Mãe e Filho
Ao sair do quarto, eu me mi em um corredor decrépito. O
piso de madeira era velho, sem brilho, e rangia a cada passo que eu dava. Todas
as paredes haviam sido pintadas do mesmo jeito: com uma cor verde escura que,
agora, estava desgastada. Rasgos no papel de parede me permitiam ver os tijolos
que outrora eram cobertos. Janelas não existiam naquele lugar. As luzes
amarelas das lâmpadas, que funcionavam, eram fracas. Parecia que não havia nada
além de escuridão num raio maior do que dez metros a minha volta. O ar frio e o
cheiro de mofo contribuíam para o aspecto sombrio do local.
De repente, a porta atrás de mim se fechou. O barulho me
assustou, devo admitir. Então, eu vi a chave na porta. Sozinha, ela se moveu
para a direita. Com um som baixo, a porta havia sido trancada.
Eu sinceramente não me incomodei muito com aquilo. Por
mais estranho que fosse, eu tinha certeza que aquilo não seria nada comparado
ao que me aguardava. E, droga, eu estava tão certo.
Além do mais, eu não tinha mais motivos para entrar para
aquele quarto. Assim, dei de ombros e, calmamente, comecei a andar pelo
corredor.
Uma sensação estranha me importunava. Será que algo
poderia vir do quarto? Tentei não pensar muito nisso. Tentei não pensar muito
em nada, para falar a verdade. Entretanto, eu não podia me conter. De tempos em
tempos, eu olhava para trás. Eu esperava que a paranoia não me consumisse
rápido.
A cada passo que eu dava, os rangidos do chão de madeira
soavam e, para mim, tornavam-se cada vez mais altos. Como eu andava mantendo a
mesma velocidade, juro, parecia que alguém me acompanhava tocando uma péssima
trilha sonora com um disco arranhado. Claro que aquilo me deixou incomodado na
hora, porém, pensando bem, eu sou agora grato por aqueles ruídos. Por quê? Bem,
fora a minha respiração baixa e contida, aquele era o único som que eu ouvia.
Certamente, sem os ruídos do chão de madeira, minha imaginação teria corrido
livre e, em poucos instantes, eu estaria vendo e ouvindo coisas que, de fato,
não estavam lá.
Alguns segundos...ou minutos... Droga. Eu realmente não
sei quanto tempo se passou. O importante é que, depois de andar naquele
corredor que parecia não ter fim, eu avistei algo brilhante na escuridão.
Eu não sabia se deveria correr para ver aquilo ou, então,
andar cautelosamente até o objeto. Acabei, então, mantendo a mesma passada.
O brilho branco era, sem dúvida, mais forte que as luzes
que estavam iluminando fracamente o corredor. Eu continuei andando.
Não sei se eu acabei diminuindo a minha passada, andar
mais lentamente ou, então, se o próprio tempo estava sob o efeito de torpor
naquele instante. Só sei que aquela cena está marcada na minha mente.
Eu me aproximei o suficiente do objeto. Era uma carta,
como a de antes. Eu ia me abaixar para pegá-la quando eu ouvi uma voz. Eu, até
hoje, não sei o que ela disse. Nem sei dizer se era uma voz feminina, masculina
ou se de fato era pertencente a um humano. Apenas sei que, instintivamente,
olhei para frente. Nada vi além da escuridão daquele corredor sem fim.
Suspirei, estranhamente, aliviado. Poderia haver algo que eu não estivesse
vendo ali. Mas, pelo menos, esse algo teria que estar um tanto quanto longe.
Com isso em mente, eu me abaixei e peguei a carta.
Sem um pingo de hesitação, eu abri o envelope e tirei o
pedaço de papel de dentro dele.
Como eu esperava, era mais uma mensagem daquele demônio
que me colocou naquele lugar.
“Espero que o corredor tenha servido para te colocar no
clima!”. Era assim que a carta começava.
“Daqui a pouco você vai começar a primeira fase do jogo!
Ela é sobre a história de uma família. Os personagens principais são a mãe e o
filho dela! Eles eram tão lindos juntos! Você vai entender o porquê!
E, então, o fim da carta que foi, no mínimo, surreal:
“Quando você estiver pronto, abaixe a carta!”.
É claro que eu estranhei aquilo. E foi por isso mesmo que
eu olhei para frente. E foi aí que eu vi: uma porta a cinco centímetros de meu
nariz onde, antes, só havia escuridão.
