Respostas
Tudo parecia completamente diferente agora.
O corredor ainda não parecia em bom estado. Porém, estava
claramente bem melhor do que antes. A atmosfera inquietante do lugar se
extinguira. As goteiras e rachaduras haviam sumido. As portas dos outros apartamentos
estavam bem visíveis agora, algo que eu nem havia notado antes. E,
principalmente, pude ver as portas de metal do elevador logo em frente às
escadas.
Esse era o primeiro andar. Exatamente um lance de escadas
acima do térreo. Também era o andar do apartamento onde eu estava, como eu
descobriria em poucos segundos.
Tentei não pensar muito no quanto eu havia andado eu vão
por aquelas escadas. Mais uma ilusão daquele lugar maldito. Nada mais do que
isso.
Calmamente, aquele homem abriu a porta do apartamento.
Ele não havia dito nada desde o momento que ele havia me chamado. O que era um
pouco inquietante.
Entramos no apartamento. Primeiro ele. Eu fui logo em
seguida.
O ambiente não havia se alterado desde que eu havia
saído. Aquilo me deixou um pouco mais confortável. Saber que haviam coisas em
Nightmareland que eram previsíveis quase conseguiu me alegrar um pouco.
O homem parou, em pé, próximo ao sofá e disse
rispidamente:
—
Sente-se.
Eu olhei para o velho sofá de couro avermelhado. Ele me
parecia muito convidativo. Calmamente, eu me sentei. Praticamente no mesmo
instante, o meu corpo amoleceu e eu consegui relaxar um pouco.
—
Você parece estar aproveitando, hein? —
O estranho me perguntou.
Eu deixei escapar um sorriso. Ele também. Aquilo pareceu
deixar o clima um pouco mais leve.
—
Estamos bem aqui. —
Ele afirmou. De repente, uma leve expressão de preocupação cruzou sua face. — Pelo menos, por
enquanto... E enquanto podermos contar com a ajuda um do outro. Acredito que
você saiba muito bem o porquê.
Realmente. Tudo o que eu havia passado nesse tempo
poderia muito bem ter me matado. Eu não tinha ideia de como eu ainda estava
vivo para falar a verdade.
Entretanto, eu ainda não podia confiar naquele homem.
Pelo menos, ainda não.
Nada contra ele, mas aquele lugar estava começando a me
fazer ter problemas para confiar em praticamente tudo.
E ele me entendia muito bem.
—
Eu sei que você tem muitas coisas em mente. —
O homem disse calmamente. —
Então... Sinta-se a vontade para perguntar o que quiser.
Eu olhei para o homem. Ele estava de pé, com os braços
cruzados na frente do peito. Seu rosto estava calmo. Ele não me parecia o tipo
de pessoa que mentiria. Mas todo cuidado era pouco.
Eu respirei fundo. Pensei rapidamente no que eu diria e,
então, perguntei:
—
Qual o seu nome? Preciso saber disso antes de qualquer outra coisa, caso eu
tenha que confiar em você.
O homem sorriu e, prontamente, respondeu:
—
Eric. — Ele fez uma
breve pausa. — Eric
Fields.
Eu o olhava direto nos olhos enquanto eu ouvia a
resposta, vendo os lábios dele se mexerem lentamente. Ele não parecia estar
mentindo.
—
E você? — Eric
perguntou rapidamente. —
Qual o seu nome?
Eu tentei aguentar o ímpeto de mentir. Afinal, eu já
ouvirá falar que nomes possuíam poder. Talvez Eric fosse um monstro que estava
tentando conquistar a minha confiança para, eventualmente, tirar a minha vida. Ou
talvez eu estivesse cedendo à paranoia.
No fim, acabei por dizer a verdade:
—
Jack. Jack Ricochet.
Eric sorriu, aparentemente satisfeito com a minha
resposta.
—
Muito bom. — Disse
ele. — Acredite ou
não, mas eu sei quando as pessoas estão mentindo. E mentir o próprio nome é
praticamente impossível em uma situação como essa, em que você não espera a
pergunta e encara a outra pessoa diretamente nos olhos.
—
Então você tem certeza que pode confiar em mim?
—
Talvez. Mas ao que tudo indica... Sim, posso. Eu posso confiar tanto em você
quanto você pode confiar em mim, certo?
—
Ah... — Sorri. Eu
gostava do jeito que ele pensava. —
Certo... Eric.
Com um sorriso, ele me estendeu a mão. Prontamente, eu a
apertei com a minha. Esperava que aquele gesto pudesse realmente ser algo
genuíno.
—
O que mais você quer perguntar? —
Indagou Eric.
Eu parei para pensar mais um pouco. É claro que eu tinha
muitas perguntas para fazer, mas uma se sobressaia:
—
Como eu sobrevivi à floresta?
A expressão no rosto de Eric ficou séria. Alguns
instantes se passaram enquanto ele organizava seus pensamentos, bolando a
melhor maneira de responder aquilo:
—
Eu bem que gostaria de saber exatamente como... Só sei que nós
somos...ah...mais resistentes em Nightmareland.
—Hein?
—
Nós conseguimos sobreviver a ferimentos que, no mundo normal, nos levariam à
morte. No seu caso, a queda de um precipício não foi o suficiente para te
matar.
—
Mas... Por quê? E como?
