A Floresta
Pude ouvir claramente o som da porta de madeira da casa
ser despedaçada pela motosserra. Eu não tinha dúvidas de que eu estava sendo
perseguido. Mas por quem? Ou pelo que?
Não. Eu não queria pensar naquilo. Eu nem ao menos
olharia para trás.
Eu não podia perder tempo. Eu não podia me desconcentrar.
Correndo desesperadamente a passadas largas, era óbvio
que minha respiração não demoraria a se tornar ofegante. Eu também não estava
sendo discreto para fugir.
Meus pés quebravam pequenos galhos secos e retorcidos que
estavam no chão. Pequenas flores e frutos caídos eram esmagados. Minhas pegadas
ficariam marcadas na grama e na terra, sem dúvida.
Seria muito fácil me rastrear. Eu nem havia pensado nisso
enquanto corria. Apenas mais tarde, quando eu estivesse mais calmo, com um
pouco menos de adrenalina no corpo, que eu perceberia isso.
Focado, eu continuei correndo. A cada passo, eu me
tornava mais exausto. Eu acertava um galho de árvore com meu corpo a cada três
segundos. Todo o meu corpo doía como nunca antes. Eu podia jurar que os
músculos de minhas pernas pareciam queimar. Minha mente não parecia mais
funcionar. E então, o inevitável aconteceu.
Eu caí, exausto, abraçando a árvore em minha frente,
raspando a minha face na superfície áspera de seu tronco escuro.
Com o meu rosto voltado para o gramado verde, nada fiz
além de respirar.
Uma. Três. Dez. Mais vezes talvez. Eu respirei fundo
enquanto minha mente tentava voltar a funcionar.
Aos poucos, fui me dando conta do que havia ao meu redor.
Calor. Eu havia corrido o suficiente para encharcar as
minhas roupas com suor. O frio da noite na floresta ficou para trás há muito
tempo. Mas eu tinha certeza que ele não demoraria a voltar.
Feridas. O arranhado em meu rosto fora a mais recente.
Entretanto, percebi que haviam pequenos cortes espalhados pelo meu corpo.
Testa, bochecha, pernas, barriga, braços. Nenhum ferimento grave. Com certeza,
foram causados por galhos de árvores e folhas de arbustos. Isso podia muito bem
ter acontecido enquanto eu corria por eles. Mas eu não tinha como sentir aquilo
enquanto a adrenalina dominava meu corpo.
Eu consegui me levantar, pouco tempo depois, ainda fraco.
Tudo o que pude fazer foi me sentar, encostando as minhas costas na mesma
árvore em que eu estava junto.
Aquilo era o melhor que eu conseguiria fazer, mas eu não
podia reclamar. Agora, eu poderia ver algo se aproximando de mim. E, no caso de
algo ou alguém com uma motosserra, eu só precisaria ouvir a aproximação.
Pensando bem, seja lá quem ou que fosse que estava me
perseguindo, não era muito rápido. O som da motosserra havia ficado para trás
há muito tempo. Essa foi uma das poucas coisas que eu pude perceber enquanto eu
corria.
Droga. Meus olhos doíam. Minha visão ficava mais e mais
embaçada a cada segundo. Por quê? Não senti nada de estranho vindo do ar. Seria
isso apenas pelo cansado? Ou algo mais?
Senti meus olhos começarem a arder. Eu pisquei algumas
vezes. Algo devia ter entrado no meu olho. Após alguns segundos, minha visão
clareou. E assim eu pude ver aquilo.
O corpo pequeno, coberto por penas cor de ébano. Patas e
bico, afiados e lustrosos. Olhos escarlates com um brilho inquietante. Bem na
minha frente, havia um corvo. E, no bico dele, uma carta branca e luminescente.
Eu admito ter me assustado. Como aquele animal havia
surgido ali, bem na frente de meus olhos, sem fazer barulho, eu não sabia. Mas
eu não estava tão preocupado. O pássaro era inofensivo. O único propósito dele
era entregar a carta. Uma mensagem daquele demônio.
