sábado, 28 de março de 2015

Conto 1

A Luz no Fim do Túnel


Ei! Eu o chamei. Você não vai se levantar?
Lentamente, a pessoa a minha frente se levantou. Sinceramente, eu nunca fui muito bom em distinguir entre sexos em situações como aquela. Poderia ser um homem ou uma mulher. Logo, eu me irei me referir àquela pessoa como “ele”. Espero que não haja objeções. O único propósito disso é para facilitar o meu relato.
Enfim, ele, sem dúvida, estava aturdido com tudo o que havia acontecido. Ao me olhar, o homem se espantou, arregalando os olhos e pulando ligeiramente para trás.
Qual o problema? Perguntei calmamente, inclinando levemente a minha cabeça para a esquerda.
Fique longe de mim! Ele exclamou.
Por quê? A minha aparência te incomoda?
É claro que sim!
Por quê?
Por quê!?
É. Por quê?
Por que você é um monstro!
Eu ri baixo.
Um monstro, hein? Eu sorri. Eu podia jurar que eu era um anjo... Bem, faça-me o favor de me descrever.
Por que eu faria isso?
Você vai contrariar um monstro?
Ele engoliu em seco. Após alguns segundos, ele respirou fundo e disse:
Certo... Você...é a Morte.
A Morte? Eu não pude conter o riso. Seja mais específico.
Droga... Você é um esqueleto. Você veste um manto preto, esfarrapado, que cobre quase todo o seu corpo. Do seu lado, caída no chão, está uma longa foice...
Entendo...
Espere! Ele exclamou, visivelmente exaltado. Se você é a Morte, então eu...?
Mais ou menos. Eu respondi, antecipando o final de sua pergunta. Você, neste exato instante, não está nem vivo...e nem morto.
Como assim?
Você já ouviu falar daquele boato de que, quando você morre, você tem que seguir na direção de uma luz?
Já...mas...
Você ainda não a viu.
É... Ele arregalou os olhos. Então, quer dizer que eu posso voltar a viver?
Talvez. Isso só depende de você.
Ao ouvir aquelas palavras, ele pareceu realmente animado. Rapidamente, ele perguntou:
Então...o que eu devo fazer?
Ah...antes de eu te responder isso, você deveria olhar a sua volta... Sugeri.
Ele realmente não tinha percebido. A expressão no rosto dele deixava aquilo muito claro. Ele estava boquiaberto. Pudera. Nós estávamos dentro de uma caverna, sem nenhuma saída aparente. De fato, a câmara onde estávamos era bem pequena.
Nossa... Ele murmurou. Eu...nunca estive numa caverna antes...
Eu tive que rir. Ele parecia mais impressionado com o fato de estarmos em uma caverna do que o fato de que não havia saída.
Você não percebeu nada de errado? Perguntei.
Ah...é. Ele respondeu. Esse lugar é meio apertado e...eu não vejo nenhuma saída...
Exatamente. Você tem que achar a saída. Ou, melhor dizendo...fazer a saída.
Como assim?
Isso depende de você. Derrube as paredes se for preciso.
Ele riu. Talvez ele tenha achado que eu tenha contado uma piada. Tolo. Ele começou a olhar para todas as direções. Em poucos minutos ele já havia percorrido toda a área do local pelo menos umas cinco vezes. Foi aí que ele me pediu:
Sua foice. Ou qualquer outra arma. Ou instrumento.
Não. Eu respondi o pedido dele secamente.
Por que não?
Por que é o seu dever achar um jeito de sair daqui. Eu já te dei dicas o suficiente.
O que você quer que eu faça!? Cave com as minhas próprias mãos!?
Não custa nada tentar...
Ele murmurou algum xingamento. Após pensar por alguns instantes, ele se agachou e começou a tentar cavar. Como eu já esperava, a mão dele atravessou o chão sem conseguir mover a terra. Ele pareceu aturdido por uns dois segundos e, então, voltou a tentar cavar. Sem resultado. A cada tentativa fracassada, ele se irritava mais. Por mais rápido que ele tentasse cavar, nada acontecia. Após cerca de trinta segundos, completamente frustrado, ele se levantou e bradou:
Qual a pegadinha!? Eu sou algum tipo de fantasma!? Por isso que não consigo cavar!? Isso é tudo uma piada para você!?
Talvez você devesse tentar derrubar alguma das paredes... Sugeri calmamente.
