domingo, 21 de junho de 2015

Conto 7

Aquilo que eu Escolhi


Eric Bishop. Não creio que eu vou me esquecer desse nome tão cedo.
Conheci aquele homem perto de uma cidade que fica, bem, no meio do nada.
Nevava muito naquele dia, o que era normal pra região. A pequena cidade nas montanhas era coberta de neve, mas, mesmo assim, seu povo era caloroso.
Fui recebido naquele lugar com sorrisos e boas vindas sinceras, algo raro de encontrar no mundo de hoje.
Edna. Esse era o nome da senhora tão sorridente que me guiou pela cidade.
A energia dela era invejável. Mal parecia que Edna era a moradora mais antiga da cidade.
Como era de se esperar, todos da cidade a conheciam, sendo como uma avó para muitos.
Enquanto ela me guiava até o único hotel da região, contei a ela o motivo pelo qual eu estava lá. Nada extraordinário, para ser sincero. Eu iria me encontrar com um amigo que eu não via há muito tempo. Pelo o que eu entendi, o avô dele tinha uma casa nas redondezas. Agora, meu amigo a herdaria.
Infelizmente, eu teria que esperar, pelo menos, um dia. Esse amigo meu havia perdido o vôo e só chegaria no dia seguinte.
Entretanto, no momento em que eu botei os meus pés na cidade, eu percebi que eu não teria problemas em ficar lá um tempo.
Ou então, foi o que eu achei.
Erika. Esse era o nome daquela mulher apavorada. Com as mãos tremendo e os olhos vermelhos, além das olheiras ao redor deles, era fácil de se saber que ela não estava bem.
Edna me contou sobre Erika. Aliás, sobre Victor, o marido dela: o homem havia desaparecido há uma semana.
Com pesar, a senhora disse que o homem podia ter morrido. Pelo o que ela me disse, Victor era um homem muito distraído. Infelizmente, por mais que a cidade fosse segura, os arredores não eram muito. Era muito fácil cair de um plano elevado durante uma nevasca ou se afogar num lago. Por isso, todos da vila temiam o pior.
Mas era claro que Erika não estava disposta a acreditar naquilo. Ela não desistiria do amor da vida dela assim tão fácil. E Edna sabia disso. Por isso ela se preocupava com a bela jovem.
Enfim, a senhora havia me deixado no hotel. Ela disse que eu poderia contar com ela caso eu precisasse. Com um sorriso no rosto, agradeci e fui até o meu quarto.
Após desfazer as malas, resolvi dar uma volta pela cidade. A noite não havia chego. O frio do lugar ainda era tolerável. Foi aí que eu o vi.
Fora da cidade, parado, em pé, em cima de um pequeno morro, estava um homem. Sozinho. Olhando na direção da cidade.
Ninguém parecia notar o sujeito. Por isso mesmo que eu estranhei. Em uma cidade como aquelas, eu tinha certeza que alguém o reconheceria. E, assim, eu fui ao encontro dele.
Quando eu cheguei até ele, o homem estava sentado. Suas roupas simples mostravam que ele não sentia nem um pouco de frio.
Bem a frente dele, um metro abaixo de seus pés, havia um lago congelado. O olhar do homem estava completamente perdido.
Aguardando algo? Perguntei. Ou, quem sabe, procurando algo?
Lentamente, ele voltou o rosto para mim. Um misto de cansaço e tristeza estava nítido em sua face.
Na verdade, sim. Eu procuro algo. Ele respondeu com a voz fraca. Um colar. Feito inteiramente de prata.
Você o perdeu por aqui?
Talvez. Era... O homem suspirou. Era um presente para a mulher que eu amo. Mas, um dia, uma nevasca veio. Felizmente, nós saímos bem dela. Mas...ela acabou perdendo o colar . E agora...eu o procuro.
Vejo que você está cansado.
Sim. Não posso negar. Eu...estou cansado de procurar. Mas eu tenho que achar aquele colar...
Eu imagino o porquê...
O homem me olhou calmamente. Após alguns instantes, ele conseguiu esboçar um sorriso.
Você é diferente dos demais... Ele disse. Isso é bom. Muito bom.
