Divisão
Aquele ambiente deixava todos apreensivos. O lugar estava
abandonado há muito tempo. Cacos de vidros estavam espalhados pelo piso branco
e frio. Peças metálicas cinzentas e azuladas estavam amontoadas próximas a
algumas paredes. Algumas marcas de sangue e óleo seco podiam ser vistas
espalhadas pelo local. Pelo menos, esta era a parte visível. Boa parte do lugar
estava imerso nas trevas. Entretanto, ninguém acreditava que o cenário mudaria
radicalmente. Pensando assim, os mercenários e o Mago estariam certos. O
androide sabia o que os aguardava.
O cenário de destruição e abandono não mudaria. Aquele androide
sabia melhor que qualquer um. Afinal, ele havia passado metade de um milênio
lá. Praticamente em um estado de transe, o robô havia sobrevivido. Suas
energias praticamente não foram consumidas pela falta de atividade. Sua mente
estava praticamente em estado de suspensão.
Como ele mesmo havia planejado, ele não sairia daquele
estado até ser despertado pela presença de um humano. O som das vozes do Mago e
de seus aliados cumpriu o requisito. Assim, com alguns minutos a sua
disposição, o androide pôde despertar calmamente e, então, dirigir-se para fora
do prédio para falar com os agora aliados.
Seguindo por dentro daquele lugar, o robô poderia,
talvez, levar os mercenários e o Mago até os níveis mais profundos da cidade.
Judge, então, limpou a garganta e perguntou:
—
Você tem certeza de que não há algo que tentará nos surpreender neste local?
—
É seguro. — Respondeu
o androide. — Tenha
certeza disso. Faz muito tempo desde que uma forma de vida entrou neste local.
—
Se você diz... —
Silver murmurou enquanto olhava para todas as direções. O mercenário não
confiava nem um pouco no que o androide dizia.
Após pensar um pouco, o robô humanoide disse:
—
A escuridão. Eu consigo ver através dela sem problemas, mas vocês não. Temo que
vocês terão que arrumar alguma fonte de luz para entrar lá. — Ele olhou rapidamente
para cada um dos humanos enquanto pensava. —
Fogo... Vocês conseguiriam arrumar tochas?
Algumas risadas baixas soaram pela sala. O androide
parecia confuso. Então, Psycho se aproximou dele e disse confiante:
—
Ora... — Ele estendeu
sua mão direita para o androide. Nela estava um cristal do fogo. — Eu posso lhe garantir que
podemos arrumar... —
O mercenário esmigalhou a pedra em sua mão. Uma bola de fogo surgiu e
permaneceu quase inerte próxima de seu pulso. —
Tochas.
O androide olhou surpreso para Psycho. Aquilo que
acontecera bem diante de seus olhos era bem real. Mesmo assim, ele não
conseguia acreditar. Após alguns segundos, porém, o robô conseguiu indagar:
—
Como...você consegue fazer isso?
—
Eu não faço muita coisa. —
Admitiu Psycho. — Eu
apenas manipulo as chamas. Mas são esses cristais vermelhos que as produzem.
—
Um mineral... —
Balbuciou o androide. —
Um mineral capaz de criar fogo...
—
Não só fogo. —
Acrescentou Pierce.
—
O quê? — O robô
parecia ainda mais confuso.
—
Os poderes variam de acordo com o cristal. —
Esclareceu Silver.
—
Fogo, gelo, eletricidade, água, veneno... —
Enumerou Huntress. —
São apenas alguns dos elementos dos cristais.
—
Ah...entendo... —
Disse o androide sem muita firmeza. —
Então...de onde vieram esses cristais?
—
É o que pretendemos descobrir. —
Respondeu Overseer.
—
Esse é um dos motivos que nos trouxeram aqui. —
Acrescentou o Mago.
—
Certo... — O robô
humanoide murmurou.
—
Nunca viu do tipo aqui? —
Indagou Ghost.
—
Não. — Respondeu o
androide sem nenhuma emoção. Claramente, tudo aquilo o estava deixando ainda
mais confuso.
