Descanse em Paz
O vento soprava calmamente naquele outono. O aroma de flores
e frutas silvestres perfumava tudo o que tocavam. O canto dos pássaros se
juntava ao som dos rios apressados para criar uma sinfonia sem igual. As folhas
secas da estação eram levadas através dos céus, viajando sem destino certo
entre as árvores, subindo morros e descendo vales, tingindo com tons
alaranjados os ares de cada colina. Um belo pôr do sol era o que faltava para
finalizar aquela obra prima da Mãe Natureza.
Porém, nem todo canto daquelas terras parecia ter sido
agraciado com aquela bênção.
Viajando pelas estradas da região, siga para onde não se
deva ir e logo perceberá a maldição. Você poderá ver a paisagem mudando pouco a
pouco. As terras perdendo sua cor. As árvores se tornando mais secas. O ar deixando
de lado sua fragrância. O canto das aves sendo substituído pelo silêncio. O
calor da floresta deixando de existir. A vida sendo envenenada lentamente.
E no epicentro da toxicidade, estava a Colina da Esperança,
lar de um vilarejo afastado do resto do mundo, lar de um lugar dito como
amaldiçoado.
Sob a sombra da colina, um carro solitário parou. De lá, um
homem e uma mulher desceram sem pressa, alongando-se após a longa viagem. Eram
jovens os dois, porém, com um aspecto sério que os envelhecia. Suas roupas eram
relativamente simples, preparados para o frio da região e para as caminhadas
que fariam.
Á primeira vista, a dupla parecia um casal de amantes da
natureza, aproveitando suas férias para escapar das grandes cidades, mergulhando
na natureza para se livrarem de seus estresses rotineiros. Entretanto, não
estavam viajando a lazer. Tinham trabalho a fazer naquelas bandas.
—
Que lugarzinho, hein...? —
Foi o que Rick murmurou enquanto tentava encontrar o sol naquele céu. Sem sucesso,
bufou. — É cada canto
que a Ordem nos manda...
—
É... — Liza soou
desinteressada, olhando para a tela do celular. —
Droga... — Grunhiu
após alguns segundos. —
Sem sinal, como sempre...
—
Nem sei por que você ainda tenta...
Ela deu de ombros
—
Nem eu. — A jovem
guardou o aparelho no bolso. —
Já virou costume. É quase um ritual para começo de trabalho. Ainda estamos
vivos mesmo depois de tanta coisa, então... Talvez esteja nos dando sorte. Não
acha...?
Rick a fitou, mas nada disse. Seus olhos rapidamente se
dirigiram para o caminho que tinham que seguir.
A velha escadaria de pedras parecia ser o único caminho
viável para chegarem à vila. Seus degraus cinzentos foram desgastados pelo uso
em épocas passadas. Agora, frios e cobertos de limo, a história era diferente.
Eles carregavam a energia dos que conseguiram fugir do lugar maldito, as trevas
que transbordavam em forma de ódio e medo. E o enjoo explícito no semblante de
Rick mostrava que ele sentia aquilo como poucos.
—
O caso da vez vai ser mais pesado que os últimos... — A voz de Liza tirou o companheiro de seu
transe. Suas palavras preocupadas emanavam uma doçura reconfortante. — Mas tenho certeza que nos
sairemos bem.
—
Hm... — Rick se
manteve um silêncio por breves momentos, tentando encontrar as palavras. — É. Acho que sim... — Foi tudo o que saiu de
seus lábios. Ele bufou, cruzando os braços sobre o peito em seguida,
visivelmente desconfortável. —
Eu quase posso ouvir os gritos, Liza... Quase posso sentir a dor, o desespero
desse lugar... E ainda sinto que estamos longe, muito longe do que causa todo
esse caos...
—
Ótimo. — Sua
companheira soou animada. —
Talvez a gente consiga uma recompensa boa dessa vez, algo que vala o esforço...
Rick não pôde conter um sorriso. Mais uma vez o jeito
brincalhão da parceira mantinha o pouco otimismo que tinha vivo. Sua
preocupação, entretanto, continuava lá, escondida de todos que o cercavam.
—
Vamos então. — Liza
disse ansiosa. — Sem
enrolação.
—
Vamos... — Rick concordou
tentando não pensar no que enfrentariam. —
Vamos antes que eu mude de ideia...
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