Servant of
Darkness
Servo
da Escuridão
—
Por mais quanto tempo teremos que andar por essa floresta? — Reclamava um soldado.
Contando com ele, eram vinte guerreiros que trajavam armaduras de ferro
completas com elmos fechados. Eles empunhavam espadas, adagas, machados, maças,
escudos e até arcos. Juntamente a eles, no centro da formação, estavam quatro
homens de idade mais avançada, sendo que três deles usavam túnicas brancas mais
simples, enquanto um deles usava uma mais ornamentada com detalhes feitos de fios
de ouro.
—
Não reclame. —
Retrucou outro soldado. —
Todos nós concordamos em participar dessa missão. Você sabe tão bem quanto
qualquer outro aqui que esses clérigos protegem um artefato da Luz e que seu
templo fora atacado muitas vezes recentemente. As forças das Trevas descobriram
a localização do artefato e iriam continuar a atacar o local a fim de se
apossar de seu grande poder.
—
Bem...eu só decidi participar dessa missão pelo pagamento. — Disse o primeiro soldado
de maneira ríspida.
—
Como? Você não se importa com a Luz? —
Perguntou, irritado, um terceiro soldado.
—
Nem um pouco. —
Respondeu o primeiro. —
Sou um mercenário, oras. Aliás, quase todos aqui são. Precisavam de guerreiros
urgentemente, não? Poucos aqui faziam parte da guarda do templo ou da cidade
vizinha ao templo. Mas não se preocupe quanto a minha opção política. Eu não
apoio as Trevas, caso contrário, não faria parte do nosso adorável esquadrão.
—
Eu tenho noção que a maioria do grupo é formada por mercenários. — Retrucou o terceiro. — Eu só não acredito que
possa haver pessoas que não apóiam nenhum dos dois lados, nem Luz nem Trevas.
São as maiores forças desse mundo.
—
Havia alguns outros deuses que eram tachados de “pagãos”. — Disse o segundo. — Acho que alguns
sobreviveram às perseguições e aos massacres causados pelas forças da Luz e das
Trevas.
—
Cuidado com o que fala! —
Ameaçou o terceiro, com a mão no cabo da espada embainhada, pronto para
sacá-la.
—
Não sabe ouvir o que não gosta, hein? —
Provocou o segundo. —
Já que não sabe argumentar, quer resolver as coisas na base da violência? Por
mim, tudo bem.
—
Chega! — Disse um
quarto soldado. — Não
temos que gostar um dos outros aqui, muito menos concordar com a ideologia de
cada um. O que precisamos é escoltar esses clérigos que estão conosco. Quando
concluirmos essa missão, podem se matar. Até lá, tentem se comportar e se
manter vivos. Já enfrentamos dois grupos de bandidos pela estrada. Não tivemos
baixas, pois foram lutas fáceis. O problema é se enfrentarmos algum seguidor das
Trevas, ou até algum demônio. Essa é uma possibilidade, uma vez que já tentaram
tomar o artefato da Luz que estamos protegendo em outras oportunidades. Vamos
permanecer unidos e continuar andando por essa floresta. Espero que não
aconteçam mais discussões.
Os quatro soldados, que estavam atrás do resto do grupo,
entreolharam-se. Silenciosamente, concordaram com a paz temporária e seguiram
floresta adentro.
A floresta pela qual passavam era homogênea, contando com
quilômetros e quilômetros de árvores com quase a mesma altura, aproximadamente
a altura de dez homens adultos. Já estavam no outono, então o chão da floresta
era um tapete de folhas amarelas, vermelhas e laranjas que cobriam as trilhas
de terra, tornando a movimentação e localização mais difíceis dentro da área.
Outro grande problema eram as possíveis armadilhas camufladas entre as folhas e
as emboscadas a partir das árvores altas, locais preferenciais para ataques de
arqueiros e arremessadores de facas. Entretanto, era difícil manter-se atento a
todos os perigos na condição que os soldados estavam. Eles entraram na floresta
quando o sol havia nascido no dia anterior; agora, já estava no fim da tarde.
Todos estavam cansados, principalmente porque não fizeram muitas pausas, a fim
de atravessarem logo o local. Se não fosse pela brisa fresca de aroma suave que
percorria a floresta, todos estariam muito mais exaustos.
—
Caso alguém ou alguma coisa que use magia das Trevas tente nos emboscar, os
clérigos poderiam pressentir a presença? —
Perguntou um guerreiro, mais jovem que os demais, que estava à frente do
batalhão.
—
Acho que sim. —
Respondeu um soldado que estava ao seu lado, que era mais alto que todos os
outros.
—
Mas eles não seriam capazes de ocultar sua presença? — Perguntou o jovem.