—
Talvez... — Balbuciou
Specter, organizando as ideias. —
Talvez os cristais só tenham surgido após a queda dos Seraphs. Talvez os
cristais sejam criações da tal criatura mitológica.
—
É uma hipótese plausível. —
O Mago admitiu.
—
Mas por quê? —
Questionou Judge. —
Por que a criatura criaria os cristais?
—
Talvez tenha algo a ver com os animais daqui. —
Arriscou Juggernaut.
—
Como assim? — Indagou
Silver.
—
Faz sentido. — Disse
Huntress.
—
Explique. — Pediu
Overseer.
—
Lembra de como aquele animal que parecia um coelho veio atrás do cristal? — Perguntou a caçadora.
— Sim... — Concordou, Specter, murmurando. — Então...as criaturas daqui têm algumas
relação com os cristais. Mas...que tipo de relação?
— Não sabemos. — Respondeu Overseer. — Pelo menos, não sabemos por enquanto.
— Creio que
descobriremos isso com o tempo. — Afirmou
Pierce. — Bem como
qualquer outro mistério envolvendo os cristais e esse lugar.
— Certo. — Concordou, um tanto quanto entediado,
Psycho. — E, para isso,
temos que continuar avançando, não?
Todos
começaram a trocar olhares. Alguns murmúrios foram ouvidos. Porém, não havia
como questionar o que Psycho havia dito. Eles deveriam continuar em frente
agora.
Logo,
Overseer disse em alto e bom som:
— Ótimo!
Queridos, vamos...
Um
ruído incomum soou, interrompendo a fala do líder mercenário. O som parecia um
grito agudo sendo abafado por rangidos metálicos. Em uma fração de segundos,
todos já sabiam a fonte do ruído. Era o androide.
Agora,
o robô estava ajoelhado no chão, tremendo. A cena, obviamente surpreendeu a
todos. Overseer, então, aproximou-se do aliado e perguntou:
— O que
aconteceu?
— Minhas
energias... — Ele respondeu
com a voz fraca. — Elas...estão
acabando...
— Coma algo
então. — Propôs
Juggernaut simplesmente.
— Eu...não como.
— Esclareceu o
androide.
— Estranho... — Murmurou Psycho.
— O que é
estranho? — Indagou
Huntress.
— Ele. — O mercenário apontou para o androide. Sua
mão ainda estava em volta por chamas ao apontar. — Como ele consegue sobreviver sem comer nada?
— Não é
assim...que androides...como eu...recuperam energia...idiota. — Disse o robô humanoide.
— Certo... — Psycho murmurou entediado.
—
Então como você recupera energia? —
Perguntou Ghost.
—
Com alguma...fonte... —
O robô começou a responder. —
Algum tipo...de combustível. Algo...como...
O androide não conseguia terminar de responder. Todos se
entreolhavam e murmuravam. Ninguém parecia ter uma solução em mente. Até que,
após refletir por quase um minuto, o Mago se aproximou do robô.
O cajado começou a mudar de cor. Agora amarela, a arma
estava envolvida por eletricidade. O androide, novamente confuso, apenas
observou a magia sendo feita bem diante de seus olhos.
Antes que qualquer um dos mercenários pudesse dizer algo,
o Mago tocou a extremidade regular de seu cajado no peitoral do androide. Em uma
fração de segundos, uma descarga elétrica se espalhou por todo o corpo do robô.
De imediato, o androide emitiu um som que parecia um
suspiro de alívio. Ele, então, olhou para o Mago. O homem a sua frente tinha o
braço direito estendido em sua frente. O androide, então, estendeu o mesmo
braço, permitindo que o Mago o ajudasse a se erguer.
Agora de pé, o robô perguntou para aquele que o ajudou:
—
Esse poder...também veio dos cristais?
—
Não. — Respondeu o
Mago. — Veio de mim.
—
Como!? — O androide
parecia ainda mais surpreso.
—
Nada mais normal, não? —
Indagou Silver. —
Afinal, ele é um Roc.
—
E o que isso tem a ver? —
Perguntou o robô.
