.
No primeiro dia possível, após algumas pequenas reformas,
todos nós fomos até a casa para passar o feriado. Meus pais mereciam o
descanso. Meu irmão mais novo, Matthew, que era dez anos mais novo do que eu,
estava ansioso para ir brincar na floresta que começava no quintal da casa.
Quanto a mim...bem, eu só precisava me acalmar um pouco. Fim de uma semana de
provas somado a um término de relacionamento... Sua mente não fica num estado
muito bom depois disso tudo de uma vez. Eu só esperava ter tranqüilidade para
ler um livro e respirar o ar fresco do campo. Quem sabe? Talvez eu pudesse me
divertir muito até. Eu estaria junto do meu irmãozinho. Eu adorava ensinar as
coisas pra ele, principalmente jogos. Talvez eu nem precisasse de um livro.
Talvez jogar bola ou alguma outra coisa com Matthew podia ser tudo o que eu
precisava.
Quando chegamos lá, cada um foi para o seu quarto arrumar
suas coisas. Sem protestar, eu fui ajudar o meu irmão.
A casa era bem grande, com um aspecto meio velho. Pelo
preço que meus pais pagaram, entretanto, não podíamos reclamar. Resolvemos nos
concentrar no espaço interno do lugar.
O primeiro dia passou bem rápido até. Eu passei metade do
dia brincando com Matthew. Um pouco de futebol, escalada de árvores e
simplesmente apostar corrida. Aquilo era realmente o tipo de coisa que eu
precisava. Durante o restante do dia, eu li. A leitura em si nem me deixou tão
feliz quanto o resultado dela. Por quê? Ora, porque, naquele dia, Matthew
começou a se interessar por livros. Isso apenas por que eu estava lendo e ele tentou
me copiar. Eu me ofereci para ler para ele, mas ele recusou. “Eu quero ser que
nem você!”. Foi o que ele disse. Eu não pude conter o meu sorriso. E, assim, eu
li um livro enquanto ele lia outro. Claro que ele não lia rápido, mas Matthew já
deveria estar muito mais a frente do que seus coleguinhas de escola. Afinal,
ele era muito mais inteligente. Afinal, ele era meu irmão.
Porém, o primeiro problema aconteceu durante a noite.
Enquanto eu estava dormindo, meu irmão havia acordado. Estávamos em quartos
separados, então eu não sabia o que havia acontecido. Só na manhã do dia
seguinte que eu descobri que ele havia deixado o seu quarto, corrido para o quarto
dos meus pais e passado a noite lá. Ao perguntar qual era o problema, ele me
respondeu: “tinha alguma coisa no meu armário”.
Nada mais comum do que isso, não? Uma criança pequena
achando que tinha um monstro no seu armário. Eu sorri e abracei o meu irmão,
prometendo passar a noite com ele para provar que não havia nenhum monstro no
quarto dele.
Mais um dia tranqüilo se passou em um piscar de olhos e,
quando eu percebi, a noite já havia chego.
No quarto de Matthew, ele estava deitado em sua cama.
Apenas com o meu colchão, eu estava deitado logo ao lado dele. Eu já estava
prestes a dormir, diferentemente do meu irmão. Ele estava rolando de um lado
para o outro da cama. Porém, eu sabia que, eventualmente, o cansaço o venceria
e ele dormiria. O que veio a seguir, entretanto, conseguiu me surpreender.
O som de...algo bem afiado arranhando uma superfície de madeira.
Meu irmão começou a tremer. Droga. Eu também ouvia aquilo. Aquele som...vinha
do armário.
Eu não podia deixar de ser racional. Aquele armário...era
bem antigo. Ele já estava na casa quando meus pais a compraram. Ele podia estar
caindo aos pedaços por dentro. As peças dele deviam estar fazendo aquele
barulho. Ou, ainda, algum animal podia ter dado um jeito de entrar no armário.
Eu não sei como, mas era uma possibilidade, apesar de não ser muito agradável.
A floresta era muito perto da casa. Essa teoria me parecia ser a mais provável.
Enfim, resolvi me levantar. Eu tinha que olhar o que
havia dentro do armário. Calmamente, eu caminhei até ele e abri suas portas. Lá...eu
não encontrei nada. No mesmo instante, os sons pararam. Eu respirei aliviado e
me voltei para Matthew. Ele estava tremendo até olhar para o meu rosto. Eu
deveria ser a tranqüilidade em pessoa naquele momento. Eu me lembro claramente
de dizer a ele que não havia nada no armário. Matthew, cautelosamente, andou
até mim e me abraçou, escondendo-se atrás de mim. Em um instante, ele arriscou
olhar para dentro do armário. Ao ver que realmente não havia nada lá, ele
sorriu. Agora, ambos estávamos calmos...até aquela noite.
Na tarde no dia seguinte, eu fui até o quarto do meu
irmão. Matthew deveria estar procurando a bola de futebol que usaríamos, mas
ele estava demorando. Muito. Chegando lá, eu o encontrei tremendo debaixo das
cobertas de sua cama. Antes que eu pudesse perguntar o que havia
acontecido...eu ouvi. Aquele mesmo som da noite anterior. Agora, ainda mais
alto e perturbador. O som...ainda vinha do armário. Como anteriormente, eu
respirei fundo e abri as portas a minha frente. Apesar de eu não ver nada de
mais, algo conseguiu gelar a minha espinha. Por quê? Bem...porque, dessa vez, o
som continuava. Ainda mais nítido do que antes, além de estar acompanhado do
que pareciam ser sussurros. Eu não tinha muita certeza, já que estes sons
estavam mais abafados do que os primeiros.