—
Nesse caso, a gente vai morrer. —Disse
outro soldado, em um tom pessimista.
Mesmo sem poder ver o rosto do jovem, o guerreiro alto
podia ver que ele estava nervoso. Não sabia nada sobre ele, mas sentiu um misto
de simpatia e preocupação pelo companheiro, fruto de seu instinto protetor.
—
Não se preocupe. —
Disse o guerreiro alto. —
Não seremos derrotados tão facilmente. Além do mais, olhe para esses clérigos.
Eles podem ser velhos, mas são extremamente experientes no manejo de magias da
Luz. Eles próprios podem nos ajudar. —
Ele então sorri para o Jovem. —
Caso isso aconteça, até os próprios Demônios terão problemas.
—Se
você diz... — Disse o
guerreiro pessimista.
O jovem preferiu ignorar o pessimismo do soldado atrás
dele e confiou nas palavras daquele ao seu lado.
—
Obrigado. —Disse o
jovem, estendendo a mão. —
Senhor...
—
Henry. — Completou o
guerreiro alto, apertando a mão do jovem guerreiro. — E seu nome seria?
—
Gregory — Respondeu o
Jovem.
Os dois, então, continuaram a conversar enquanto seguiam
em direção a uma clareira. Enquanto isso, no topo de uma árvore, cerca de cem
metros a frente do batalhão, uma figura observava os alvos.
“Um, dois, três...dez, onze...dezenove, vinte soldados. E
mais...quatro seguidores da Luz. Bem...nada de mais. Aquele que com a roupa
mais enfeitada deve estar carregando o bracelete. Ótimo, vamos ao trabalho.”
A figura começou a emanar seus poderes sombrios, chamando
a atenção dos clérigos.
—
Trevas. Logo à frente. —
Disse um deles.
— Não
devemos avançar. —
Disse outro clérigo.
— Deixe
que venham até nós. —
Disse o último.
—Guerreiros,
preparem-se! — Disse
o líder dos clérigos.
Todos os guerreiros se prepararam para a investida do
inimigo, brandindo seus machados e espadas, armando suas flechas nos arcos,
procurando o alvo.
“Resolveram parar de avançar por causa da minha presença?
Que lisonjeiro. Bem, agora terei que pular na direção deles antes de atacar,
para encurtar a distância e garantir...hmm...dez mortes? É, acho que da pra
matar uns dez no primeiro ataque.”
Logo, o ser sombrio se lançou do topo da árvore em forma
de uma fumaça negra, materializando-se em cima dos soldados, pairando no ar com
suas asas feitas com trevas.
Os clérigos, imediatamente, criaram escudos de luz em
volta deles mesmos, estabelecendo uma formação em que o líder concentrava sua
energia para um ataque, e os outros se uniam para formar um escudo que protegia
a todos os quatro. Enquanto isso, os soldados ainda estavam assustados com a
presença demoníaca acima deles e com o surgimento do campo de força luminoso que
os excluía.
“Covardes. Já imaginava que teriam uma atitude dessas.
Pobres guerreiros. Consegui concentrar bem a energia devido ao tempo que
ficaram parados, só olhando. Bem, vamos escolher dez vítimas.”
Em um instante, o ser lançou dez adagas envolvidas por
uma chama negra na direção do elmo de dez soldados aleatórios. As lâminas
ignoraram a existência de qualquer tipo de armadura que protegia a cabeça dos
guerreiros, levando-os a uma morte instantânea.
Ainda no ar, projetou-se para baixo, mirando em outro
guerreiro com sua espada em mãos. Ao cair em cima do alvo, sua espada
transpassou o peito do soldado e, ao ver outro alvo amedrontado a sua frente,
tirou a espada do peito do guerreiro que tinha acabado de matar e saltou em
direção à garganta de outro, degolando o azarado.
—
Bem...já foi metade. —
Disse o ser. — Espero
que essa metade dure um pouco mais.
Agora todos podiam ver melhor o Demônio a sua frente. Era
um ser com altura de aproximadamente um metro e oitenta, de rosto humano,
jovem, porém, com uma expressão séria que o envelhecia, com um longo cabelo cor
de ébano, pele alva e olhos escarlates penetrantes. Ele trajava uma armadura
negra que cobria todo seu corpo, com exceção da cabeça. Sua espada era
diferente de qualquer outra já vista: era uma haste de metal de um metro de
comprimento com a ponta da lâmina reta, formando outra lâmina; porém, o mais
curioso era a cor da arma, que era inconstante, variando entre tons de roxo.