Sem contestar, ele andou até uma das paredes e a socou. Dor tomou conta do rosto dele. Eu tentei segurar o riso. Ele exclamou:
Ótimo! Como eu esperava! Eu não consigo derrubar a droga dessa parede! Por quê!? Porque ela é feita de rocha!
Mas você conseguiu a tocar, não? Disse eu.
Ele pareceu surpreso. Seu rosto se iluminou logo em seguida. Porém, isso durou apenas alguns instantes. Rapidamente, a expressão de seu rosto denunciava sua tristeza. Ele, enfim, disse:
Mesmo assim...isso não me ajuda muito. Eu ainda não sou forte o suficiente para derrubar uma parede... Isso é fato.
Não é verdade. Eu discordei.
Ele ergueu uma sobrancelha, intrigado. Então, perguntou:
Você acha que alguém como eu poderia derrubar uma parede?
Claro que sim. Por que não?
Porque eu sou fraco. Sempre fui.
Se você diz fisicamente, isso não importa mais. Não esqueça de que você não está mais vivo.
Novamente, a expressão dele se tornou pensativa. Rapidamente, o rosto daquela pessoa se iluminou. Antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa eu lhe perguntei:
Qual a única coisa que continua com você?
Da minha vida...? Ele perguntou apreensivo.
Sim.
Bem... Ele parou de falar por alguns instantes. De repente, um largo sorriso apareceu em seu rosto. Tive certeza que, naquele momento, ele havia descoberto a resposta. As minhas memórias.
Sim. Tudo o que você aprendeu e vivenciou. Você não esqueceu nada daquilo. De fato, todas as informações em sua cabeça devem estar ainda mais nítidas, não?
Sim...é verdade.
Ótimo. Use essas memórias. Fortaleça com elas.
Eu não precisei dizer mais nada. Ele fechou os olhos e se concentrou. Após alguns segundos, ele socou a parede. Dessa vez, ele não pareceu sentir dor. Dessa vez, rachaduras apareceram nas paredes. Então, ele disse:
Minha filha e meu filho...
Eles te deram força, hein? Sorri. A resposta era óbvia. Ótimo. Continue pensando neles. Mas não só neles. Pense em todos aqueles que você ama. Pense em todas as experiências boas que você já passou. Pense em cada ocasião que você sorriu. Pense em tudo isso e não pare de socar essa parede.
Ele assentiu com a cabeça. A mensagem fora bem clara. Rapidamente, ele começou a falar uma lista de nomes. Nem sei dizer ao certo quem eram aqueles, mas aquilo estava funcionando. A cada soco, a parede rachava mais. Em seguida, ele começou a contar pequenos relatos. Viagens com a família. Uma piada que um amigo lhe contara que o fez rir toda vez que eles se reencontraram. Uma festa surpresa que seus colegas de trabalho organizaram para ele. As primeiras palavras que seus filhos disseram. O dia de seu casamento. Seus sonhos...e foi aí que o problema surgiu. Ele já havia começado a criar um pequeno túnel na parede quando ele se lembrou de algo. Naquele instante, seu soco não causou danos à parede. O grito que ele soltou deixou evidente sua dor. Então eu perguntei:
O que aconteceu?
Eu...não vou conseguir... Ele balbuciou.
Não vai conseguir o quê?
Jantar com a pessoa que eu decidi passar o resto da minha junto num restaurante. Eu tinha planejado aquilo por tanto tempo. Era o nosso aniversário de casamento. Ele cerrou os punhos. Eu também não vou poder ver os meus próprios filhos crescerem. Eu também não poderei viajar mais com meus amigos. Eu...
Basta! Eu o interrompi. Eu tive que fazer aquilo. Para de pensar nas coisas ruins. Pare de pensar no que você não pode concretizar. Não pense em seus inimigos. Não pense nas situações em que você foi lesado.
Falar é fácil...
Eu sei. Tomar uma atitude que é difícil.
Ele bufou. Após alguns segundos, ele disse:
Você está certo. Eu sei disso...
Mas você age como se não soubesse. Retruquei. Você age como se você não tivesse aprendido nada em sua vida. Você prefere focar nas coisas ruins que aconteceram. Você prefere ser fraco, se fingir de vítima. Eu suspirei. Você não é o único. Esse é o caminho mais fácil, não? Mas o que o aguarda no fim não é muito bom. Disso você pode ter certeza.
