sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

The Godsbane, Capítulo 3

Capítulo 3


Com exceção do vento que parecia uivar, não ouve nenhum outro som naquela praça por um instante.
Sabe... A Necromante quebrou o silêncio, ainda ameaçando a vida de Damian e curtindo a tensão no ar como se apreciasse um bom vinho. Vocês podem tentar falar alguma coisa...
Claro... O Snowrealmer esboçou um sorriso. Mas eu me sentiria mais confortável sem essa coisa no meu pescoço.
E você acha que vou deixar o homem que maneja a Demonsbane à vontade? A estranha riu por debaixo de sua máscara de prata. Isso seria suicídio. Ela olhou na direção dos outros. Vocês, entretanto, também podem ser ameaças... Principalmente esse mascarado. Já ouvi falar de você, Dreadraven... Temos um amigo em comum...
Duvido que amigo seja a palavra que eu usaria para descrever aquele ser vil... O doutor disse sem ânimo.
E você tem certeza de quem eu estou falando?
Quem mais seria?
Verdade...
A Necromante olhou para o alto por um breve instante. Suas Aves Necrófagas ainda pairavam no céu acima de praça. Então, o som de algo pesado se chocando no chão próximo a ela, dando-a um leve susto.
Era a Demonsbane. Damian havia soltado sua espada.
Ficou cansado de segurá-la? A Necromante zombou. Podia ter me avisado antes...
Nada disso. O guerreiro respondeu de maneira ríspida. Só não tenho mais por que de ficar segurando a Demonsbane.
Como assim? Ela deixou escapar um riso baixo. Desistindo?
Você não pretende me matar. Ele retrucou. Não pretende matar nenhum de nós. Então não há por que te lutar com você... Não agora, pelo menos.
Ouve um momento de silêncio praticamente absoluto. Então, a Necromante, com um movimento rápido, tirou a lâmina de sua foice de perto da garganta de Damian.
O guerreiro tentou parecer calmo, mas teve que respirar aliviado por um instante. Ele se voltou para a Necromante e a encarou.
A estranha usava uma túnica verde escura, quase negra. Suas botas e manoplas de couro eram reforçadas por placas de metal, feitas de aço negro e prata, marcadas por inscrições rúnicas. Sua máscara cobria completamente o seu rosto com a imagem de uma face sem emoções, como a de uma estátua prateada. Sua foice, com o cabo de ébano apoiado no chão, era um pouco maior que ela mesma. A lâmina da arma parecia uma lua crescente, cinzenta como o céu daquela tarde, com um brilho esverdeado como as presas dos Lobos Necrófagos.
Até que você não é tão burro... A Necromante disse para Damian.
Viktor guardou suas espadas. Elise baixou as mãos, que pararam de brilhar. A espada de Dreadraven se desmaterializou, bem como a Demonsbane.
Se você quisesse ter nos matado, teria o feito sem hesitar. Disse o doutor. Poderia ter se utilizado dos Necrófagos ou mesmo de um ataque surpresa com a foice.
Então o quê? O Sandrealmer cruzou os braços. Veio conversar?
Um aviso? A sacerdotisa arriscou. Foi por isso que veio?
Eu vim limpar essa cidade. Afirmou a Necromante. Porém, o amigo de Dreadraven me avisou que vocês quatro viriam para cá. Avisou que poderiam ser um problema...
Limpar a cidade? Indagou Elise, confusa. Como assim?
É bem simples... Ela começou a explicar. O meu contratante é o responsável pela praga que está acabando com tantas cidades desse país...
Então isso é trabalho de apenas uma pessoa? Viktor perguntou, interrompendo-a.
Bem... A Necromante parecia legitimamente irritada. De onde eu vim, interromper uma pessoa enquanto ela fala é um motivo válido para assassinato sem ninguém em volta contestar...
Hm... O Sandrealmer engoliu em seco. Todos ficaram em silêncio no instante que se seguiu. Desculpe-me, milady... Ele fez um gesto com uma mão para que ela prosseguisse. Vá em frente.
Continuando... Meu contratante está usando essa praga para se livrar de quem ele não precisa e, assim, vagando cidades para que ele e seus servos ocupem, trazendo-as de volta à vida e... Ela bufou. Enfim, um longo falatório maluco sobre criar uma utopia. Estou usando os Necrófagos para comer toda a carne podre que fica jogada por aqui. Nada muito glamoroso. Mas vocês entenderam a ideia, não é?
Claro... Respondeu Damian. Agora responda a pergunta do Sandrealmer ali.
Hm? A Necromante olhou para Viktor. Ah, claro... Ela limpou a garganta. Ele tem ajuda. Mas basicamente, é só ele e um amigo que, coincidentemente...
