quarta-feira, 18 de março de 2015

Conto de Terror 2

Playlist 0


Mais um dia que eu prometi a mim mesmo dormir cedo. Mais um dia que eu quebrei essa promessa. Eu culparia a internet...mas já fiz isso muitas. A culpa é minha. E somente minha. Se eu tivesse ido dormir cedo naquela noite, eu estaria bem disposto no dia seguinte. Essa é parte óbvia. A parte que ninguém poderia prever seria a seguinte.
Eu já havia navegado por centenas de sites. Todos muito atraentes, porém, poucos realmente bons. Eu já havia acessado dezenas de blogs, assistido a mais algumas dúzias de vídeos e lido críticas sobre músicas e jogos que seriam lançados em breve. Eu bocejava. Minhas pálpebras pesavam. A claridade da tela do meu computador era a única coisa que parecia me manter acordado. “Talvez eu devesse ir dormir logo...”. Eu murmurei. É...eu falo sozinho de vez em quando. Talvez eu fizesse aquilo para me manter acordado. Bem...não importa. Eu estava prestes a dormir quando...eu recebi uma mensagem. Um amigo meu, com os mesmos hábitos noturnos esquisitos que eu tinha, acabará de me mandar uma mensagem. “Ah...certo. Durmo depois de responder ele...”.
“Você tem coragem?”. Era o que a mensagem de J, apelido desse amigo, dizia. Junto com ela, um link. Eu sorri. Conhecendo o J, é algo para tentar me assustar. Sem hesitar, cliquei no link. Rapidamente, uma nova página se abriu. “Playlist 0”. Era a única coisa escrita. As letras vermelhas no fundo preto pareciam brilhar. Fora isso, nada demais. “O que é isso?”. Perguntei a J. “Não sabe o que é uma playlist, não?”. Ele respondeu. Antes que eu pudesse digitar algo, mais uma mensagem apareceu. “Apenas baixe a playlist. E ouça. E...tente não se assustar...”. Apesar de estar cansado, eu consegui rir. “Como se eu me assustasse tão fácil! Não se preocupe, eu vou baixar. Depois eu ouço. Te vejo amanhã J”. Logo após digitar essas palavras, baixei o arquivo. Espantosamente, o arquivo foi baixado em apenas alguns segundos. Mesmo assim, meus olhos ardiam. Eu tinha que dormir. Eu ouviria a playlist no dia seguinte.
Eu...nem sonhei naquela noite. Parecia que eu só havia piscado e o despertador tocou. Eu nem estranhei isso. Nada era tão surreal quanto o fato de eu ter acordado bem disposto. Eu levantei da cama quase...agitado. Eu fui até o meu computador. Lá estava a playlist. Rapidamente, passei o arquivo para o meu celular. Foi ai que eu percebi que o J havia me deixado uma mensagem. “Eu não acho que eu vou pra aula amanhã. To pressentindo que eu vou estar doente...”. Eu ri. Era bem típico do J. “Ótimo. Depois eu te falo o que eu achei da playlist. Acho que eu devo ouvir enquanto eu volto da escola”. Após digitar isso, sai do quarto.
O dia passou bem tranquilamente. Tomei um banho. Me arrumei para ir para a aula. Tomei meu café da manhã. Me certifiquei que eu carregava os meus fones de ouvido. Minha querida mãe me levou para a escola. E...bem, eu nem me lembro quais aulas eu tive naquele dia. É incrível como, apesar de se estar bem disposto, a escola consegue te deixar cansado. Sim...eu dormi em algumas aulas. Não creio ter perdido nada de excepcional.
Enfim, o dia de aula chegou ao fim. Minha mãe trabalhava durante o meu horário de saída. Não tinha problema. Uma caminhada de vinte minutos se torna menos cansativa enquanto se ouve música. Mas...um contratempo surgiu. Os meus fones de ouvido. Eu não sabia onde eles estavam. Eu tinha certeza que eu os havia pegado de manhã. Onde eles estariam...? “Algum problema?”. Uma voz familiar me perguntou. Era K. Sim, o apelido dela era a letra inicial do nome dela, como o de J. A propósito, o meu apelido era R. É...nós não éramos muito criativos para criar apelidos, mas éramos bons amigos. “Eu não consigo encontrar os meus fones de ouvido...”. Respondi. “Você deve ter se esquecido deles, se eu te conheço...”. K sorriu e abriu um dos zíperes da mochila dela. De lá, ela tirou os fones dela. Eles...não eram muito discretos. Eram daqueles que cobriam suas orelhas. “Eu posso te emprestar esses. Você vai precisar deles se você quiser ouvir a Playlist 0, não é verdade?”. Ela disse. Eu senti um pequeno calafrio percorrer a minha espinha. “Como você sabe...?”. Eu comecei a perguntar, mas ela me interrompeu. “Eu que enviei a playlist pro J. Isso foi ontem. Logo em seguida, falei pra ele te passar depois. Ai, eu fui dormir”. K sorriu. Droga. Sempre que ela sorria, eu ficava um pouco bobo. Eu não poderia recusar os fones agora. Apesar de um pouco relutante, eu peguei os fones e me despedi dela.