Ele permaneceu em silêncio. Então, resolvi apontar minha foice na direção dele. Agora, ele estava, sem dúvidas, amedrontado.
Eu posso acabar com tudo isso agora. Eu disse. Você não seria o primeiro a escolher esse caminho.
É o caminho mais fácil afinal, não é? Ele perguntou seriamente, considerando a opção.
É.
Bem...
Sem responder nada, ele se voltou contra a parede. Ainda mais rapidamente do que antes, ele a socou. Após o primeiro golpe, tive certeza que ele também estava mais forte. Agora, ele voltava a abrir seu caminho pelas paredes rochosas. Então eu perguntei:
Achou uma nova motivação?
Sim. Ele respondeu entre os socos. Ele não falava mais nada para se motivar, mas, com certeza, ele não parava de pensar em algo...que eu ainda não sabia o que era. Curioso?
Um pouco.
Quer saber o que é?
Se você não se incomodar...
Ele continuou a cavar o túnel através da parede com os próprios punhos. Eu seguia logo atrás dele andando calmamente. Após alguns instantes, ele, enfim, voltou a falar:
Seria patético, não?
O que seria patético? Perguntei claramente intrigado.
Eu deixar de existir. Bem aqui.
Por quê?
Por que eu tenho a opção de me salvar. Se alguém que eu me importasse tivesse na mesma situação que eu e optasse por desistir...eu ficaria triste. Fico pensando se alguém que eu gosto me visse desistindo. Eu imagino a tristeza...a decepção no olhar dela. Eu não poderia deixar isso acontecer.
Entendo. Não pude deixar de conter um sorriso naquele instante.
E também tem o que você disse. Eu...não sou obrigado a me focar no que foi ruim na minha vida. Eu não poderia me enganar vendo apenas o lado bom também...
Isso é chamado ser realista.
É. E agora eu entendo. Passei uma vida achando ser realista...quando eu não passava de um pessimista deprimente. Eu parecia dar mais importância para a opinião de um inimigo do que um amigo. Eu...
Naquele instante, ele deu o seu último soco. A parede caiu. A frente dele estava uma nova câmara. No meio dela, uma grande tocha de fogo branco que iluminava todo o lugar.
Bem...aí está a sua recompensa. Eu disse calmamente.
Ele permaneceu em silêncio por alguns instantes. Enfim, ele me perguntou:
O que me aguarda?
Eu ri baixo e respondi:
Isso...você terá que descobrir. Siga em direção a luz, meu amigo...
Ele se voltou em minha direção e sorriu. Ele disse:
Obrigado...
Ele não terminou de falar. Imagino que a minha aparência, diante dos olhos dele, tenha mudado. Entretanto, eu continuei a falar normalmente:
Não agradeça. Eu apenas cumpri o meu dever.
O rosto dele estava mais iluminado do que das outras vezes. Por fim, ele conseguiu me perguntar:
Você...é um anjo?
Sim. Respondi calmamente. Eu já havia dito, não?
Sim, mas...eu achei que você fosse algo como o Anjo da Morte...
Palpite válido, mas não.
Então...que tipo de anjo você é...?
Ora...eu sou o seu Anjo da Guarda.
Antes que ele pudesse dizer algo, eu o empurrei de leve na direção da luz. Gentilmente, ele foi carregado pela luz, em pleno ar, até que ele desaparecesse. Eu já sabia o que aconteceria. Não era a primeira vez que eu fiz aquilo. A luz branca brilhou ainda mais intensamente. De repente, eu estava em uma sala de um hospital...e ele também. Desta vez, porém, ele estava muito menor...coberto de sangue e...chorando. Uma nova vida havia começado para aquela pessoa enquanto um médico o apresentava para a sua nova mãe e, em seguida, para o seu novo pai.

Meu trabalho ainda não estava concluído. Ele nunca chegará ao fim. Porque, agora, eu o acompanharei de longe. Eu sorrirei quando ele sorrir. Eu chorarei quando ele chorar. Daqui a anos, eu o guiaria novamente pela caverna até a luz. Eu garantiria que aquela vida seguiria seu ciclo. Afinal, como um Anjo da Guarda, aquele era o meu dever. E esse dever seria cumprido com um largo sorriso no rosto.

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