Os oito guerreiros remanescentes decidiram atacar o ser:
esforço, sem dúvida, em vão. O primeiro atacou verticalmente com o machado e,
transformando-se em trevas, o ser se esquivou rapidamente para o lado direito
do guerreiro e, então, golpeou-o com a espada numa estocada, causando um
ferimento letal abaixo da axila e acima das costelas. Outro soldado correu em
direção ao guerreiro sombrio apenas para ter sua barriga atravessada pela
espada púrpura. Aproveitando-se do que parecia uma brecha, um arqueiro lançou
uma flecha em direção ao inimigo. Porém, o ser sombrio pegou a flecha no ar.
—
Mas que pena...foi quase —
O ser ironizou,com um sorriso amargo, enquanto incendiava a flecha em sua mão
até virar cinzas.
Com um estralar de dedos, ateou fogo no arqueiro. Chamas
negras derretiam a armadura no soldado enquanto todos olhavam sem saber o que
fazer.
Um guerreiro, aparentemente mais calmo que os outros,
arremessou sua adaga em direção ao oponente. Com apenas um passo para o lado, o
ser desviou do ataque e arremessou a própria espada no peito no guerreiro,
pregando-o a uma árvore. Vendo a oportunidade, outro guerreiro disparou em
direção do ser, que agora estava desarmado.
—
Tolo. — Disse o ser,
simplesmente, estendendo a mão direita, transformava a espada em sombras e a
materializava em sua mão, no tempo suficiente para se virar e cortar a armadura
e atingir até o estômago de seu oponente com um corte horizontal. — Bem, só faltam três
agora.
—
Já chega! — Disse um
dos guerreiros sobreviventes. Os outros dois sobreviventes eram Gregory e
Henry. — Você não tem
porque nos matar! Você só quer a relíquia da Luz, não é!?
—É
exatamente isso. —
Respondeu o ser. — Se
você quiser fugir, fuja. Matar vocês não é o meu objetivo. Só comecei a matança
porque sabia que vocês não se renderiam se estivessem em um grande número.
Os guerreiros sobreviventes se entreolharam. Não sabiam
se podiam confiar do demônio a sua frente: era provável que não.
—
Se é assim, eu me despeço. —
Disse o guerreiro, enquanto se afastava de Henry e Gregory.
O ser apenas observava, sem se mexer.
— Vai
realmente nos deixar ir embora assim? —
Perguntou Gregory.
—
Sim. — Disse o ser. — Se você puder confiar na
palavra de um humano seguidor das Trevas, então sim.
—
Então você é humano!? —
Perguntou Henry.
—
Sim. — Respondeu. — Tive um pai e uma mãe. Já
amei e fui amado. Nasci e ainda não fui morto.
—
Ótimo! — Disse Henry,
alegremente. —
Odiaria ser morto por um animal, demônio ou anjo. Se for para ser morto, que
seja por um guerreiro ou por um deus.
—
E você ousaria se opor a um deus? —
Questionou o ser.
—
Talvez. —Respondeu. — Mas eu teria que ter um
bom motivo. Talvez morrer bravamente conte como um bom motivo. Pra mim seria o
suficiente. Mas eu posso me contentar com um humano com poderes das Trevas.
—
Então você não teme a morte? —
Sua expressão se tornou um pouco menos séria, quase esboçando um sorriso. — Ótimo. Venha e me
enfrente.
—
Garoto! — Henry se
dirigiu a Gregory. —
Você tem muita coisa para viver. Muitos sucessos e muitos fracassos. Saia
daqui. É aqui onde eu devo morrer, mas morrerei seguindo os costumes do povo de
meu pai.
—
Como assim?
—
Meu pai era das Terras do Norte. Ele veio para cá para saquear algum reino e
acabou conhecendo minha mãe. Ele se apaixonou por ela e largou a vida de
saqueador para cuidar dela e, posteriormente, de mim. Ele me ensinou a lutar e
ensinou os costumes do povo dele. “Lutar bravamente até a morte”. Foi isso o
que me foi ensinado. Morrer perante um oponente valoroso, essa é uma das
maiores recompensas da vida!
—
Você é louco!
—
Talvez. — Henry não
pode conter as risadas. —
Venha me enfrentar, criatura das Trevas!
Em uma fração de segundos, o ser havia surgido atrás de
Henry, que teve seus dois braços cortados em uma fração de tempo ainda menor.
—
Para você, que é do povo do norte, só lhe desejo a morte. — Disse o ser, com os olhos
ainda mais vermelhos e trincando os dentes.
Novamente, com um estralar de dedos, o ser ateou seu fogo
negro a um guerreiro. Dessa vez, Henry agonizava até a morte, enquanto Gregory,
que não havia conseguido fugir no curto período de tempo, olhava e se
enraivecia.
— Desgraçado! Vocês, seres
das Trevas, trarão a ruína do mundo se a Luz não impedir vocês! Piedade? Honra?
Justiça? Isso e muito mais são negados por vocês, escória do mundo!