Aquilo me pegou desprevenido. Se assustar foi algo
natural.
Encarando a lustrosa porta de mogno, pensamentos
começaram a vir até a minha cabeça. Eu sabia que minha imaginação faria com que
aquela situação se tornasse ainda pior. E foi por isso mesmo que pus minha mão
na maçaneta redonda e dourada. Eu a girei e, em um instante, já estava dentro
da casa... Ou assim eu pensei.
Lá, me vi em um ambiente diferente. A sensação de
estranheza e o cenário decrépito persistiam. Mas aquilo foi bom. Com o ambiente
novo, eu tinha mais coisas para focar a minha atenção. Minha imaginação se
conteria. Por ora.
Não havia lâmpadas no teto. Pelo menos, nenhuma estava
acessa, o que me fez não prestar atenção na existência delas.
Em compensação, agora haviam janelas. A luz que vinham
delas iluminavam todo lugar de uma maneira, digamos, estranha. O ambiente era,
sem dúvida, decrépito. O pó que pairava no ar e por cima de cada superfície
lisa era difícil de se ignorar. Porém, ele também parecia imaterial. Eu tinha
sensação de que se eu pisasse com muita força no chão, ele se desfaria como
fumaça. Mas, ao mesmo tempo, as cores pastel que coloriam o lugar eram um tanto
quanto aconchegantes. O amarelo das paredes e o chão de madeira eram quase
tranquilizantes. Isso era bom. Diferentemente de antes, o piso não rangia.
Foi aí que eu vi, jogado no chão daquele novo corredor,
um simples brinquedo de madeira jogado no chão. Não sei por que eu demorei a
perceber aquilo. Será que ele não havia estado sempre lá? Eu preferia acreditar
que eu não o havia notado.
Eu me aproximei do brinquedo e o peguei na mão. Era um
boneco de madeira. Os detalhes haviam sido pintados com tinta que, agora, quase
não era mais visível. Era tão antigo que eu não sabia quão velho ele era.
Apenas por julgar pelo fato de aquilo ser um brinquedo de madeira, eu podia
dizer que não era nada recente.
Decidi deixar o boneco no chão. Eu continuei a andar pelo
corredor. Seguia em direção a uma nova porta de mogno, com a mesma maçaneta
dourada, a passos contidos. Nela, havia mais uma carta. Pela caligrafia, não
era uma mensagem daquele demônio.
“Eu não aguento mais isso. Eu não aguento mais viver sem
ele. E eu não aguento continuar vivendo com esse outro”. Isso era tudo o que
estava escrito na carta. Eu podia tentar bolar algumas hipóteses sobre o que
aquilo se referia, mas achei melhor não. Algo me dizia que outras cartas viriam
a esclarecer o que havia acontecido.
Eu atravessei a porta e me vi em uma sala praticamente
idêntica a anterior. O mesmo clima estranho com a mistura de sensações
persistia no local. No chão, mais um brinquedo de madeira: um cavalo, do mesmo
tamanho do último boneco, também feito de madeira.
Como antes, deixei o brinquedo quieto. Andei até a nova
porta. Como eu esperava, mais uma carta.
“Eu o amava acima de tudo. E foi exatamente que eu
tolerei o que ele me trouxe...”. Era o que dizia a carta. Nada estava muito
claro.
Eu repeti o processo. Atravessei a porta de mogno. Entrei
em uma sala praticamente idêntica às outras. Observei o brinquedo de madeira.
Um pião, desta vez. Fui até a nova porta. Peguei a carta e a li.
“Por que ele tinha que ir? Por que ele tinha que me
abandonar e me deixar com aquilo?”. Aquilo me fez pensar. Juntando com as
outras cartas, eu havia entendido que, muito provavelmente, uma mulher havia
sido abandonada por seu marido, ou que, talvez, o homem havia falecido. Em
ambos os casos, ela havia sido deixada de lado, obrigada a carregar um fardo.
Droga... Aquilo realmente estava me intrigando. Eu tinha
que saber o que estava acontecendo.
Atravessei a porta. Vi gizes de cera no chão. Andei até a
porta. Peguei a carta e a li.