Ora... Sorri. Espero que você esteja certo...
O homem conseguiu rir. Baixo. Mas, mesmo assim, foi uma risada.
Entretanto, a expressão dele se tornou séria logo em seguida.
Ouviu os boatos?
Que boatos? Perguntei, um pouco confuso.
Pelo visto não... Ele fez uma breve pausa. Então...deixe-me contar sobre a criatura...
Você diz...algum tipo de animal?
Talvez. Quem sabe? Só sei que aquilo não é humano.
Não havia como negar. Ele havia despertado o meu interesse.
Fale-me mais sobre essa criatura. Pedi.
Ela é negra como a noite. Anda curvada. Suas pernas e braços são tortas. Seus pés e mãos têm garras. Os olhos vermelhos como sangue são temíveis. E...algo um pouco inusitado...
Diga.
A criatura gosta de coisas brilhantes.
Como?
Moedas. Relógios. Candelabros. Travessas...
Correntes de prata?
Sim... Pelo menos...eu acho que sim.
E você nunca conseguiu se aproximar muito dele para ter certeza?
Não. Não preparado como você. Eu não estou armado...
Ora... Levei minhas mãos aos bolsos de meu casaco. Essas? São mais...instrumentos de trabalho do que armas.
Se você diz... Ele sorriu. Não duvido do potencial delas. Você pode dar conta da criatura com elas, sem problema algum...
Assim espero...
Ah... O homem parecia me estudar. Inexperiente?
Sim... Só resolvi alguns poucos casos como esse na minha vida...
Entendo... Você é novo. Não me surpreende saber disso. Mas... Eu já falei. Você é diferente. O que é bom.
Obrigado. Agradeci sorrindo.
Só estou dizendo o que eu estou vendo... Calmamente, ele se levantou. Agora... Quanto à localização da criatura... Não é muita certa...
Mas ele vem até a cidade, não é? É assim que ele comete os...ah...furtos, certo?
Exatamente.
Ótimo. Que horas?
Após a meia noite.
Bem... Pensei um pouco. Lá se vai a minha noite de descanso... Mas sem problemas. Eu resolvo esse problema.
Ora... Obrigado.
Não precisa me agradecer...por ora. Espere-me ter conseguido o colar de volta.
Está certo. Ele sorriu. Bem...agora, com vossa permissão...eu tenho que descansar um pouco.
Sem problemas. Voltarei para a cidade. Eu estarei a postos.
Rapidamente, nos despedimos. Mas eu sabia que eu o veria em breve.
Enquanto isso, na cidade, o tempo passou rápido. Nada mais natural, já que todos os moradores que eu conheci eram extremamente agradáveis. Eu sempre tive essa sorte de me aproximar daquelas que eu deveria, além de me manter afastado das pessoas menos desejáveis, apenas com o que eu só consigo definir como “sorte”.
Cheguei a ouvir de algumas pessoas sobre certos furtos que estavam acontecendo. Certos itens brilhantes estavam desaparecendo. Num lugar tranquilo como aquela cidade, ninguém acreditava na existência de um ladrão. Algum animal, como um guaxinim ou um cão sem vira lata eram os culpados mais prováveis.
Todos ajudavam uns aos outros sem reclamar. Não havia ninguém com dificuldades financeiras. Isso é, de acordo com os próprios moradores.
Com a chegada da noite, a temperatura caiu bruscamente. Os próprios moradores, que já estavam acostumados com o clima, diziam que o tempo estava mais frio do que o normal. Mas eu não podia reclamar. Cheguei a passar boa parte da noite na casa de uma família da cidade, os Bakers.  Isso tudo porque o filho mais velho me achou um cara legal enquanto conversávamos mais cedo. Isso acabou resultando que, até quase às dez da noite, eu passei um tempo com ele, a irmã mais nova e seus pais.
Aquilo havia sido realmente bom. Tomar um prato de sopa quente num ambiente agradável como aqueles era indescritível. Era estranho como essas pessoas eram diferentes daquelas da cidade grande. Tamanha hospitalidade e bom humor só poderiam ser encontrados em um lugar pequeno e aconchegante como aquela cidade. E eu era grato por aquilo.