O corvo inclinou a cabeça ligeiramente para a esquerda.
Calmamente, eu levei a minha mão até o bico dele. Com um movimento rápido,
tirei a carta dele e a abri.
Antes que eu pudesse ler o que estava escrito, eu ouvi o
som de asas batendo e uma leve brisa batendo contra o meu rosto. O corvo havia
levantado voo. Vê-lo partir foi possível. Porém, ainda não sabia como ele havia
chego até mim. Mas eu não queria pensar naquilo. Eu tinha uma carta para ler.
O que estava escrito, porém, fez a minha espinha gelar.
“E se eu te dissesse que mais de um monstro pode te
perseguir ao mesmo tempo?”.
Eu nem terminei de ler a carta. Simplesmente pulei para
frente para me afastar da árvore. Aquilo foi uma das melhores decisões que eu
já tomei.
Bem atrás de mim, há poucos centímetros de onde a minha
cabeça estava encostada, estava aquilo. A criatura parecia ter pouco mais de um
metro e setenta de altura. Era um humanoide. Sua pele era praticamente
transparente. Eu podia ver a árvore em que ele rastejava em detalhes quase
perfeitos. Na verdade, o único motivo pelo qual eu pude ver o monstro eram os
seus olhos. Amarelos e intensos, como os de um gato, eles me encaravam.
Eu estava apavorado. Meu coração batia frenético dentro
de meu peito. E aquela criatura sabia.
Sem desviar o olhar de mim, o monstro desceu da árvore,
rastejando até o chão, contorcendo-se a cada movimento. Em poucos segundos, ele
estava a apenas um metro de mim.
Eu estava paralisado até o instante que ele chegou a
poucos centímetros de meu rosto. O bafo dele, quente e úmido, com o cheiro de
carniça, conseguiu me trazer de volta ao normal.
Antes que eu pudesse me virar e começar a correr, eu vi
aquilo. O sorriso dele. O aspecto sombrio daquelas centenas de dentes afiados, como
os de um tubarão, consegue me dar calafrios até hoje. Fora os olhos, aquelas
presas eram a única parte do monstro que eram nítidas e, com certeza,
perturbadoras.
Antes que ele pudesse dar outro passo, eu me virei e
comecei a correr.
Não era uma tarefa fácil, mas eu estava dando o meu
melhor para ignorar a dor lacerante que eu sentia. Eu não tive tempo o
suficiente para me recuperar, isso era fato. Mas eu também não podia gastar
energia para reclamar.
Desta vez, porém, resolvi olhar para trás. Eu não queria
me desgastar desnecessariamente correndo de um monstro lento.
Eu sorri. A criatura estava há metros atrás de mim,
andando tão lentamente quanto quando estava se arrastando. Assim, resolvi
correr mais devagar, até o momento em que eu estava andando.
Respirando fundo, aguentando o que parecia ser fogo em
minhas pernas, eu resolvi me voltar para trás. Aparentemente, eu havia deixado
a criatura para trás. O que me deixava sem saber onde ela estava.
Meu coração acelerou. Minha respiração se tornou mais
pesada. Será que o monstro apenas estava fingindo ser lento enquanto eu olhava
para ele? Poderia ele aparecer atrás de mim a qualquer momento? A resposta veio
quando a face da criatura apareceu bem diante de meus olhos, exibindo seu
sorriso demoníaco.
O susto me fez cair sentado para trás. O monstro havia
simplesmente surgido ali, bem na minha frente, de ponta cabeça. No instante
seguinte, percebi que ele se segurava no galho de uma árvore, como um símio. Droga.
Eu podia jurar que ele ria de mim. Bem como um macaco, ele se movimentou até
ficar de pé em cima do galho. Dessa vez, o monstro se mostrou bem ágil.
Em uma fração de segundos, ele pulou, sumindo em meio às
folhas escuras da copa da árvore.
