A Verdadeira Face do Medo
As escolhas que fazemos em nossa vida podem mudar tudo de
maneira tão drástica...
Penso todas as noites como eu estaria agora caso eu
tivesse escolhido tomar outro rumo.
O que teria acontecido se eu deixasse tudo aquilo de
lado? O que teria acontecido se eu tivesse me esquecido dela? O que teria
acontecido se eu não a tivesse seguido? O que teria acontecido se eu não
estivesse armado?
Só sei que eu não estaria aqui, preso.
Ou talvez eu tivesse sido preso, mas por outro motivo.
Talvez nem vivo eu estivesse agora.
Tenho certeza de apenas três coisas nessa vida, e uma
delas é que eu não posso mudar o passado. E, que independentemente do que
tivesse acontecido comigo, eu estaria pensando em uma realidade alternativa.
Talvez eu pudesse ser rico em alguma delas. E também
nunca ter tido nenhum grande amor ou amigo verdadeiro.
Talvez eu pudesse ser um gênio. E completamente infeliz
com o meu corpo e a minha falta de força de vontade para mudar.
Mas as minhas três
certezas não mudariam.
Além do passado, que não posso mudar, mais duas coisas
são certas para mim.
Uma é sobre o meu destino. A outra é sobre algo que todos
sentimos.
Minha segunda certeza é, sem dúvidas, a morte. Inegável e
absoluta, ela é o fim. Sem mais.
Entretanto, eu me sinto obrigado a comentar algumas
coisas sobre a morte. Coisas que, ironicamente, eu aprendi graças à vida.
A morte não é má. Mas ela também não é boa. Ela é, pura e
simplesmente, neutra.
Não tema a morte. Mas também não a aguarde.
Apenas viva, sem se esquecer de que ela virá.
Na minha posição, por exemplo, a morte poderia ser algo
muito bom ou muito ruim.
Imagine um cenário extremo: você está sendo torturado.
Uma morte horrenda e lenta o espera. Você chorará de dor por
cada ferimento feito em seu corpo, mas,
no fim, eles podem nem te matar. Talvez nem mesmo a perda de sangue pode te
levar a óbito. Talvez a desidratação o faça. Não imagino que torturadores se
preocupem em te alimentar ou te dar água.
Por outro lado, a morte seria a sua salvadora nessa
situação, não? Sem ela, o fim da tortura não chegaria. Imortalidade seria um
péssimo super poder caso você fosse capturado por um psicopata, não?
E quanto a mim? Se eu morresse agora, nesse exato
instante, eu não teria que continuar a viver nesse inferno. Não mais teria que
tolerar os outros criminosos ficando, pouco a pouco, lunáticos ou amargurados
com a vida bem ao meu lado. Também não teria que aguentar o maldito
autoritarismo dos guardas estúpidos daqui.
Por outro lado, eu poderia perder algo muito bom se eu
não estivesse vivo. Fora ou, até mesmo, dentro da prisão. Quem sabe? Não temos
como saber quando alguém interessante cruzará o nosso caminho.
E foi exatamente isso o que aconteceu comigo.
Um novo prisioneiro chegou à prisão outro dia. Boatos sobre
ele podiam ser ouvidos de todos os cantos. Guardas e prisioneiros temiam o
homem com o largo sorriso no rosto.
Eu não tinha como saber, mas aquele homem peculiar seria
a pessoa que me daria a minha terceira certeza.
Eu nem o vi vindo. Eu estava sentado longe dos outros
prisioneiros, como de costume, na hora do almoço. Enquanto eu comia aquela
comida insossa, o homem sorridente se sentou do meu lado, juntamente com seu
prato de comida, e perguntou:
—
Só temos isso de comida por aqui?
Eu o olhei, sem
responder. Os olhos azuis claros dele eram inquietantes. O cabelo castanho
ondulado chegava até os ombros. A pele era levemente bronzeada. A barba era
rala. O sorriso era branco como mármore. No geral, devo admitir, ele era um
sujeito bonito e simpático. O que me deixou um pouco intrigado.
Uma olhada rápida pela minha adorada prisão e você
entenderia o porquê.
Homens sem esperança, com raiva nos olhos e ódio no
coração. Seus espíritos já pareciam haver sido consumidos pelo o que havia de
pior nesse mundo. O que sobrou, seus corpos, eram cascas ásperas e ocas
marcadas de tatuagens, cicatrizes e desgosto por tudo e por todos.
Ver alguém como esse novato era incomum. Aliás, ele era
incomum.
Eu ouvi os boatos, bem como todos os outros prisioneiros.
O que foi dito havia sido o suficiente para ninguém resolver ficar próximo
dele.
—
Só... — Eu respondi,
simplesmente. — Não
temos nada muito sofisticado. Afinal, estamos numa prisão...
—
É...faz sentido. —
Ele murmurou, ainda sorrindo.
Os boatos sobre ele me assustavam. Mas o sujeito em si me
intrigava. Ele não era como os outros. Um certo brilho em seus olhos me chamava
a atenção.
—
Seu olhar... — O
sujeito murmurou. —
Ele é bem parecido com os dos outros. O medo é bem nítido.
Eu senti minha espinha gelar enquanto ele dizia aquelas
palavras, sorrindo calmamente. Porém, o sujeito não havia terminado de falar:
—
Mas...tem algo diferente neles também. Você...está intrigado. Intrigado comigo,
talvez?
Eu achei que eu não conseguiria dizer nada. Porém, eu
abri os meus lábios levemente e, quase que como um suspiro, disse:
—
Sim...
O homem sorriu e continuou a falar:
—
Então realmente escolhi a pessoa certa para conversar. — Ele fez uma breve pausa. — Você... Você é diferente.
É inteligente, acho. Pelo menos, em comparação com o resto dos ogros daqui...
Foi então que eu percebi o silêncio que havia tomado
conta do refeitório. Ou, melhor dizendo, o silêncio relativo. Afinal, todos
falavam, mesmo que apenas cochichando.
—
Estão falando de nós dois. —
Disse o homem. Ele havia acabado de dar uma garfada para comer um pouco de sua
refeição. Surpreendentemente, o homem parecia não se importar com o gosto
horrível daquilo. —
Nada mais normal. Tenho certeza que todos, inclusive você, sabem o que eu fiz,
não é?
Não tinha como negar. Eu assenti com a cabeça. O sujeito,
sorrindo, continuou a falar:
—
Isso é bom. Assim, eu não preciso perder tempo me apresentando. — Ele se levantou, mal
tendo comido. —
Vamos.
—
Hein? — Indaguei. — Para onde?
—
Um lugar mais calmo...
Sem dizer mais nada, o homem se levantou. Eu, apesar de
ainda estar com um pouco de fome, deixei meu prato sobre a mesa e o segui.
PS: Tentarei terminar amanhã!
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