terça-feira, 30 de junho de 2015

Godsbane, Capítulo 1

O Infame


As estrelas brilhavam no céu noturno. Pequenos pontos brancos e brilhantes. Belos, porém , insignificantes quando comparados com a magnífica lua cheia que reinava acima de tudo e de todos.
Uma pequena estrada de terra cortava por entre uma floresta que parecia não ter fim. Entretanto, aquele era o caminho mais curto que ligava duas pequenas vilas. Logo, o trajeto era uma viagem tranquila, apesar de não muito rápida, para os moradores dos dois vilarejos.
Porém, aquele dia havia sido uma exceção.
Um bando de mercenários havia se reunido em uma clareira próximo a uma clareira dessa floresta. Ao todo, eram de vinte homens e mulheres armados com espadas, escudos, arcos e flechas. Tudo isso para testar um único homem.
Conhecido apenas como Damian, ele mal podia ser descrito como um ser humano. O homem era procurado por grande parte do continente das Terras Verdes, o que era impressionante, uma vez que o continente representava um quarto do mundo conhecido.
A perseguição do homem começou com a origem de sua lenda. Era dito que Damian havia massacrado, sozinho, uma tropa inteira do exército das Terras Verdes. O que o fez ser comparado com um demônio foi o fato de que ele fazia parte daquela mesma tropa.
O que havia acontecido exatamente não era muito certo. Mas algo era certo: Damian matara seus amigos e companheiros, e aquilo foi apenas o começo da matança.
Boatos diziam que a espada que o guerreiro manejava esclareceria detalhes sobre sua lenda nefasta. A arma era gigantesca, do tamanho do próprio Damian, e era capaz de cortar através de qualquer coisa, até mesmo de abrir fendas no chão e em montanhas.
Pelo menos, eram o que as lendas diziam.
E, às vezes, lendas se provam verdadeiras.
O silêncio reinava agora na clareira da floresta. Vinte corpos estavam espalhados pelo chão. Outros dois, no entanto, estavam de pé.
A grama verde e baixa do solo estava tingida agora de vermelho escuro. A situação era a mesma com os troncos das árvores, outrora marrons e escuros, e as pequenas flores, não mais brancas ou amarelas.
Um dos homens sorria. Com pouco menos de um metro e oitenta de altura, ele tinha o porte físico esguio. Seus cabelos desgrenhados eram cor de ébano. Seus olhos cor de mel brilhavam. Seu sorriso não mostrava os dentes. A expressão no rosto belo e fino revelava que ele estava satisfeito com o que vira.
Claramente, aquele homem era um estrangeiro. A cor de sua pele, caramelo, era mais escura que os do continente das Terras Verdes. As roupas também eram atípicas. Os fios de seda vermelhos compunham o capuz, o manto que cobria seus ombros e a longa faixa que estava em sua cintura. O resto do corpo era coberto por uma armadura de couro, da mesma cor dos troncos das árvores, que era da mais alta qualidade. Aquele homem estava protegido por algo tão resistente quanto ferro, porém, extremamente mais leve.
Em cada lado da cintura, o estrangeiro tinha uma espada. As armas eram completamente idênticas. Leves, curvas, bem afiadas, feitas de aço e com a empunhadura dourada.
A poucos metros de distância, estava o outro homem. Ofegante, aquele era Damian.
Com um metro e oitenta de altura, o guerreiro tinha uma expressão de cansaço e raiva no rosto árduo, porém, jovem. Os cabelos castanhos e escuros eram penteados para trás. Os olhos negros não tinham brilho. Suor escorria pela pele alva. Os dentes eram exibidos como presas para o outro homem.
O corpo de Damian estava protegido por uma armadura, à primeira vista, simples. Feita de um metal cinzento e escuro, sua superfície estava coberta de marcas de cortes e manchas de sangue. Entretanto, nenhum detalhe dela fazia saltar os olhos de seus oponentes. O que era bom. Leve e resistente, não havia mais nada que Damian desejasse em sua armadura.
Na mão direita, erguida sem problemas, estava a espada lendária. A arma era uma grande e pesada viga, forjada irregularmente, constituída de ferro negro e grafada com inscrições rúnicas vermelhas. Uma única e afiada lâmina cinzenta podia ser vista em uma de suas laterais. Uma aura escarlate a envolvia, parecendo pulsar a cada segundo.
Os mercenários, sem vida, estirados no chão haviam sido vítimas da espada infame. Sangue havia sido jorrado, bem como entranhas e peças de armaduras. Os golpes da arma haviam removido, de alguns, braços e pernas. Outros haviam sido decapitados. Outros, ainda, haviam sido retalhados, tendo os corpos cortados ao meio vertical, horizontal ou até mesmo diagonalmente. As armaduras de couro e ferro não ofereceram resistência. Escudos idem.
O estrangeiro resolveu quebrar o silêncio:
Fico feliz de saber que as lendas eram verdadeiras. Disse ele com sua voz grave e profunda. Creio que o tempo que eu gastei para vir até aqui valeu a pena.
Por quê? Indagou Damian com sua voz cansada e áspera. Se você realmente ouviu os boatos... Imaginei que você estava atrás de alguma recompensa por minha cabeça. Então por que está feliz em ver os seus homens morrerem?
Bem... digamos que a recompensa seria um prêmio de consolação. Nada mais.
Isso não responde a pergunta que eu te fiz.
Ah? O estrangeiro parou para pensar um pouco. Ah! Você se refere aos meus homens, não? Ele olhou as duas dezenas de corpos no chão sem reação alguma. Com esses... Eu não me importo. Eram apenas mercenários. Não eram, de fato, dos meus, entende?
E quem seriam “dos seus” exatamente?
Guerreiros muito bem escolhidos. Homens e mulheres que eu posso confiar a minha vida.
Então você veio das Terras Vermelhas até aqui sem esses homens... É isso mesmo o que você está dizendo?
É claro que não. O homem apontou para duas árvores em específico. Uma à esquerda e, a outra, à direita. Mark. Ed.
No mesmo instante, dois vultos desceram das árvores, surpreendendo Damian.
Eram dois homens que apareceram.
À esquerda do estrangeiro, estava Ed. Uma expressão séria marcava sua face. Ele era um pouco mais alto que Damian, porém, mais esguio. Seus olhos eram castanhos claros, bem como seu cabelo desarrumado. Cobrindo a metade inferior de seu rosto, estava um pano vermelho escuro. Sua armadura de couro avermelhado cobria topo o seu torso e seus antebraços. Suas botas e seu chapéu eram feitas do mesmo material. Suas calças eram feitas de um tecido negro e leve. Na cintura, um coldre em cada lado, cada um carregando um revólver prateado.
À direita, estava seu companheiro, Mark. As diferenças entre os dois eram poucas. Ao invés de cobrir parte do rosto com um pano, Mark usava um tapa olho do lado direito. O rosto apresentava sua barba rala. As peças de couro, apesar de apresentarem o mesmo design, eram mais claras do que a do amigo. No lugar de revólveres, ele preferia usar um rifle. A longa arma, guardada em suas costas, era feita de aço e marfim.
O estrangeiro sorriu novamente e disse:
Viu? Eu não vim sozinho...
Damian apertou o cabo de sua espada com força. Ele sabia que poderia derrubar um deles sem problemas, mas, ao fazer isso, o outro poderia matá-lo com um único tiro em sua cabeça. Porém, aquela não era a única abordagem que ele poderia usar, mas preferia usá-la apenas como seu último recurso. Portanto, o guerreiro bufou e perguntou:
O que exatamente você quer de mim?
Ora... O estrangeiro apontou o indicador direito para Damian. Você, é claro.
Damian manteve-se em silêncio, olhando de Ed para Mark sem parar. Enfim, ele resolveu falar com o homem a sua frente:
E você pretende que eu aceite apenas por que você está me ameaçando?
É claro que não! O homem respondeu. Eu pretendo te ajudar.
E como você faria isso?
Eu te acolheria, por assim dizer. Enquanto você trabalhar para mim, você estará seguro. Pelo menos, você não estará sendo caçado.
Damian pensou por alguns segundos antes de dizer:
Ir para as Terras Vermelhas... Eu já havia pensado nisso, mas...
Você estaria por sua conta lá. Afirmou o estrangeiro. E você estaria em uma terra completamente desconhecida. E, mesmo assim, você poderia ser caçado lá também. Ele fez uma breve pausa. E a situação seria a mesma nas Terras Brancas. Você só estaria realmente seguro nas Terras Cinzentas. Mas chegar vivo até lá...
O guerreiro manteve-se quieto. Damian sabia que tudo aquilo era verdade. A melhor opção dele seria, sem dúvida, seguir o forasteiro. Porém, ele tinha que perguntar algo antes:
Você... Qual o seu nome?
Com um largo e prepotente sorriso no rosto, o estrangeiro respondeu:
Nazir Carmesí , Capitão do Clã Carmesí, ao seu dispor.
Damian ficou quieto por um instante. Ele conhecia a fama daquele clã. Situados na região das Areias Escarlates, o que começou com um grupo de bandidos se tornou uma pequena nação dentro das Terras Vermelhas. Muitos cogitavam a possibilidade do Clã Carmesí se unir a alguns grupos menores para tomar o poder do continente. Alguns afirmavam que aquilo seria impossível, porém, ninguém nunca discutiu diretamente aquilo com um dos mandantes do clã.
Com os olhos brilhando, Nazir perguntou:
E quanto a sua espada, Damian? Qual a verdade por trás da lenda?
O rosto do guerreiro se tornou sério. Nazir e seus homens perceberam no mesmo instante. Uma pitada de medo os atingiu. Entretanto, Damian, mesmo assim, respondeu:
Mais tarde. Durante o caminho... Eu respondo. Agora não. Tenho outras coisas para te perguntar antes.
Ah...claro. Balbuciou Nazir. Como o quê?
Como: quanto tempo vocês três vão demorar a ver aquilo?
Damian apontou para trás de Nazir. Os três forasteiros se voltaram para a mesma direção. Lá, parado, estava um ser que Ed, Mark e Nazir nunca haviam visto antes.
Com mais de três metros de altura, a criatura tinha a pele negra envolta por chamas verdes. Na cabeça, dois chifres afiados apontavam para cima. Suas longas presas eram ainda mais afiadas. Os olhos eram cavidades por onde as chamas verdes pareciam arder ainda mais. O par de longas asas esqueléticas parecia uma capa apoiada nas costas e ombros do ser. A longa cauda se estendia até o chão e continha uma lâmina na ponta.
Com um sorriso tenebroso e uma voz profunda, o Demônio disse:

Há quanto tempo, Damian...

domingo, 28 de junho de 2015

Nightmareland, Capítulo 7

Respostas


Tudo parecia completamente diferente agora.
O corredor ainda não parecia em bom estado. Porém, estava claramente bem melhor do que antes. A atmosfera inquietante do lugar se extinguira. As goteiras e rachaduras haviam sumido. As portas dos outros apartamentos estavam bem visíveis agora, algo que eu nem havia notado antes. E, principalmente, pude ver as portas de metal do elevador logo em frente às escadas.
Esse era o primeiro andar. Exatamente um lance de escadas acima do térreo. Também era o andar do apartamento onde eu estava, como eu descobriria em poucos segundos.
Tentei não pensar muito no quanto eu havia andado eu vão por aquelas escadas. Mais uma ilusão daquele lugar maldito. Nada mais do que isso.
Calmamente, aquele homem abriu a porta do apartamento. Ele não havia dito nada desde o momento que ele havia me chamado. O que era um pouco inquietante.
Entramos no apartamento. Primeiro ele. Eu fui logo em seguida.
O ambiente não havia se alterado desde que eu havia saído. Aquilo me deixou um pouco mais confortável. Saber que haviam coisas em Nightmareland que eram previsíveis quase conseguiu me alegrar um pouco.
O homem parou, em pé, próximo ao sofá e disse rispidamente:
Sente-se.
Eu olhei para o velho sofá de couro avermelhado. Ele me parecia muito convidativo. Calmamente, eu me sentei. Praticamente no mesmo instante, o meu corpo amoleceu e eu consegui relaxar um pouco.
Você parece estar aproveitando, hein? O estranho me perguntou.
Eu deixei escapar um sorriso. Ele também. Aquilo pareceu deixar o clima um pouco mais leve.
Estamos bem aqui. Ele afirmou. De repente, uma leve expressão de preocupação cruzou sua face. Pelo menos, por enquanto... E enquanto podermos contar com a ajuda um do outro. Acredito que você saiba muito bem o porquê.
Realmente. Tudo o que eu havia passado nesse tempo poderia muito bem ter me matado. Eu não tinha ideia de como eu ainda estava vivo para falar a verdade.
Entretanto, eu ainda não podia confiar naquele homem. Pelo menos, ainda não.
Nada contra ele, mas aquele lugar estava começando a me fazer ter problemas para confiar em praticamente tudo.
E ele me entendia muito bem.
Eu sei que você tem muitas coisas em mente. O homem disse calmamente. Então... Sinta-se a vontade para perguntar o que quiser.
Eu olhei para o homem. Ele estava de pé, com os braços cruzados na frente do peito. Seu rosto estava calmo. Ele não me parecia o tipo de pessoa que mentiria. Mas todo cuidado era pouco.
Eu respirei fundo. Pensei rapidamente no que eu diria e, então, perguntei:
Qual o seu nome? Preciso saber disso antes de qualquer outra coisa, caso eu tenha que confiar em você.
O homem sorriu e, prontamente, respondeu:
Eric. Ele fez uma breve pausa. Eric Fields.
Eu o olhava direto nos olhos enquanto eu ouvia a resposta, vendo os lábios dele se mexerem lentamente. Ele não parecia estar mentindo.
E você? Eric perguntou rapidamente. Qual o seu nome?
Eu tentei aguentar o ímpeto de mentir. Afinal, eu já ouvirá falar que nomes possuíam poder. Talvez Eric fosse um monstro que estava tentando conquistar a minha confiança para, eventualmente, tirar a minha vida. Ou talvez eu estivesse cedendo à paranoia.
No fim, acabei por dizer a verdade:
Jack. Jack Ricochet.
Eric sorriu, aparentemente satisfeito com a minha resposta.
Muito bom. Disse ele. Acredite ou não, mas eu sei quando as pessoas estão mentindo. E mentir o próprio nome é praticamente impossível em uma situação como essa, em que você não espera a pergunta e encara a outra pessoa diretamente nos olhos.
Então você tem certeza que pode confiar em mim?
Talvez. Mas ao que tudo indica... Sim, posso. Eu posso confiar tanto em você quanto você pode confiar em mim, certo?
Ah... Sorri. Eu gostava do jeito que ele pensava. Certo... Eric.
Com um sorriso, ele me estendeu a mão. Prontamente, eu a apertei com a minha. Esperava que aquele gesto pudesse realmente ser algo genuíno.
O que mais você quer perguntar? Indagou Eric.
Eu parei para pensar mais um pouco. É claro que eu tinha muitas perguntas para fazer, mas uma se sobressaia:
Como eu sobrevivi à floresta?
A expressão no rosto de Eric ficou séria. Alguns instantes se passaram enquanto ele organizava seus pensamentos, bolando a melhor maneira de responder aquilo:
Eu bem que gostaria de saber exatamente como... Só sei que nós somos...ah...mais resistentes em Nightmareland.
Hein?
Nós conseguimos sobreviver a ferimentos que, no mundo normal, nos levariam à morte. No seu caso, a queda de um precipício não foi o suficiente para te matar.
Mas... Por quê? E como?
Bem... Eu já estou aqui há um bom tempo... Isso me levou a pensar muito sobre esse lugar, sobre tudo o que acontece em Nightmareland. Pelo menos, no que diz respeito ao que eu vi e presenciei. Eric fez uma breve pausa. A conclusão que eu cheguei é que, desse jeito, ele se diverte mais. Ele se diverte às nossas custas...
O demônio. Ele havia colocado Eric aqui também então.
“Você não está sozinho”. Era isso o que a carta do desgraçado dizia.
Então, a resposta era sim. Haviam outros lá comigo.
Então... O demônio... Disse eu. Ele fez esse lugar para que nós fossemos mais fortes...apenas para sofrermos mais. É isso?
Sim... Eric balbuciou. Creio que sim...
Eu permaneci em silêncio por alguns instantes. Entretanto, o momento veio em que eu perguntei:
Nós podemos morrer aqui?
Bem... Eric coçou a nuca. Infelizmente, essa é uma pergunta que eu não sei responder, Jack...
Mais uma vez, eu me mantive em silêncio até que soubesse exatamente o que eu deveria perguntar:
Eu sou o primeiro que você encontra?
Eric se manteve em silêncio por alguns instantes. A tristeza estava claramente estampada em sua face. Ele suspirou e, com um ar melancólico, respondeu:
Não... Vários já vieram antes. E todos se foram enquanto eu fui deixado para trás, podendo fazer nada a não ser sofrer...
“Se foram”?
Sim...
O que você quer dizer com isso?
Alguns correram para longe daqui. Com medo, acreditando que esse lugar não era seguro. Assombrações os perturbavam...como a garotinha que você viu no corredor. Ele parecia cansado agora, como se as palavras que ele dizia drenassem suas forças. Outros, entretanto... foram pegos por monstros...como a criatura que cantava no elevador...ou outras ainda piores.
Eu o olhava atentamente. Eric Fields não era nem um pouco como eu esperava. A combinação de suas roupas com sua atitude, à primeira vista, levaram-me a acreditar que ele era forte, confiante e até um pouco intimidador. Porém, agora, eu via quem ele realmente era: alguém que teve o espírito estraçalhado nesse inferno em que estamos presos.
Mais uma pergunta me veio à mente:
Há quanto tempo você está aqui?
Difícil dizer. Ele respondeu rapidamente, como se esperasse aquela pergunta. O tempo é incerto aqui em Nightmareland. Acho que você já percebeu isso.
Isso era verdade. “Tempo” parecia um conceito abstrato enquanto eu vagava por aquele lugar.
Eric continuou:
O mesmo pode ser dito sobre o espaço. Às vezes eu sinto como se eu viajasse de uma dimensão para outra ao atravessar uma simples porta... Ele me olhou diretamente nos olhos e suspirou. E foi assim que eu te trouxe da floresta para cá. No fim, acabou sendo uma caminhada de pouco mais de cinco minutos te carregando. Eric olhou rapidamente na direção de uma porta e voltou a olhar para mim. Você tinha alguns machucados pelo corpo. Arranhões, hematomas e uma fratura exposta em sua tíbia. Resultado da queda.
E eu me curei disso tudo enquanto dormia?
Bem... Você teve a ajuda de alguns medicamentos. Encontrei alguns pelos apartamentos. Resolvi guardar todos no armário do banheiro daqui.
Entendi... Sinceramente, eu não esperava que medicamentos funcionariam num lugar como esse... Só me parece estranho... Não sei explicar o porquê.
Eu também não. Mas, aparentemente, quanto antes nos recuperarmos mais cedo poderá voltar para o jogo do demônio...
Ah... Claro...
Comida e bebida, porém, não funcionam. Nós não sentimos fome ou sede, mas às vezes sentimos vontade de comer ou beber, certo?
Sim.
Mas não podemos. Digo... Até podemos, mas o gosto é horrível. Uma vez achei uma garrafa de vinho em um dos apartamentos. O gosto era horrível. Parecia mais...
Eric se calou. E com razão.
Luzes vermelhas vieram pelas janelas, cobrindo tudo o que havia na sala. O ar se tornou mais frio e pesado. Centenas de sussurros de vozes diferentes pareciam vir de trás de cada parede. Os pelos de meus braços e nuca se arrepiavam enquanto os gritos agudos ficavam cada vez mais agonizantes, quase como se garras afiadas arranhassem lentamente uma superfície lisa de vidro.
Então, de repente, aquilo veio, sobressaindo-se sobre todos os outros ruídos.
O grito de uma mulher, agudo, soou por todo o apartamento, fazendo com que toda sua estrutura tremesse. Angústia e sofrimento podiam ser sentidos na voz dela, bem como ódio e desprezo.
Palavras não precisaram ser ditas por ela para me apavorar. Por sorte, Eric também não precisava delas para me chamar a atenção.
Tudo parecia girar. Fields me puxava pelo pulso. Batidas fortes soavam na porta de entrada do apartamento. Os gritos da mulher soavam cada vez mais altos. Minhas pernas tremiam. Eu praticamente me arrastava. Eric abriu uma porta e puxou para dentro. Rapidamente, ele a trancou. Eu olhei ao meu redor. Uma escadaria de pedras cinzentas descia em direção à escuridão total.