Entretanto, eu não poderia perder o foco. Eu tinha que ajudar aquele homem.
A família até que ofereceu uma cama para mim aquela noite. Mas eu recusei, da maneira mais educada possível, é claro. Disse que eu já havia feito a reserva de um quarto no hotel e que todos os meus pertences estavam lá. Com um sorriso no rosto, prometi que os visitaria de novo no dia seguinte. Assim, eu me despedi dos Bakers como se fossem amigos de longa data.
Esperei no quarto do hotel, lendo, até por volta das onze e meia da noite. Calmamente, deixei o local e comecei a rodar pela cidade.
O lugar estava praticamente deserto. Com a neve caindo e os ventos gélidos soprando, tudo havia mudado. Todos os moradores estavam em suas casas, dormindo. O silêncio era praticamente absoluto. O céu noturno, certamente belo, atingia-me com uma sensação de solidão. Um calafrio percorreu a minha espinha quando eu percebi que, agora, a singela cidade parecia sem vida.
Tentei me acalmar. Respirei fundo algumas vezes. Esfreguei as mãos nos braços opostos, tentando me esquentar um pouco. Comecei a dar passos longos e rápidos para andar. Deixar o frio me afetar também não fazia parte dos planos.
Não demorou muito para eu ouvir aquilo.
Parei de andar, mas ainda podia ouvir passos. Estralei os dedos das mãos e respirei fundo. Após caminhar um pouco, achei pegadas na neve. Com certeza, não era como nada que eu já havia visto.
Enquanto eu me aproximava dos sons, outros surgiram. Uma respiração pesada e ofegante. Alguns grunhidos graves. Os sons de objetos sendo rasgados e revirados.
Pouco mais de um minuto se passou até a chagada daquele momento. Eu via a fumaça branca que se saia de minha boca enquanto eu contemplava a criatura.
Mesmo vista de trás, ela era realmente aterrorizante. Apesar de não ser muito alta, as largas costas da criatura coberta por pelos longos, como os de um urso, eram intimidadoras. Suas longas e finas garras curvadas estavam ocupadas. A da esquerda carregava uma taça de metal que brilhava. A da direita, uma larga sacola esfarrapada e bege.
Próximo fera, havia uma lata de lixo revirada. O saco preto que estava dentro dela havia sido rasgado. Embalagens de comida, cascas de frutas e pedaços de papel estavam espalhados agora sobre a neve.
A criatura emitiu um urro baixo. Após guardar a taça na sacola em um movimento brusco, ela começou a andar, afastando-se do local.
Seja o que quer que fosse, aquilo não me viu. O que era ótimo. Seguir a criatura seria fácil, eu esperava.
Calmamente, a fera caminhava pela neve. Passo a passo, eu a seguia, sempre a uma distância segura para que ela não pudesse me ouvir.
Comecei a entender o que Edna havia dito. Assim, tentei não me perder nos meus pensamentos, pois qualquer distração seria perigosa naquele momento. O terreno irregular, coberto de neve, próximos a desníveis poderia levar ao meu fim, bem como teria acontecido com Victor. Eu não pretendia morrer por um erro leviano. Principalmente, sendo que eu poderia evitar tal erro.
O frio me desafiava a dar passos firmes. O vento gelado me fazia querer fechar os olhos. O cansaço por não ter dormido piorava a minha situação.
Reclamar não me ajudaria, então, continuei andando.
Felizmente, não demorou muito.Após uma longa descida por aquele terreno tortuoso, eu, bem como a criatura, estávamos  em um planície coberta de neve. Nela, um grandioso casarão parecia intimidador, não tanto pelo tamanho quanto pela aparência. A madeira escura e envelhecida, as janelas de vidro quebradas e o ar geral tenebroso da casa que davam esse efeito.
Então, não foi surpresa alguma quando a criatura entrou naquela casa. Apreensivo, eu a segui.
Teias de aranha em praticamente todos os cantos. Camadas de pó cobriam os velhos móveis de madeira. O cheiro de mofo empesteava o lugar. Nada fora do esperado, devo admitir. Entretanto, algo não tinha passado por minha cabeça: o piso de madeira.