Finalmente, eu poderia ouvir a Playlist 0. Agora, eu preferia nunca ter ouvido, mas, naquele dia, eu não sabia o que eu ouviria. Enquanto eu andava, a música começou a tocar. O som de uma guitarra, um baixo e uma bateria surgiram sem ritmo algum. Era apenas barulho. Foi ai que o vocal veio. Uma voz extremamente rouca e gutural começou a dizer palavras em algum idioma que eu não conhecia. Eu ri. Eu achava que se tratava apenas de uma banda de metal de garagem. Devia ser apenas uma brincadeira. Tanto do J tanto da K. Tanta expectativa...pra ouvir aquilo? Eu achei engraçado, mas...ao mesmo tempo, eu fiquei um pouco decepcionado.
Enquanto a música chegava ao fim, com a música ficando cada vez mais baixa, percebi que eu já devia estar chegando. Em mais uns cinco minutos, eu já deveria estar em casa. Foi ai que a música mudou completamente. Os instrumentos foram substituídos por um piano tocando suavemente. De repente, uma risada surgiu. Ela...parecia ecoar dentro da minha cabeça. A voz...era a mesma do vocalista. Disso eu tenho certeza. Aquela voz rouca e profunda...não creio que outra pessoa no mundo tenha uma voz daquelas. A risada veio seguida de gritos. Não. Esses gritos não eram como os da música. Esses gritos...eram horripilantes. Primeiro, foi o de uma mulher. Em seguida, o de um homem a acompanhou. Desespero. Era isso. Era esse o sentimento que eu sentia daqueles gritos esganiçados. Em seguida, o homem e a mulher pareciam começar a chorar e, com dificuldade, implorar. Eles...estavam implorando...para serem soltos. Para poderem viver. Mas a voz sinistra apenas ria. Foi nesse momento que eu decidi parar de ouvir aquilo. Entretanto...naquela situação, eu não tinha livre arbítrio.
Eu parei de andar. Rapidamente, peguei meu celular. Apertei na tela o botão para parar a música...em vão. A música, se é que eu poda chamar aquilo assim, não parou. Eu tentei desligar o celular. Também não deu certo. Bem, o meu celular não era muito novo e nem estava em condições muito boas, mas...aquilo era novidade. Decidi então desconectar o fone. Sem resultado. Não importava quanta força eu fizesse. O fone parecia colado ao celular. Tentar arrebentar o fone também não funcionou. Tirar os fones? Quem me dera. Quanto mais eu tentava, mais forte parecia que aquilo apertava a minha cabeça. E, é claro, os gritos, súplicas e o riso maligno continuavam. Minhas pernas tremiam, mas tentei não pensar nisso. Acelerei o passo, esperando chegar a minha casa o mais rápido possível. Lá...eu estarei seguro. Era o que eu esperava.
Agora...essa parte do meu dia foi como um pesadelo. Eu estava praticamente correndo em direção a minha casa. Novos sons haviam surgido na...bem...música. Era o som de algum líquido fervendo e...outra sendo afiada, como duas lâminas raspando uma na outra repetidas vezes. Tenho certeza disso. E, é claro, os outros sons perturbadores não haviam cessado. Na verdade, eles pareciam haver piorado. A risada havia se tornado mais alta. As vozes do homem e da mulher haviam sido abafadas por algo. Minha cabeça havia começado a latejar de dor. Minha visão parecia ir se tornando embaçada a cada passo. Eu lutava para manter a mesma velocidade.