É a nossa única escolha. Disse Fields. Vamos!

sábado, 27 de junho de 2015

Capítulo 28

The Blade of Death
A Lâmina da Morte

Sonífero, hein? Gabriel riu. Nada mal, seguidor da Deusa da Alquimia. Principalmente por não afetar você ou o seu aliado.
Porém, poderia ser melhor. Tristan disse secamente. Você não conseguiu derrubar metade dos seus adversários. Você não é poderoso o suficiente.
O Capitão deu de ombros.
Não importa. O alquímico apontou sua alabarda a centímetros do rosto de Tristan. Vocês estão enfraquecidos o suficiente agora para que eu possa matá-los sem dificuldades. Seus reflexos e raciocínios estão lentos. Vocês não poderão atacar antes de mim, muito menos desviar de meus ataques e os contra-atracar. Ele riu maniacamente O olhar dele evidenciava tanto o desprezo pelos oponentes tanto a idéia de que ele era superior a eles. E, como se eu não fosse o suficiente para dar um fim à existência de vocês, meu subordinado aqui é, sem sombra de dúvidas, mais forte que vocês. Ele apontou para o guerreiro que havia surgido de uma parede. Na verdade, em questão de combate direto e força bruta, ele é ainda mais poderoso do que eu.
O guerreiro andou até Tristan e Gabriel. O membro de Tiamat tinha pouco mais de um metro e noventa de altura. A armadura dele era diferente da dos outros. Mesmo sendo de cristal, ela parecia ser feita de rochas de coloração bege com espinhos da mesma cor espalhados por toda a superfície. Seus ombros eram largos e suas mãos, gigantescas. Apesar do porte físico, ele não carregava nenhuma arma como um machado ou uma espada de duas mãos; de fato, o guerreiro não levava nenhuma arma consigo o que, mesmo assim, não o deixava menos imponente.
  Seguidor do Deus da Terra, certo? Gabriel perguntou.
Sim. O guerreiro respondeu monotonamente. O som saiu abafado pelo elmo que cobria todo o rosto dele.
O alquímico bufou.
Se vamos perder tanto tempo conversando, acho melhor que nos apresentemos devidamente. O Capitão disse. Sou Cornelius, Capitão desta tropa da Tiamat...
Ou pelo menos do que resta dela. Tristan disse em alto e bom som.
Cornelius bufou. O elmo dele não cobria a parte de baixo do rosto, logo, sua boca pode ser vista se contorcendo de raiva.
Eu sou Alexey. O seguidor da Terra disse antes que seu Capitão perdesse a paciência com os adversários. Sou como o porteiro desse lugar. Eu manipulo as rochas das paredes para permitir a entrada de nossos aliados.
Eu sabia que eles tinham alguém pra fazer um truquezinho desses... Gabriel murmurou para Tristan.
Enfim! Cornelius elevou seu tom de voz, fazendo com que todos focassem suas atenções nele. Agora vocês devem se apresentar. Ele sorriu malignamente. Eu lhes permito.
Gabriel, Escolhido do Lorde da Luz. O guerreiro com a armadura prateada disse rapidamente. Ele apontou para o aliado. E esse é Tristan, Escolhido do Lorde das Trevas.
Eu não posso me apresentar? Tristan indagou.
Você queria se apresentar?
O guerreiro das Trevas deu de ombros.
Bem! Cornelius elevou seu tom de voz novamente. Já nos apresentamos. Agora, vamos ao que interessa.
Você não tem chance. Tristan riu. A luta já foi decidida...pelo menos, contra você.
Cornelius riu.
Poupe-me de seus delírios! O alquímico vociferou.
Não é delírio. Gabriel afirmou solenemente.
Um círculo branco com o símbolo da Luz surgiu no chão. A área afetada pelo encantamento alcançava inclusive Astaroth e Catherine. Em uma fração de segundos, a nuvem verde se dissipou. Rapidamente, Tristan invocou uma adaga em cada mão e se lançou contra Cornelius, fincando uma lâmina em cada ombro do Capitão da Tiamat. Porém, antes que o guerreiro das Trevas pudesse se levantar, Alexey tocou em seu ombro. Em uma fração de segundos, os dois estavam em um local isolado.
“O que aconteceu?”.
Tristan e Alexey estavam agora em uma câmara rochosa sem nenhuma saída aparente. O teto do local tinha pelo menos cinco metros de altura. O diâmetro da nova arena era de quase vinte metros. Alexey riu, fazendo com que o teto do lugar parecesse que você desabar.
Resolveu me enfrentar em uma batalha individual? Tristan indagou.
Sim. Alexey respondeu. Posso não ser muito esperto, mas com certeza não sou burro o bastante pra tentar enfrentar você e seu amigo ao mesmo tempo, ainda mais com seus outros dois amigos acordando.
Entendo. Só uma coisa o que eu não entendi.
O que seria?
O que te faz pensar que pode me derrotar em uma luta individual?
Alexey riu e as paredes do lugar tremeram novamente.
Como você é presunçoso! O seguidor do Deus da Terra abriu os braços. Este lugar...é meu. Este é meu território! Neste campo de batalha, eu sou invencível!
Se você diz... Tristan murmurou. O guerreiro das Trevas invocou sua espada e a apontou contra Alexey. Chega de conversa. Mostre-me o que você pode fazer.
Muito bem.
Alexey moveu sua mão direita em direção à esquerda. Em uma fração de segundos, uma rocha de dois metros de diâmetro se soltou da parede e foi arremessada contra Tristan. Transformando-se em trevas e se deslocando para trás, o guerreiro sombrio conseguiu escapar do ataque por pouco. Porém, antes que Tristan pudesse recuperar o fôlego, uma pedra um pouco maior que a última veio pelo outro lado. Sem tempo para desviar, o guerreiro das Trevas foi obrigado a fortalecer sua aura. A rocha o atingiu e se esmigalhou. Tristan não saiu do lugar. Sua aura brilhava com um tom vermelho escarlate. Seu rosto estava sério. Alexey riu.
Rápido demais para você, Escolhido do Lorde das Trevas!? O seguidor do Deus da Terra zombou. Ficou irritado por ter que gastar tanta energia para se proteger de meu ataque!? Ele riu ruidosamente.
Tristan não respondeu.
Não vai tentar fazer nada!? Alexey perguntou gritando.
Se isso é tudo o que pode fazer, eu estou realmente decepcionado. Tristan disse friamente. Nesse caso, você frustrou minhas expectativas por completo. Eu achei que você seria um oponente interessante...mas vejo que não.
Alexey riu ainda mais alto. Algumas pedras se soltaram do teto e caíram ao redor dele.
Já que você é assim tão irritante...não vou medir esforços! O guerreiro da Tiamat vociferou.
Com uma série de gestos rápidos com as mãos, Alexey  causava danos piores do que terremotos à caverna. Rochas se soltavam de todas as paredes e eram arremessadas. Estalactites e estalagmites monumentais eram formadas. Fissuras se abriam no chão.
Morra! Alexey bradou.
Entretanto, nenhum dos ataques atingia Tristan. Em forma de trevas, ele desviava de todos os golpes do oponente, aproximando-se de Alexey a cada segundo.
Droga! O seguidor do Deus da Terra rugiu. Por que você não morre!?
Em poucos instantes, Tristan estava acima de Alexey. O guerreiro das Trevas sorria. Sua espada brilhava envolvida pelo seu poder. Segurando a arma com ambas as mãos, Tristan se jogou contra o oponente. O som do metal atingindo algo muito resistente ecoou pela caverna. A poeira subiu com o impacto.
“Será que ele...?”.
Quando a poeira baixou, era possível ver. Dezenas de rochas haviam se erguido do chão em volta de Alexey e formado um escudo de formato irregular. Havia um buraco na estrutura onde Tristan atacou, porém, o golpe não foi o suficiente para transpassar a defesa do guerreiro da Tiamat.
“Não pode ser...”.
A risada de Alexey podia ser ouvida por debaixo das rochas.
Eu te disse, guerreiro das Trevas! O seguidor do Deus da Terra bradou, porém, sua voz ainda estava um pouco abafada. Esse é o meu campo de batalha!
As rochas se separaram e começaram a flutuar em volta de Alexey.
Não sei quanto tempo vai demorar, mas, alguma hora, eu vou te matar! O guerreiro da Tiamat riu maniacamente. Vão! Ele apontou para Tristan. Esmaguem o verme!
As rochas foram arremessadas contra Tristan. Com sua espada, ele atacou cada uma das pedras, esmigalhando-as. O guerreiro das Trevas arfou. Ele invocou sua poção e tirou a tampa do frasco.
Eu já ouvi falar desse brinquedinho de vocês. Alexey zombou. Vocês usam isso sempre que não agüentam mais lutar como verdadeiros guerreiros! Sempre que estão próximos da derrota, vocês tomam esse líquido estranho e recuperam suas forças. Ele riu ainda mais ruidosamente do que das outras vezes. Muito bem! Isso significa que você não tem forças para me derrotar! Eu sou melhor do que você.
Eu tenho algo muito importante para te falar. Tristan disse calmamente.
Então diga logo.
Cale a boca. Essa poção faz parte do meu arsenal. É como fosse uma de suas pedras. E, principalmente, eu não vou tomar nem um gole disto.
O quê?
Tristan despejou todo o líquido do frasco diretamente em sua espada. A arma brilhou ainda mais intensamente. Após alguns segundos, a arma havia se transformado. A lâmina era da mesma cor da armadura de Tristan agora, salvo algumas inscrições cor vermelho sangue na lâmina. Presas pareciam ter se formado na guarda da espada. O comprimento da arma parecia ter crescido em quase vinte centímetros. Sem dizer nada, Tristan se lançou para cima, abrindo duas asas negras. Rapidamente, Alexey ergueu um escudo de rochas em volta de si.
“Inútil”.
Tristan disparou na direção do oponente. Em uma fração de segundos, as rochas caíram no chão, causando leves tremores. Tristan estava parado na frente de Alexey, que estava agachado. A espada sombria estava cravada no elmo do oponente. A lâmina havia transpassado a testa de Alexey.
“Não queria ter que chegar a esse ponto...mas você não me deu escolha”.
Tristan arrancou a espada do crânio do oponente. As paredes do lugar começaram a ruir. Uma passagem se abriu.
“Tenho que ver como os outros estão se saindo contra o Cornelius agora”.