“Eu nunca pedi para ter aquele parasita. Foi apenas por
ele, meu amor, que eu concordei em ter aquilo ao meu lado. Agora, sem ele, não
tenho como tolerar este fardo...”. Minha mente continuou a trabalhar. Eu tinha
quase certeza de que o homem havia morrido. Era certo que a mulher estava
infeliz...mas o que seria o fardo de que ela reclamava?
Repeti o ciclo. Vi alguns desenhos em uma folha de papel
no chão. Fui até a porta e li a carta.
“Eu não posso tirar vida dele. Eu não posso virar uma
assassina, por mais que ele mereça morrer. Infelizmente, matar o próprio filho
não é algo bem visto...”.
Eu corri para a próxima carta. Nem percebi se havia algum
brinquedo jogado no chão desta vez.
“O choro dele me irrita. As perguntas dele me perturbam.
A presença dele me incomoda. E foi aí que eu percebi que eu não tinha que me
tornar uma assassina. Pelo menos, enquanto ele estivesse longe de mim...”.
Eu não tinha mais o que pensar. Eu só queria chegar até a
próxima carta. Mas, ao abrir a porta, fui surpreendido.
Eu estava de volta no corredor decrépito e mal iluminado.
Desta vez, ainda pior. Parada, no meio do corredor, estava uma mulher. Seu
corpo tremeluzia e irradia uma luz branca e fantasmagórica. Os longos cabelos
negros estavam encardidos. A expressão de raiva em seu rosto retorcido era
nítida. Em sua mão, uma garrafa de vidro estava quebrada.
Eu não disse nada. Nem fiz nada. Droga, eu mal podia
respirar.
Ela apenas olhava para mim. Os olhos completamente
brancos me assombravam. Então, ela disse algo. Nenhum som saiu. Porém, eu pude
ler os lábios dela facilmente. “A culpa é toda dele...”.
Após dizer isso, ela desapareceu. Com isso, o ambiente se
iluminou.
A aparência do local não melhorou muito. Entretanto,
agora eu podia ver a porta no fim do corredor. Nela, havia uma carta brilhando.
Uma mensagem daquele demônio. Apressadamente, fui até ela.
“Ela falou que não ia matar o filho... Que sem graça, não
é? Haha! Enfim, a história não terminou ainda! Continue em frente!”.
Sem saber o que me aguardava, eu abri a porta e a
atravessei.
Foi aí que eu me encontrei com um ambiente que eu
realmente não esperava: o que parecia ser a mesma casa, porém, em bom estado. O
chão de madeira brilhava. As paredes amarelas traziam vida ao lugar. Uma
escadaria levava ao térreo da casa. Alguns quadros estavam nas paredes. O aroma
de lavanda me tranquilizava. Tudo isso me fez esperar o pior. Mas a minha
inocência não podia prever o que era o “pior”.
Uma voz veio do andar de baixo. Eu já havia a ouvido.
Porém, novamente, eu não consegui entender o que ela dizia. O mistério
persistia, então, desci as escadas.
Novamente, a voz disse algo que eu não pude entender. Mas
eu consegui ouvir de onde ela veio. O que me deixou mais confuso. Ela
vinha...de debaixo das escadas, onde nada havia.
Eu podia jurar que eu não estava louco. Pelo menos, não ainda.
Eu fiquei bem ao lado da lateral da escadaria, apenas
esperando por outro chamado da voz.
Alguns segundos se passaram. Não sei quantos exatamente,
mas não creio que tenham se passado mais do que um minuto. A voz soou de novo.
Ela veio bem debaixo das escadas.
Sem hesitar, comecei a procurar por abertura. Tinha que
haver alguma. Eu passava minhas mãos por toda a superfície branca a minha
frente. Mas...nada. Eu não conseguia encontrar nenhuma passagem. Foi aí que ela
soou novamente. Não a voz, mas sim, a risada, que parecia me zombar, vindo de
trás de mim.
Com um sobressalto, eu me virei para trás. Nada havia lá.
Com o meu coração batendo freneticamente dentro do meu
peito e com a respiração pesada, eu ouvi algo vindo de trás de mim. Um rangido
como o do chão de madeira de antes. As escadas estavam atrás de mim no momento.
Eu me virei lentamente, tentando manter a calma. Agora,
uma passagem estava aberta bem abaixo das escadas.
Um surto de adrenalina percorreu o meu curto. Minhas
pernas começaram a tremer um pouco. Mas, no momento, a curiosidade era maior.
Eu entrei na passagem escura.
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