—
Ah...Rocs são magos. —
Respondeu, simplesmente, Huntress. —
Todos os membros dessa tribo conseguem usar magia sem ter que recorrer a
cristais.
—
Entretanto, não existem outros humanos capazes de tais feitos. — Afirmou Judge.
—
Usar magia é algo tão natural para eles quanto andar ou falar. — Acrescentou Specter.
—
Tem algo relacionado à própria natureza por trás desses poderes. — Ghost tentou esclarecer.
O
androide ainda parecia confuso. Após alguns segundos, entretanto, ele fez mais
uma pergunta:
—
Desde...quando?
— Como assim? — Indagou o Mago.
— Desde quando o
seu povo tem todo esse poder?
O
Mago pareceu um pouco aturdido após ouvir a pergunta. Porém, após alguns
segundos, ele conseguiu dizer, apesar de baixo como um sussurro:
—
Desde...sempre... — Ele hesitou
por alguns segundos. Mais uma vez, o Mago deveria questionar aquilo que lhe foi
ensinado pelos Rocs. Quase certo da resposta que estava por vir, ele resolveu
perguntar. — Não é?
Abanando
a cabeça horizontalmente, o androide respondeu:
— Não. O seu
povo sempre teve uma forte ligação com a natureza, isso é verdade. Apesar de
algumas ameaças e rituais que usavam plantas e algumas partes de animais, eles
nunca puderam fazer nada contra os Seraphs. Magia...estava longe não só do
alcance dos Rocs, mas como também do resto da humanidade. — Ele bufou. — Muita coisa mudou nesse tempo, hein...?
Muitas
perguntas estavam na cabeça de todos. Obviamente, o Mago era o que mais estava
aturdido. Porém, agora que o androide havia recuperado suas energias, eles
poderiam seguir e frente. E assim.
Iluminados
com a luz de chamas, o grupo caminhou pelo local devastado. De acordo com o
robô, não deveriam haver criaturas no local. Até o momento, pelo menos, o que
ele disse podia ser confirmado facilmente. Por isso, murmúrios podiam ser trocados pelos
mercenários com certa tranqüilidade. Entretanto, eles se recusavam a baixar a
guarda por completo. Nada mais prudente.
Após
quase uma hora de caminhada por corredores devastados e três vezes que eles
usaram elevadores, energizados por magia elétrica, os membros do grupo chegaram
a uma sala que destoava da paisagem a qual eles haviam se acostumado.
Iluminada
pelos velhos cubos de luz branca, o salão se assemelhava muito ao exterior dos
prédios da cidade. As estruturas serem feitas de metal azulado também reforçava
essa ideia. Entretanto, o teto de pouco mais de três metros de altura lembrava
a todos que o espaço não era aberto.
Ao
todo, haviam três portas idênticas na sala. Considerando a porta pela qual o
grupo entrou no salão como sul, havia uma porta a oeste e outra a norte. Então,
o androide disse:
— Aqui é uma intersecção
entre a fábrica onde estávamos e dois centros de pesquisa distintos. Agora, nós
podemos seguir por qualquer um destes caminhos. Entretanto, se formos em
frente, pegaremos um atalho em relação ao caminho à esquerda.
— Creio que não
haverá discussão sobre isso. — Sorriu,
confiante, Overseer. — Seguiremos
pelo caminho mais rápido.
Houveram
alguns murmúrios após a decisão do líder mercenário. Entretanto, ninguém se
opôs ao que foi dito. Assim sendo, o androide disse:
— Ótimo. Vamos
em frente.
Calmamente,
o grupo seguiu em direção ao portão escolhido. Passo a passo, aqueles que
estavam à frente do resto atravessaram-no. Porém, um ruído começou a soar.
Vindo do portão, barulhos metálicos pareciam ecoar.
— Mas o quê...? — O robô humanoide murmurou.
Porém,
antes que alguém pudesse fazer algo, as grandes placas de metal deslizaram na
horizontal e se uniram. Assim, o portão de aço reforçado se fechou, separando o
grupo em dois.
Nenhum comentário:
Postar um comentário