Transformando-se em trevas, Tristan atravessou a passagem e voltou para a sala principal do esconderijo.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Morning Star, Capítulo 2

Oportunidade


Lar doce lar... Murmurou Gunslinger com um sorriso no rosto.
Lá estavam eles. Os cinco amigos estavam em frente àquilo que só poderia ser descrito como uma colossal fortaleza feita de aço. O nome escrito em gigantescas letras douradas, grafadas bem no topo de uma das paredes da base, poderiam ser vistos de quase qualquer parte da cidade: Excalibur. Logo abaixo, a imagem de uma longa espada dourada na horizontal: o símbolo do qual eles tanto se orgulhavam.
As portas de aço se abriram após o quinteto se identificar. O sistema de segurança analisava as vozes, não as palavras ditas em si. Portanto, qualquer coisa poderia ser dita. Os mais comuns acabavam sendo um “oi”, “olá” ou “abra logo”, mas qualquer palavra poderia ser dita.
Uma vez dentro do prédio da Excalibur, o mundo parecia se transformar. O aspecto frio, cinzento e formal do exterior da base logo ficava para trás, dando lugar a um ambiente mais cheio de vida. Isso, entretanto, devia-se às pessoas que lá estavam.
Um longo e retangular pátio se estendia a frente do grupo. Lugar que eles já estavam tão bem familiarizados. A grama era cortada baixa, cedendo espaço para algumas passarelas de aço que criavam caminhos para conectar dezenas de portas pelo local.
Nesse pátio, pessoas de todos os jeitos podiam ser encontradas. Jovens e adultos andavam, conversando entre si, enquanto trajavam o uniforme do exército de Camelot. A cor branca cobria completamente seus corpos, dos sapatos até a gola da camisa, com a exceção dos botões dourados das vestes. Entretanto, um detalhe a mais podia ser notado nas roupas dos jovens: uma pequena espada dourada, presa bem na frente da gola da camisa.
Alguns carregavam armas. Outros, peças da armadura cinzenta padrão para combate. Entretanto, haviam aqueles que levavam consigo bolas de basquete, bolas de futebol, bolas de rúgbi, baralhos de cartas e até videogames portáteis. Tudo isso era permitido por Bennett e o resto dos mandantes da Excalibur. Era um incentivo aos soldados, de acordo com o próprio Adrian. A agilidade mental e física dos jovens já fora verificada tanto em treinamentos tanto em missões sérias. Estar certo fazia muito bem para o ego de Bennett.
Enquanto os soldados seguiam para simulações de missões, estandes de tiros e quadras esportivas, muitos paravam para cumprimentar algum dos cinco. Afinal, nada mais normal.
Gunslinger dispensava introduções. Muitos o admiravam imensamente, principalmente em combate. Além disso, ele podia ser um grande amigo para as pessoas que ele realmente se importasse.
Nick e Sandy tinham vários amigos. Afinal, muitas pessoas tentavam se aproximar deles. Claro que eles muito carismáticos e se enturmavam com praticamente qualquer um em missões e treinamentos, mas esse não era o motivo da aproximação. Afinal, pode-se dizer com certeza que metade daquelas pessoas já se sentiram atraídas por, pelo menos, um dos irmãos Hunter.
Victor, por ser o mais quieto do grupo, era o que menos tinham amigos. Entretanto, isso não era problema para ele. Ter alguns poucos amigos que se pudesse confiar era o que importava para Andersen. Aqueles que ele cumprimentava eram pessoas que ele arriscaria a vida para proteger sem pensar duas vezes.
Jerry era, sem dúvida, aquele que mais conhecia pessoas. Sua personalidade carismática e energética nunca falhava em fazer amigos. Felizmente para Fey, conquistar aqueles que o interessavam raramente era um problema.
Não demorou muito para o quinteto chegar até o prédio central da Excalibur.
As paredes de aço do edifício eram tão bem polidas que pareciam brilhar. As portas de vidro cristalinas se abriram quando o grupo se aproximou. O ar frio de dentro do local os atingiu. Como sempre, o ar condicionado central funcionava perfeitamente.
Após serem cumprimentados pela atendente do local e alguns outros funcionários, o quinteto se dirigiu ao elevador. O quartel general no subsolo os aguardava.
Chegando lá, eles foram recebidos por um amigo de longa data:
Ora... Thomas sorriu. Aí estão vocês.
Os abraços apertados que vieram em seguida faziam parecer que Moss os via há tempos. Mas era sempre assim. O grande Commando, um dos maiores nomes da iniciativa Excalibur, tinha vários amigos. Entretanto, ele sabia que podia confiar apenas em um grupo seleto. E aquele quinteto fazia parte de tal grupo.
Jerry coçou a nuca e, então, perguntou:
Então... Quantas pessoas já estão esperando pela gente?
Duas. Respondeu Thomas.
Já imagino quem sejam... Murmurou Victor.
Moss não disse mais nada. Ele apenas sorriu e, com um gesto de sua mão, pediu que o grupo o seguisse.
Liderados por Commando, o grupo seguiu por um corredor cinzento. Ao longo dele, haviam várias portas nas laterais, todas enumeradas. Todas eram salas de reuniões para discutir missões com isolamento acústico, impedindo que uma discussão pudesse atrapalhar outra. Entretanto, as conversas não eram secretas, uma vez que todas estavam sendo monitoradas. Nenhum tipo de traição era tolerado por Adrian Bennett.
As salas que estavam marcadas com números em vermelho estavam sendo usadas. Consequentemente, as que tinham dígitos verdes estavam livres para uso.
Naquele momento, apenas três salas estavam em uso. Entretanto, Thomas continuava guiando o grupo pelo corredor. O grupo já sabia o que esperar.
O sexteto chegou até o fim do corredor. Portas gigantescas de aço se abriram, revelando a famosa Sala Mestre.
O ar parecia mais frio no local. Luzes brancas iluminavam a área. Uma grande parede de vidro separava o ambiente em dois.
Na porção da sala onde o grupo não estava, dezenas de pessoas, trajando o uniforme de Camelot, trabalhavam em frentes a computadores. Aqueles eram os agentes da Inteligência do exército. Eles eram os responsáveis pelo controle de todas as informações que chegariam até os mandantes da nação, como os saldos de batalhas, mensagens obtidas por espiões e hackers, novidades sobre a Iniciativa Excalibur e até o que se conversava nas outras salas de reuniões.
Onde o sexteto estava, o cenário era um pouco diferente. O espaço era muito maior e iluminado em comparação com o ambiente ao lado. Uma grande mesa quadrada de aço polido estava fixa no centro da sala. Nela, hologramas azuis podiam ser vistos exibindo textos, estatísticas e os rostos de algumas pessoas (soldados de Camelot, muito provavelmente). Fora os seis, haviam mais duas pessoas no local.