Uma pisada um pouco mais pesada minha foi o suficiente para produzir um rangido, um ruído alto o suficiente para chamar a atenção da criatura.
Enquanto eu me arrependia daquele passo, a fera se voltou em minha direção.
Os olhos eram vermelhos, como aquele homem havia me contado, porém, ainda mais tenebrosos do que eu esperava.
Com o que mais parecia ser um rugido, a criatura jogou a sacola esfarrapada para o lado.
Eu levei as minhas mãos aos bolsos de meu casaco. A fera exibiu os dentes, o que me deixou muito desconfortável. A face dela. Eu não conseguia distinguir os detalhes, fora os dentes e os olhos. Para mim, era apenas uma grande sombra negra e esguia com pelo nas costas e garras afiadas nas mãos.
Então tudo começou a fazer um pouco mais de sentido.
Enquanto a criatura corria em minha direção, tirei minha mão esquerda do bolso, puxando uma de minhas “ferramentas”. Quando o braço direito da fera se aproximou de meu rosto, eu agi.
Com um movimento rápido, envolvi o pulso dela com meu terço de cento e oito contas. Ela rugiu. As trevas que envolviam seu braço pareciam queimar com o toque das contas. Aquilo me deu tempo o suficiente para tirar a minha segunda “ferramenta”: um crucifixo de madeira. Com um movimento rápido, ataquei, levando a cruz até o peito da fera. Mais uma vez, ela urrou, tentando se contorcer, enquanto sua pele de sombras fervilhava.
Entre urros e grunhidos da fera, eu mantive a calma. Mantive minhas mãos firmes em minhas “ferramentas”. A criatura tentou usar a mão livre contra mim. Sem sucesso. Pouca força restava a ela.
Eu não iria deixar aquilo se soltar. Pelo menos, não enquanto ele tivesse o corpo daquele homem.
Um último grito gutural veio, longo, fazendo parecer que todo o lugar estava tremendo. Então, o corpo caiu no chão, sem movimento.
Aos poucos, as trevas foram se soltando, quase como vapor, acumulando-se em uma nuvem, permanecendo no ar.
Eu guardei o crucifixo e o terço. Rapidamente, dei um passo para trás e tirei um pedaço de giz branco do bolso de minha calça.
Quando percebi, o demônio já estava me encarando. Sem forma fixa, composto por sombras e olhos escarlates, aquilo me encarava, rugindo sem mesmo ter uma boca. Mas eu estava tranquilo. O círculo estava pronto.
Quando o demônio avançou, eu sorri. Pequenos raios brancos saíram no círculo, como uma pequena e breve tempestade, puxando o espírito sombrio para o chão, deixando-o imóvel.
Eu me ajoelhei na frente dele. Eu sabia que, agora, eu não precisaria de armas nem “ferramentas”. Apenas levei minha mão direita na direção do demônio e, calmamente, disse:
Adeus.
No mesmo instante, o espírito se desfez, emitindo um último grunhido.
Com um sorriso no rosto, eu caí para trás, exausto.
Por mais inacreditável que parecesse, aquele chão duro, velho e poeirento me proporcionou uma boa noite de sono.
O homem que havia sido possuído pelo espírito ainda estava inconsciente, caído próximo a mim. Seu corpo era extremamente pálido e esquelético. Ele vestia roupas esfarrapadas e estava deitado sobre a pele de um urso negro.
Andando rapidamente pelo casarão, encontrei vários objetos que pareciam roubados, guardados em vários lugares. Achei moedas entre as tábuas do chão, facas e garfos em gavetas aleatórias, candelabros e relógios de bolso em armários.
Porém, um item chamou a minha atenção: uma corrente de prata, com o pingente de uma coruja. Imaginava que deveria ser aquele que o homem havia se referido. Por isso, eu o peguei, envolvendo-a em meu pulso esquerdo.
Por sorte, o homem acordou. Isso me poupou o esforço de ter que carregá-lo até a cidade. Ou então eu achava.
Nada do que ele falava fazia sentido. O coitado mal conseguia ficar em pé. Era curioso perceber que alguém que teve um demônio expulso de seu corpo se assemelha muito a alguém extremamente bêbado.