Eu quase havia esquecido que havia outras pessoas na rua. Mas aí percebi que elas passavam apressadamente a minha volta, apontando dedos na minha direção. Eu imagino que a minha aparência não deveria estar muito boa. Elas me encaravam como se eu fosse um monstro. Sem exceção. Crianças voltando da escola. Senhoras que pareciam passear. Um casal bem arrumado. Até um rapaz...estranho. Acho que essa é a palavra para descrevê-lo. Ele parecia ser o típico trombadinha, mas...ele estava com medo. Pelo menos era o que eu achava. Ele andou diretamente contra mim. Quase instintivamente, chequei meus bolsos. Minha carteira e chave continuavam no meu bolso esquerdo. Quanto ao meu bolso direito...nem me dei ao trabalho de checar. Apenas o meu celular estava nela. Os barulhos ainda me atormentavam. Os fones ainda apertavam a minha cabeça. Logo, meu celular ainda estava no bolso. Ao perceber que eu estava a não mais de duzentos metros da minha casa, eu resolvi correr.
A voz riu mais alto. Em seguida, veio o som do líquido fervente...sendo arremessado contra o homem e a mulher. Não era muito diferente do som de um bife sendo frito...com a óbvia diferença que bifes não gritavam de dor. Mesmo abafados, os gritos me apavoram até hoje.
Enfim, eu cheguei até a porta de minha casa. Eu tirei a chave do meu bolso. No mesmo instante, a risada se tornou ainda mais alta. Quando coloquei a minha no buraco da fechadura...veio o som de metal cortando através de carne. Eu não sei exatamente o que era. Talvez fosse um cutelo, mas...a única coisa que eu tenho certeza é de que o homem e a mulher não devem ter sobrevivido. Inúmeros golpes pareciam cortar os corpos deles. No começo, eles gritavam desesperadamente, mas, com o tempo...cessaram. Foi nesse instante que eu percebi que eu estava parado na frente de minha casa. Rapidamente, eu girei a chave e, em seguida a maçaneta, entrando abruptamente em minha casa.
Aí...eu vi aquilo. A cena estava em preto e branco. Eu estava em uma sala sem janela alguma. No chão...os restos de duas pessoas esquartejadas. O sangue estava impregnado no local. Não só o líquido, como também o cheiro. Eu...estava quase vomitando. Ao me virar para trás...ele me encarava. Não sei o que era aquilo. Parecia uma pessoa...mas...não podia ser. O corpo era musculoso, porém, esguio. Ele devia ter quase dois metros de altura. A pele era negra como carvão...e sem brilho algum. Ele não tinha cabelo. Sua cabeça era um oval...praticamente lisa. Aquilo não tinha nariz...nem orelhas. Os olhos eram apenas círculos brancos. A boca era apenas um buraco largo na cabeça daquilo. Os dentes pareciam ser feitos da mesma coisa do que era a pele. Então...ele riu. Aquela mesma risada cruel e profunda que eu já estava ouvindo a mais tempo do que eu queria. “Não dê importância para esses dois que estão no chão. Eles não são ninguém que você conhece...”. O monstro disse calmamente, o que me perturbou ainda mais. “Mas...aqueles menino e aquela menino...aqueles seus amigos que também ouviram a minha voz...”. Ele parou de falar e moveu a mão dele rapidamente contra minha cintura. Ele...poderia ter me matado...mas não o fez. Eu olhei para a mão do monstro. Percebi que as pontas de seus dedos se alongavam como garras negras. Meu celular e parte do fio do fone estavam com ele agora. “Você deve se preocupar com esses seus amigos. Aliás...só com a menina. O menino...já não tem mais salvação...”. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, a cena se desfez.
Eu...acordei. Eu...estava na minha cama. Eu estava confuso...muito confuso. Mas, ao pensar que tudo havia sido um pesadelo...eu me senti aliviado. Eu consegui sorrir. Mas aí...percebi algo. Os fones de ouvido. Eles ainda estavam em minha cabeça. Num movimento desesperado, tentei tirá-los e...consegui. Eles se soltaram sem dificuldade. Eu respirei fundo...mas a risada do monstro ainda me atormentava. Dentro da minha cabeça...aquilo ainda ria. Eu puxei o fio do fone. Ele estava arrebentado. Meu celular não estava no meu bolso. “Filho!” Minha mãe gritou e entrou no meu quarto. Ela estava com um telefone na mão. Seu rosto estava aflito. “Filho! Aquele seu amigo...o Jonathan...”. Ela não precisava terminar de falar. J estava morto. E eu logo estaria também.

E é por isso que eu escrevo isso. Se por algum acaso alguém encontrar a Playlist 0 em algum lugar...não a ouça...

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