Encostada na parede oposta ao sexteto estava uma jovem. Talvez um pouco magra demais, ela, vestida com o uniforme de Camelot, parecia entediada. Parecia bem provável que aquela jovem estivesse parada, ali, apenas esperando suas próximas ordens. Ao alisar seu longo cabelo castanho claro, delicadamente, com sua mão esquerda, a mecha roxa de Edith Stone parecia mais visível, bruxuleando como uma chama.
Apoiada com ambas as mãos na mesa, encarando os hologramas, estava uma mulher. Com quase a mesma altura de Victor, sua face exibia uma expressão confiante e intimidadora. Sua pele era cor de café. Seu cabelo cor de ébano estava arrumado em um rabo de cavalo. Seus negros, intensos, brilhavam, parecendo capazes de paralisar alguém de medo. As vestes dela eram ligeiramente diferente dos demais. Aquele era, sem dúvida, o uniforme de Camelot. Entretanto, sua coloração era prata e, do pescoço até os ombros, espadas douradas estavam presas, como na gola da camisa dos jovens da Excalibur. Aos trinta e sete anos de idade, aquela era Abigail Williams, general do exército de Camelot.
O sexteto pareceu congelar com o olhar irritado de sua general. Rispidamente, Williams perguntou:
Que raios de roupas são essas?
Rapidamente, cada um dos seis olhou para o que vestiam. Com a exceção de Moss, ninguém vestia o uniforme do exército.
Rick vestia uma camiseta regata bege, calças jeans pretas e tênis prateados.
Victor usava uma camisa preta com a estampa de uma banda de rock, jeans azuis surrados e tênis vermelhos.
Nick trajava um conjunto de calça com agasalho preto e tênis azuis escuros.
Jerry vestia uma camisa cinza que ficava um pouco larga nele, além de uma bermuda preta e um par de chinelos azuis marinho.
Sandy vestia uma camiseta regata branca, mini saia azul clara e rasteirinhas beges.
Com uma expressão constrangida no rosto, Nick, Victor, Rick, Jerry e Sandy começaram a pensar em alguma desculpa. Dizer que eles haviam colocado roupas mais confortáveis para assistirem o discurso de Bennett na cidade seria uma péssima ideia, já que soldados da Excalibur não podiam se vestir à paisana e passear pela cidade.
Antes que algum dos cinco pudesse bolar uma desculpa, a general Williams bufou e, então, disse:
Quer saber? Isso não importa. Pelo menos, agora não. Tratem de se arrumar depois de eu explicar o que vocês farão, certo?
Todos, até Thomas, responderam “sim” em uníssono.
Com um sorriso satisfeito no rosto, a general Williams falou:
Ótimo. Agora... Vejam.
Com um movimento rápido de sua mão direita, a general mudou as imagens que apareciam no holograma. Agora, um extenso edifício, talvez uma fábrica, aparecia diante deles. Ao redor dele, o relevo rochoso e irregular podia ser visto cercando-o. Era como se o local tivesse sido construído em uma cratera.
Mais uma vez, Williams tornou a falar:
Essa é uma das bases da Mjolnir. Mais especificamente, uma que trabalha no desenvolvimento de melhorias para a inteligência artificial de seus androides. O que significa que, se a destruirmos, poderemos estar botando-os em uma boa desvantagem.
Sabemos algum detalhe sobre o que eles estão desenvolvendo? Indagou Victor.
Infelizmente, não. Foi Edith que respondeu. Obviamente, elas já haviam discutido o plano com antecedência.
Só saberemos o que nos aguarda quando vocês entrarem lá dentro. Disse a general.
E qual é o plano? Perguntou Nick. Imagino que, para chamar todos nós, você deva ter uma missão interessante planejada, não?
Digamos que sim. Respondeu Thomas sorrindo. Nós já planejamos tudo antes de os chamarmos.
Sendo que “nós” não me inclui. Disse Rick. Eu sei tão pouco quanto vocês quatro...
E espero que vocês quatro consigam chegar até as minhas expectativas. Acrescentou a general. Afinal, estou confiando nesses três aqui quanto às habilidades de vocês.
O quarteto não pode deixar de sorrir para os amigos. Eles não se esqueceriam de agradecer por uma oportunidade como aquela. Afinal, ser chamado para a discussão de uma missão significava que você seria um dos líderes dela, um dos mais responsáveis, sem dúvida. Para Nick, Victor, Jerry e Sandy, aquela era uma oportunidade excelente para eles mostrarem o seu valor.
Rapidamente, a general voltou a falar:
Quanto ao plano... Vocês serão divididos em equipes, de acordo com a especialidade. Vocês precisam se infiltrar naquela base. Mas a segurança fará daquele lugar um inferno para nós. Por isso, começaremos uma distração. Atacaremos por fora da base, atraindo a atenção deles e algumas de suas tropas. Enquanto isso, uma equipe de infiltração entrará no lugar. Furtividade não será essencial nesse caso, uma vez que eles já estarão em alerta. O combate, sim, será imprescindível. Pelo menos, vocês terão menos inimigos para se preocupar. Williams fez uma breve pausa. Quanto aos atiradores de elite... Ela apontou para Nick e Edith. Cada um de vocês liderará uma equipe. Stone, você estará a oeste. Hunter, você estará a norte. Cada um de vocês estará acompanhado por mais três atiradores.
Não houveram protestos. Nick Hunter, em especial, gostou daquela ideia. Numa missão como aquela, ele estaria em pé de igualdade com Edith Stone. Ele tentaria mostrar o quanto ele havia evoluído como atirador, saindo da sombra de alguém mais novo que ele. Para Nick, ser ofuscado por alguém, de acordo com ele, menos inexperiente era, sem dúvida, humilhante.
Quanto à linha de frente... Williams apontou para Rick, Thomas e Victor. Moss liderará o grupo principal. Greyman terá o grupo que avançará pelo flanco esquerdo e, Andersen, o direito. Vocês dois deverão seguir as ordens de Moss, entendido?
Os dois responderam que sim. Victor, em especial, ficou animado com a ideia. Ele lideraria uma tropa, enquanto Rick e Thomas liderariam outras. Parecia o tipo de coisa que eles brincariam quando menores. Entretanto, a situação era um pouco mais séria desta vez. Mesmo assim, ele conseguiu manter a calma.
E aqueles que irão se infiltrar na base... A general apontou para Jerry e Sandy. Façam o que sabem fazer de melhor. E não se esqueçam que vocês terão uma pequena tropa com vocês. Entretanto, saibam que soldados tão promissores quanto vocês estarão os acompanhando. Portanto, não ajam como se vocês tivessem que fazer tudo sozinhos. Fui clara, Hunter e Fey?
A resposta foi positiva. E, bem como Victor, Jerry e Sandy estavam ansiosos. Eles sabiam do tamanho da responsabilidade que tinham, mas, mesmo assim, aquela oportunidade era quase como um sonho.
A general olhou, rapidamente, para todos. Todos pareciam empolgados, até mesmo Edith, que quase sempre estava de mal humor. Com um sorriso no rosto, a Williams falou:
Se não há reclamações... Ela fez uma breve pausa. Chequem o local da missão depois. Por ora, vocês podem ir. Estejam preparados para amanhã... Vão!

