Bem Vindo
Eu nem sei se alguém vai acreditar no que eu vou começar
a contar agora, mas eu não tenho outra escolha. Eu não posso continuar a viver
em silêncio. Creio que o mundo gostaria de saber que existe, de fato, um
Inferno.
Entretanto, não me refiro a um Inferno no pós vida.
Talvez ele exista, mas não tenho como saber. Um dia, quem sabe, eu averiguarei
isso.
Por enquanto, eu apenas poderei falar sobre o Inferno em
que eu estive.
Talvez aquele lugar maldito existisse bem aqui na Terra
dos Vivos. Infelizmente, eu não posso afirmar isso.
O que eu posso afirmar é que você não desejaria por os
pés naquele lugar. Não há motivos para alguém querer tal destino.
Seu corpo. Seu espírito. Sua mente. Sua própria vontade
de viver. Tudo. Tudo isso pode ser corroído lentamente em meio aquele pesadelo
assustadoramente real. Uma tortura sem igual, eu posso afirmar.
Bem, suponho que, antes de eu começar a descrever em
detalhes o que eu passei, eu devo me apresentar. Jack Ricochet é o meu nome. Sou
um perito criminal desde que eu me entendo por gente. Isso pode parecer algo
meio estranho de se afirmar, mas é a verdade. Profissionalmente falando, eu
segui os passos de meu pai. E acho válido comentar que minha mãe trabalha como
uma artista forense. Sim, eles se conheceram no trabalho. O relacionamento
deles foi evoluindo até eles se casarem e, com o tempo, terem o seu primeiro e
único filho: eu.
É, eu não sou nem um pouco normal para os padrões da
sociedade. Mas isso nunca me incomodou. Eu sempre preferi me ver como “único”
ou “especial”. Nunca gostei muito de multidões ou de qualquer tipo de esporte.
Preferia ficar com meus livros, meus filmes, meus jogos e meus poucos, porém
maravilhosos, amigos. Por isso, posso dizer que, no geral, eu sempre fui um
sujeito feliz.
Claro, com gostos tão peculiares e a influência
(bizarramente) maravilhosa de meus pais, o meu gênero favorito de filmes,
séries, livros e jogos sempre foi um: terror. Neste assunto, eu sou um
especialista (principalmente depois de minha mais recente “aventura”). Por
experiência própria, eu acabei me tornando um crítico de alta qualidade no
gênero. Dos adjetivos usados nos livros aos sons mais delicados usados em
filmes e jogos. Tudo poderia aperfeiçoar ou arruinar a atmosfera macabra que se
deseja. Claro que tudo isso é válido para outros gêneros, mas gosto de pensar
que eles são ainda mais expressivos quando o assunto é o terror e o suspense.
Talvez eu devesse ter arriscado algo nessa área, sabe? Eu
poderia, com esforço, ter me tornado um escritor de livros de terror ou, quem
sabe, um diretor de filmes do mesmo gênero.
Bem, arrependimentos todos têm. Mas garanto que não maior
que o meu. Por quê? Ora...se eu não tivesse me tornado um perito criminal, eu
poderia ter tido outro futuro.
Resumindo uma longa história, eu fui o homem que garantiu
a prisão de um certo psicopata.
Claro que eu fiquei feliz na hora. Eu percebi um mísero
detalhe que praticamente qualquer outro perito deixaria passar. Tal detalhe foi
o que confirmou a culpa daquele homem como o culpado pelo crime.
Foi um dia glorioso para mim. Aparentemente, o sujeito
que foi preso era um gênio, intelectualmente falando. Entretanto, ele não era o
tipo de pessoa inteligente que se admira. Bem, acho que isso é bem óbvio sendo
que ele era um psicopata.
Vamos apenas dizer que ele se achava ser um bruxo. O
sujeito matou alguns animais, matou algumas pessoas, comeu a carne de suas
vítimas e, por fim, usou o sangue e os ossos delas em algum tipo de ritual
macabro. Era o tipo de coisa que eu gostava nos livros e filmes, mas não na
vida real.
Agora, porém, eu sei que algo sobre ele era verdade: ele
era, de fato, um especialista em magia negra.
Como eu sei disso? Ora, enquanto ele estava preso,
aguardando seu fim do corredor da morte, ele me amaldiçoou. E eu só fui
descobrir isso no dia seguinte.
Eu acordei por causa do frio. Tentei abrir os olhos
lentamente. Fracassei na minha primeira tentativa. Havia uma luz branca acessa
no quarto. Ela era tão forte que ofuscava a minha visão. Eu devo ter demorado
quase um minuto para abrir os meus olhos completamente e enxergar o que estava
ao meu redor. E foi exatamente aquilo me deixou inquieto.
Eu não estava no meu quarto. Eu estava...em algum outro
lugar. Algum outro lugar que eu nunca havia visto na minha vida.
O quarto não tinha muito mais do que seis metros
quadrados. Havia apenas uma cama e uma porta lá. As paredes e o teto eram
lisos, da cor da neve, sem nenhuma imperfeição sequer. Ao olhar para cima, eu
podia ver as lâmpadas de LED brancas e ofuscantes. O chão era composto por
azulejos quadrados, da mesma cor das paredes, e cimento cinzento. A cama onde
eu estava deitado tinha a base cinza como grafite. O colchão, travesseiro e
lençol eram cor de alabastro.