É o meu amigo? Dreadraven arriscou um palpite, soando não muito feliz ao dizer a última palavra.
Bem, eu ia dizer que era um amigo do Damian, mas... A Necromante riu baixo. No final, dá na mesma...
Damian e Dreadraven trocaram um olhar. Mesmo com a máscara, o doutor parecia um tanto quanto alarmado.
De quem você está falando...? O Snowrealmer perguntou. Ele, mesmo não querendo, já sabia a resposta. Enquanto ela não dissesse, ele poderia continuar negando.
Do Demônio, é claro! Ela respondeu com entusiasmo. Pele negra como carvão, com chifres, asas e uma cauda, tudo coberto por chamas verdes.
E eles existem? Viktor perguntou cético.
Sim... Elise respondeu. Apesar de serem poucos. Pelo menos, é o que a minha Ordem me ensinou.
E vocês estão certos, garota Arcana... Disse a Necromante. Se bem que eu duvido que qualquer um de vocês tenha visto, e muito menos enfrentado, um Demônio há pelo menos alguns séculos. Ela respirou fundo. Mas, enfim... Isso não importa. O que importa é que vou deixar vocês saírem andando daqui se vocês colaborarem.
Nos poupando? O Sandrealmer sorriu. Por quê? Não foi paga pra isso?
Esse é o motivo secundário. A Necromante respondeu. O primário é que o Demônio me pediu para não os matar. Não agora.
E você não pretende contrariá-lo? Indagou Elise, quase como se estivesse desafiando a inimiga.
Ei... Eu sou incrível, mas nem tanto...
E onde ele está? Damian perguntou sério.
Você, melhor que qualquer um, deve saber que não dá pra saber exatamente onde ele está.
Mais uma vez, houve um momento que, se não fosse pelos ventos uivantes, o silêncio seria absoluto. Todos encaravam o Snowrealmer esperando que ele fosse dizer algo.
Certo... Damian murmurou enfim. Falarei que você fez um bom trabalho nos poupando.
Eu ficaria grata. A Necromante respondeu num tom alegre. E não se esqueça de mencionar meu nome, Tabitha. Tabitha Deathzauber, pra ser mais exata. Não sei se ele tem contato com outros Necromantes, então diga o meu nome, ok?
Mas é claro...
Então... Viktor começou a falar. Esse seu contratante foi até Necrol procurando por alguém como você? Só por curiosidade...
Ah... Tabitha riu. Ele veio até mim, isso é verdade. Mas eu não estava em Necrol. Afinal, não sou de lá. E também duvido que qualquer um daqueles Necros consiga ter um exército de Necros sob o comando deles.
O que você está dizendo então é que... Dreadraven começou a falar e, então, fez uma breve pausa. Você é uma Darklandian?
Os olhares de Damian, Viktor e Elise foram diretamente para a Necromante. Sob a máscara, ela ria do medo nos rostos das pessoas a sua frente.
O trio não podia acreditar. Depois do Cataclismo de quase 1058 anos atrás, o mundo havia sido dividido por forças além dos mortais. Os continentes se afastaram ainda mais, agora, com oceanos quase sem fim como barreiras. A maioria dos Windlandians acreditava que lugares como As Darklands eram ficcionais, principalmente devido ao que ouviam a respeito dos lugares em textos milenares. Todas aquelas terras pareciam ter sido criadas com o propósito de aterrorizar, crianças e adultos igualmente, com suas lendas sobre criaturas brutais e regiões inóspitas.
Sim. Tabitha respondeu. E sim, o meu continente é tão real quanto esse, por mais que eu mesma tivesse minhas dúvidas sobre Windlands até botar os pés aqui.
Aposto que é um lugar lindo. O Sandrealmer zombou.
Você não faz ideia. A Darklandian disse sarcasticamente. Clima lindo. Fauna e flora fenomenais. Você deveria ir visitar lá algum dia.
Um raio iluminou o céu. O trovão veio em seguida e, com ele, a chuva se fortaleceu.
Os pingos grossos de água começaram a cair, vindo cada vez mais deles, cada vez mais rapidamente.
Melhor vocês irem agora... Aconselhou Tabitha. A chuva deixa os meus lobos de mau humor... E eu também não fico muito sociável com esse tempo.
Sem dizer mais uma palavra, o quarteto trocaram olhares entre si e, sem hesitar, deixaram a praça e seguiram para fora de Silverhill, indo por uma estrada que se dividia em duas.
***
Então vamos todos juntos? Viktor indagou.
O Sandrealmer quebrou o silêncio. Ninguém havia dito mais nada desde o diálogo com a Necromante, além da óbvia derrota para ela. Todos pareciam irritados e impotentes após o acontecido. Porém, Damian era, de longe, o mais afetado com o ocorrido.