—
Bem... Eu já estou aqui há um bom tempo... Isso me levou a pensar muito sobre
esse lugar, sobre tudo o que acontece em Nightmareland. Pelo menos, no que diz
respeito ao que eu vi e presenciei. —
Eric fez uma breve pausa. —
A conclusão que eu cheguei é que, desse jeito, ele se diverte mais. Ele se
diverte às nossas custas...
O demônio. Ele havia colocado Eric aqui também então.
“Você não está sozinho”. Era isso o que a carta do desgraçado
dizia.
Então, a resposta era sim. Haviam outros lá comigo.
—
Então... O demônio... —
Disse eu. — Ele fez
esse lugar para que nós fossemos mais fortes...apenas para sofrermos mais. É
isso?
—
Sim... — Eric
balbuciou. — Creio
que sim...
Eu permaneci em silêncio por alguns instantes.
Entretanto, o momento veio em que eu perguntei:
—
Nós podemos morrer aqui?
—
Bem... — Eric coçou a
nuca. — Infelizmente,
essa é uma pergunta que eu não sei responder, Jack...
Mais uma vez, eu me mantive em silêncio até que soubesse
exatamente o que eu deveria perguntar:
—
Eu sou o primeiro que você encontra?
Eric se manteve em silêncio por alguns instantes. A
tristeza estava claramente estampada em sua face. Ele suspirou e, com um ar
melancólico, respondeu:
—
Não... Vários já vieram antes. E todos se foram enquanto eu fui deixado para
trás, podendo fazer nada a não ser sofrer...
—
“Se foram”?
—
Sim...
—
O que você quer dizer com isso?
—
Alguns correram para longe daqui. Com medo, acreditando que esse lugar não era
seguro. Assombrações os perturbavam...como a garotinha que você viu no
corredor. — Ele
parecia cansado agora, como se as palavras que ele dizia drenassem suas forças.
— Outros,
entretanto... foram pegos por monstros...como a criatura que cantava no
elevador...ou outras ainda piores.
Eu o olhava atentamente. Eric Fields não era nem um pouco
como eu esperava. A combinação de suas roupas com sua atitude, à primeira
vista, levaram-me a acreditar que ele era forte, confiante e até um pouco
intimidador. Porém, agora, eu via quem ele realmente era: alguém que teve o
espírito estraçalhado nesse inferno em que estamos presos.
Mais uma pergunta me veio à mente:
—
Há quanto tempo você está aqui?
—
Difícil dizer. — Ele
respondeu rapidamente, como se esperasse aquela pergunta. — O tempo é incerto aqui em
Nightmareland. Acho que você já percebeu isso.
Isso era verdade. “Tempo” parecia um conceito abstrato
enquanto eu vagava por aquele lugar.
Eric continuou:
—
O mesmo pode ser dito sobre o espaço. Às vezes eu sinto como se eu viajasse de
uma dimensão para outra ao atravessar uma simples porta... — Ele me olhou diretamente
nos olhos e suspirou. —
E foi assim que eu te trouxe da floresta para cá. No fim, acabou sendo uma
caminhada de pouco mais de cinco minutos te carregando. — Eric olhou rapidamente na direção de uma
porta e voltou a olhar para mim. —
Você tinha alguns machucados pelo corpo. Arranhões, hematomas e uma fratura
exposta em sua tíbia. Resultado da queda.
—
E eu me curei disso tudo enquanto dormia?
—
Bem... Você teve a ajuda de alguns medicamentos. Encontrei alguns pelos
apartamentos. Resolvi guardar todos no armário do banheiro daqui.
—
Entendi... Sinceramente, eu não esperava que medicamentos funcionariam num
lugar como esse... Só me parece estranho... Não sei explicar o porquê.
—
Eu também não. Mas, aparentemente, quanto antes nos recuperarmos mais cedo
poderá voltar para o jogo do demônio...
—
Ah... Claro...
—
Comida e bebida, porém, não funcionam. Nós não sentimos fome ou sede, mas às
vezes sentimos vontade de comer ou beber, certo?
—
Sim.
—
Mas não podemos. Digo... Até podemos, mas o gosto é horrível. Uma vez achei uma
garrafa de vinho em um dos apartamentos. O gosto era horrível. Parecia mais...
Eric se calou. E com razão.
Luzes vermelhas vieram pelas janelas, cobrindo tudo o que
havia na sala. O ar se tornou mais frio e pesado. Centenas de sussurros de
vozes diferentes pareciam vir de trás de cada parede. Os pelos de meus braços e
nuca se arrepiavam enquanto os gritos agudos ficavam cada vez mais agonizantes,
quase como se garras afiadas arranhassem lentamente uma superfície lisa de
vidro.
Então, de repente, aquilo veio, sobressaindo-se sobre
todos os outros ruídos.
O grito de uma mulher, agudo, soou por todo o apartamento,
fazendo com que toda sua estrutura tremesse. Angústia e sofrimento podiam ser
sentidos na voz dela, bem como ódio e desprezo.
Palavras não precisaram ser ditas por ela para me
apavorar. Por sorte, Eric também não precisava delas para me chamar a atenção.
Tudo parecia girar. Fields me puxava pelo pulso. Batidas
fortes soavam na porta de entrada do apartamento. Os gritos da mulher soavam
cada vez mais altos. Minhas pernas tremiam. Eu praticamente me arrastava. Eric
abriu uma porta e puxou para dentro. Rapidamente, ele a trancou. Eu olhei ao
meu redor. Uma escadaria de pedras cinzentas descia em direção à escuridão
total.
—
É a nossa única escolha. —
Disse Fields. —
Vamos!
Nenhum comentário:
Postar um comentário