O Infame
As estrelas brilhavam no céu noturno. Pequenos pontos
brancos e brilhantes. Belos, porém , insignificantes quando comparados com a
magnífica lua cheia que reinava acima de tudo e de todos.
Uma pequena estrada de terra cortava por entre uma
floresta que parecia não ter fim. Entretanto, aquele era o caminho mais curto
que ligava duas pequenas vilas. Logo, o trajeto era uma viagem tranquila,
apesar de não muito rápida, para os moradores dos dois vilarejos.
Porém, aquele dia havia sido uma exceção.
Um bando de mercenários havia se reunido em uma clareira
próximo a uma clareira dessa floresta. Ao todo, eram de vinte homens e mulheres
armados com espadas, escudos, arcos e flechas. Tudo isso para testar um único
homem.
Conhecido apenas como Damian, ele mal podia ser descrito
como um ser humano. O homem era procurado por grande parte do continente das
Terras Verdes, o que era impressionante, uma vez que o continente representava
um quarto do mundo conhecido.
A perseguição do homem começou com a origem de sua lenda.
Era dito que Damian havia massacrado, sozinho, uma tropa inteira do exército das
Terras Verdes. O que o fez ser comparado com um demônio foi o fato de que ele
fazia parte daquela mesma tropa.
O que havia acontecido exatamente não era muito certo.
Mas algo era certo: Damian matara seus amigos e companheiros, e aquilo foi
apenas o começo da matança.
Boatos diziam que a espada que o guerreiro manejava
esclareceria detalhes sobre sua lenda nefasta. A arma era gigantesca, do
tamanho do próprio Damian, e era capaz de cortar através de qualquer coisa, até
mesmo de abrir fendas no chão e em montanhas.
Pelo menos, eram o que as lendas diziam.
E, às vezes, lendas se provam verdadeiras.
O silêncio reinava agora na clareira da floresta. Vinte
corpos estavam espalhados pelo chão. Outros dois, no entanto, estavam de pé.
A grama verde e baixa do solo estava tingida agora de
vermelho escuro. A situação era a mesma com os troncos das árvores, outrora
marrons e escuros, e as pequenas flores, não mais brancas ou amarelas.
Um dos homens sorria. Com pouco menos de um metro e oitenta
de altura, ele tinha o porte físico esguio. Seus cabelos desgrenhados eram cor
de ébano. Seus olhos cor de mel brilhavam. Seu sorriso não mostrava os dentes. A
expressão no rosto belo e fino revelava que ele estava satisfeito com o que
vira.
Claramente, aquele homem era um estrangeiro. A cor de sua
pele, caramelo, era mais escura que os do continente das Terras Verdes. As
roupas também eram atípicas. Os fios de seda vermelhos compunham o capuz, o manto
que cobria seus ombros e a longa faixa que estava em sua cintura. O resto do
corpo era coberto por uma armadura de couro, da mesma cor dos troncos das
árvores, que era da mais alta qualidade. Aquele homem estava protegido por algo
tão resistente quanto ferro, porém, extremamente mais leve.
Em cada lado da cintura, o estrangeiro tinha uma espada.
As armas eram completamente idênticas. Leves, curvas, bem afiadas, feitas de
aço e com a empunhadura dourada.
A poucos metros de distância, estava o outro homem.
Ofegante, aquele era Damian.
Com um metro e oitenta de altura, o guerreiro tinha uma
expressão de cansaço e raiva no rosto árduo, porém, jovem. Os cabelos castanhos
e escuros eram penteados para trás. Os olhos negros não tinham brilho. Suor
escorria pela pele alva. Os dentes eram exibidos como presas para o outro
homem.
O corpo de Damian estava protegido por uma armadura, à primeira
vista, simples. Feita de um metal cinzento e escuro, sua superfície estava
coberta de marcas de cortes e manchas de sangue. Entretanto, nenhum detalhe
dela fazia saltar os olhos de seus oponentes. O que era bom. Leve e resistente,
não havia mais nada que Damian desejasse em sua armadura.
Na mão direita, erguida sem problemas, estava a espada
lendária. A arma era uma grande e pesada viga, forjada irregularmente,
constituída de ferro negro e grafada com inscrições rúnicas vermelhas. Uma
única e afiada lâmina cinzenta podia ser vista em uma de suas laterais. Uma
aura escarlate a envolvia, parecendo pulsar a cada segundo.
Os mercenários, sem vida, estirados no chão haviam sido
vítimas da espada infame. Sangue havia sido jorrado, bem como entranhas e peças
de armaduras. Os golpes da arma haviam removido, de alguns, braços e pernas.
Outros haviam sido decapitados. Outros, ainda, haviam sido retalhados, tendo os
corpos cortados ao meio vertical, horizontal ou até mesmo diagonalmente. As
armaduras de couro e ferro não ofereceram resistência. Escudos idem.
O estrangeiro resolveu quebrar o silêncio:
—
Fico feliz de saber que as lendas eram verdadeiras. — Disse ele com sua voz grave e profunda. — Creio que o tempo que eu
gastei para vir até aqui valeu a pena.
—
Por quê? — Indagou
Damian com sua voz cansada e áspera. —
Se você realmente ouviu os boatos... Imaginei que você estava atrás de alguma
recompensa por minha cabeça. Então por que está feliz em ver os seus homens
morrerem?
—
Bem... digamos que a recompensa seria um prêmio de consolação. Nada mais.
—
Isso não responde a pergunta que eu te fiz.