Meu irmão havia dito alguma coisa, mas eu não consegui
entender o que era. Eu apenas o mandei ficar quieto da maneira mais gentil que
eu pude naquela situação. Foi aí que eu percebi algo. O fundo do armário. Ele...estava
tremendo. Havia algo atrás daquilo.
Como eu já havia dito, o armário era velho. Eu só
precisei empurrar a superfície de madeira para trás para que ela caísse...e
mostrasse o que estava atrás dela.
Um pequeno quarto sem janelas estava diante de mim. Nas
paredes cinzentas, centenas de marcas de arranhões eram bem visíveis. No chão,
dezenas de folhas de papel com rabiscos ininteligíveis. Eu...realmente não
fazia ideia do que era aquilo. Ao olhar para trás, eu fiquei legitimamente
assustado.
A sala havia se estendido em um corredor atrás de mim.
Eu...não conseguia mais ver o quarto de meu irmão...e muito menos ele próprio.
Algo podia acontecer com Matthew. Esse pensamento me gelou
a espinha. Sem hesitar, eu comecei a correr em direção à escuridão.
Não sei se quanto tempo se passou. Poderiam ter sido
apenas alguns minutos, mas parecia uma eternidade. Após muito correr, eu ouvi o
som de passos. Alguém, ou algo, corria em minha direção. Mas eu me deixaria
intimidar por aquilo. Eu tinha que chegar até o meu irmão. Eu tinha que
garantir a segurança dele. E então...eu o encontrei.
Matthew apareceu bem diante dos meus olhos. Ele era a
pessoa que corria na minha direção. Eu o questionei sobre o porquê de ele ter
vindo atrás de mim. Matthew me respondeu, parecendo confuso: “você que me
chamou...”.
Aquilo fez as minhas pernas tremerem. Eu comecei até a
duvidar da minha sanidade. Será que eu não o havia chamado? Foi aí que uma voz
sussurrou em meu ouvido: “eu não preciso de você, somente dele...”.
Eu me virei instantaneamente. Na minha frente, agora,
havia um garoto. Ele olhava para baixo. Seu cabelo cobria seus olhos. Suas
roupas estavam completamente esfarrapadas. Então, eu senti algo me atingindo com
força na minha nuca. Eu perdi a consciência no mesmo instante.
Quando eu acordei, eu estava deitado em uma cama que,
depois, descobri ser de um hospital. Aparentemente, meus pais haviam me
encontrado desmaiado na frente do armário do quarto do meu irmão. Prontamente,
meu pai me levou ao hospital mais próximo enquanto a minha mãe procurava pelo
meu irmão.
Mais tarde, recebi as notícias de minha mãe...dizendo que
não havia encontrado Matthew.
O período seguinte foi bem caótico para a minha família.
Meus pais mal dormiam. Eles esperavam notícias de alguma equipe de resgate
sobre o meu irmão. É...eles acreditavam que ele havia se perdido na floresta
atrás da casa. Eu não os culpo por pensarem nisso. Também não os culpo por não
acreditarem em mim. Aquilo foi...sobrenatural. É claro que alguém que não tivesse
vivenciado aquilo achasse que eu estava delirando. Mas...eu tinha certeza que
aquilo havia sido real. Eu havia sentido o medo. Eu havia sentido a dor. E
agora eu sentia a raiva. Afinal, algo havia tirado meu irmão de mim e dos meus
pais. Algo havia me transformado em um lunático. Algo trouxe uma dor sem igual
aos meus pais. Algo devia pagar pelo que fez.
Então...eu tive que pesquisar sobre aquilo. E o que eu
descubro com alguns moradores da região? Algo sobre os antigos moradores do
local.
Aparentemente, um casal vivia lá com seus três filhos. O
homem era rico e respeitado. A mulher começou apenas como uma interesseira,
mas, com o tempo, ela se apaixonou por ele. Porém, o sentimento não era
recíproco. O homem teve vários casos, sendo que um deles resultou no nascimento
do filho mais novo, que foi acolhido pelo casal após a morte da amante. A
esposa não pretendia se separar do homem. Então, ela concordou em manter o
filho na casa...mas ela não o tratava bem. Poucos anos depois, o homem faleceu
devido a alguma doença. A mulher, então, resolveu abandonar a casa. Ela levou
os seus dois filhos e deixou aquele que era ilegítimo trancado em algum lugar
da casa. Sozinho. Sem água ou comida, apenas esperando a morte.
Foi aí que eu percebi que os rumores sobre aquilo eram
verdadeiros. Aquilo que havia transformado a minha vida e de meus pais em um
inferno...era aquele garoto.
Em seguida, entrei em contato com padre da minha cidade. Ele
era um antigo conhecido de minha família. Fora ele o responsável pelo meu
batismo, bem como o de Matthew. Após eu contar tudo o que havia
acontecido...ele concordou em me ajudar.
Estou indo, agora, de volta aquela casa maldita. O padre
tentará exorcizar aquela praga...e eu o ajudarei como eu puder.
Eu retornarei em breve para dizer como tudo terminou. Por
ora, termino aqui a carta.
02/04/2005
Nenhum comentário:
Postar um comentário