É claro que, ao perceber tudo isso, meu coração disparou
dentro do meu peito.
“O que diabos está acontecendo!?”. Foram exatamente estas
as palavras que passaram pela minha cabeça.
Eu senti uma vontade violenta de gritar. Mas,
rapidamente, superei o ímpeto. Bem como a maior parte da minha vida, eu
consegui me manter calmo e racional.
Eu tinha que pensar. Eu tinha que me lembrar.
O que havia acontecido na noite passada?
Bem...eu me lembro de ter ido beber. Meus amigos e
colegas de trabalho decidiram que seria uma boa ideia. Eu não discordei.
Colocar aquele psicopata atrás das grades fora, sem dúvida, um grande feito.
Além disso, eu não precisei pagar nada.
Entretanto, por melhor que a minha memória fosse, eu não
conseguia me lembrar de como eu havia chego...bem, naquele lugar. Teria eu
voltado para a casa de algum amigo? Será que eu havia conhecido alguém no bar
que eu tivesse realmente me dado bem?
Não sei dizer. Mas algo definitivamente era inquietante.
E esse algo era aquela sala.
Afinal, que droga de sala era aquela? Havia apenas uma
cama. Nenhum móvel. Nenhuma janela. Apenas uma porta, tão branca e entediante
quanto o resto da sala.
Eu não aguentaria ficar mais muito tempo lá. Eu me
levantei da cama num salto. No momento em que meus pés tocaram o chão, porém,
lembrei-me de algo importante que ainda não havia me ocorrido: eu não havia me
checado.
Eu não havia percebido quais roupas eu trajava. Não havia
conferido se havia algo em meus bolsos. Nem havia me preocupado com o meu
próprio rosto.
Quanto às roupas, tudo parecia normal. Minha calça jeans
continuava a mesma de noite. O mesmo podia ser dito sobre a minha camiseta
cinza, meu casaco vermelho e meu tênis pretos.
Quanto aos bolsos, havia uma notícia boa e outra má. A
boa: não havia nada de anormal neles. A má: não havia nada neles. Meu celular,
carteira, chaves de casa e do carro. Nada estava comigo.
Obviamente, aquilo me preocupou. Entretanto, creio que as
outras preocupações minhas eram maiores.
O mais calmamente possível, toquei o meu rosto.
Felizmente, nenhum sinal de cortes, hematomas ou qualquer outro tipo de
machucados. Assim, rapidamente, conferi o resto do meu corpo. Até onde eu
sabia, eu estava perfeitamente bem.
Com tudo isso conferido, fui, então, em direção à porta.
Eu tentei girar a maçaneta. A porta não se abriu.
Claro que ela tinha que estar trancada...
Sinceramente, aquilo me deixou mais irritado do que
preocupado.
Entretanto, eu sabia que eu tinha que manter a calma. Não
podia me deixar levar por emoções numa situação como aquela.
Assim, calmamente, eu bati na porta. Uma. Duas. Três
vezes. Sem resposta.
Eu trinquei os dentes. Novamente, bati na porta. Três
vezes, porém, desta vez, mais forte.
Novamente, não houve resposta. Eu bufei e, então, gritei:
—
Alguém! Quem quer que seja, poderia abrir esta porta? Alguém a deixou
trancada...por algum motivo...
Algo pior do que não haver resposta veio: o silêncio.
Foi naquele instante que eu percebi que não havia nenhum
som naquele lugar gélido. Eu podia ouvir a minha respiração calmamente, bem
como as batidas de meu coração. Droga... Se aquilo continuasse daquele jeito,
eu poderia estar, em breve, ouvindo o meu sangue passando por minhas veias.
Uma tempestade de pensamentos atingiu a minha mente. Hipóteses
mirabolantes sobre o que aconteceu, o que estava acontecendo e o que
aconteceria pareciam chegar até mim junto com o ar que eu respirava.
Entretanto, nada do que eu imaginava poderia chegar ao nível de bizarrice do
que estava por vir.
Eu não fazia ideia de quanto tempo havia se passado desde
que eu havia acordado. Eu só sabia que eu já estava parado em frente àquela
maldita porta há muito tempo.
Mais uma vez, então, eu gritei:
—
Alguém! Alguém abra logo a droga dessa porta!
Mais uma vez sem resposta. Foi aí que a minha paciência
se esgotou.
Sinceramente, aquilo foi algo muito rápido. Eu
descarreguei toda a minha frustração naquela porta em um único soco. Ela toda
tremeu. A madeira dela não parecia muito resistente.
Uma ideia me veio à cabeça. Uma ideia que me fez abrir um
sorriso.
Um. Dois três. Quatro. Cinco socos seguidos. Não só
aquilo estava me fazendo sentir bem, como também parecia estar sendo deverás
efetivo para quebrar aquela porta. A cada golpe, eu ouvia a madeira rachando.