Agora parados fora da cidade, enfrente a uma colina, sob a chuva, os quatro se entreolhavam.
Bem, eu sei que eu vou com você. Afirmou Elise. Ela levou a mão em direção ao coração. Afinal, é minha culpa que Lily...
Eu sei. O Sandrealmer disse rispidamente. Mas já vamos resolver isso, certo?
A sacerdotisa assentiu.
Qual é exatamente o problema? Damian perguntou.
Quer que eu resuma uma longa história? A mulher perguntou.
Fale antes que a chuva piore.
Certo... Ela suspirou. Uma Sandrealmer veio até esse país. Eu a conheci numa pequena cidade na costa. Eu estava lá para pregar a palavra de Yamlight e, com sorte, recrutar alguns possíveis Arcanos. Acabei conhecendo a garota. Lily era o nome dela. Ela queria viver, algo que os pais, conservadores, nunca a permitiram. Elise sorriu. Tudo o que eu contava sobre o nosso país, da comida que comíamos ao deus que seguíamos, era algo maravilhoso para aquele Sandrealmer. As magias que eu usava diante dos olhos dela a deixava deslumbrada. Nós começamos a passar mais e mais tempo juntas... Aí... O inevitável aconteceu...
Se apaixonaram? O Snowrealmer arriscou o palpite óbvio.
Sim. Viktor respondeu por ela. Porém, os Arcanos não permitem relacionamentos. Entre pessoas do mesmo sexo, então, eles abominam. Quando descobriram, expulsaram Elise da Ordem e Lily é escrava deles em algum maldito templo, não muito longe da Capital.
A sacerdotisa não disse nada. Ela estava cabisbaixa, evitando olhar nos olhos dos companheiros.
A chuva ficava cada vez mais forte. Os ventos pareciam chicotear o quarteto com gotas de água de tempos em tempos.
Vou presumir que você conhece Lily. Damian disse para o Sandrealmer.
Sim... Ele afirmou. Lily Carmesi. Minha irmã. Viktor suspirou. Vim para este país para procurá-la. Sabia que aquela idiota ia se meter em encrenca, mas...
O Sandrealmer não terminou a frase. E nem precisava. A dor e preocupação em sua voz eram nítidas. Porém, ele não havia perdido as esperanças. Ele traria Lily de volta para casa nem que perdesse um braço e uma perna no meio do caminho.
E suponho que vocês vão precisar de ajuda. Disse Dreadraven calmamente.
Andar com mercenários esse caminho todo sairia caro. Explicou Viktor. E também me atrasariam. Além disso, vim para cá com alguns guerreiros do clã... Infelizmente, acabamos entrando em conflitos com os locais algumas vezes...
E você é o único sobrevivente. Adivinhou Damian.
O Sandrealmer assentiu.
Mesmo assim você não desistiu... O Snowrealmer esboçou um sorriso.
Eu não poderia simplesmente abandonar a minha irmã, poderia? Ele tentou sorrir. Ainda mais depois de tudo o que já passei aqui...
Uma causa nobre... O olhar de Dreadraven foi de Viktor a Elise. E uma chance de consertar os erros do passado... Ele fez uma breve pausa. Eu irei ajudar.
Obrigada. Elise sorriu.
Meu objetivo no momento é tentar controlar essa praga. Dreadraven explicou. Eu não tenho um caminho certo para ir. Se houveram enfermos para serem curados, eu ajudarei.
Você é um homem bom, doutor. O Sandrealmer disse alegre. E como merecedor, terá sua recompensa no final. Ele voltou o olhar para Damian. E você, Snowrealmer...? Irá se juntar a nós?
O guerreiro olhou para o horizonte. Ele apertava os olhos para enxergar através da chuva densa. Havia algo lá que apenas Damian poderia enxergar.
Não... O Snowrealmer respondeu sem ânimo. Eu tenho um único propósito nessas terras... E não é te ajudar. Ele olhou por cima do ombro. Não é nada pessoal... Adeus.
Com essa despedida sem emoção, Damian seguiu pela estrada da esquerda, descendo a colina, enquanto aqueles que ele mal podia considerar companheiros estavam parados, no pé da estrada que subia pela direita.
Sob a chuva torrencial, o guerreiro sumiu da vista do trio em poucos instantes.
Ele carrega um fardo grande demais... Afirmou Elise.
Sim. Dreadraven concordou. Mas é melhor que não interfiramos no caminho dele. Não agora. Não intencionalmente.
Hm... Viktor suspirou. Quer dizer que vamos encontrar esse sujeito de novo...?
É bem provável... O doutor murmurou. Por ora, temos o nosso caminho para seguir...

Após essas palavras, o trio seguiu seu rumo.

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