Droga. Eu sabia o que aconteceria agora. Mas eu não podia
evitar aquilo. Então, respirei fundo e voltei a correr.
Demorou apenas alguns segundos para que a criatura
atacasse. Vinda de uma árvore à minha esquerda, um pouco a minha frente, ela
levou a mão dela até o meu pescoço. Eu só percebi o ataque no momento eu que
ela me tocou.
O monstro começou a me estrangular. Com as duas mãos, eu
consegui me soltar da mão dele. Respirando ofegante, sabia que aquilo viria a
se repetir.
Os ataques foram vinham de direções variadas. E, a cada
tentativa da criatura, mais fácil era escapar. Entretanto, mais constantes se
tornavam os ataques.
As tentativas de estrangulamento se transformaram em
apertos leves nas pernas, braços e torso, quase como se o monstro tentasse me
desacelerar. Porém, os ataques se tornaram incessantes. A cada passo que eu
dava, uma mão surgia de uma árvore para tentar me segurar. Era quase como se
existissem vários daquele mesmo monstro...
Será que haviam?
Eu não podia os enxergar muito bem. Eu não havia como ter
certeza daquilo.
Eu corri mais e mais. Cada vez mais desesperado. Cada vez
mais exausto. Tanto que eu nem percebi que os ataques daquela criatura haviam
cessado. Entretanto, eu não respirei aliviado.
Eu não havia parado de correr. E o cansaço tinha deixado
vinha visão cansada. Então, eu não vi aquele monstro até eu trombar com ele.
Aquilo quase se passava por uma pessoa comum. Ele tinha
um metro e noventa de altura. Usava tênis escuros, calças jeans azuis surradas,
uma camiseta branca amarelada e, por cima dela, uma jaqueta preta de couro.
Entretanto, sua pele era anormal. Branca como uma folha de papel sulfite, cheia
de cicatrizes vermelhas escuras. E, ainda mais sinistro que a pele, era a
cabeça. Suas pálpebras, bochechas e lábios haviam sido removidos com cortes.
Assim, o olhos completamente brancos podiam me encarar ininterruptamente.
Quanto à mandíbula, ela apenas pendia no crânio dele com os dentes tortos bem à
mostra. Entretanto, a pior parte dele era o que estava em suas mãos pálidas e
cheias de feridas: uma motosserra desligada.
Eu comecei a andar lentamente para trás, quando ouvi
outros passos. Olhando por cima do ombro, eu avistei a criatura de antes. Ela
estava a pouco mais de dois metros de mim, encarando-me com aquelas olhos
amarelos enquanto exibia aqueles dentes nefastos.
Enquanto o monstro a minha frente ligava a motosserra, eu
tive que pensar rápido. Eu seria encurralado a qualquer momento.
Eu não sabia o motivo, mas eu escolhi correr para a
direita.
Quase caindo de exaustão novamente, eu senti que eu me
arrastei por quilômetros. Eu não conseguia mais correr. Eram, agora, apenas
passos largos, porém, lentos que eu dava em direção ao desconhecido.
Então, eu cheguei até o pior lugar possível. Árvores
gigantescas não mais me cercavam. Agora, um abismo fazia a minha frente.
Uma queda de mais de cem metros não me parecia muito
agradável.
Ofegante, não podendo mais aguentar a dor, eu olhei para
trás. Ao avistar os dois monstros andando, calmamente, eu sabia que, se eu
continuasse ali, o meu fim seria iminente.
O mais alto ligou a motosserra. O som aterrorizante me
fez cair de joelhos.
Eu olhei para a outra criatura. Ele apenas sorria,
aproveitando cada segundo daquela caçada.
O fim meu seria torturante na mão daqueles dois. Uma
morte rápida seria pedir demais?
Não. Se eu fosse morrer, não seria pelas garras daqueles
dois.
Com o que me restava de energia, eu consegui me levantar.
Enquanto as duas aberrações se aproximavam de mim, eu me virei de costas e
pulei para o abismo.
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