7.
Se Estmund havia dito alguma coisa, o rapaz não tinha
ouvido.
Joshua agora corria até as escadarias, sem pensar direito,
com o coração batendo acelerado.
A ideia de pegar o elevador foi logo descartada. O rapaz
não aguentaria ficar parado, esperando o elevador chegar ele e, depois, ao
térreo.
Seus passos rápidos e desajeitados ecoavam pelos
corredores do prédio.
Degrau após degrau, lance de escada após lance de escada,
o jovem chegou ao saguão.
Joshua acelerou o passo. Na saída do prédio, ele trombou
com uma senhora, também moradora do prédio. Ele nem percebeu se ela havia caído
ou não e também não pararia para verificar. Tudo que o rapaz poderia fazer era
esperar que ela estivesse bem.
Entretanto, por mais desfocado que Joshua pudesse estar
com o mundo a sua volta, ignorar o tempo a sua volta era impossível.
Chovia torrencialmente. Os ventos, fortes e gélidos, pareciam
vir de todas as direções, uma de cada vez. Os raios traziam cor ao céu
cinzento, coberto de nuvens. Os sons das buzinas e dos carros correndo nas ruas
pareciam não existir quando comparados aos trovões incessantes.
Entretanto, nada disso fez com que o ritmo de Joshua
diminuísse.
O caminho era uma cainhada tranquila de praticamente
trinta minutos. Se fosse possível, o rapaz chegaria até a casa de Adriana em
cinco minutos.
Correndo por entre as pessoas com guarda-chuvas e
desviando de postes e latas de lixo, ele deveria estar parecendo um louco
fugindo de algo. Porém, o jovem não se importava, afinal, ele nem tinha tempo
para pensar nessas coisas.
O som das poças espalhando água sob os pés do rapaz a
cada cinco passos ou menos já havia se tornado algo normal. Seus tênis, já
encharcados, começavam a incomodar o rapaz. Seus pés começavam a doer. Sua
respiração estava se tornando ofegante. O jovem estava longe de estar
completamente recuperado após tudo o que havia passado.
Além disso, Joshua já havia sido quase atropelado, pelo
menos, seis vezes. Uma das vezes ele deslizou por cima do capô de um carro. É
claro que os motoristas o xingaram por ter se atirado no meio do trânsito com o
sinal verde, mas Joshua nem percebeu. Ele apenas sabia que não tinha tempo a
perder. Afinal, qualquer nova preocupação era insignificante no momento.
Ofegante e sem saber quanto tempo havia se passado,
Joshua chegou até a rua de Adriana.
Involuntariamente, seu corpo relaxou.
O coração do rapaz começou a bater mais rápido.
Seu corpo mais parecia um estorvo no momento. E foi
pensando assim que ele, cambaleando, quase se arrastando, seguiu até a casa no
fim da rua.
Trincando os dentes, tentando ignorar toda a dor que se
acumulou em seu corpo, Joshua chegou até a porta da humilde casa de Adriana.
Centenas de memórias poderiam ter vindo a sua mente.
Entretanto, ele não conseguiria se lembrar delas agora nem se ele quisesse. Sua
mente estava tão funcional quanto o seu corpo.
Apoiado contra a porta, Joshua apertou a campainha.
Uma, duas, três vezes.
Sem resposta.
Ele apertou mais uma vez. Agora, sem soltar o dedo da
campainha.
O som agudo se prolongou por dez segundos.
Ainda assim, não houve resposta.
Exasperado, Joshua socou a porta.
Uma, duas vezes. Na terceira, ele bateu com mais força.
Sem resposta.
Em seguida, ele se jogou contra a porta, batendo o ombro
com força contra a superfície de madeira.
Joshua soltou um grito de raiva.
Mais uma vez, o jovem se jogou contra a porta.
O som que veio a seguir não era esperado.
Ao invés de uma resposta, Joshua ouviu o som da porta de
madeira cedendo, soltando-se de suas dobradiças enferrujadas e caindo para
dentro da casa com o rapaz em cima dela.
O rapaz respirou apressadamente, recuperando-se do susto.
Rapidamente, Joshua se levantou e olhou para o interior
da casa.
O lugar fora herdado por Adriana após a morte de uma de
suas avós. Não muito grande, velha, com algumas rachaduras, precisando de
algumas demãos de tinta, mas, apesar disso tudo, era lá o lar de Adriana e, até
pouco tempo atrás, de Joshua também.
Naquele dia cinzento, sem sua amada, o jovem poderia
jurar que o lugar estava com uma aparência ainda mais decadente.
Joshua acendeu o interruptor do corredor. As luzes
funcionavam perfeitamente. Aquilo o relaxou um pouco.
—
Adriana! — O jovem
gritou. — Querida...!
Como antes, não houve resposta. Entretanto, isso não
impediu Joshua de continuar chamando por sua amada enquanto vasculhava a casa.
Em pouco tempo, o rapaz já estava suando frio, com o
corpo tenso, perdendo as esperanças.
A cada chamada não respondida, a cada cômodo vazio
vasculhado, a cada passo dado, a cada instante que se passava Joshua ficava com
mais medo. Afinal, durante todo o tempo passado na procura de Adriana, ele
sabia que o pior já poderia ter acontecido. Entretanto, ele continuou negando a
hipótese, esperando a encontrar de alguma forma.
Eventualmente, porém, Joshua teria que ceder.
Após o que pareceu uma eternidade, o rapaz caiu sentado no
corredor da casa, não muito longe da porta que viera abaixo, com as costas numa
parede. Ele levou as mãos ao rosto, fazendo com que o grito de frustração que
veio a seguir fosse abafado.
Joshua não tinha mais como negar. Adriana se foi. E ele
não pôde fazer nada.
—
Me desculpe... — Ele
murmurou, começando a chorar. —
Eu não pude fazer nada...
—
Mas que cena patética... —
Uma voz zombou com certo nojo.
Joshua ficou paralisado por um segundo. A voz feminina
lhe era familiar. Por um instante, ele chegou a pensar que era Adriana. Mas não
poderia ser. Não com aquele jeito de falar.
Lentamente, o rapaz abaixou as mãos e olhou para frente.
Diante dele estava uma mulher pálida, extremamente magra,
um pouco mais baixa que ele, vestida no que mais parecia ser um vestido de
noiva completamente negro. Sob o véu, belo seu rosto era bem visível,
principalmente seus lábios cor de carmim e olhos cor íris escarlates.
—
Não sei como sobreviveu àquele inferno na Terra... — A mulher falava, com certo desinteresse,
enquanto ajeitava os cabelos castanhos escuros que caíam sobre os ombros. — Mas você pode me contar
os detalhes no caminho.
—
Ah... — Joshua parecia
estar tonto de tão confuso. —
E você...?
Antes que o jovem pudesse terminar sua pergunta, uma
foice surgiu nas mãos da mulher.
Com um movimento rápido, a ceifadora apontou a lâmina
prateada contra o pescoço de Joshua, a milímetros da pele dele, e disse:
—
Sou uma amiga de Estmund. É tudo o que vou te contar. Por ora, pelo menos... — Ela sorriu sem mostrar os
dentes, porém, mantendo-se ameaçadora. —
Agora... Venha. Sem mais um pio até eu lhe conceder a permissão, entendeu?
O rapaz assentiu. A ceifadora afastou sua foice do
pescoço dele. Rapidamente, Joshua se levantou e a seguiu porta afora.
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