No fim das contas, eu tive que caminhar até a cidade ajudando-o a manter o equilíbrio enquanto ele falava palavras que, sinceramente, eu nem sabia se existiam ou não.
Ao chegar à cidade, fui recebido com preocupação. Todos estavam preocupados que eu havia desaparecido sem mais nem menos, deixando para trás quase todos os meus pertences no quarto do hotel. Ao me verem carregando aquele homem, os moradores não ficaram exatamente mais calmos.
Ao ver o estado crítico em que o homem se encontrava, muitos apareceram para ajudá-lo, como eu esperava do povo gentil daquela cidade. Entretanto, algo inesperado aconteceu.
Erika correu, empurrando algumas pessoas que estavam no meio do caminho, para chegar até o homem. Rapidamente, ela se ajoelhou na frente do homem. Gentilmente, ela levou suas mãos até o rosto dele. Com as mãos tremendo, ela levantou a cabeça do homem, olhando-o diretamente nos olhos e, por fim, dizendo:
Victor...
Eu fui surpreendido, bem como todos os que estavam em volta. Seria aquilo verdade? Seria aquele o marido desaparecido de Erika?
A resposta veio do próprio homem:
Erika... Amor...
Com os olhos cheios d’água, ela abraçou o marido. Muitos dos que estavam presenciando a cena não puderam evitar de se emocionar. Eu sorri, percebendo o que eu havia feito, mesmo não sendo intencional.
O já gentil povo da cidade começou a me tratar com ainda mais afeto. Erika me agradeceu brevemente, ainda chorando. Eu sabia que ela tinha que voltar para o amado. Ele precisaria muito da ajuda dela agora. Afinal, não são todos que sobrevivem a possessões.
Aliás, quanto a toda essa história de demônios, eu não pude ser muito sincero com o povo da cidade. Dizer que eram, de fato, guaxinins que estavam roubando os moradores e guardando tudo no casarão, não muito longe, era a alternativa mais fácil, além de evitar preocupações desnecessárias por parte dos moradores. Também disse que eu encontrei Victor na tal casa, o que era verdade. Porém, resolvi dizer que eu já havia encontrado desacordado. Uma tábua do andar superior do casarão havia caído em sua cabeça enquanto explorava o lugar. O motivo da exploração? Eu não saberia dizer. Caberia a Victor responder. Entretanto, sobreviver a uma possessão ou a um forte golpe na cabeça podem, sem problemas, trazer danos para o cérebro da pessoa. A memória ser afetada era algo completamente normal.
Como não poderia ser diferente, Edna veio me agradecer pelo o que eu fiz pela vila. Salvar a vida de um deles era como salvar um filho para aquela doce senhora. Enquanto conversávamos, no entanto, fui surpreendido novamente.
Ela me perguntou sobre a corrente que eu carregava em meu pulso esquerdo. Eu arregalei os olhos ao lembrar que eu ainda a carregava. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Edna me perguntou:
Posso vê-la mais de perto?
Ah... Sem problemas. Respondi, retirando o objeto de meu pulso e entregando-o para ela.
Obrigada. Ela respondeu com um tom de voz um pouco estranho.
Eu não havia percebido de imediato, mas os olhos da senhora pareciam brilhar enquanto ela olhava para aquilo. Delicadamente, ela segurou o pingente de coruja. Lágrimas começaram a verter de seus olhos. Gentilmente, ela levou a corrente para perto do peito, quase como se fosse orar com um terço. Tenho certeza que ela murmurou um nome: Eric.
Já havendo entendido tudo, eu disse:
Não se preocupe. Eu volto logo. Não pude conter um sorriso. Não saia daí.
Correndo, sem conseguir pensar em mais nada, saí da casa de Edna.
Rapidamente, eu já estava onde eu havia encontrado aquele homem. E, sem surpresas, lá estava ele.
Eu só consegui pensar em uma pergunta:
Há quantos anos você estava esperando para que alguém pudesse ajudá-lo?
Sessenta e três. O homem respondeu calmamente. Sessenta e três longos anos. Sessenta e três anos longe dela.