—
E vocês da Luz podem dizer alguma coisa? —
A expressão no rosto do ser voltou a ser fria e séria. — Vocês promoveram tantos massacres quanto às
Trevas ao longo dos anos. Perceba algo logo, moleque: não há o Bem, não há o
Mal, é tudo uma questão de perspectiva. A Luz pode afetar o planeta tanto
quanto as Trevas, e cada qual tentará justificar de seu modo. Olhe para seus
amigos clérigos. Eles não se importam se vocês morram ou não. Eles só estão se
preocupando na sobrevivência deles mesmos desde o começo. Por isso que criaram
a barreira só envolta deles. Eu me aliei ás Trevas por um motivo pessoal, só
isso. E antes de me aliar às Trevas, eu era aliado da Luz, para proteger o
reino onde fui criado. Pare de defender cegamente o seu ponto de vista, ainda
mais quando seus argumentos são tão vazios.
—
Eu...eu...
Nesse momento, Gregory ergueu sua espada e correu em
direção do ser, apenas para ser cortado horizontalmente no meio.
—E
é por isso que fanáticos da Luz me irritam tanto. — Apontou em direção dos clérigos, ainda sob
seu escudo. — Vocês
acham que todo sangue derramado por vocês é justificado por algum ideal maior.
Justiça? Por favor, nem falem nada sobre justiça. Vocês sempre são os heróis de
qualquer conto ou lenda, ou até da própria História. As Trevas pelo menos são
sinceras e aceitam o fato de que matar nem sempre tem alguma justificativa
plausível.
O ser olhava para a barreira luminosa a sua frente. Ao
estender sua mão envolta por trevas contra a barreira, um dos clérigos começou
a rir.
—
Qual é a graça? —
Questionou o ser, um pouco irritado.
—
Enquanto nós três estivermos mantendo essa barreira, qualquer ataque externo é
inútil! — Respondeu
um dos clérigos. —
Você teria que ser o próprio Senhor das Trevas para derrubar essa barreira!
—
Bem, vamos por isso a prova então. —
Disse o ser, com escárnio.
Com um soco, o braço do ser atravessou a barreira de luz,
bem como o corpo do clérigo que o desafiara. Rapidamente, o ser repetiu o
processo com os outros. Logo, os três clérigos estavam mortos e a barreira,
abaixo.
—
Achei que teria mais tempo para carregar o ataque, mas deve ser o suficiente. — Disse o líder dos
clérigos. —Você não
deve morrer imediatamente, mas posso matá-lo em uma segunda tentativa.
O líder criou uma explosão de luz em sua volta,
envolvendo o ser a sua frente.
—
Patético. — Disse o
ser, enquanto andava em direção ao líder. A criatura estava envolta pela
própria aura sombria, que agora brilhava intensamente.
—Mas...não...o
que você é!? — A
expressão no rosto do clérigo era de pavor.
— Adivinhe.
Eu não sou o Lorde das Trevas, Eu sou humano. Essas são as dicas.
O ser avançava em direção ao líder, que agora havia caído
de costas e rastejava futilmente para trás, com uma expressão de medo ainda
maior estampada em seu rosto.
—Você
é o...Escolhido dele!? —
Perguntou o líder, tremulo. —
Você é o Escolhido do Deus das Trevas!?
—
Sim. Tristan é o meu nome —
Disse o ser, com uma expressão de superioridade. —
Agora, me dê o bracelete. —
Tristan puxou o braço do clérigo e, com um corte da espada, decepou o antebraço
direito do oponente.
—
Maldito! — O líder
gritava de dor enquanto sangrava.
—Ótimo.
Só tenho que destruir isso agora. —
Disse o ser, enquanto olhava para a relíquia que segurava.
—
Você está louco? Essa relíquia é indestrutível!
Tristan colocou o bracelete no chão. Concentrou sua
energia das Trevas na perna e pisou em cima do bracelete, quebrando-o em
dezenas de pedaços.
—
O que você disse mesmo? —
Disse Tristan, olhando para o clérigo com certa decepção.
—
Seu...demônio! —
Gritou o líder, enquanto lançava uma pequena explosão de luz na direção de
Tristan.
O Escolhido pegou a explosão de luz com as duas mãos e
foi comprimindo-a até desaparecer. Tristan deslocou-se em direção ao clérigo,
que estava quase inconsciente, porém, ainda com uma expressão estupefata, sem
compreender os limites do poder do oponente. Sem cerimônias, o ser das Trevas
fincou sua espada no peito dele.
Com o bracelete destruído e os seguidores da Luz mortos,
a missão de Tristan estava concluída. Agora, ele deveria voltar ao Império das
Trevas. Logo, o Escolhido se transformou em sombras e sumiu no horizonte.
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