Ela não precisava dizer mais nada. Rapidamente, os sete deixaram a Sala Mestre, ansiosos para a batalha do dia seguinte.

PS: desculpe pela demora na finalização desse capítulo...

terça-feira, 23 de junho de 2015

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Só pra avisar que vou escrever um capítulo pro Morning Star hoje e que eu acrescentei uma informação no primeiro capítulo.

domingo, 21 de junho de 2015

Conto 7

Aquilo que eu Escolhi


Eric Bishop. Não creio que eu vou me esquecer desse nome tão cedo.
Conheci aquele homem perto de uma cidade que fica, bem, no meio do nada.
Nevava muito naquele dia, o que era normal pra região. A pequena cidade nas montanhas era coberta de neve, mas, mesmo assim, seu povo era caloroso.
Fui recebido naquele lugar com sorrisos e boas vindas sinceras, algo raro de encontrar no mundo de hoje.
Edna. Esse era o nome da senhora tão sorridente que me guiou pela cidade.
A energia dela era invejável. Mal parecia que Edna era a moradora mais antiga da cidade.
Como era de se esperar, todos da cidade a conheciam, sendo como uma avó para muitos.
Enquanto ela me guiava até o único hotel da região, contei a ela o motivo pelo qual eu estava lá. Nada extraordinário, para ser sincero. Eu iria me encontrar com um amigo que eu não via há muito tempo. Pelo o que eu entendi, o avô dele tinha uma casa nas redondezas. Agora, meu amigo a herdaria.
Infelizmente, eu teria que esperar, pelo menos, um dia. Esse amigo meu havia perdido o vôo e só chegaria no dia seguinte.
Entretanto, no momento em que eu botei os meus pés na cidade, eu percebi que eu não teria problemas em ficar lá um tempo.
Ou então, foi o que eu achei.
Erika. Esse era o nome daquela mulher apavorada. Com as mãos tremendo e os olhos vermelhos, além das olheiras ao redor deles, era fácil de se saber que ela não estava bem.
Edna me contou sobre Erika. Aliás, sobre Victor, o marido dela: o homem havia desaparecido há uma semana.
Com pesar, a senhora disse que o homem podia ter morrido. Pelo o que ela me disse, Victor era um homem muito distraído. Infelizmente, por mais que a cidade fosse segura, os arredores não eram muito. Era muito fácil cair de um plano elevado durante uma nevasca ou se afogar num lago. Por isso, todos da vila temiam o pior.
Mas era claro que Erika não estava disposta a acreditar naquilo. Ela não desistiria do amor da vida dela assim tão fácil. E Edna sabia disso. Por isso ela se preocupava com a bela jovem.
Enfim, a senhora havia me deixado no hotel. Ela disse que eu poderia contar com ela caso eu precisasse. Com um sorriso no rosto, agradeci e fui até o meu quarto.
Após desfazer as malas, resolvi dar uma volta pela cidade. A noite não havia chego. O frio do lugar ainda era tolerável. Foi aí que eu o vi.
Fora da cidade, parado, em pé, em cima de um pequeno morro, estava um homem. Sozinho. Olhando na direção da cidade.
Ninguém parecia notar o sujeito. Por isso mesmo que eu estranhei. Em uma cidade como aquelas, eu tinha certeza que alguém o reconheceria. E, assim, eu fui ao encontro dele.
Quando eu cheguei até ele, o homem estava sentado. Suas roupas simples mostravam que ele não sentia nem um pouco de frio.
Bem a frente dele, um metro abaixo de seus pés, havia um lago congelado. O olhar do homem estava completamente perdido.
Aguardando algo? Perguntei. Ou, quem sabe, procurando algo?
Lentamente, ele voltou o rosto para mim. Um misto de cansaço e tristeza estava nítido em sua face.
Na verdade, sim. Eu procuro algo. Ele respondeu com a voz fraca. Um colar. Feito inteiramente de prata.
Você o perdeu por aqui?
Talvez. Era... O homem suspirou. Era um presente para a mulher que eu amo. Mas, um dia, uma nevasca veio. Felizmente, nós saímos bem dela. Mas...ela acabou perdendo o colar . E agora...eu o procuro.
Vejo que você está cansado.
Sim. Não posso negar. Eu...estou cansado de procurar. Mas eu tenho que achar aquele colar...
Eu imagino o porquê...
O homem me olhou calmamente. Após alguns instantes, ele conseguiu esboçar um sorriso.
Você é diferente dos demais... Ele disse. Isso é bom. Muito bom.
Ora... Sorri. Espero que você esteja certo...
O homem conseguiu rir. Baixo. Mas, mesmo assim, foi uma risada.
Entretanto, a expressão dele se tornou séria logo em seguida.
Ouviu os boatos?
Que boatos? Perguntei, um pouco confuso.
Pelo visto não... Ele fez uma breve pausa. Então...deixe-me contar sobre a criatura...
Você diz...algum tipo de animal?
Talvez. Quem sabe? Só sei que aquilo não é humano.
Não havia como negar. Ele havia despertado o meu interesse.
Fale-me mais sobre essa criatura. Pedi.
Ela é negra como a noite. Anda curvada. Suas pernas e braços são tortas. Seus pés e mãos têm garras. Os olhos vermelhos como sangue são temíveis. E...algo um pouco inusitado...
Diga.
A criatura gosta de coisas brilhantes.
Como?
Moedas. Relógios. Candelabros. Travessas...
Correntes de prata?
Sim... Pelo menos...eu acho que sim.
E você nunca conseguiu se aproximar muito dele para ter certeza?
Não. Não preparado como você. Eu não estou armado...
Ora... Levei minhas mãos aos bolsos de meu casaco. Essas? São mais...instrumentos de trabalho do que armas.
Se você diz... Ele sorriu. Não duvido do potencial delas. Você pode dar conta da criatura com elas, sem problema algum...
Assim espero...
Ah... O homem parecia me estudar. Inexperiente?
Sim... Só resolvi alguns poucos casos como esse na minha vida...
Entendo... Você é novo. Não me surpreende saber disso. Mas... Eu já falei. Você é diferente. O que é bom.
Obrigado. Agradeci sorrindo.
Só estou dizendo o que eu estou vendo... Calmamente, ele se levantou. Agora... Quanto à localização da criatura... Não é muita certa...
Mas ele vem até a cidade, não é? É assim que ele comete os...ah...furtos, certo?
Exatamente.
Ótimo. Que horas?
Após a meia noite.
Bem... Pensei um pouco. Lá se vai a minha noite de descanso... Mas sem problemas. Eu resolvo esse problema.
Ora... Obrigado.
Não precisa me agradecer...por ora. Espere-me ter conseguido o colar de volta.
Está certo. Ele sorriu. Bem...agora, com vossa permissão...eu tenho que descansar um pouco.
Sem problemas. Voltarei para a cidade. Eu estarei a postos.
Rapidamente, nos despedimos. Mas eu sabia que eu o veria em breve.
Enquanto isso, na cidade, o tempo passou rápido. Nada mais natural, já que todos os moradores que eu conheci eram extremamente agradáveis. Eu sempre tive essa sorte de me aproximar daquelas que eu deveria, além de me manter afastado das pessoas menos desejáveis, apenas com o que eu só consigo definir como “sorte”.
Cheguei a ouvir de algumas pessoas sobre certos furtos que estavam acontecendo. Certos itens brilhantes estavam desaparecendo. Num lugar tranquilo como aquela cidade, ninguém acreditava na existência de um ladrão. Algum animal, como um guaxinim ou um cão sem vira lata eram os culpados mais prováveis.
Todos ajudavam uns aos outros sem reclamar. Não havia ninguém com dificuldades financeiras. Isso é, de acordo com os próprios moradores.
Com a chegada da noite, a temperatura caiu bruscamente. Os próprios moradores, que já estavam acostumados com o clima, diziam que o tempo estava mais frio do que o normal. Mas eu não podia reclamar. Cheguei a passar boa parte da noite na casa de uma família da cidade, os Bakers.  Isso tudo porque o filho mais velho me achou um cara legal enquanto conversávamos mais cedo. Isso acabou resultando que, até quase às dez da noite, eu passei um tempo com ele, a irmã mais nova e seus pais.
Aquilo havia sido realmente bom. Tomar um prato de sopa quente num ambiente agradável como aqueles era indescritível. Era estranho como essas pessoas eram diferentes daquelas da cidade grande. Tamanha hospitalidade e bom humor só poderiam ser encontrados em um lugar pequeno e aconchegante como aquela cidade. E eu era grato por aquilo.