Ele olhou para o lago congelado com pesar. Eu sabia o que tinha acontecido só por aquele olhar.
Seu corpo ainda está lá embaixo? Perguntei.
Sim... Ele respondeu. O que sobrou, pelo menos...
Ele te prende a esse lugar, imagino.
Isso depende...
Do quê?
De um outro problema. Um que você resolveu. Mas preciso saber de algo.
Entendo... Respirei fundo, apreciando o sol que brilhava belo, porém fraco, naquele instante. Então... O que você precisa saber?
Ela... Edna, minha querida... Ele hesitou um pouco. Ela está bem?
Ora... Sorri. Claro que sim. Todos a amam naquela cidade. E agora pouco...ela estava chorando. De felicidade, tenha certeza. Ver aquela corrente com certeza trouxe boas lembranças a ela...
Eu olhei para o espírito do homem. Se ele pudesse chorar, tenho certeza que ele o faria.
Após alguns instantes, eu perguntei:
Você poderá descansar em paz agora?
Sim. Ele respondeu sorrindo. Tenha certeza. E isso...graças a você.
Pois bem... Eu podia sentir o quão grato ele estava por aquelas palavras. Assim, não pude controlar meu sorriso. Adeus, Eric.
Adeus...
Aos poucos, a imagem de Eric foi se desfazendo. Em poucos instantes, ele não estava mais lá. A imagem do amplo sorriso de gratidão do homem, não entanto, demoraria a deixar as minhas memórias.
Rapidamente, voltei à casa de Edna. Uma vez lá, eu vi que a senhora ainda tinha os olhos lacrimejando. Porém, o semblante dela também apresentava um sorriso.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, entretanto, Edna me perguntou:
Você estava falando com ele, não? Com Eric Bishop... Com o meu Eric...
Sim... Respondi, um tanto quanto surpreendido pela pergunta.
De repente, mais lágrimas verteram dos olhos da senhora enquanto ela me disse:
Obrigada... Muito Obrigada, jovem...
Elogios e sorrisos não me faltaram naquele dia.
Eu era como o herói daquele povo. Percebo que isso pode soar de maneira errada, fazendo com que eu pareça estar me exibindo. Mas, realmente, não vejo outra forma de descrever um tratamento tão carinhoso por parte de uma cidade inteira.
No fim da tarde daquele dia, ele, enfim, chegou.
Keith havia, enfim, chego à cidade. Meu amigo estava lá agora. E eu tinha que ter uma conversa com ele.
Fomos até a casa que ele falou ter herdado. Não me surpreendi quando chegamos até aquela velha casa onde Victor estava antes.
Eu tive que perguntar, embora a resposta fosse óbvia:
Você já sabia de tudo o que estava acontecendo aqui, não?
Ora... Ele riu. É claro que sim. Consigo sentir esse tipo de coisa a quilômetros de distância, não lembra?
Claro... Só imaginei que você teria me avisado... Sabe como é, não é? Demônios da Ganância levam as pessoas que são possuídas por eles à loucura, tornando-os imprevisíveis...
Por que eu faria isso? Para facilitar a sua vida? Keith riu alto. Mas é claro que não! Eu nunca disse que a vida de um exorcista seria fácil.
Eu bufei. Entretanto, eu disse:
Bem... Não vou reclamar. Tudo deu certo no final...
É assim que se fala! Keith sorriu. Agora...vamos!
Para onde?
Um bar. Comemorar seu trabalho bem feito. Tenho certeza que as pessoas estarão dispostas até a pagar as nossas...digo, suas bebidas.
Ah... Eu sorri. Não tenho discutir com esse argumento... Vamos!
O dia seguiu conforme o planejado. A comemoração acabou se transformando em uma festa para toda a cidade. Bebida, comidas e boa companhia. Não havia reclamar daquilo. Tudo estava perfeito. Pelo menos, até a manhã seguinte.
Eu teria que deixar a cidade. Eu sabia que mais um trabalho me aguardava. Mas eu estava feliz.
No fim de todo trabalho que eu completava, eu ficava contente. Afinal, eu estava fazendo aquilo que eu havia escolhido: ser um Exorcista para ajudar aqueles que precisavam.

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