Continuei desferindo socos. Eu sentia que, aos poucos,
aquela droga de porta estava cedendo.
Naquele momento, eu não me importava o quão bruto eu
estava parecendo. Eu só queria sair daquele lugar o mais rápido possível.
Foi aí que eu ouvi: a risada.
Eu não sabia dizer se ela estava me zombando, mas algo me
dizia que sim, sendo que aquilo me lembrava o riso de um infame palhaço em um
filme de terror.
Eu não tinha como saber, mas aquele som infernal voltaria
a me atormentar futuramente.
Enfim, como eu poderia descrever como, exatamente, foi ouvir
aquele riso repugnante?
Bem, imagine a sensação de se acordar de ressaca. Agora
pense no som de facas e garfos arranhando o fundo de um prato. Agora, pense
como seriam as duas coisas juntas: você, em um estado de torpor, sendo
despertado por este som agonizante.
É. Acho que esse é o melhor jeito de se descrever aquilo.
Obviamente, após ouvir aquela risada, eu fiquei
paralisado por um instante.
Não foi mais de um segundo, porém, foi o suficiente para
que algo mais pudesse acontecer: algo passou, rapidamente, por de baixo da
porta.
O leve ruído me deixou alarmado, quebrando o meu estado
de quase transe.
Ao olhar para baixo, uma parte minha respirou aliviada.
Entretanto, a outra se tornou ainda mais inquieta e desconfiada. Agora, bem a
frente de meus pés, havia um envelope amarelado.
“Mas o que diabos é isso agora?”.
Antes que minha sanidade pudesse ser dragada por teorias
absurdas, eu me abaixei e peguei o envelope. Eu o analisei calmamente. Ele estava
intacto. Sujeira alguma havia em sua superfície. Muito menos palavras.
Eu não tinha outra escolha: rapidamente, eu abri o
envelope. Assim, eu retirei de dentro dele o papel, branco como marfim, que
havia sido cuidadosamente dobrado ao meio.
Ansioso, eu desdobrei a folha. Aquilo foi legitimamente
perturbador.
As letras não haviam sido impressas ou escritas por uma
caneta. Droga. O jeito que elas haviam sido escritas me fez querer o simples e
monocromático preto. Até a ideia de alguém usar sangue para escrever aquelas
palavras não parecia tão ruim assim. Sinceramente, nada poderia ter sido mais
desconcertante do que aquilo a minha frente: uma carta escrita, com o que me
parecia ser giz de cera de várias cores, usando uma caligrafia torta,
extremamente irregular, como o de uma criança. Claro que o efeito perturbador
daquilo aumentou após eu ter lido a mensagem daquele que havia me aprisionado
ali.
Transcrever grandes mensagens apenas usando a minha
memória? Sem problemas. Eram nessas horas que a minha memória fotográfica eram,
sem dúvida, uma bênção.
“Bem vindo a Nightmareland!”.
Era assim que a carta começava. Droga. Essas palavras
soam na minha cabeça como se fossem pronunciadas por uma criança sorridente.
Uma imagem perturbadora, sem dúvida. Creio que eu não precisaria ter uma
memória boa para me lembrar das palavras iniciais.
“Ontem você ajudou a decidir o destino de um sujeito não
muito legal. Sim, esse mesmo que você está pensando! Enfim, ele resolveu fazer
algo...bem, um tanto diferente com você. Seguindo algumas instruções, ele
entrou em contato comigo! Nós conversamos um pouco ontem. Eu preferia ao ter
que ajudar um cara sem graça que nem ele. Mas eu não tinha como recusar o que
ele me ofereceu! A alma dele! Eu amo almas! Elas têm um gosto tão bom! E também
são tão macias! Enfim, eu tinha que pagar pela alma dele. Então, resolvi fazer
um favor para ele. Claro que eu não realizo qualquer tipo de favor. Eu tenho
que fazer algo que me interesse. Por exemplo, trazer alguém para cá: Nightmareland!
Aqui é muito divertido! Pelo menos, é muito divertido pra mim que só assisto! Hehehe!
Para vocês que estão aí...bem... Digamos que será desafiador! Como um grande
jogo! Um jogo em que você pode não sair vivo! Enfim...você não têm outra
escolha a não ser jogar! Então...abra a porta e comece a sua mais nova
aventura!”.
Eu nem sabia mais o que pensar após ler isso. Entretanto,
a carta não havia chego ao seu fim.
“Assinado: O Seu Novo Melhor Amigo”.
E como se isso não bastasse, havia uma nota.
“PS: tente não fazer tanto barulho que nem agora pouco!
Alguns dos bichinhos que você vai encontrar no caminho não gostam de barulho!”.
Então...resumindo: aquele psicopata vendeu a alma dele
para algum demônio sádico e, agora, eu estava preso no jogo dele.
Aquilo era muita coisa para processar. Por isso mesmo
tentei não pensar muito a respeito. Tremer de medo e não fazer nada não me
pareciam opções que me manteriam vivo.
Droga. Se eu soubesse o que me aguardava do outro lado
daquela porta naquele instante...
Mas não tinha como eu saber. Então, eu girei a maçaneta.
A porta se abriu.
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