Entretanto, eu não poderia perder o foco. Eu tinha que ajudar aquele homem.
A família até que ofereceu uma cama para mim aquela noite. Mas eu recusei, da maneira mais educada possível, é claro. Disse que eu já havia feito a reserva de um quarto no hotel e que todos os meus pertences estavam lá. Com um sorriso no rosto, prometi que os visitaria de novo no dia seguinte. Assim, eu me despedi dos Bakers como se fossem amigos de longa data.
Esperei no quarto do hotel, lendo, até por volta das onze e meia da noite. Calmamente, deixei o local e comecei a rodar pela cidade.
O lugar estava praticamente deserto. Com a neve caindo e os ventos gélidos soprando, tudo havia mudado. Todos os moradores estavam em suas casas, dormindo. O silêncio era praticamente absoluto. O céu noturno, certamente belo, atingia-me com uma sensação de solidão. Um calafrio percorreu a minha espinha quando eu percebi que, agora, a singela cidade parecia sem vida.
Tentei me acalmar. Respirei fundo algumas vezes. Esfreguei as mãos nos braços opostos, tentando me esquentar um pouco. Comecei a dar passos longos e rápidos para andar. Deixar o frio me afetar também não fazia parte dos planos.
Não demorou muito para eu ouvir aquilo.
Parei de andar, mas ainda podia ouvir passos. Estralei os dedos das mãos e respirei fundo. Após caminhar um pouco, achei pegadas na neve. Com certeza, não era como nada que eu já havia visto.
Enquanto eu me aproximava dos sons, outros surgiram. Uma respiração pesada e ofegante. Alguns grunhidos graves. Os sons de objetos sendo rasgados e revirados.
Pouco mais de um minuto se passou até a chagada daquele momento. Eu via a fumaça branca que se saia de minha boca enquanto eu contemplava a criatura.
Mesmo vista de trás, ela era realmente aterrorizante. Apesar de não ser muito alta, as largas costas da criatura coberta por pelos longos, como os de um urso, eram intimidadoras. Suas longas e finas garras curvadas estavam ocupadas. A da esquerda carregava uma taça de metal que brilhava. A da direita, uma larga sacola esfarrapada e bege.
Próximo fera, havia uma lata de lixo revirada. O saco preto que estava dentro dela havia sido rasgado. Embalagens de comida, cascas de frutas e pedaços de papel estavam espalhados agora sobre a neve.
A criatura emitiu um urro baixo. Após guardar a taça na sacola em um movimento brusco, ela começou a andar, afastando-se do local.
Seja o que quer que fosse, aquilo não me viu. O que era ótimo. Seguir a criatura seria fácil, eu esperava.
Calmamente, a fera caminhava pela neve. Passo a passo, eu a seguia, sempre a uma distância segura para que ela não pudesse me ouvir.
Comecei a entender o que Edna havia dito. Assim, tentei não me perder nos meus pensamentos, pois qualquer distração seria perigosa naquele momento. O terreno irregular, coberto de neve, próximos a desníveis poderia levar ao meu fim, bem como teria acontecido com Victor. Eu não pretendia morrer por um erro leviano. Principalmente, sendo que eu poderia evitar tal erro.
O frio me desafiava a dar passos firmes. O vento gelado me fazia querer fechar os olhos. O cansaço por não ter dormido piorava a minha situação.
Reclamar não me ajudaria, então, continuei andando.
Felizmente, não demorou muito.Após uma longa descida por aquele terreno tortuoso, eu, bem como a criatura, estávamos  em um planície coberta de neve. Nela, um grandioso casarão parecia intimidador, não tanto pelo tamanho quanto pela aparência. A madeira escura e envelhecida, as janelas de vidro quebradas e o ar geral tenebroso da casa que davam esse efeito.
Então, não foi surpresa alguma quando a criatura entrou naquela casa. Apreensivo, eu a segui.
Teias de aranha em praticamente todos os cantos. Camadas de pó cobriam os velhos móveis de madeira. O cheiro de mofo empesteava o lugar. Nada fora do esperado, devo admitir. Entretanto, algo não tinha passado por minha cabeça: o piso de madeira.
Uma pisada um pouco mais pesada minha foi o suficiente para produzir um rangido, um ruído alto o suficiente para chamar a atenção da criatura.
Enquanto eu me arrependia daquele passo, a fera se voltou em minha direção.
Os olhos eram vermelhos, como aquele homem havia me contado, porém, ainda mais tenebrosos do que eu esperava.
Com o que mais parecia ser um rugido, a criatura jogou a sacola esfarrapada para o lado.
Eu levei as minhas mãos aos bolsos de meu casaco. A fera exibiu os dentes, o que me deixou muito desconfortável. A face dela. Eu não conseguia distinguir os detalhes, fora os dentes e os olhos. Para mim, era apenas uma grande sombra negra e esguia com pelo nas costas e garras afiadas nas mãos.
Então tudo começou a fazer um pouco mais de sentido.
Enquanto a criatura corria em minha direção, tirei minha mão esquerda do bolso, puxando uma de minhas “ferramentas”. Quando o braço direito da fera se aproximou de meu rosto, eu agi.
Com um movimento rápido, envolvi o pulso dela com meu terço de cento e oito contas. Ela rugiu. As trevas que envolviam seu braço pareciam queimar com o toque das contas. Aquilo me deu tempo o suficiente para tirar a minha segunda “ferramenta”: um crucifixo de madeira. Com um movimento rápido, ataquei, levando a cruz até o peito da fera. Mais uma vez, ela urrou, tentando se contorcer, enquanto sua pele de sombras fervilhava.
Entre urros e grunhidos da fera, eu mantive a calma. Mantive minhas mãos firmes em minhas “ferramentas”. A criatura tentou usar a mão livre contra mim. Sem sucesso. Pouca força restava a ela.
Eu não iria deixar aquilo se soltar. Pelo menos, não enquanto ele tivesse o corpo daquele homem.
Um último grito gutural veio, longo, fazendo parecer que todo o lugar estava tremendo. Então, o corpo caiu no chão, sem movimento.
Aos poucos, as trevas foram se soltando, quase como vapor, acumulando-se em uma nuvem, permanecendo no ar.
Eu guardei o crucifixo e o terço. Rapidamente, dei um passo para trás e tirei um pedaço de giz branco do bolso de minha calça.
Quando percebi, o demônio já estava me encarando. Sem forma fixa, composto por sombras e olhos escarlates, aquilo me encarava, rugindo sem mesmo ter uma boca. Mas eu estava tranquilo. O círculo estava pronto.
Quando o demônio avançou, eu sorri. Pequenos raios brancos saíram no círculo, como uma pequena e breve tempestade, puxando o espírito sombrio para o chão, deixando-o imóvel.
Eu me ajoelhei na frente dele. Eu sabia que, agora, eu não precisaria de armas nem “ferramentas”. Apenas levei minha mão direita na direção do demônio e, calmamente, disse:
Adeus.
No mesmo instante, o espírito se desfez, emitindo um último grunhido.
Com um sorriso no rosto, eu caí para trás, exausto.
Por mais inacreditável que parecesse, aquele chão duro, velho e poeirento me proporcionou uma boa noite de sono.
O homem que havia sido possuído pelo espírito ainda estava inconsciente, caído próximo a mim. Seu corpo era extremamente pálido e esquelético. Ele vestia roupas esfarrapadas e estava deitado sobre a pele de um urso negro.
Andando rapidamente pelo casarão, encontrei vários objetos que pareciam roubados, guardados em vários lugares. Achei moedas entre as tábuas do chão, facas e garfos em gavetas aleatórias, candelabros e relógios de bolso em armários.
Porém, um item chamou a minha atenção: uma corrente de prata, com o pingente de uma coruja. Imaginava que deveria ser aquele que o homem havia se referido. Por isso, eu o peguei, envolvendo-a em meu pulso esquerdo.
Por sorte, o homem acordou. Isso me poupou o esforço de ter que carregá-lo até a cidade. Ou então eu achava.