—
Ah? — O estrangeiro
parou para pensar um pouco. —
Ah! Você se refere aos meus homens, não? —
Ele olhou as duas dezenas de corpos no chão sem reação alguma. — Com esses... Eu não me
importo. Eram apenas mercenários. Não eram, de fato, dos meus, entende?
—
E quem seriam “dos seus” exatamente?
—
Guerreiros muito bem escolhidos. Homens e mulheres que eu posso confiar a minha
vida.
—
Então você veio das Terras Vermelhas até aqui sem esses homens... É isso mesmo
o que você está dizendo?
—
É claro que não. — O
homem apontou para duas árvores em específico. Uma à esquerda e, a outra, à
direita. — Mark. Ed.
No mesmo instante, dois vultos desceram das árvores,
surpreendendo Damian.
Eram dois homens que apareceram.
À esquerda do estrangeiro, estava Ed. Uma expressão séria
marcava sua face. Ele era um pouco mais alto que Damian, porém, mais esguio. Seus
olhos eram castanhos claros, bem como seu cabelo desarrumado. Cobrindo a metade
inferior de seu rosto, estava um pano vermelho escuro. Sua armadura de couro
avermelhado cobria topo o seu torso e seus antebraços. Suas botas e seu chapéu
eram feitas do mesmo material. Suas calças eram feitas de um tecido negro e
leve. Na cintura, um coldre em cada lado, cada um carregando um revólver
prateado.
À direita, estava seu companheiro, Mark. As diferenças
entre os dois eram poucas. Ao invés de cobrir parte do rosto com um pano, Mark
usava um tapa olho do lado direito. O rosto apresentava sua barba rala. As
peças de couro, apesar de apresentarem o mesmo design, eram mais claras do que
a do amigo. No lugar de revólveres, ele preferia usar um rifle. A longa arma,
guardada em suas costas, era feita de aço e marfim.
O estrangeiro sorriu novamente e disse:
—
Viu? Eu não vim sozinho...
Damian apertou o cabo de sua espada com força. Ele sabia
que poderia derrubar um deles sem problemas, mas, ao fazer isso, o outro
poderia matá-lo com um único tiro em sua cabeça. Porém, aquela não era a única
abordagem que ele poderia usar, mas preferia usá-la apenas como seu último
recurso. Portanto, o guerreiro bufou e perguntou:
—
O que exatamente você quer de mim?
—
Ora... — O
estrangeiro apontou o indicador direito para Damian. — Você, é claro.
Damian manteve-se em silêncio, olhando de Ed para Mark
sem parar. Enfim, ele resolveu falar com o homem a sua frente:
—
E você pretende que eu aceite apenas por que você está me ameaçando?
—
É claro que não! — O
homem respondeu. — Eu
pretendo te ajudar.
—
E como você faria isso?
—
Eu te acolheria, por assim dizer. Enquanto você trabalhar para mim, você estará
seguro. Pelo menos, você não estará sendo caçado.
Damian pensou por alguns segundos antes de dizer:
—
Ir para as Terras Vermelhas... Eu já havia pensado nisso, mas...
—
Você estaria por sua conta lá. —
Afirmou o estrangeiro. —
E você estaria em uma terra completamente desconhecida. E, mesmo assim, você
poderia ser caçado lá também. —
Ele fez uma breve pausa. —
E a situação seria a mesma nas Terras Brancas. Você só estaria realmente seguro
nas Terras Cinzentas. Mas chegar vivo até lá...
O guerreiro manteve-se quieto. Damian sabia que tudo
aquilo era verdade. A melhor opção dele seria, sem dúvida, seguir o forasteiro.
Porém, ele tinha que perguntar algo antes:
—
Você... Qual o seu nome?
Com um largo e prepotente sorriso no rosto, o estrangeiro
respondeu:
—
Nazir Carmesí , Capitão do Clã Carmesí, ao seu dispor.
Damian ficou quieto por um instante. Ele conhecia a fama
daquele clã. Situados na região das Areias Escarlates, o que começou com um
grupo de bandidos se tornou uma pequena nação dentro das Terras Vermelhas.
Muitos cogitavam a possibilidade do Clã Carmesí se unir a alguns grupos menores
para tomar o poder do continente. Alguns afirmavam que aquilo seria impossível,
porém, ninguém nunca discutiu diretamente aquilo com um dos mandantes do clã.
Com os olhos brilhando, Nazir perguntou:
—
E quanto a sua espada, Damian? Qual a verdade por trás da lenda?
O rosto do guerreiro se tornou sério. Nazir e seus homens
perceberam no mesmo instante. Uma pitada de medo os atingiu. Entretanto,
Damian, mesmo assim, respondeu:
—
Mais tarde. Durante o caminho... Eu respondo. Agora não. Tenho outras coisas
para te perguntar antes.
—
Ah...claro. —
Balbuciou Nazir. —
Como o quê?
—
Como: quanto tempo vocês três vão demorar a ver aquilo?
Damian apontou para trás de Nazir. Os três forasteiros se
voltaram para a mesma direção. Lá, parado, estava um ser que Ed, Mark e Nazir
nunca haviam visto antes.
Com mais de três metros de altura, a criatura tinha a
pele negra envolta por chamas verdes. Na cabeça, dois chifres afiados apontavam
para cima. Suas longas presas eram ainda mais afiadas. Os olhos eram cavidades
por onde as chamas verdes pareciam arder ainda mais. O par de longas asas
esqueléticas parecia uma capa apoiada nas costas e ombros do ser. A longa cauda
se estendia até o chão e continha uma lâmina na ponta.
Com um sorriso tenebroso e uma voz profunda, o Demônio
disse:
—
Há quanto tempo, Damian...
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