Nada do que ele falava fazia sentido. O coitado mal conseguia ficar em pé. Era curioso perceber que alguém que teve um demônio expulso de seu corpo se assemelha muito a alguém extremamente bêbado.
No fim das contas, eu tive que caminhar até a cidade ajudando-o a manter o equilíbrio enquanto ele falava palavras que, sinceramente, eu nem sabia se existiam ou não.
Ao chegar à cidade, fui recebido com preocupação. Todos estavam preocupados que eu havia desaparecido sem mais nem menos, deixando para trás quase todos os meus pertences no quarto do hotel. Ao me verem carregando aquele homem, os moradores não ficaram exatamente mais calmos.
Ao ver o estado crítico em que o homem se encontrava, muitos apareceram para ajudá-lo, como eu esperava do povo gentil daquela cidade. Entretanto, algo inesperado aconteceu.
Erika correu, empurrando algumas pessoas que estavam no meio do caminho, para chegar até o homem. Rapidamente, ela se ajoelhou na frente do homem. Gentilmente, ela levou suas mãos até o rosto dele. Com as mãos tremendo, ela levantou a cabeça do homem, olhando-o diretamente nos olhos e, por fim, dizendo:
Victor...
Eu fui surpreendido, bem como todos os que estavam em volta. Seria aquilo verdade? Seria aquele o marido desaparecido de Erika?
A resposta veio do próprio homem:
Erika... Amor...
Com os olhos cheios d’água, ela abraçou o marido. Muitos dos que estavam presenciando a cena não puderam evitar de se emocionar. Eu sorri, percebendo o que eu havia feito, mesmo não sendo intencional.
O já gentil povo da cidade começou a me tratar com ainda mais afeto. Erika me agradeceu brevemente, ainda chorando. Eu sabia que ela tinha que voltar para o amado. Ele precisaria muito da ajuda dela agora. Afinal, não são todos que sobrevivem a possessões.
Aliás, quanto a toda essa história de demônios, eu não pude ser muito sincero com o povo da cidade. Dizer que eram, de fato, guaxinins que estavam roubando os moradores e guardando tudo no casarão, não muito longe, era a alternativa mais fácil, além de evitar preocupações desnecessárias por parte dos moradores. Também disse que eu encontrei Victor na tal casa, o que era verdade. Porém, resolvi dizer que eu já havia encontrado desacordado. Uma tábua do andar superior do casarão havia caído em sua cabeça enquanto explorava o lugar. O motivo da exploração? Eu não saberia dizer. Caberia a Victor responder. Entretanto, sobreviver a uma possessão ou a um forte golpe na cabeça podem, sem problemas, trazer danos para o cérebro da pessoa. A memória ser afetada era algo completamente normal.
Como não poderia ser diferente, Edna veio me agradecer pelo o que eu fiz pela vila. Salvar a vida de um deles era como salvar um filho para aquela doce senhora. Enquanto conversávamos, no entanto, fui surpreendido novamente.
Ela me perguntou sobre a corrente que eu carregava em meu pulso esquerdo. Eu arregalei os olhos ao lembrar que eu ainda a carregava. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Edna me perguntou:
Posso vê-la mais de perto?
Ah... Sem problemas. Respondi, retirando o objeto de meu pulso e entregando-o para ela.
Obrigada. Ela respondeu com um tom de voz um pouco estranho.
Eu não havia percebido de imediato, mas os olhos da senhora pareciam brilhar enquanto ela olhava para aquilo. Delicadamente, ela segurou o pingente de coruja. Lágrimas começaram a verter de seus olhos. Gentilmente, ela levou a corrente para perto do peito, quase como se fosse orar com um terço. Tenho certeza que ela murmurou um nome: Eric.
Já havendo entendido tudo, eu disse:
Não se preocupe. Eu volto logo. Não pude conter um sorriso. Não saia daí.
Correndo, sem conseguir pensar em mais nada, saí da casa de Edna.
Rapidamente, eu já estava onde eu havia encontrado aquele homem. E, sem surpresas, lá estava ele.
Eu só consegui pensar em uma pergunta:
Há quantos anos você estava esperando para que alguém pudesse ajudá-lo?
Sessenta e três. O homem respondeu calmamente. Sessenta e três longos anos. Sessenta e três anos longe dela.
Ele olhou para o lago congelado com pesar. Eu sabia o que tinha acontecido só por aquele olhar.
Seu corpo ainda está lá embaixo? Perguntei.
Sim... Ele respondeu. O que sobrou, pelo menos...
Ele te prende a esse lugar, imagino.
Isso depende...
Do quê?
De um outro problema. Um que você resolveu. Mas preciso saber de algo.
Entendo... Respirei fundo, apreciando o sol que brilhava belo, porém fraco, naquele instante. Então... O que você precisa saber?
Ela... Edna, minha querida... Ele hesitou um pouco. Ela está bem?
Ora... Sorri. Claro que sim. Todos a amam naquela cidade. E agora pouco...ela estava chorando. De felicidade, tenha certeza. Ver aquela corrente com certeza trouxe boas lembranças a ela...
Eu olhei para o espírito do homem. Se ele pudesse chorar, tenho certeza que ele o faria.
Após alguns instantes, eu perguntei:
Você poderá descansar em paz agora?
Sim. Ele respondeu sorrindo. Tenha certeza. E isso...graças a você.
Pois bem... Eu podia sentir o quão grato ele estava por aquelas palavras. Assim, não pude controlar meu sorriso. Adeus, Eric.
Adeus...
Aos poucos, a imagem de Eric foi se desfazendo. Em poucos instantes, ele não estava mais lá. A imagem do amplo sorriso de gratidão do homem, não entanto, demoraria a deixar as minhas memórias.
Rapidamente, voltei à casa de Edna. Uma vez lá, eu vi que a senhora ainda tinha os olhos lacrimejando. Porém, o semblante dela também apresentava um sorriso.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, entretanto, Edna me perguntou:
Você estava falando com ele, não? Com Eric Bishop... Com o meu Eric...
Sim... Respondi, um tanto quanto surpreendido pela pergunta.
De repente, mais lágrimas verteram dos olhos da senhora enquanto ela me disse:
Obrigada... Muito Obrigada, jovem...
Elogios e sorrisos não me faltaram naquele dia.
Eu era como o herói daquele povo. Percebo que isso pode soar de maneira errada, fazendo com que eu pareça estar me exibindo. Mas, realmente, não vejo outra forma de descrever um tratamento tão carinhoso por parte de uma cidade inteira.
No fim da tarde daquele dia, ele, enfim, chegou.
Keith havia, enfim, chego à cidade. Meu amigo estava lá agora. E eu tinha que ter uma conversa com ele.
Fomos até a casa que ele falou ter herdado. Não me surpreendi quando chegamos até aquela velha casa onde Victor estava antes.
Eu tive que perguntar, embora a resposta fosse óbvia:
Você já sabia de tudo o que estava acontecendo aqui, não?
Ora... Ele riu. É claro que sim. Consigo sentir esse tipo de coisa a quilômetros de distância, não lembra?
Claro... Só imaginei que você teria me avisado... Sabe como é, não é? Demônios da Ganância levam as pessoas que são possuídas por eles à loucura, tornando-os imprevisíveis...
Por que eu faria isso? Para facilitar a sua vida? Keith riu alto. Mas é claro que não! Eu nunca disse que a vida de um exorcista seria fácil.
Eu bufei. Entretanto, eu disse:
Bem... Não vou reclamar. Tudo deu certo no final...
É assim que se fala! Keith sorriu. Agora...vamos!
Para onde?
Um bar. Comemorar seu trabalho bem feito. Tenho certeza que as pessoas estarão dispostas até a pagar as nossas...digo, suas bebidas.
Ah... Eu sorri. Não tenho discutir com esse argumento... Vamos!
O dia seguiu conforme o planejado. A comemoração acabou se transformando em uma festa para toda a cidade. Bebida, comidas e boa companhia. Não havia reclamar daquilo. Tudo estava perfeito. Pelo menos, até a manhã seguinte.
Eu teria que deixar a cidade. Eu sabia que mais um trabalho me aguardava. Mas eu estava feliz.
No fim de todo trabalho que eu completava, eu ficava contente. Afinal, eu estava fazendo aquilo que eu havia escolhido: ser um Exorcista para ajudar aqueles que precisavam.